Democracia é o tema do segundo livro do IPEA da coletânea sobre Estado, Instituições e Democracia.
Participação, transparência, controle social e políticas públicas, dentre outras questões, são abordadas por pesquisadores do próprio IPEA e pesquisadores como Leonardo Avritzer, Lucio Rennó, Rachel Meneguello e Renato Lessa.
O projeto, que inclui ainda dois outros livros (um sobre República e o outro sobre instituições), foi coordenado por José Celso Cardoso Jr. O volume sobre democracia foi organizado por Fábio de Sá e Silva, Felix Garcia Lopez e Roberto Rocha Pires, todos colegas de trabalho no IPEA.
Baixe o livro gratuitamente.
... e feliz 2011!
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31 dezembro 2010
27 dezembro 2010
A hora e a vez da avaliação das políticas públicas
A experiência brasileira está se tornando uma referência, mas ainda é necessário consolidar essa atividade na administração.
Artigo de Rômulo Paes, secretário-executivo do MDS, médico, especialista em Avaliação de Políticas Públicas, PHD em Epidemiologia, pela Universidade de Londres.
Fonte: Valor Econômico, em 22.12.10.
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Artigo de Rômulo Paes, secretário-executivo do MDS, médico, especialista em Avaliação de Políticas Públicas, PHD em Epidemiologia, pela Universidade de Londres.
A gestão pública tem incorporado recentemente novas funcionalidades no Brasil e no mundo. Uma delas é a necessidade de se monitorar e avaliar as políticas e ações públicas. A experiência brasileira está se tornando uma referência, mas ainda é necessário consolidar essa atividade na administração.
Com um modelo federativo descentralizado e níveis de gestão autônoma nos Estados e municípios, o Brasil é grande e diverso. Além disso, a administração tem um tamanho considerável - o país tem uma das maiores estruturas de gestão pública do mundo.
Isso é devido a dois motivos. Um deles é o tamanho da população - a prévia do Censo 2010 calcula a existência de 190,7 milhões de brasileiros. O outro é a forte presença do Estado, que optou por operar e ofertar bens e serviços públicos, sobretudo na área social, enquanto outros governos preferiram transferir essas tarefas para o setor privado.
Todos os níveis governamentais - federal, estaduais e municipais - estão hoje preocupados com a qualidade dos serviços sociais e, por isso, a boa gestão é essencial. Essa característica da administração pública brasileira fez surgir avaliações e monitoramentos nas duas direções, ou seja, não apenas de cima para baixo mas também de baixo para cima.
A avaliação de cima para baixo trata do esforço que as instâncias de coordenação fazem para que o governo acompanhe ampla e horizontalmente suas ações. É o caso do Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento (Sigplan), do Ministério do Planejamento, e do monitoramento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Casa Civil.
O inverso também ocorre: as áreas setoriais se esforçam em desenvolver sistemas que tenham maior interface com seus temas. Aí encontramos experiências não só no executivo, como no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Ministério da Educação, mas também no próprio Tribunal de Contas da União (TCU).
No MDS, foram mais de 92 pesquisas concluídas, em execução ou em processamento entre 2005 e 2010, sendo 20 delas sobre o programa Bolsa Família. O IBGE também tem contribuído com as PNADs e diversos suplementos requisitados e financiados pelo Ministério. Elaboramos ainda pesquisas longitudinais, como a que avaliou as condições de vida de 11,4 mil domicílios, inscritos ou não no programa Bolsa Família, em 2005, (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, da Universidade Federal de Minas Gerais, o Cedeplar), e depois em 2009 (Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares/Datamétrica, IFPRI). São estudos robustos, essenciais para avaliar e monitorar um programa desse porte, que atende a 12,4 milhões de famílias.
Essas pesquisas ajudam a redimensionar a implementação das políticas públicas. Um exemplo de adequação foi incluir jovens de até 17 anos no Bolsa Família, ao constatar que meninos e meninas de 14 anos estavam abandonando as atividades escolares. Os estudos apontaram também que a permanência das crianças na escola - estimulada pela condicionalidade do programa - não garantia um melhor desempenho, até porque as unidades de ensino tinham dificuldades em receber esses alunos antes excluídos. A segunda etapa do estudo do IFPRI (2009), no entanto, mostrou que esse desempenho melhorou porque as escolas estavam mais adaptadas para a demanda e também as famílias compreendiam melhor a exigência do programa. Os estudos de avaliação permitem um redesenho dos programas, direcionando-os para ações mais eficazes e eficientes, o que futuramente gera melhor alocação de recursos e ações de melhor qualidade.
Assim, a necessidade de monitoramento e avaliação aparece nas instâncias de coordenação e também nas unidades executoras, demonstrando uma convergência conceitual e metodológica, demandando compartilhamento de ferramentas, capacitações e desenvolvimento de competências. Isso reflete o esforço dessas áreas para o maior domínio do monitoramento e avaliação, trazendo luz a questões relacionadas à execução de programas.
A experiência brasileira tem aspectos inovadores porque os estudos de implementação das políticas possuem grande relevância. No caso das políticas sociais, são os municípios que as executam e acompanham beneficiários, constroem e administram unidades de segurança alimentar e nutricional, por exemplo. Mas a diversidade das administrações gera uma heterogeneidade muito grande na execução das políticas. Assim, analisar e avaliar a implementação pode explicar e ajudar a compreender a variação encontrada nos resultados dos programas.
A experiência do executivo federal tem se multiplicado em instâncias estaduais - Pernambuco, São Paulo, Ceará e Minas Gerais - e municipais. Há também envolvimento das universidades tanto na execução de estudos específicos como na formação de profissionais. Temos experiências na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), na UFMG, no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, na Fundação Osvaldo Cruz e no IPEA.
Por fim, temos os organismos internacionais buscando disseminar esse tipo de experiência, ao mesmo tempo permitindo que os resultados brasileiros sejam conhecidos e reconhecidos no exterior.
O Brasil hoje se encontra numa situação ímpar. Mas ainda temos muitos desafios, como a pouca quantidade de especialistas nos órgãos públicos e a necessidade de contratação de pesquisas de longo prazo, que muitas vezes são incompatíveis com os tempos legais da administração pública.
É chegada a hora de termos uma ação mais organizada e coordenada pelas instâncias competentes. É chegada a hora de disseminarmos o conhecimento da avaliação e monitoramento de políticas públicas, não apenas no governo federal mas também nos Estados e municípios. É importante também termos publicações específicas sobre o assunto e fortalecermos as redes disseminadoras desse conhecimento e os eventos voltados exclusivamente para apresentação de resultados, compartilhamento de metodologias e ferramentas. Esse é o passo adiante que devemos tomar.
Fonte: Valor Econômico, em 22.12.10.
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26 dezembro 2010
Estado, Instituições e Democracia
O primeiro livro do IPEA sobre Estado, Instituições e Democracia é dedicado à reflexão sobre o Estado republicano.
Além de textos de pesquisadores do IPEA (eu, inclusive), lá estão artigos de Fernando Abrucio, Leonardo Avritzer, Luiz Werneck Vianna e Gabriel Cohn.
Meu artigo trata da configuração institucional do Poder Executivo no Brasil e pode ser lido a partir da página 65.
O projeto, que inclui ainda dois outros livros (um sobre democracia e o outro sobre instituições), foi coordenado por José Celso Cardoso Jr. e organizado por Alexandre dos Santos Cunha, Bernardo Abreu de Medeiros e Luseni Maria C. de Aquino, todos colegas de trabalho no IPEA.
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Além de textos de pesquisadores do IPEA (eu, inclusive), lá estão artigos de Fernando Abrucio, Leonardo Avritzer, Luiz Werneck Vianna e Gabriel Cohn.
Meu artigo trata da configuração institucional do Poder Executivo no Brasil e pode ser lido a partir da página 65.
O projeto, que inclui ainda dois outros livros (um sobre democracia e o outro sobre instituições), foi coordenado por José Celso Cardoso Jr. e organizado por Alexandre dos Santos Cunha, Bernardo Abreu de Medeiros e Luseni Maria C. de Aquino, todos colegas de trabalho no IPEA.
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07 dezembro 2010
A mulher da língua de trapo
"Eu sempre fui mesmo uma língua de trapo" foi uma maneira que a economista Maria da Conceção Tavares encontrou para autodefinir-se,
em encontro no IPEA, durante a Conferência sobre Desenvolvimento do Instituto (26 de novembro de 2010).
Em homenagem a Conceição Tavares, o IPEA coloca gratuitamente à disposição do público o livro Desenvolvimento e Igualdade. Trata-se da reedição do texto mais conhecido da economista, "O processo de substituição de importações como modelo de desenvolvimento na América Latina, o caso do Brasil".
Há também uma entrevista com a professora, que conta sua trajetória política e intelectual. É ali onde ela se esmera em por em ação sua língua... de trapo:
"Ele virou sórdido" (sobre o economista e ex-ministro, Roberto Campos).
"Eu fiquei na Barão de Mesquita (quartel do Exército na Tijuca, Rio de Janeiro), soube depois, pois fui levada pra lá de capuz, entrei direto naquelas celas geladas". (sobre a prisão durante a ditadura no Brasil).
"Este não era país para parlamentarismo. Com o parlamento que a gente tem? Aí eu disse: “Vou sair do PMDB”, que estava virando uma xonga". (sobre o tempo em que esteve no PMDB, na época de Ulisses Guimarães).
"Fui pedir ingresso no Partido dos Trabalhadores (PT), mas o pessoal do PT era muito xiita àquela altura... e achava que eu era reformista".
"Foi um mandato muito cansativo, muito depressivo, porque éramos derrotados sistematicamente. Fernando Henrique Cardoso (FHC) fez as reformas que quis" (sobre o período em que foi deputada federal, durante o Governo FHC).
"[O Lula] fez muitas universidades, o pessoal diz que ele não fez universidade, não fez o cacete (risos)! Ele ficou anos ouvindo o pessoal. No final, sabia mais que nós todos juntos. Exceto filosofia, que ele não era muito dado a isso (risos)".
"Pessoalmente, parei de escrever depois que gastei todo meu latim, inclusive com o Lula".
"Só com o Lula é que ficou claro que estabilidade era importante e prioritária. Na verdade, tardou muito a ter um pensamento de esquerda organizado para conseguir estabilidade junto com crescimento".
"Os mais ricos a gente nem sabe que renda eles têm. Eles não declaram renda."
"Keynesianos bastardos quando acham que têm de ajustar fiscalmente acham que têm de cair os salários".
"O desenvolvimento do Delfim Netto – o Milagre – foi uma barbárie".
"A política macroeconômica pode assassinar" (sobre o impacto de políticas macroeconômicas desastrosas nas camadas mais pobres da população).
Baixe e leia o livro Desenvolvimento e Igualdade.
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05 dezembro 2010
A Revolução de 1930
Além de dar fim ao regime que apelidou de "República Velha", a Revolução de 1930 marcou profundamente a formação do Estado brasileiro.
Mesmo passados 80 anos de sua eclosão (em 3 de outubro de 1930), muitas de suas inovações passaram a fazer parte de uma longa trajetória da política e das políticas públicas no Brasil.
O evento marca o aparecimento de uma figura fundamental para a política brasileira: Getúlio Vargas.
O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDoc/FGV) organizou um portal que apresenta um rico acervo de documentos (escritos e audiovisuais), depoimentos, artigos e livros sobre o tema, de acesso público e gratuito.
- O livro organizado por Dulci Pandolfi, uma coletânea de textos, alguns deles de grandes estudiosos do Estado Novo. PANDOLFI, Dulci. Repensando o Estado Novo. Organizadora: Dulce Pandolfi. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999. 345 p.
- O livro A Revolução de 30, publicado pela UnB, resultado de seminário internacional (1982).
- As entrevistas do historiador Boris Fausto, autor de um clássico sobre o tema: o livro A Revolução de 1930: historiografia e história.
- O livro coordenado por Ângela de Castro Gomes, Regionalismo e Centralização (Editora Nova Fronteira, 1980).
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01 dezembro 2010
Você sabe com quem está falando?
Artigo discute a comunicação feita pelo poder público, aquela que ficou estigmatizada como "chapa branca" e que tem como maior emblema "A Voz do Brasil".
Passadas duas décadas e meia desde o fim da ditadura militar, a comunicação produzida diretamente pelo Estado ainda carrega essa imagem negativa, como uma herança maldita, ou um fantasma a assombrá-la.
Publicada pelo IPEA no "Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil", a análise propõe organizar a comunicação do Estado como uma forma de serviço público.
Faço uma dura crítica tanto à mania de imitar a comunicação da mídia tradicional privada e aos "maneirismos" do marketing comercial (empregado na publicidade do setor público) quanto à concepção de comunicação pública. Largamente disseminada no debate acadêmico, comunicação pública representa um conceito vazio, sem lastro teórico, inconsistente.
Considero ainda mais grave o fato de que parte significativa da comunicação produzida, veiculada e financiada pelo Poder Executivo não se assumir enquanto tal, simulando uma pretensa independência e isenção, o que na verdade é uma forma de dissimulação. Isso descumpre uma regra básica do ato comunicativo: a de que se deve deixar claro quem é o emissor, ou seja, com quem se está falando.
Se o modelo da ditadura faliu, o fato é que nenhum outro modelo se apresentou para por de pé um novo formato da comunicação do poder público, democrático, participativo e republicano. Este é o desafio.
Abra e faça o download. Leia o documento.
Gostaria muito de receber suas sugestões e críticas.
Use o espaço dos comentários e participe deste debate.
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Passadas duas décadas e meia desde o fim da ditadura militar, a comunicação produzida diretamente pelo Estado ainda carrega essa imagem negativa, como uma herança maldita, ou um fantasma a assombrá-la.
Publicada pelo IPEA no "Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil", a análise propõe organizar a comunicação do Estado como uma forma de serviço público.
Faço uma dura crítica tanto à mania de imitar a comunicação da mídia tradicional privada e aos "maneirismos" do marketing comercial (empregado na publicidade do setor público) quanto à concepção de comunicação pública. Largamente disseminada no debate acadêmico, comunicação pública representa um conceito vazio, sem lastro teórico, inconsistente.
Considero ainda mais grave o fato de que parte significativa da comunicação produzida, veiculada e financiada pelo Poder Executivo não se assumir enquanto tal, simulando uma pretensa independência e isenção, o que na verdade é uma forma de dissimulação. Isso descumpre uma regra básica do ato comunicativo: a de que se deve deixar claro quem é o emissor, ou seja, com quem se está falando.
Se o modelo da ditadura faliu, o fato é que nenhum outro modelo se apresentou para por de pé um novo formato da comunicação do poder público, democrático, participativo e republicano. Este é o desafio.
Abra e faça o download. Leia o documento.
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30 novembro 2010
Redes sociais no Brasil
Cada vez mais, tais redes ganham espaço na internet e se tornam o filtro essencial da comunicação na web.
Acesse "O fenômeno das redes sociais no Brasil" (IBOPE, 2010).
A análise faz uma aposta que tem se tornado comum: as redes podem substituir a antiga comunicação por email, basicamente por tornar mais "amigáveis" (em todos os sentidos) as formas de organização da informação. Pelas redes sociais é possível achar e escolher com quem se quer comunicar e buscar pessoas com perfis similares, interesses próximos e temas em comum.
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27 novembro 2010
Transições presidenciais no Brasil: o começo de uma tradição
O Brasil tem deixado distantes as transições nas quais os presidentes saíam pela porta dos fundos (no caso dos golpes) ou sequer compareciam à posse do sucessor. Uma nova trajetória aos poucos se consolida.
A análise a seguir é do cientista político e professor Leonardo Barreto, extraída do seu blog, Casa de Política.
Formação do gabinete ministerial
Leonardo Barreto, 25 Novembro 2010.
É interessante observar como alguns processos políticos vão se institucionalizando e se tornando "novas" tradições no Brasil. A formação do primeiro ministério Dilma é um exemplo: parece haver três grupos de ministros/autoridades que são escolhidos a partir de critérios distintos.
O grupo 1 seria o dos ministérios e outros órgãos de gestão econômica: Fazenda, Planejamento, BACEN, BNDES, Tesouro e Receita. Eles não entram na negociação dos partidos e a lógica técncia se sobrepõe à lógica política. O mercado também é ouvido.
O grupo 2 é o dos ministérios de articuação política e assessoramento pessoal da presidenta: Casa Civil, Relações Institucionais, Justiça e Secretaria da Presidência. O que conta aí é a confiança pessoal de Dilma. Também não entram na "rifa" dos partidos aliados.
Por fim, o grupo 3 compreende os ministérios negociados com a base aliada. Sua distribuição é fundamental para a formação da base de governo. Cidades, Saúde, etc... . Esses são os que Dilma ainda precisa nomear. Fará isso em conjunto com sua articulação política, as bancadas congressuais e os presidentes e líderes de partidos aliados.
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A análise a seguir é do cientista político e professor Leonardo Barreto, extraída do seu blog, Casa de Política.
Formação do gabinete ministerial
Leonardo Barreto, 25 Novembro 2010.
É interessante observar como alguns processos políticos vão se institucionalizando e se tornando "novas" tradições no Brasil. A formação do primeiro ministério Dilma é um exemplo: parece haver três grupos de ministros/autoridades que são escolhidos a partir de critérios distintos.
O grupo 1 seria o dos ministérios e outros órgãos de gestão econômica: Fazenda, Planejamento, BACEN, BNDES, Tesouro e Receita. Eles não entram na negociação dos partidos e a lógica técncia se sobrepõe à lógica política. O mercado também é ouvido.
O grupo 2 é o dos ministérios de articuação política e assessoramento pessoal da presidenta: Casa Civil, Relações Institucionais, Justiça e Secretaria da Presidência. O que conta aí é a confiança pessoal de Dilma. Também não entram na "rifa" dos partidos aliados.
Por fim, o grupo 3 compreende os ministérios negociados com a base aliada. Sua distribuição é fundamental para a formação da base de governo. Cidades, Saúde, etc... . Esses são os que Dilma ainda precisa nomear. Fará isso em conjunto com sua articulação política, as bancadas congressuais e os presidentes e líderes de partidos aliados.
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A qualidade da informação jornalística em questão
Qual o nível de excelência técnica e qualidade de serviços e produtos da indústria jornalística brasileira?
A pesquisa Indicadores da Qualidade da Informação Jornalística dá algumas pistas.
Foi realizada por pesquisadores brasileiros, em parceria da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com a Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi).
Conheça a pesquisa e divulgue seus resultados:
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A pesquisa Indicadores da Qualidade da Informação Jornalística dá algumas pistas.
Foi realizada por pesquisadores brasileiros, em parceria da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com a Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi).
Conheça a pesquisa e divulgue seus resultados:
- Indicadores da qualidade no jornalismo: políticas, padrões e preocupações de jornais e revistas brasileiros
- Jornalistas e suas visões sobre qualidade: teoria e pesquisa no contexto dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia da UNESCO
- Sistema de gestão da qualidade aplicado ao jornalismo: uma abordagem inicia
Qualidade jornalística: ensaio para uma matriz de indicadores - Qualidade jornalística: ensaio para uma matriz de indicadores
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22 novembro 2010
O profeta do apocalipse norteamericano
O imperialismo é uma forma de tirania. O militarismo engendrado pelo imperialismo é a ruína da própria democracia norteamericana. Os Estados Unidos devem abdicar de seu imperialismo caso queiram preservar sua democracia.
Estas são algumas teses centrais do especialista em política internacional, Chalmers Johnson.
Entrevista concedida por Chalmers Johnson ao canal "Democracy Now", em 2007.
O profeta do apocalipse norteamericano
Antonio Lassance
Artigo publicado pela Agência Carta Maior
O imperialismo é uma forma de tirania. O militarismo engendrado pelo imperialismo é a ruína da própria democracia norteamericana. Os Estados Unidos devem abdicar de seu imperialismo caso queiram preservar sua democracia.
Estas são algumas teses centrais formuladas pelo especialista em política internacional, Chalmers Johnson, que morreu aos 79 anos de idade, no último sábado, dia 20 de novembro de 2010.
Há quem diga que ele rivalizava com Henry Kissinger no que se referia à proposição de macro-objetivos para a política externa dos EUA. Uma espécie de espelho invertido do ex-chanceler de Nixon.
Conforme Johnson, a lógica da guerra absorvia a tal ponto a dinâmica da política norteamericana que sugava parte significativa de seus recursos, fazia que seu governo passasse a ser movido cada vez mais por segredos de Estado e elevava as ameaças aos direitos dos cidadãos dentro dos próprios Estados Unidos. A escalada militar tinha todos os ingredientes para a criação de um monstro, uma presidência imperial, com poderes demais e controle de menos, o reverso do sistema de pesos e contrapesos que os pais fundadores do constitucionalismo estadunidense haviam propugnado.
O livro “Blowback: the costs and consequences of American Empire” ("O tiro pela culatra: custos e consequências do Império americano"), de 2000, virou um sucesso de vendas após o 11 de setembro. Os EUA perceberam claramente que seus ataques a locais supostamente remotos os sujeitavam a contra-ataques domésticos ferozes, apocalípticos. Mais que isso, o governo Bush trilhou caminhos que cumpriam rigorosamente o roteiro da profecia de Johnson: restrições a direitos individuais, expansão armamentista, com a necessidade “imperiosa” de guerras como as do Afeganistão e Iraque, tibieza da oposição, multiplicação de operações secretas e explosão do orçamento militar.
O curioso é que Johnson foi consultor da CIA (Central de Inteligência Americana) durante a Guerra Fria. A amarga experiência da derrota no Vietnã parece ter sido decisiva para sua guinada anti-imperialista e antimilitarista.
Grande pesquisador dos países asiáticos e do Leste Europeu, disseminou nos EUA conceitos importantes, mais comuns à América Latina e Europa, como os de "Estado desenvolvimentista" e "capitalismo de Estado". Sua análise sobre o dirigismo estatal no capitalismo japonês tem sido resgatada recentemente como referencial para a análise do capitalismo chinês.
A propósito, com relação à China, ele insistiu na mesma tecla de suas análises tardias sobre a guerra do Vietnã: o pano de fundo capitalismo versus comunismo, na verdade, se movia por algo mais básico às relações internacionais, o nacionalismo. A mesma conclusão, igualmente tardia, que Robert McNamara (ex-secretário de Defesa de Kennedy) expressa melancolicamente no documentário de Errol Morris, “A névoa da guerra” (“The fog of war”, 2004).
Ilhado por defensores agressivos do neoliberalismo, Chalmers Johnson era um herético com suas teses sobre o desenvolvimento dirigido pelo Estado. Para os adeptos da teoria da escolha racional, cuja pretensão maior é a de reduzir os problemas da humanidade a expressões algébricas que podem ser resolvidas friamente, ele era tido por heterodoxo demais.
Alguns poderiam pensar que os riscos aventados por Johnson dissiparam-se com o fim da presidência de George W. Bush. Não é o que parece. O avanço de uma direita facista nos Estados Unidos, representada pelo movimento “Tea Party”, já foi considerado uma hipótese remota; hoje é um fato consumado. Se julgava, até pouco tempo, que os políticos tradicionais do Partido Republicano conseguiriam bloquear tal investida e evitariam uma radicalização. Dizia-se também que um descaminho pela ultradireita condenaria o partido à condição de absoluta minoria. Mais uma aposta desfeita. Ao que tudo indica, o profeta fez soar suas trombetas na direção certa, para os que estivessem dispostos a ouvi-lo.
Leia também a resenha de Steve Clemons.
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Estas são algumas teses centrais do especialista em política internacional, Chalmers Johnson.
Entrevista concedida por Chalmers Johnson ao canal "Democracy Now", em 2007.
O profeta do apocalipse norteamericano
Antonio Lassance
Artigo publicado pela Agência Carta Maior
O imperialismo é uma forma de tirania. O militarismo engendrado pelo imperialismo é a ruína da própria democracia norteamericana. Os Estados Unidos devem abdicar de seu imperialismo caso queiram preservar sua democracia.
Estas são algumas teses centrais formuladas pelo especialista em política internacional, Chalmers Johnson, que morreu aos 79 anos de idade, no último sábado, dia 20 de novembro de 2010.
Há quem diga que ele rivalizava com Henry Kissinger no que se referia à proposição de macro-objetivos para a política externa dos EUA. Uma espécie de espelho invertido do ex-chanceler de Nixon.
Conforme Johnson, a lógica da guerra absorvia a tal ponto a dinâmica da política norteamericana que sugava parte significativa de seus recursos, fazia que seu governo passasse a ser movido cada vez mais por segredos de Estado e elevava as ameaças aos direitos dos cidadãos dentro dos próprios Estados Unidos. A escalada militar tinha todos os ingredientes para a criação de um monstro, uma presidência imperial, com poderes demais e controle de menos, o reverso do sistema de pesos e contrapesos que os pais fundadores do constitucionalismo estadunidense haviam propugnado.
O livro “Blowback: the costs and consequences of American Empire” ("O tiro pela culatra: custos e consequências do Império americano"), de 2000, virou um sucesso de vendas após o 11 de setembro. Os EUA perceberam claramente que seus ataques a locais supostamente remotos os sujeitavam a contra-ataques domésticos ferozes, apocalípticos. Mais que isso, o governo Bush trilhou caminhos que cumpriam rigorosamente o roteiro da profecia de Johnson: restrições a direitos individuais, expansão armamentista, com a necessidade “imperiosa” de guerras como as do Afeganistão e Iraque, tibieza da oposição, multiplicação de operações secretas e explosão do orçamento militar.
O curioso é que Johnson foi consultor da CIA (Central de Inteligência Americana) durante a Guerra Fria. A amarga experiência da derrota no Vietnã parece ter sido decisiva para sua guinada anti-imperialista e antimilitarista.
Grande pesquisador dos países asiáticos e do Leste Europeu, disseminou nos EUA conceitos importantes, mais comuns à América Latina e Europa, como os de "Estado desenvolvimentista" e "capitalismo de Estado". Sua análise sobre o dirigismo estatal no capitalismo japonês tem sido resgatada recentemente como referencial para a análise do capitalismo chinês.
A propósito, com relação à China, ele insistiu na mesma tecla de suas análises tardias sobre a guerra do Vietnã: o pano de fundo capitalismo versus comunismo, na verdade, se movia por algo mais básico às relações internacionais, o nacionalismo. A mesma conclusão, igualmente tardia, que Robert McNamara (ex-secretário de Defesa de Kennedy) expressa melancolicamente no documentário de Errol Morris, “A névoa da guerra” (“The fog of war”, 2004).
Ilhado por defensores agressivos do neoliberalismo, Chalmers Johnson era um herético com suas teses sobre o desenvolvimento dirigido pelo Estado. Para os adeptos da teoria da escolha racional, cuja pretensão maior é a de reduzir os problemas da humanidade a expressões algébricas que podem ser resolvidas friamente, ele era tido por heterodoxo demais.
Alguns poderiam pensar que os riscos aventados por Johnson dissiparam-se com o fim da presidência de George W. Bush. Não é o que parece. O avanço de uma direita facista nos Estados Unidos, representada pelo movimento “Tea Party”, já foi considerado uma hipótese remota; hoje é um fato consumado. Se julgava, até pouco tempo, que os políticos tradicionais do Partido Republicano conseguiriam bloquear tal investida e evitariam uma radicalização. Dizia-se também que um descaminho pela ultradireita condenaria o partido à condição de absoluta minoria. Mais uma aposta desfeita. Ao que tudo indica, o profeta fez soar suas trombetas na direção certa, para os que estivessem dispostos a ouvi-lo.
Leia também a resenha de Steve Clemons.
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21 novembro 2010
Os presidentes da ditadura: a grande confusão
Para entender a ditadura brasileira que atravessou duas décadas (1964 a 1984), é recomendável ler os livros do jornalista Elio Gaspari. Mas, para saber ler Elio Gaspari, é preciso ler a resenha crítica feita pelo historiador Mário Maestri e pelo jornalista Mário Augusto Jakobskind, publicada na Revista NovaE.
Sua critica central é de que a tese de Gaspari, segundo a qual a ditadura tinha que acabar porque "era uma grande bagunça", é , no mínimo, simplista. Não que a ditadura não fosse uma grande bagunça, mas a bagunça talvez fosse mais consequência do que causa. Estaria mais para lenha na fogueira do que a servir de fósforo.
Os autores apontam ainda que, entre muitas informações que compõem seus livros, Gaspari navega por um "mar da trivialidade".
Segundo Maestri e Jakobskind,
"A ignorância das transformações estruturais ensejadas pela ditadura viabiliza a apresentação de sua dissolução, não como fenômeno complexo nascido do esgotamento do novo padrão de acumulação, quando da crise capitalista mundial de meados de 1970, mas como mero resultado da vontade de Geisel e Golbery, paladinos do enredo gaspariano, desgostosos com a "bagunça" militar dos anos Costa e Silva-Garrastazú Médici! Eis aí uma simplificação histórica não raramente repetida pelos ideólogos de 64, protagonistas ou não dos acontecimentos daquele período".
Leia a resenha completa na Revista NovaE.
Um panorama bastante detalhado sobre as vertentes historiográficas a respeito do Golpe de 64 e do regime ditatorial é exposto por Carlos Fico:
FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, n. 47, 2004.
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Sua critica central é de que a tese de Gaspari, segundo a qual a ditadura tinha que acabar porque "era uma grande bagunça", é , no mínimo, simplista. Não que a ditadura não fosse uma grande bagunça, mas a bagunça talvez fosse mais consequência do que causa. Estaria mais para lenha na fogueira do que a servir de fósforo.
Os autores apontam ainda que, entre muitas informações que compõem seus livros, Gaspari navega por um "mar da trivialidade".
Segundo Maestri e Jakobskind,
"A ignorância das transformações estruturais ensejadas pela ditadura viabiliza a apresentação de sua dissolução, não como fenômeno complexo nascido do esgotamento do novo padrão de acumulação, quando da crise capitalista mundial de meados de 1970, mas como mero resultado da vontade de Geisel e Golbery, paladinos do enredo gaspariano, desgostosos com a "bagunça" militar dos anos Costa e Silva-Garrastazú Médici! Eis aí uma simplificação histórica não raramente repetida pelos ideólogos de 64, protagonistas ou não dos acontecimentos daquele período".
Leia a resenha completa na Revista NovaE.
Um panorama bastante detalhado sobre as vertentes historiográficas a respeito do Golpe de 64 e do regime ditatorial é exposto por Carlos Fico:
FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, n. 47, 2004.
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Municípios tomaram conta da gestão da saúde no Brasil
Cerca de 95,6% dos estabelecimentos públicos de saúde do país são municipais, segundo o IBGE.
O número de estabelecimentos de saúde em atividade total ou parcial passou de 77 mil em 2005 para 94 mil em 2009, um aumento de 22,2%, que corresponde a uma taxa anual de crescimento de aproximadamente 5,1%.
Das 52 mil unidades assistenciais públicas em atividade, 95,6% eram municipais, 1,8% federais e 2,5% estaduais.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas da saúde: assistência médico-hospitalar. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1757&id_pagina=1Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhtZvP5WmZbREu7nm5gMtx51hOa4-SEJwuJryEpaWPhjOgoQC0uXEnkyBYnq2KhQRrW2YiWvsZeYCpno7qOTMi9gB8wPRMmS7HRS73SkxZYtNzCI1KhgDOCEX_A3HDs7j4CLrueeU9O20o/s1600/hospital.jpg
Saiba mais:
Resumo com outros dados da pesquisa.
Apresentação (slides).
Integra da pesquisa.
O resultado demonstra a consolidação da longa trajetória de municipalização da saúde, apoiada por sucessivas gestões federais e estaduais que orientaram o SUS nessa direção. Os estados que avançaram na municipalização apresentam, em geral, melhores indicadores de atendimento à saúde que os demais. Uma análise de Ciência Política sobre esse processo (veja particularmente as págs. 467 e 479) está em:
ARRETCHE, Marta e MARQUES, Eduardo. Municipalização da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de governo. Ciência & Saúde Coletiva, 7(3):455-479, 2002. Disponível em http://www.scielosp.org/pdf/csc/v7n3/13025.pdf. Acesso em 21 novembro 2010.
Acesse o estudo de Arretche e Marques.
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19 novembro 2010
Educação no Brasil
Avanços importantes, desigualdades persistentes
Estudo do IPEA (com base em dados do IBGE) mostra que a educação brasileira registrou muitos avanços nos últimos 20 anos, mas alguns problemas persistem por conta de desigualdades que se mantêm firmes, especialmente as regionais e entre a população urbana e a rural.
Segundo o IPEA, é necessário um conjunto de intervenções nas esferas federal, estadual e municipal.
Também é preciso combater as desigualdades de raça e cor com políticas afirmativas e promover crescimento de renda.
Resumo com os principais resultados.
Gráficos.
Íntegra do estudo.
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17 novembro 2010
Justiça brasileira tem avaliação abaixo da média
Percepção social é de que a justiça é menos ágil e menos acessível do que deveria.
A pesquisa é do IPEA e constitui-se na primeira edição dos Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS).
Foram ouvidos 2.770 brasileiros em todos os estados do País.
Apresentação dos resultados.
Relatório completo.
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08 novembro 2010
Mídia no Brasil
Estudo do professor Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas, traça um panorama da mídia no Brasil, da oligopolização dos meios de comunicação, de sua relação com o poder e de seu baixo compromisso com a democracia.
Segundo o especialista, em nome da liberdade de expressão, mas sem assumir qualquer responsabilidade com outros princípios importantes a uma sociedade democrática, surgiram verdadeiras máquinas de produção do consenso, com uma atuação uníssona e “supressora de vozes discordantes".
Tal hegemonia buscou, de maneira antidemocrática, bloquear outras formas de pensar.
O professor lembra que a unicidade de pensamento contraria até a tradição liberal, que traz o pluralismo ao cerne de suas preocupações.
Referência bibliográfica:
FONSECA, Francisco. Mídia e Poder: elementos conceituais e empíricos para o desenvolvimento da democracia brasileira. IPEA, Texto para a Discussão nº 1509, Brasília, 2010.Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1509.pdf
Programa "Conversa sobre política", 2ª parte
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Segundo o especialista, em nome da liberdade de expressão, mas sem assumir qualquer responsabilidade com outros princípios importantes a uma sociedade democrática, surgiram verdadeiras máquinas de produção do consenso, com uma atuação uníssona e “supressora de vozes discordantes".
Tal hegemonia buscou, de maneira antidemocrática, bloquear outras formas de pensar.
O professor lembra que a unicidade de pensamento contraria até a tradição liberal, que traz o pluralismo ao cerne de suas preocupações.
Referência bibliográfica:
FONSECA, Francisco. Mídia e Poder: elementos conceituais e empíricos para o desenvolvimento da democracia brasileira. IPEA, Texto para a Discussão nº 1509, Brasília, 2010.Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1509.pdf
Ouça a entrevista do prof. Francisco Fonseca e outros especialistas na Rádio Câmara
Programa "Conversa sobre política", 1ª partePrograma "Conversa sobre política", 2ª parte
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03 novembro 2010
Participação das mulheres na política brasileira
Entrevista ao programa Justiça na Manhã, da Rádio Justiça, do Supremo Tribunal Federal.
Clique para abrir e ouvir a entrevista com Antonio Lassance.
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02 novembro 2010
Dilma Lá: breve história de uma candidatura
Dilma é uma nova personagem que entra em cena na história brasileira. Ela representa um novo momento em que um sujeito coletivo ganha o rosto de uma personagem.
Foi assim com Lula, rosto do sujeito coletivo das greves do ABC e das mobilizações contra a ditadura. Representa ainda uma longa trajetória de lutas sociais e a ainda breve trajetória de grandes mudanças proporcionadas pelo atual governo.
Artigo de Antonio Lassance(*), publicado na Carta Maior, 01/11/2010.
Dilma é uma nova personagem que entra em cena na história brasileira. Consagrada por quase 56 milhões de votos, 12 milhões a mais que seu adversário, é uma figura distinta, em todos os sentidos; uma novidade e, ao mesmo tempo, uma velha conhecida.
Boa parte do que se tem veiculado sobre a presidente eleita, na mídia tradicional, desconhece quem é a Dilma, sua capacidade e seu estilo de trabalho. O que até não seria tão grave, se não viesse acompanhado por um profundo desconhecimento sobre o que são o presidencialismo e a Presidência no Brasil. Há um misto de desinformação, má informação e deformação contra alguém que, em plena democracia, continua sendo acusada, como ocorria na ditadura, pelo que fez e pelo que não fez, pelo que é e pelo que não é.
Dilma vem de uma imensa legião de brasileiros muito bem retratados no livro clássico de Éder Sader, “Quando novos personagens entraram em cena” (de 1988). Ela representa um novo momento em que um sujeito coletivo ganha o rosto de uma personagem. Foi assim com Lula, rosto do sujeito coletivo das greves do ABC e das mobilizações contra a ditadura; rosto que adquiriu outras feições quando deputado constituinte em 1986; depois quando candidato em 1989, sua primeira campanha presidencial; e quando finalmente foi eleito e reeleito (2002 e 2006).
Dilma é de uma das três matrizes identificadas por Sader como representativas do pensamento de esquerda no país. Nem da matriz sindicalista, nem das comunidades eclesiais de base da igreja Católica, mas egressa da matriz da esquerda clandestina, que enfrentou as armas e a tortura dos porões da ditadura.
A mais nova personagem desse sujeito coletivo representa uma longa trajetória de lutas sociais e a ainda breve trajetória de grandes mudanças proporcionadas pelo atual governo. Independentemente de sua matriz original, Dilma foi transformada por duas experiências cruciais: a do governo Lula e a da campanha eleitoral. Ambas certamente alteraram profundamente as feições da futura presidenta, o suficiente para que pudesse enfrentar, sobreviver e sair-se vitoriosa de ataques do tipo que já abateu figuras supostamente muito mais experientes do que ela - e que poderiam ter sido as escolhas preferenciais do PT para 2010.
Dilma é uma novidade em termos de seu perfil. O PT sempre acalentou o sonho de consumo de realizar a fórmula propugnada há muito por Carlos Matus. Especialista em planejamento estratégico e com grande ênfase em gestão presidencial, Matus foi assessor de Salvador Allende (Chile, 1965-1970). Visitou o Brasil várias vezes, teve livros publicados pelo IPEA (graças ao empenho de pesquisadores como Ronaldo Garcia) e circulava muito entre o movimento sindical. Matus enfatizava a importância de se combinar desenvoltura política com habilidade técnico-gerencial. Sua criatura abstrata era o dirigente tecnopolítico. Lula, que conheceu Matus pessoalmente, soube usar desse modelo em seu governo, ao combinar sua maestria política - reconhecida até por seus oponentes - com escolhas de alto padrão técnico, como foi o caso de Dilma.
A opção do presidente Lula por Dilma criou a chance de se ter uma presidenta que fosse um quadro tecnopolítico por excelência. A tarefa que se colocava então era a de turbinar tal escolha com um treinamento intensivo, para cumprir um requisito bastante diverso: o da excelência decisória.
Advindo da própria intuição do presidente, os argumentos em torno da excelência decisória foram reforçados, desde 2003, com a visita, ao Brasil e ao Palácio do Planalto, de um especialista em presidências, Richard Neustadt. O autor de “Poder presidencial e os presidentes modernos” estava visivelmente empolgado com o governo Lula, que mal tinha começado e enfrentava sérias dificuldades em seu primeiro ano. Neustadt, do alto de seus 84 anos e com a experiência de quem acompanhou de perto os governos Roosevelt, Truman e Kennedy, acreditava profeticamente que Lula poderia ter para o Brasil a importância que Franklin Roosevelt teve para os Estados Unidos. Contudo, sua audiência palaciana, grata com tal simpatia, mas cética de suas reais possibilidades (que ainda não podiam ser de fato vislumbras), apreciou particularmente uma das teses clássicas de Neustadt: a de que um presidente não precisa ser especialista em nenhuma área, especificamente. Mais do que qualquer outra coisa, ele precisa ser um especialista em presidência da República. Um exímio operador do poder presidencial.
Neste aspecto, Dilma passou por um treinamento intensivo, ou laboratório, se preferirem, que não poderia ocorrer em lugar melhor a não ser na Casa Civil da Presidência da República, ou seja, na estrutura responsável por demandar, digerir e encaminhar os atos presidenciais para deliberação. Por trás das assinaturas de um presidente se escondem processos de decisão política com meandros que Dilma conhece em detalhes.
A experiência na Casa Civil dá a exata dimensão entre o que um presidente quer e o que ele pode; a medida sobre até onde vai o seu poder, que não é imperial, e o que depende de se contar com maioria disciplinada no Congresso - uma das regras do presidencialismo de coalizão. Enquanto isso, uma das comentaristas que transformaram o comentário político no Brasil numa espécie de colunismo social dos Três Poderes avalia que um dos problemas da presidenta eleita é o de que ela tem uma base congressual maior que a do presidente Lula (!)
Aprende-se na Casa Civil que a capacidade e a velocidade de implementação de políticas públicas dependem da natureza de nosso federalismo e do padrão de nossa burocracia. Dilma conhece cada milímetro da Esplanada e esquadrinhou, com o PAC, cada milímetro do País. Na Casa Civil, se é treinado o tempo todo para saber que nenhuma decisão é correta se for tomada da forma errada e em hora certa incerta.
Um presidente deve saber exatamente em que ponto da estrada deve pisar no freio e quando pode afundar o pé no acelerador. No final de 2003, foram apresentados a Lula resultados de uma pesquisa de opinião que atestava: as pessoas entendiam o momento de arrumar a casa e estavam pacientes com relação às mudanças prometidas. A conclusão oferecida pelos analistas da pesquisa era: o povo não está com pressa. O presidente, que pisou no freio por todo o ano de 2003, retrucou, simples e direto : “o povo não tá com pressa, mas eu tô”. Dilma qualificou-se dentro da Casa Civil para ser uma especialista em presidência ao tornar-se também uma especialista em “timing”.
Dilma, "pela primeira vez na história do País", permitirá que o Brasil tenha uma sequência democrática de governos que cumprem o ciclo de construtores de regimes e gerenciadores de regime, uma noção comum na literatura sobre presidências.
Há presidentes que são construtores de regimes e outros que são seus gestores. Uns constróem uma maneira particular de fazer política e uma orientação diversa da ação do Estado, representando uma coalizão majoritária que desaloja uma antiga coalizão, em decadência. Por sua vez, os gestores de regimes têm como tarefa manter sua coalizão unida, avançar na realização das políticas públicas que cimentam a coesão de suas bases e oferecer respostas a seus eleitores, na forma de ações governamentais. São os gestores de regime que desvelam o legado do presidente anterior e desdobram suas realizações.
No Brasil, se pode dizer que esse ciclo foi cumprido apenas em três épocas: no início da República, entre Campos Sales (verdadeiro construtor do regime da República Velha) e Rodrigues Alves; na Era Vargas, quando Getúlio foi, primeiro (1930-1945) construtor de um novo regime e, depois, ele próprio, continuador de sua construção pregressa, começando em 1950, tragicamente interrompida em 1954. Finalmente, no período dos governos da ditadura militar (1964-1984). Na República Velha, o Brasil tinha um regime pouco representativo (oligárquico e não democrático). A construção do regime varguista ocorreu sobretudo a partir de uma ditadura, a do Estado Novo. O mesmo vale para os 20 anos da ditadura de 64.
Dilma é a primeira experiência democrática brasileira de gestão de um novo regime político e de suas políticas públicas. Todas as demais fracassaram sem deixar sucessores: Juscelino, Jango, Sarney, FHC.
Gerenciar um regime, em parte, é continuar o que tem sido feito, mas apenas em parte. Em grande medida, um presidente de continuidade é um desbravador e um desdobrador. Não é alguém que fará a pintura de uma casa já construída. É quem pega o leme no meio da viagem e precisa conduzir a embarcação adiante, até completar-se o ciclo.
O regime estruturado pelo presidente Lula suplantou a montagem minimalista do tucanato. FHC apostou todos os esforços na estabilidade macroeconômica e supôs que, daí, os resultados para o crescimento econômico e para a melhoria das condições sociais viriam naturalmente. Não vieram, e isso explica seu declínio.
A coalizão encabeçada por Lula e seu novo regime basearam-se na combinação de estabilidade econômica com esforços decididos e simultâneos de aceleração do crescimento e redução drástica das desigualdades. Duas coisas que, na mentalidade do regime anterior, estavam fora da governabilidade do Executivo federal e deveriam ser subproduto da estabilidade.
A campanha possibilitou a todos, em especial à presidenta eleita, a percepção clara da importância da mobilização e do contato popular. Principalmente a campanha de segundo turno. Ficou claro que, deixada à sua própria sorte, Dilma e Lula seriam derrotados pelas forças do atraso.
Os relatos de quem a acompanhou na campanha são repletos de histórias sobre como o semblante e a disposição da candidata eram energizados pelo contato popular. Algo que vai na mesma linha do que o presidente Lula não se cansa de repetir: as viagens pelo país garantem o contato com o povo, e isso revigora um presidente.
A estrutura de qualquer presidência da República é tradicionalmente montada para afastar a “autoridade” daqueles que o elegeram. A presidência diariamente se esforça para assoberbar o presidente com papéis, para manter suas portas fechadas, para isolá-lo do barulho das ruas.
Diante disso, se o presidente se acomoda, se ele não se insurgir contra uma rotina ritualizada, se ele não fugir do Palácio, ele se tornará um presidente cada vez menos popular. É preciso romper os limites do palácio de cristal (outra imagem muito conhecida criada por Matus), a redoma que tem a boa intenção de proteger o presidente de tudo, mas que acaba por afastá-lo, inclusive, daquilo que há de melhor.
As viagens pelas quais o presidente foi tantas vezes criticado, mesmo quando percorria seu próprio país e visitava as localidades mais pobres, permitiram que ele visse claramente as mudanças em curso e os problemas que engavetavam suas decisões. Mas, principalmente, as viagens recarregavam suas baterias com uma energia que não é gerada em despachos, em reuniões ministeriais e em negociações com o Congresso - ao contrário, essas a exaurem.
Pelo pouco que se viu das primeira horas após o resultado das eleições, pode-se antever também outra novidade: ao contrário de presidentes anteriores, Dilma não contará com aquela fase de “lua de mel”, os primeiros 100 dias em que oposição e imprensa dão um desconto para o presidente que entra, antes de abrir fogo com todas as suas baterias. Mesmo informado do discurso de paz e da mão estendida, a oposição fez declaração de guerra. O candidato derrotado - aquele que sacralizou a baixaria - deu ao conservadorismo mais abominável o qualificativo de “delimitação de campo”. E avisou: “isso não é o fim. Isso é apenas o começo”. A frase queimada no calor da derrota exala uma fumaça com forte cheiro de terceiro turno.
Neste sentido, mesmo com toda a agressividade, a oposição se coloca em desvantagem. Ao contrário de Dilma, que aprendeu muito em pouco tempo, a oposição demonstra que nada aprendeu em 8 anos de sucessivas derrotas. Consegue considerar-se campeã moral de uma guerra na qual se desmoralizou. Seu diagnóstico é o de que quem errou foi o povo. “Não foi dessa vez”, que se traduz em “o povo um dia aprende”. Suas lideranças se fecharam em copas e se arvoram bastiões dos velhos tempos; tempos que não voltam mais, principalmente porque cada vez menos gente sente saudades deles.
Ao longo da campanha, uma das formas mais utilizadas de se manifestar apoio a Dilma foi estampar sua foto de militante clandestina presa pela ditadura. As pessoas mostravam sua adesão a um rosto que simbolizava uma identidade coletiva. Enquanto essa coletividade estiver unida em torno de Dilma, a oposição estará condenada a repetir: “não foi dessa vez”.No que depender de seu preparo, a presidenta eleita teve, ao longo da vida, as melhores dentre todas as escolas.
(*) Cientista político, pesquisador do IPEA, foi assessor da Presidência da República de 2003 a 2010.
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Foi assim com Lula, rosto do sujeito coletivo das greves do ABC e das mobilizações contra a ditadura. Representa ainda uma longa trajetória de lutas sociais e a ainda breve trajetória de grandes mudanças proporcionadas pelo atual governo.
Artigo de Antonio Lassance(*), publicado na Carta Maior, 01/11/2010.
Dilma é uma nova personagem que entra em cena na história brasileira. Consagrada por quase 56 milhões de votos, 12 milhões a mais que seu adversário, é uma figura distinta, em todos os sentidos; uma novidade e, ao mesmo tempo, uma velha conhecida.
Boa parte do que se tem veiculado sobre a presidente eleita, na mídia tradicional, desconhece quem é a Dilma, sua capacidade e seu estilo de trabalho. O que até não seria tão grave, se não viesse acompanhado por um profundo desconhecimento sobre o que são o presidencialismo e a Presidência no Brasil. Há um misto de desinformação, má informação e deformação contra alguém que, em plena democracia, continua sendo acusada, como ocorria na ditadura, pelo que fez e pelo que não fez, pelo que é e pelo que não é.
Dilma vem de uma imensa legião de brasileiros muito bem retratados no livro clássico de Éder Sader, “Quando novos personagens entraram em cena” (de 1988). Ela representa um novo momento em que um sujeito coletivo ganha o rosto de uma personagem. Foi assim com Lula, rosto do sujeito coletivo das greves do ABC e das mobilizações contra a ditadura; rosto que adquiriu outras feições quando deputado constituinte em 1986; depois quando candidato em 1989, sua primeira campanha presidencial; e quando finalmente foi eleito e reeleito (2002 e 2006).
Dilma é de uma das três matrizes identificadas por Sader como representativas do pensamento de esquerda no país. Nem da matriz sindicalista, nem das comunidades eclesiais de base da igreja Católica, mas egressa da matriz da esquerda clandestina, que enfrentou as armas e a tortura dos porões da ditadura.
A mais nova personagem desse sujeito coletivo representa uma longa trajetória de lutas sociais e a ainda breve trajetória de grandes mudanças proporcionadas pelo atual governo. Independentemente de sua matriz original, Dilma foi transformada por duas experiências cruciais: a do governo Lula e a da campanha eleitoral. Ambas certamente alteraram profundamente as feições da futura presidenta, o suficiente para que pudesse enfrentar, sobreviver e sair-se vitoriosa de ataques do tipo que já abateu figuras supostamente muito mais experientes do que ela - e que poderiam ter sido as escolhas preferenciais do PT para 2010.
Dilma é uma novidade em termos de seu perfil. O PT sempre acalentou o sonho de consumo de realizar a fórmula propugnada há muito por Carlos Matus. Especialista em planejamento estratégico e com grande ênfase em gestão presidencial, Matus foi assessor de Salvador Allende (Chile, 1965-1970). Visitou o Brasil várias vezes, teve livros publicados pelo IPEA (graças ao empenho de pesquisadores como Ronaldo Garcia) e circulava muito entre o movimento sindical. Matus enfatizava a importância de se combinar desenvoltura política com habilidade técnico-gerencial. Sua criatura abstrata era o dirigente tecnopolítico. Lula, que conheceu Matus pessoalmente, soube usar desse modelo em seu governo, ao combinar sua maestria política - reconhecida até por seus oponentes - com escolhas de alto padrão técnico, como foi o caso de Dilma.
A opção do presidente Lula por Dilma criou a chance de se ter uma presidenta que fosse um quadro tecnopolítico por excelência. A tarefa que se colocava então era a de turbinar tal escolha com um treinamento intensivo, para cumprir um requisito bastante diverso: o da excelência decisória.
Advindo da própria intuição do presidente, os argumentos em torno da excelência decisória foram reforçados, desde 2003, com a visita, ao Brasil e ao Palácio do Planalto, de um especialista em presidências, Richard Neustadt. O autor de “Poder presidencial e os presidentes modernos” estava visivelmente empolgado com o governo Lula, que mal tinha começado e enfrentava sérias dificuldades em seu primeiro ano. Neustadt, do alto de seus 84 anos e com a experiência de quem acompanhou de perto os governos Roosevelt, Truman e Kennedy, acreditava profeticamente que Lula poderia ter para o Brasil a importância que Franklin Roosevelt teve para os Estados Unidos. Contudo, sua audiência palaciana, grata com tal simpatia, mas cética de suas reais possibilidades (que ainda não podiam ser de fato vislumbras), apreciou particularmente uma das teses clássicas de Neustadt: a de que um presidente não precisa ser especialista em nenhuma área, especificamente. Mais do que qualquer outra coisa, ele precisa ser um especialista em presidência da República. Um exímio operador do poder presidencial.
Neste aspecto, Dilma passou por um treinamento intensivo, ou laboratório, se preferirem, que não poderia ocorrer em lugar melhor a não ser na Casa Civil da Presidência da República, ou seja, na estrutura responsável por demandar, digerir e encaminhar os atos presidenciais para deliberação. Por trás das assinaturas de um presidente se escondem processos de decisão política com meandros que Dilma conhece em detalhes.
A experiência na Casa Civil dá a exata dimensão entre o que um presidente quer e o que ele pode; a medida sobre até onde vai o seu poder, que não é imperial, e o que depende de se contar com maioria disciplinada no Congresso - uma das regras do presidencialismo de coalizão. Enquanto isso, uma das comentaristas que transformaram o comentário político no Brasil numa espécie de colunismo social dos Três Poderes avalia que um dos problemas da presidenta eleita é o de que ela tem uma base congressual maior que a do presidente Lula (!)
Aprende-se na Casa Civil que a capacidade e a velocidade de implementação de políticas públicas dependem da natureza de nosso federalismo e do padrão de nossa burocracia. Dilma conhece cada milímetro da Esplanada e esquadrinhou, com o PAC, cada milímetro do País. Na Casa Civil, se é treinado o tempo todo para saber que nenhuma decisão é correta se for tomada da forma errada e em hora certa incerta.
Um presidente deve saber exatamente em que ponto da estrada deve pisar no freio e quando pode afundar o pé no acelerador. No final de 2003, foram apresentados a Lula resultados de uma pesquisa de opinião que atestava: as pessoas entendiam o momento de arrumar a casa e estavam pacientes com relação às mudanças prometidas. A conclusão oferecida pelos analistas da pesquisa era: o povo não está com pressa. O presidente, que pisou no freio por todo o ano de 2003, retrucou, simples e direto : “o povo não tá com pressa, mas eu tô”. Dilma qualificou-se dentro da Casa Civil para ser uma especialista em presidência ao tornar-se também uma especialista em “timing”.
Dilma, "pela primeira vez na história do País", permitirá que o Brasil tenha uma sequência democrática de governos que cumprem o ciclo de construtores de regimes e gerenciadores de regime, uma noção comum na literatura sobre presidências.
Há presidentes que são construtores de regimes e outros que são seus gestores. Uns constróem uma maneira particular de fazer política e uma orientação diversa da ação do Estado, representando uma coalizão majoritária que desaloja uma antiga coalizão, em decadência. Por sua vez, os gestores de regimes têm como tarefa manter sua coalizão unida, avançar na realização das políticas públicas que cimentam a coesão de suas bases e oferecer respostas a seus eleitores, na forma de ações governamentais. São os gestores de regime que desvelam o legado do presidente anterior e desdobram suas realizações.
No Brasil, se pode dizer que esse ciclo foi cumprido apenas em três épocas: no início da República, entre Campos Sales (verdadeiro construtor do regime da República Velha) e Rodrigues Alves; na Era Vargas, quando Getúlio foi, primeiro (1930-1945) construtor de um novo regime e, depois, ele próprio, continuador de sua construção pregressa, começando em 1950, tragicamente interrompida em 1954. Finalmente, no período dos governos da ditadura militar (1964-1984). Na República Velha, o Brasil tinha um regime pouco representativo (oligárquico e não democrático). A construção do regime varguista ocorreu sobretudo a partir de uma ditadura, a do Estado Novo. O mesmo vale para os 20 anos da ditadura de 64.
Dilma é a primeira experiência democrática brasileira de gestão de um novo regime político e de suas políticas públicas. Todas as demais fracassaram sem deixar sucessores: Juscelino, Jango, Sarney, FHC.
Gerenciar um regime, em parte, é continuar o que tem sido feito, mas apenas em parte. Em grande medida, um presidente de continuidade é um desbravador e um desdobrador. Não é alguém que fará a pintura de uma casa já construída. É quem pega o leme no meio da viagem e precisa conduzir a embarcação adiante, até completar-se o ciclo.
O regime estruturado pelo presidente Lula suplantou a montagem minimalista do tucanato. FHC apostou todos os esforços na estabilidade macroeconômica e supôs que, daí, os resultados para o crescimento econômico e para a melhoria das condições sociais viriam naturalmente. Não vieram, e isso explica seu declínio.
A coalizão encabeçada por Lula e seu novo regime basearam-se na combinação de estabilidade econômica com esforços decididos e simultâneos de aceleração do crescimento e redução drástica das desigualdades. Duas coisas que, na mentalidade do regime anterior, estavam fora da governabilidade do Executivo federal e deveriam ser subproduto da estabilidade.
A campanha possibilitou a todos, em especial à presidenta eleita, a percepção clara da importância da mobilização e do contato popular. Principalmente a campanha de segundo turno. Ficou claro que, deixada à sua própria sorte, Dilma e Lula seriam derrotados pelas forças do atraso.
Os relatos de quem a acompanhou na campanha são repletos de histórias sobre como o semblante e a disposição da candidata eram energizados pelo contato popular. Algo que vai na mesma linha do que o presidente Lula não se cansa de repetir: as viagens pelo país garantem o contato com o povo, e isso revigora um presidente.
A estrutura de qualquer presidência da República é tradicionalmente montada para afastar a “autoridade” daqueles que o elegeram. A presidência diariamente se esforça para assoberbar o presidente com papéis, para manter suas portas fechadas, para isolá-lo do barulho das ruas.
Diante disso, se o presidente se acomoda, se ele não se insurgir contra uma rotina ritualizada, se ele não fugir do Palácio, ele se tornará um presidente cada vez menos popular. É preciso romper os limites do palácio de cristal (outra imagem muito conhecida criada por Matus), a redoma que tem a boa intenção de proteger o presidente de tudo, mas que acaba por afastá-lo, inclusive, daquilo que há de melhor.
As viagens pelas quais o presidente foi tantas vezes criticado, mesmo quando percorria seu próprio país e visitava as localidades mais pobres, permitiram que ele visse claramente as mudanças em curso e os problemas que engavetavam suas decisões. Mas, principalmente, as viagens recarregavam suas baterias com uma energia que não é gerada em despachos, em reuniões ministeriais e em negociações com o Congresso - ao contrário, essas a exaurem.
Pelo pouco que se viu das primeira horas após o resultado das eleições, pode-se antever também outra novidade: ao contrário de presidentes anteriores, Dilma não contará com aquela fase de “lua de mel”, os primeiros 100 dias em que oposição e imprensa dão um desconto para o presidente que entra, antes de abrir fogo com todas as suas baterias. Mesmo informado do discurso de paz e da mão estendida, a oposição fez declaração de guerra. O candidato derrotado - aquele que sacralizou a baixaria - deu ao conservadorismo mais abominável o qualificativo de “delimitação de campo”. E avisou: “isso não é o fim. Isso é apenas o começo”. A frase queimada no calor da derrota exala uma fumaça com forte cheiro de terceiro turno.
Neste sentido, mesmo com toda a agressividade, a oposição se coloca em desvantagem. Ao contrário de Dilma, que aprendeu muito em pouco tempo, a oposição demonstra que nada aprendeu em 8 anos de sucessivas derrotas. Consegue considerar-se campeã moral de uma guerra na qual se desmoralizou. Seu diagnóstico é o de que quem errou foi o povo. “Não foi dessa vez”, que se traduz em “o povo um dia aprende”. Suas lideranças se fecharam em copas e se arvoram bastiões dos velhos tempos; tempos que não voltam mais, principalmente porque cada vez menos gente sente saudades deles.
Ao longo da campanha, uma das formas mais utilizadas de se manifestar apoio a Dilma foi estampar sua foto de militante clandestina presa pela ditadura. As pessoas mostravam sua adesão a um rosto que simbolizava uma identidade coletiva. Enquanto essa coletividade estiver unida em torno de Dilma, a oposição estará condenada a repetir: “não foi dessa vez”.No que depender de seu preparo, a presidenta eleita teve, ao longo da vida, as melhores dentre todas as escolas.
(*) Cientista político, pesquisador do IPEA, foi assessor da Presidência da República de 2003 a 2010.
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01 novembro 2010
Dilma lá
Dilma Rousseff foi eleita no dia 31 de outubro de 2010 a primeira presidenta do Brasil. Obteve quase 56 milhões de votos, 12 milhões a mais que seu adversário.
O vídeo acima é do primeiro programa da candidata. Traz sua biografia e depoimentos.
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31 outubro 2010
Reforma política no Brasil
AVRITZER, Leonardo e ANASTASIA, Fátima (organizadores). Reforma política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. 271 p.
Baixe e leia.
Sumário
Introdução 11
Parte I
Reforma Política no Brasil
e na América Latina 15
A Reforma da Representação 17
Fátima Anastasia
Felipe Nunes
Reforma Política e Participação no Brasil 35
Leonardo Avritzer
Reforma Política em Perspectiva Comparada na América do Sul 45
Carlos Ranulfo Melo
Transição e Governabilidade nas Democracias Mexicana e Brasileira 63
Alberto J. Olvera
Tradução: Áurea Cristina Mota
Parte II
Entendendo as Mudanças Necessárias no Sistema Político 71
1. Republicanismo 73
Republicanismo 73
Heloisa Maria Murgel Starling
Financiamento de Campanha (público versus privado) 77
Renato Janine Ribeiro
Corrupção e Estado de Direito 82
Newton Bignotto
Voto Obrigatório 86
Cícero Araújo
CPIs e Investigação Política 90
Fábio Wanderley Reis
2. Participação e Opinião Pública 94
Iniciativa Popular 94
Sonia Fleury
Plebiscito e Referendum 99
Cláudia Feres Faria
Política de Cotas 103
Céli Regina Jardim Pinto
Regulação das Pesquisas 107
Rachel Meneguello
Regulação da Mídia 111
Regina Mota
Francisco Tavares
Corporativismo 116
Renato Raul Boschi
3. Método de Constituição
das Instâncias Decisórias 123
Federalismo 123
Marta Arretche
Sistema Eleitoral 128
Antônio Octávio Cintra
Lista Aberta – Lista Fechada 133
Jairo Nicolau
Número e Distribuição de Cadeiras na Câmara dos Deputados 137
David Samuels
Tradução: Cláudia Feres Faria
Coligações Eleitorais 142
David Fleischer
Justiça Eleitoral 147
Matthew Taylor
O Financiamento de Campanhas Eleitorais 153
Bruno Wilhelm Speck
O Bicameralismo em Perspectiva Comparada 159
Mariana Llanos
Francisco Sánchez
Tradução: Daniela Paiva de Almeida Pacheco
Suplentes de Parlamentares 165
Charles Pessanha
Ana Luiza Backes
4. Regras Decisórias 170
Poderes de Agenda do Presidente 170
Magna Inácio
Modalidades e Procedimentos de Votação nas Modernas Casas Legislativas 175
Sabino Fleury
Pertencimento do Mandato 180
Maria Hermínia Tavares de Almeida
Migração Partidária 183
André Marenco
Cláusula de Barreira 188
Mônica Mata Machado de Castro
Reforma Constitucional 192
Gláucio Soares
Emendas Parlamentares 197
Marcus Melo
Emendas Constitucionais 202
Cláudio Gonçalves Couto
Orçamento Público no Brasil Democrático 207
Paulo Calmon
Autonomia/Independência dos Bancos Centrais 212
William Ricardo de Sá
Independência do Banco Central: Incompatibilidade entre Teoria e Prática 216
Marco Aurélio Crocco
Frederico G. Jayme Jr.
Parte III
O Presidencialismo de Coalizão Precisa ser Mudado? 221
Governos de Coalizão no Sistema Presidencial: o Caso do Brasil sob a Égide da Constituição de 1988 223
Fabiano Santos
Presidencialismo e Governo de Coalizão 237
Fernando Limongi
Críticas ao Presidencialismo de Coalizão no Brasil: Processos Institucionalmente Constritos ou Individualmente Dirigidos? 269
Lucio R. Rennó
Baixe e leia.
Sumário
Introdução 11
Parte I
Reforma Política no Brasil
e na América Latina 15
A Reforma da Representação 17
Fátima Anastasia
Felipe Nunes
Reforma Política e Participação no Brasil 35
Leonardo Avritzer
Reforma Política em Perspectiva Comparada na América do Sul 45
Carlos Ranulfo Melo
Transição e Governabilidade nas Democracias Mexicana e Brasileira 63
Alberto J. Olvera
Tradução: Áurea Cristina Mota
Parte II
Entendendo as Mudanças Necessárias no Sistema Político 71
1. Republicanismo 73
Republicanismo 73
Heloisa Maria Murgel Starling
Financiamento de Campanha (público versus privado) 77
Renato Janine Ribeiro
Corrupção e Estado de Direito 82
Newton Bignotto
Voto Obrigatório 86
Cícero Araújo
CPIs e Investigação Política 90
Fábio Wanderley Reis
2. Participação e Opinião Pública 94
Iniciativa Popular 94
Sonia Fleury
Plebiscito e Referendum 99
Cláudia Feres Faria
Política de Cotas 103
Céli Regina Jardim Pinto
Regulação das Pesquisas 107
Rachel Meneguello
Regulação da Mídia 111
Regina Mota
Francisco Tavares
Corporativismo 116
Renato Raul Boschi
3. Método de Constituição
das Instâncias Decisórias 123
Federalismo 123
Marta Arretche
Sistema Eleitoral 128
Antônio Octávio Cintra
Lista Aberta – Lista Fechada 133
Jairo Nicolau
Número e Distribuição de Cadeiras na Câmara dos Deputados 137
David Samuels
Tradução: Cláudia Feres Faria
Coligações Eleitorais 142
David Fleischer
Justiça Eleitoral 147
Matthew Taylor
O Financiamento de Campanhas Eleitorais 153
Bruno Wilhelm Speck
O Bicameralismo em Perspectiva Comparada 159
Mariana Llanos
Francisco Sánchez
Tradução: Daniela Paiva de Almeida Pacheco
Suplentes de Parlamentares 165
Charles Pessanha
Ana Luiza Backes
4. Regras Decisórias 170
Poderes de Agenda do Presidente 170
Magna Inácio
Modalidades e Procedimentos de Votação nas Modernas Casas Legislativas 175
Sabino Fleury
Pertencimento do Mandato 180
Maria Hermínia Tavares de Almeida
Migração Partidária 183
André Marenco
Cláusula de Barreira 188
Mônica Mata Machado de Castro
Reforma Constitucional 192
Gláucio Soares
Emendas Parlamentares 197
Marcus Melo
Emendas Constitucionais 202
Cláudio Gonçalves Couto
Orçamento Público no Brasil Democrático 207
Paulo Calmon
Autonomia/Independência dos Bancos Centrais 212
William Ricardo de Sá
Independência do Banco Central: Incompatibilidade entre Teoria e Prática 216
Marco Aurélio Crocco
Frederico G. Jayme Jr.
Parte III
O Presidencialismo de Coalizão Precisa ser Mudado? 221
Governos de Coalizão no Sistema Presidencial: o Caso do Brasil sob a Égide da Constituição de 1988 223
Fabiano Santos
Presidencialismo e Governo de Coalizão 237
Fernando Limongi
Críticas ao Presidencialismo de Coalizão no Brasil: Processos Institucionalmente Constritos ou Individualmente Dirigidos? 269
Lucio R. Rennó
29 outubro 2010
Uma aula de cidadania com o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello
Celso Antônio Bandeira de Mello, professor universitário, titular de Direito Administrativo da Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, reconhecido por muitos como o mais destacado expoente do Direito Administrativo no Brasil.
Bandeira de Mello dá seu depoimento sobre as eleições do dia 31 de outubro de 2010 e explica sua decisão de votar em Dilma Rousseff.
Seus argumentos, mergulhados em conceitos do campo jurídico, proporcionam uma aula de cidadania.
Blog Progressista.
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Uma aula de cidadania
Celso Antônio Bandeira de Mello, professor universitário brasileiro, titular de Direito Administrativo da Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, reconhecido por muitos como o mais destacado expoente do Direito Administrativo no Brasil.
Bandeira de Mello dá seu depoimento sobre as eleições do dia 31 de outubro de 2010 e explica sua decisão de votar em Dilma Rousseff.
Seus argumentos, mergulhados em conceitos do campo jurídico, proporcionam uma aula de cidadania.
Assista ao depoimento deste eminente professor.
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Bandeira de Mello dá seu depoimento sobre as eleições do dia 31 de outubro de 2010 e explica sua decisão de votar em Dilma Rousseff.
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Justiça federaliza o caso Manoel Mattos
Decisão é inédita e de grande repercussão jurídica
O STJ aplicou pela primeira vez o chamado IDC (Incidente de Deslocamento de Competência), criado com a reforma do Judiciário, em 2004.
Esse dispositivo pode ser acionado se constatada grave violação de direitos humanos e a possibilidade de responsabilização internacional do Brasil.
Antes de mais nada, quem foi Manoel Mattos?
Mattos foi testemunha fundamental dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na Câmara Federal, entre 2003 e 2006, para apurar a existência de grupos de extermínio.
Ele foi executado a tiros em 24 de janeiro de 2009, por dois homens encapuzados, na praia Azul, no município de Pitimbú-Paraíba, que faz divisa com Pernambuco.
Era advogado, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), militante do Movimento Nacional de Direitos Humanos de Pernambuco (MNDH) e vice-presidente do Partidos dos Trabalhadores (PT) de Pernambuco.
Notório adversário da prática dos grupos de extermínio, estava jurado de morte pelos pistoleiros da região que inclui os municípios de Pedras de Fogo-PB e Itambé-PE. A continuidade de sua militância acabou por inviabilizar sua permanência no programa de proteção a testemunhas e a devida proteção pela Polícia Federal.
Federalização: avanço institucional do Judiciário
A federalização com base no IDC foi instituída pela Emenda Constitucional 45, de 2004 (conhecida como reforma do Judiciário, a mesma que criou o CNJ).
Sistema internacional de Direitos Humanos
O Brasil participa do sistema internacional de direitos humanos, que tem como referências principais a ONU e a OEA (para o Continente Americano). O País é signatário de inúmeros tratados internacionais em matéria de direitos humanos, muitos dos quais, a partir da Emenda 45/2004, passaram a ter força de matéria constitucional).
Emenda Constitucional 45/2004:
Conheça a EC 45/2004.
Mais informações sobre a decisão do STJ:
Superior Tribunal de Justiça, 27/10/2010.
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27 outubro 2010
A Presidência Obama
Um balanço da Presidência Obama, sua agenda, sucessos e obstáculos no contexto da política dos EUA.
O artigo (em inglês) é de Lawrence R. Jacobs, da University of Minnesota, em conjunto com a a professora Theda Skocpol, de Harvard.
É o primeiro de uma série de artigos que deve resultar em livro sobre a presidência Obama, organizado pelos dois autores.
Leia o artigo...
Imagem:
Capa da revista Time, na qual Obama é retratado de forma similar a uma das imagens mais conhecidas de Franklin Roosevelt: num conversível presidencial, fumando cigarrilha pelo canto da boca e usando um Fedora Hat (o mais famoso tipo de chapéu nos anos 30 e 40). O texto dos autores faz alusão à imagem, na medida em que busca avaliar quais as chances de Obama representar um segundo New Deal*.
* O New Deal (novo pacto) foi o plano de reformas de Roosevelt feito para tirar os EUA da crise que eclodiu em 1929 e criar as bases do Estado (mínimo) de bem-estar social dos norteamericanos.
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26 outubro 2010
Getúlio Vargas e a Revolução de 1930
A Era Vargas cobre quase vinte anos de história
do Brasil.
Cargos:
Deputado
Federal - RS 1923-1926-; ministro da Fazenda 1926-1927; presidente
(governador) do Estado do Rio Grande do Sul 1928-1930. Presidente da
República 1930-1934; 1934-1937; 1937-1945. Senador RS 1946-1949.
Presidente da República, 1951-1954.
O significado histórico e político da "Era Vargas": Getúlio e suas presidências
"Após quase 19 anos de presidência e antes mesmo de deixar a vida,
Vargas já havia cumprido grande parte da sua profecia de entrar para
a História. Seu legado, construído ao longo de toda a década de
1930 e em metade das décadas de 1940 e 1950, seria responsável
pelas mais profundas mudanças no Estado brasileiro em toda a
história republicana."
"Getúlio Vargas foi um presidente insurreicional, em 1930, um presidente constitucional, em 1934; um presidente com poderes ditatoriais, a partir de 1935 e, de modo absoluto, a partir de 1937; um presidente popular (“líder de massas”, como ele mesmo intitulou-se) ou populista (como a sociologia paulista o conceituou), de 1951 até o fim.
"Getúlio Vargas foi um presidente insurreicional, em 1930, um presidente constitucional, em 1934; um presidente com poderes ditatoriais, a partir de 1935 e, de modo absoluto, a partir de 1937; um presidente popular (“líder de massas”, como ele mesmo intitulou-se) ou populista (como a sociologia paulista o conceituou), de 1951 até o fim.
Fontes de pesquisa:
LASSANCE, Antonio. Pelas mãos dos presidentes: construção do Estado e desenvolvimento em uma perspectiva comparada das presidências de Campos Salles e Getúlio Vargas. Tese apresentada ao programa de Doutorado pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília - UnB, 2013.
LASSANCE, Antonio. Revolução nas políticas públicas: a institucionalização das mudanças na economia, de 1930 a 1945. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 33, n. 71, p. 511-538, jul. 2020. ISSN 2178-1494. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/eh/v33n71/2178-1494-eh-33-71-511.pdf>; <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/81468/78255>. Acesso em: 05 Set. 2020.
Biografia de Getúlio Vargas
Paulo Brandi. Texto produzido para o CPDoc da FGV. (Se preferir, baixe a versão em pdf neste link).
Nome Completo: Getúlio Dornelles Vargas
Nome Completo: Getúlio Dornelles Vargas
VARGAS, Getúlio
Getúlio Dornelles Vargas nasceu em São Borja (RS) no dia 19 de abril de 1882, filho de Manuel do Nascimento Vargas e de Cândida Dornelles Vargas. Ainda jovem, alterou o ano de nascimento para 1883, fato somente descoberto durante a comemoração de seu centenário. Em dezembro de 1902, ao realizar exames preparatórios para o curso de direito, Vargas declarou — provavelmente pela primeira vez — uma idade diferente da real. Mais tarde, ao ingressar na Faculdade de Direito de Porto Alegre, em março de 1904, alterou o ano de nascimento para 1883, apresentando uma certidão militar comprovadamente rasurada. Desde então, constou em registros e documentos oficiais, artigos e livros sobre sua pessoa, o ano de 1883 como o de seu nascimento.
Vargas era descendente de uma família politicamente proeminente em São Borja, região de fronteira com a Argentina, palco de rumorosas lutas no século XIX. Seu avô paterno, Evaristo José Vargas, lutou como soldado voluntário da República de Piratini durante a Guerra dos Farrapos. Foi casado com Luísa Maria Teresa Vargas, com quem teve 14 filhos. Os avós maternos, Serafim Dornelles e Umbelina Dornelles, pertenciam a uma família tradicional, descendente de imigrantes portugueses dos Açores. Serafim Dornelles foi major de milícias, próspero comerciante e também um dos mais ricos estancieiros de São Borja.
O pai de Getúlio, Manuel do Nascimento Vargas, combateu na Guerra do Paraguai, distinguindo-se como herói militar. Começou a guerra como simples cabo para encerrá-la como tenente-coronel. Uma vez desligado do Exército, estabeleceu-se como fazendeiro em São Borja e em 1872 casou-se com Cândida Dornelles, com quem teve cinco filhos: Viriato, Protásio, Getúlio, Espártaco e Benjamim. No final do Império, tornou-se o chefe político local do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Em 1893, já na República, combateu os federalistas que se insurgiram contra o governo de Júlio de Castilhos no Rio Grande do Sul, desencadeando a chamada Revolução Federalista. Bateu-se contra as tropas de Dinarte Dornelles, tio materno de Getúlio e líder federalista no município, o que contribuiu para que se introduzisse e permanecesse viva dentro da família Vargas a acirrada e histórica contradição entre “chimangos” (republicanos) e “maragatos” (federalistas). A guerra civil terminou em 1895 com a vitória dos republicanos e o PRR tornou-se o partido dominante no estado, sob a direção de Júlio de Castilhos e seu sucessor Antônio Augusto Borges de Medeiros. Manuel Vargas recebeu uma promoção a coronel de Floriano Peixoto e outra a general-de-brigada, concedida por Prudente de Morais. Em 1907 foi intendente — cargo correspondente ao do atual prefeito — de São Borja, o mesmo acontecendo mais tarde com seus filhos Viriato e Protásio.
Getúlio Vargas fez os estudos primários na sua cidade natal. Em 1897, seguiu para a Escola de Ouro Preto (MG), onde já se encontravam seus irmãos mais velhos, matriculando-se no curso de humanidades. No ano seguinte, porém, os três regressaram a São Borja devido a um conflito entre estudantes gaúchos e paulistas que resultou na morte de um rapaz de São Paulo. Viriato chegou a ser pronunciado pelo promotor público, fato que mais tarde viria comprometer os Vargas na política gaúcha.
Em 1898, decidiu seguir carreira militar, solicitando matrícula na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo (RS), primeiro passo no caminho do oficialato. Getúlio teve de esperar um ano por falta de vaga, segundo Barros Vidal. Com o objetivo de facilitar sua matrícula na escola de Rio Pardo, alistou-se em fevereiro de 1899 no 6º Batalhão de Infantaria, sediado em São Borja. Foi rapidamente promovido a segundo-sargento. Em março de 1900, matriculou-se afinal na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo. Em maio de 1902, porém desligou-se da escola, em solidariedade a alguns colegas que haviam sido expulsos por um incidente disciplinar. Voltou à tropa, dessa vez no 25º Batalhão de Infantaria, sediado em Porto Alegre. Predisposto a abandonar a carreira das armas, matriculou-se na Escola Brasileira com o intuito de completar o curso secundário, já decidido a estudar direito. No começo de 1903, quando se preparava para deixar o Exército, surgiu uma ameaça de conflito armado entre o Brasil e a Bolívia, em decorrência da disputa pelo território do Acre. Apresentando-se à sua unidade, partiu em fevereiro para Corumbá (MS), no então estado de Mato Grosso. A Questão do Acre, porém, foi resolvida pela diplomacia do barão do Rio Branco e não pelas armas, como esperava Vargas.
Em dezembro de 1903, após dar baixa do Exército, Getúlio ingressou na Faculdade de Direito de Porto Alegre como aluno ouvinte. Em março de 1904, matriculou-se no segundo ano da faculdade, após prestar exames das cadeiras que constituíam o primeiro ano do curso de direito. Na faculdade, revelou-se discípulo fiel do castilhismo, integrando-se à mocidade estudantil republicana. O positivismo — ideologia oficial do PRR — teve porém uma influência limitada em sua formação intelectual. Quando estudante, Getúlio interessou-se mais por Herbert Spencer e Charles Darwin do que por Auguste Comte. Cultivou também o gosto pela literatura. Admirador de Émile Zola, publicou um artigo na revista estudantil Panthum enaltecendo sua posição frente ao caso Dreyfuss e suas tendências progressistas.
Vargas começou a trilhar o caminho da política gaúcha em 1906, ao ser escolhido orador dos estudantes na homenagem prestada ao presidente eleito Afonso Pena, quando de sua visita a Porto Alegre. Em 1907, ingressou efetivamente na política partidária republicana, juntamente com toda uma geração de estudantes gaúchos que se notabilizaria na política nacional e que seria chamada por Joseph Love de a “geração de 1907”. Nesse ano, o Partido Federalista desencadeou uma grande campanha para suplantar o domínio do PRR, lançando a candidatura de Fernando Abbot, um republicano dissidente, às eleições de novembro para o governo do estado. Borges de Medeiros, que terminava seu segundo mandato no Executivo gaúcho, decidiu não concorrer à reeleição, indicando a candidatura de Carlos Barbosa Gonçalves.
Com seus colegas de faculdade João Neves da Fontoura, Firmino Paim Filho, Maurício Cardoso e numerosos estudantes, Vargas fundou o Bloco Acadêmico Castilhista em apoio à candidatura republicana. O bloco contou também entre seus membros com dois cadetes da Escola de Guerra de Porto Alegre que viriam a desempenhar um papel importante na vida de Vargas: Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro. Com o apoio do senador José Gomes Pinheiro Machado, o bloco lançou o jornal O Debate, dirigido por Paim Filho e do qual Vargas tornou-se secretário de redação. Eleito sem dificuldade em novembro, Carlos Barbosa iria governar o Rio Grande do Sul de 1908 a 1913, no intervalo entre dois longos períodos de governo de Borges de Medeiros.
Em dezembro de 1907, Vargas formou-se em ciências jurídicas e sociais e mais uma vez foi escolhido o orador da turma. Sua participação na campanha de Carlos Barbosa impressionara favoravelmente a Borges, que, como chefe do PRR, dispunha de enorme poder pessoal e detinha a decisão final sobre todas as coisas, das questões mais importantes às mais secundárias. Assim, em janeiro de 1908, Vargas foi nomeado segundo promotor público do Tribunal de Porto Alegre. Alguns meses mais tarde, seu nome foi incluído na lista dos candidatos do PRR à Assembléia dos Representantes, como era denominada oficialmente assembléia gaúcha. Vargas passou o cargo de promotor a João Neves e voltou a São Borja, onde constituiu uma banca de advocacia e estendeu os contatos com os correligionários de seu pai, garantindo apoio eleitoral à sua candidatura.
O deputado Getúlio Vargas
Em março de 1909, Vargas foi eleito à Assembléia dos Representantes na legenda do PRR. A Assembléia gaúcha era uma instituição com funções bastante limitadas, devido à extrema concentração de poderes do Executivo estadual. Pela Constituição rio-grandense, o presidente do estado detinha uma autoridade legal equivalente a um poder ditatorial. A Assembléia reunia-se durante três meses por ano com o fim exclusivo de votar o orçamento e examinar as contas do governo. Getúlio iria aproveitar os longos períodos de recesso parlamentar para dedicar-se às suas atividades de advogado em São Borja.
Em março de 1911, casou-se com Darci Lima Sarmanho, filha de Antônio Sarmanho, estancieiro e diretor de banco em São Borja. Dessa união nasceriam os filhos Lutero, Jandira, Alzira, Manuel Antônio e Getúlio.
Em 1913, foi novamente eleito deputado estadual, mas renunciou ao mandato em protesto contra a intervenção de Borges de Medeiros nas eleições de Cachoeira, atual Cachoeira do Sul. Nesse município, a lista de candidatos do PRR havia sido modificada por João Neves e Odon Cavalcanti. Os deputados eleitos foram preteridos por Borges e obrigados a renunciar aos seus mandatos.
Interrompida a carreira parlamentar, Getúlio voltou a São Borja e à sua banca de advocacia. Durante três anos, permaneceram estremecidas suas relações com Borges de Medeiros, que chegou a incentivar a disputa pelo poder entre os Vargas e outros grupos republicanos de São Borja. O grupo liderado por Benjamim Torres e Rafael Escobar passou a hostilizar Viriato Vargas, na época intendente local. Getúlio não se envolveu diretamente na crise, mas procurou defender o irmão das acusações ainda ligadas ao incidente de Ouro Preto. Com o assassinato de Benjamim Torres em março de 1915, as suspeitas recaíram sobre Viriato, que se refugiou na Argentina até ser absolvido. Entrementes, Borges recuou e manteve o general Manuel Vargas na chefia local do PRR.
No final de 1916, Borges de Medeiros buscou reconciliar-se com Getúlio, oferecendo-lhe a chefia de polícia de Porto Alegre. Getúlio recusou o cargo, mas posteriormente aceitou sua inclusão na lista de candidatos à Assembléia. Eleito em 1917, recuperou rapidamente o tempo perdido fora da política. Prestigiado por Borges de Medeiros, começou a desempenhar na Assembléia as funções de líder do PRR, embora sem diploma expresso. Como explicou João Neves, “líder majoritário não havia. A tradição castilhista desconhecia a figura do líder. Talvez porque o Partido Republicano até ali ocupara unanimemente todas as cadeiras. Líder dava a idéia de divisão, de luta, de fracionamento”.
Na Assembléia, Getúlio tomou algumas iniciativas isoladas e pessoais para congregar as forças políticas gaúchas. Em outubro de 1917, ao manifestar o apoio do governo do estado à declaração de guerra do Brasil contra a Alemanha, conclamou os deputados do PRR e do Partido Federalista a superarem suas divergências e “ante o sentimento de perigo comum unirem-se sob a mesma bandeira”. Quando o armistício foi assinado em novembro de 1918, defendeu a concórdia entre os povos, após denunciar a “arrogância” do Império alemão e o “militarismo prussiano”. O discurso foi aplaudido não só por seus correligionários, mas também pelos deputados federalistas.
Entretanto, em sua opinião, a guerra européia trouxera uma lição nova, comprovando “a inépcia” dos parlamentos “para a solução dos mais graves problemas que agitam a vida nacional dos países onde vigora”. Ao protesto de que não se deveria confundir a presença do governo na vida nacional com essa presença na emergência de guerra, redargüiu: “Tanto não é assim que, após a terminação da guerra, os poderes públicos continuaram a intervir na atividade privada, mantendo os serviços com o intuito de restringir a ganância dos particulares.”
Sua reeleição para a Assembléia em 1921 foi assegurada com tranqüilidade, porém com a situação política nacional tumultuada pela disputa em torno da sucessão do presidente da República Epitácio Pessoa. Borges de Medeiros levantou-se contra a candidatura de Artur Bernardes, articulada por Minas Gerais e São Paulo, denunciando o arranjo político como uma forma de garantir recursos para o esquema de valorização do café, quando o país necessitava de finanças equilibradas. Getúlio, acompanhando a posição do PRR, participou da campanha da Reação Republicana, movimento em favor da candidatura de Nilo Peçanha articulado pelo Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e estado do Rio.
Apesar de acirrada disputa, Artur Bernardes venceu as eleições em março de 1922. Sua vitória comprovava o poderio eleitoral da aliança entre Minas e São Paulo, os dois estados de maior expressão socioeconômica do país, detentores do controle da vida política nacional desde o princípio do século. Essa aliança, resultado lógico dos interesses econômicos comuns aos dois estados cafeeiros, tinha por corolário um esquema de revezamento na presidência da República, conhecido como a “política do café com leite”.
Entretanto, a eleição de Bernardes foi contestada pela oposição civil e, principalmente, por jovens oficiais do Exército, que se tornariam conhecidos como os “tenentes”. A crise culminou com a Revolta de 5 de Julho de 1922, que foi imediatamente sufocada pelo governo, mas marcou o início das revoltas tenentistas da década de 1920. A rebelião contou com a adesão das guarnições de Campo Grande, de Niterói, então capital do estado do Rio de Janeiro, e do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, e nesta última cidade, especialmente a guarnição do forte de Copacabana, que caiu na manhã do dia 6, no episódio que ficou conhecido como Os 18 do Forte. Diante do levante, seguindo a nova orientação do PRR, expressa no manifesto Pela ordem de Borges de Medeiros, Getúlio defendeu a dissolução da Reação Republicana e prestou solidariedade a Epitácio Pessoa e Artur Bernardes.
Em outubro de 1922 Vargas foi indicado e eleito à Câmara Federal para completar o mandato vago por morte do deputado gaúcho Rafael Cabeda. Entretanto, devido à proximidade das eleições governamentais no Rio Grande do Sul, adiou sua partida para o Rio. Pela primeira vez, desde 1907, ocorreu uma situação competitiva na sucessão gaúcha. Borges de Medeiros, candidato ao quinto mandato de cinco anos, defrontou-se com a oposição dos federalistas, dos republicanos dissidentes e dos democráticos, unidos em torno da candidatura de Joaquim Francisco de Assis Brasil. O pleito realizou-se em 25 de novembro de 1922 em meio a rumores de um levante contra Borges e acusações de fraude de ambos os lados. Vargas foi designado presidente da Comissão de Constituição e Poderes da Assembléia, encarregada de apurar os votos e proclamar o candidato vencedor.
Em 17 de janeiro de 1923, a comissão proclamou a vitória de Borges, por 106 mil votos contra 32 mil. Segundo uma versão que circulou na época, a comissão chegara anteriormente à conclusão de que Borges perdera a disputa, não conseguindo a maioria de 3/4 dos votos, exigidos pela Constituição estadual para sua reeleição. Diante do impasse, Vargas e seus dois colegas da comissão teriam ido à presença de Borges para expor a situação. Ao recebê-los, Borges teria declarado efusivamente: “Sei que vêm cumprimentar-me, porque estou reeleito.” Sem jeito de contrariar o chefe, a comissão se teria retirado sem dizer a que vinha, reformulando em seguida seus cálculos.
Em 25 de janeiro de 1923, Assis Brasil e antigos caudilhos federalistas insurgiram-se com o objetivo de depor Borges, desencadeando violenta guerra civil no estado. Nomeado tenente-coronel por decreto de Borges, Vargas partiu para São Borja, assumindo o comando do 7º Corpo Provisório, tropa irregular composta de civis recrutados. Mas não chegou a participar dos combates, pois, ameaçado de perder sua cadeira na Câmara Federal, interrompeu a luta e foi para o Rio de Janeiro assumir mais uma missão delegada pelo PRR.
Na Câmara, Getúlio trabalhou para evitar a intervenção federal em seu estado, buscando contornar as dificuldades geradas pelo apoio anteriormente dado por Borges à Reação Republicana. Desenvolveu também um esforço de aproximação com os representantes gaúchos de oposição, ampliou suas relações com os parlamentares de outros estados, sobretudo de São Paulo, e estabeleceu vínculos com o poder central que beneficiaram a imagem do Rio Grande do Sul junto aos centros decisórios da política nacional. A guerra civil no Rio Grande do Sul terminou em dezembro de 1923 por um acordo de paz assinado sob a égide do governo federal em Pedras Altas, estância de Assis Brasil. O Pacto de Pedras Altas vedou nova reeleição de Borges, mas garantiu o mandato que exercia no Executivo estadual.
Reeleito deputado federal em 1924, Vargas assumiu a liderança da bancada republicana gaúcha na Câmara. Nessa condição, apoiou as medidas de exceção propostas por Bernardes, às voltas com generalizado e persistente descontentamento da opinião pública e intermitentes rebeliões tenentistas. Entre outros movimentos armados, Bernardes enfrentou a Revolta de 1924 em São Paulo, chefiada pelo general Isidoro Dias Lopes, e a Coluna Prestes, contingente rebelde liderado pelo capitão Luís Carlos Prestes e o major Miguel Costa que percorreu o interior do país de abril de 1925 até fevereiro de 1927, dando combate às tropas legais.
Em 1925, Vargas participou da comissão encarregada de estudar a reforma da Constituição de 1891. A revisão constitucional foi proposta por Bernardes, visando a ampliar o poder do governo central perante os estados. Vargas concordou com as modificações pedidas, condenando o “anti-revisionismo sistemático”. Na ocasião, manifestou-se também contra o ensino religioso nas escolas. Em maio de 1926, passou a integrar a Comissão de Finanças da Câmara, na qual permaneceria até o final de seu mandato, em novembro.
Apesar da tensão causada pelas rebeliões tenentistas e pelo estado de sítio em vigor, a sucessão de Bernardes foi das mais tranqüilas da República Velha. Sem qualquer oposição, Washington Luís e Fernando de Melo Viana, até então presidentes respectivamente de São Paulo e Minas Gerais, foram eleitos presidente e vice-presidente da República em março de 1926.
Ministro da Fazenda
Em 15 de novembro de 1926, Washington Luís assumiu a presidência, empossando Vargas no Ministério da Fazenda. Essa escolha tinha o claro propósito de reconciliar o Rio Grande do Sul com a aliança Minas-São Paulo. Além disso, o programa de estabilização financeira anunciado por Washington Luís era bem visto por Borges de Medeiros, que expressara repetidas vezes seu interesse na estabilidade dos preços internos. Vargas manifestou-se a princípio contra sua indicação, alegando, em carta a Borges, que não possuía qualificação suficiente em finanças, mas acabou sendo convencido pelo presidente gaúcho a aceitar a designação.
A passagem de Vargas pelo Ministério da Fazenda duraria pouco mais de um ano, correspondendo à época de êxitos da política econômico-financeira de Washington Luís. Vargas tratou basicamente de implementar a reforma monetária, aprovada pelo Congresso ainda em dezembro de 1926. A reforma instituiu o retorno do padrão-ouro e criou um novo fundo de estabilização cambial chamado Caixa de Estabilização, à qual caberia emitir papel-moeda contra reserva de 1% de ouro. Passaram a existir dois meios circulantes no país, um conversível e outro não, e a taxa de câmbio foi fixada acima dos índices de mercado com objetivo de favorecer as exportações e proteger a indústria nacional.
Em agosto de 1927, Borges de Medeiros indicou as candidaturas de Vargas e João Neves da Fontoura respectivamente à presidência e à vice-presidência do Rio Grande do Sul. Embora impossibilitado pelo Pacto de Pedras Altas de concorrer a nova eleição, Borges havia conservado a chefia do PRR, o que lhe garantia a escolha de seu substituto. Por outro lado, tanto Vargas como João Neves tinham uma concepção da política, se não menos autoritária que Borges, ao menos mais liberal em relação às oposições gaúchas. O “liberalismo” de Vargas era considerado excepcional mesmo dentro do PRR, sobretudo por seus membros mais antigos, dedicados seguidores do castilhismo. Como naquele momento, segundo Alexandre Barbosa Lima Sobrinho em seu clássico livro sobre a Revolução de 1930, “urgia encontrar para o governo gaúcho, depois de lutas tão ásperas, um homem conciliador que os partidos e as facções recebessem com a mesma boa vontade”, Vargas era o candidato ideal.
Em outubro de 1927, uma convenção do PRR aprovou por aclamação a chapa Vargas- João Neves. A Aliança Libertadora, de oposição, fundada em 1924 por federalistas e dissidentes republicanos, não apresentou candidato, mas colocou grandes esperanças na chapa republicana, vendo em sua vitória a possibilidade de um governo mais liberal. Vargas foi eleito em novembro seguinte, sem que fosse preciso participar da campanha em seu estado. Em dezembro, exonerou-se do Ministério da Fazenda e em discurso pronunciado ainda no Rio de Janeiro insinuou que as divergências no Rio Grande do Sul deveriam ser abandonadas no interesse da paz com os libertadores.
Presidente do Rio Grande do Sul
Em 25 de janeiro de 1928, Getúlio assumiu a presidência do Rio Grande do Sul. Sua primeira preocupação foi estabelecer um modus vivendi com Borges a fim de assegurar a independência político-administrativa de seu governo. Vargas iria governar com certa autonomia, apesar da influência preponderante de Borges nos assuntos de política partidária. O primeiro passo nesse sentido foi a nomeação dos secretários de estado a partir de sua própria escolha, sem levar em conta as indicações feitas por Borges. Para a Secretaria do Interior e Justiça foi nomeado Osvaldo Aranha, o mais jovem representante da nova geração de republicanos gaúchos, famoso por sua combatividade durante a guerra civil de 1923. Firmino Paim Filho, amigo de Vargas desde os tempos da faculdade, recebeu o cargo de secretário da Fazenda. João Fernandes Moreira ocupou a Secretaria de Obras Públicas e Florêncio de Abreu, seu concunhado, a chefia de polícia.
Vargas reorientou a ação econômica e política do governo gaúcho, conseguindo resultados amplamente positivos. No plano econômico, tomou uma série de medidas de amparo à lavoura e à pecuária, atendendo sobretudo às reivindicações dos produtores de charque e arroz. Ainda em 1928, fundou o Banco do Rio Grande do Sul para estender o crédito fácil aos interesses agrícolas e pecuaristas, afetados por violentas flutuações nos preços e na produção desde o final da Primeira Guerra Mundial. Em novembro desse mesmo ano conseguiu a aprovação no Congresso da Lei de Desnacionalização do Charque, que considerava estrangeiro todo charque brasileiro que transitasse por território uruguaio na demanda de portos nacionais. A medida visava a coibir o contrabando de charque uruguaio que entrava no Brasil, disfarçado como produto gaúcho ou mato-grossense. Vargas obteve também importantes concessões econômicas do governo federal para diminuir os custos do frete no Rio Grande do Sul. Nesse caso, incluíram-se o auxílio para a expansão do sistema ferroviário rio-grandense e a transferência dos portos de Pelotas e Torres para o controle do estado. Seu governo também subsidiou o nascente comércio exportador de charque e arroz, diminuindo as tarifas ferroviárias para os dois produtos.
Outra forma de atuação de Vargas foi o estímulo à organização dos sindicatos de produtores. O êxito do sindicato dos arrozeiros, criado em 1926 com o objetivo de controlar a oferta e manter os preços altos, propiciou um surto geral de “associatividade” no estado no final da década de 1920. Ao término de seu primeiro ano de governo, Vargas expôs o seu pensamento a respeito: “Ao Estado cabe estimular o surgimento dessa mentalidade associativa, valorizada com sua autoridade, exercendo sobre ela um certo controle para lhe evitar os excessos. (...) Organizados para a defesa dos interesses comuns, [os sindicatos] têm uma dupla vantagem: para os associados a união torna-os mais fortes, para o governo, o trato direto com os dirigentes de classe facilita, pelo entendimento com poucos, a satisfação do interesse de muitos.”
No plano político, Vargas buscou também um acordo com a oposição, conseguindo pôr termo a quase 30 anos de violentas lutas interpartidárias no estado. A oposição, reorganizada em março de 1928 em torno do Partido Libertador (PL), sucessor da Aliança Libertadora, obteve garantias políticas jamais concedidas por Borges de Medeiros. Vargas incluiu na administração estadual membros do PL e tomou medidas para assegurar eleições honestas. Em março de 1929, por exemplo, mandou recontar os votos numa eleição municipal que o PL considerava fraudulenta, permitindo à oposição conquistar uma nova cadeira na Assembléia dos Representantes. O PRR não opôs restrições a esses esforços conciliadores, apesar de todo o peso da tradição castilhista. Assim, nesse mesmo ano de 1929, Vargas teve condições de unificar a política do Rio Grande do Sul e empreender a primeira tentativa direta de um político gaúcho para chegar à presidência da República.
A Aliança Liberal
A candidatura de Vargas às eleições presidenciais de 1930 nasceu do acordo entre o Rio Grande do Sul e Minas Gerais, marcando o rompimento dos dois estados com o governo federal. Foi o presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, quem iniciou as articulações para uma candidatura de oposição. Antônio Carlos esperava ser o próximo presidente, tendo em conta o esquema de revezamento entre Minas e São Paulo no governo federal. Com efeito, a eleição de um candidato de São Paulo em 1926 implicara um acordo tácito pelo qual Minas voltaria ao poder em 1930. No quadriênio Washington Luís surgiram porém divergências na “política café com leite”, a propósito do programa de estabilização financeira e da “valorização do café”. Isto não seria grave não fossem pretensões dos grupos políticos de São Paulo em manter o controle direto do governo federal. No decorrer de 1928, tornou-se claro o interesse de Washington Luís em apoiar a candidatura de Júlio Prestes, antigo líder do Partido Republicano Paulista (PRP) e seu sucessor no governo paulista.
Antônio Carlos buscou o apoio do Rio Grande do Sul a fim de se opor a esses planos. Como observou Bóris Fausto, “para lançar o Rio Grande do Sul em uma contenda que representaria uma ruptura na acomodação com o governo federal era necessário oferecer ao estado a própria presidência”. Do lado gaúcho, João Neves tornou-se o grande articulador dessa solução. Em dezembro de 1928 ele acenou com a possibilidade de uma candidatura gaúcha, ao ser sondado pelo deputado mineiro Afrânio de Melo Franco.
Washington Luís pressentiu a cisão com os mineiros e procurou comprometer o Rio Grande do Sul com seus planos. Ainda em 1928, informou a Vargas, por intermédio do deputado gaúcho José Antônio Flores da Cunha, que se dispunha a considerar um candidato gaúcho, se porventura Minas bloqueasse o nome de Júlio Prestes. Dessa forma, o Rio Grande, terceiro estado em importância eleitoral e tradicionalmente um contendor de segundo plano, tornava-se a peça-chave do jogo sucessório.
Em janeiro de 1929, Vargas soube por autorização expressa de Antônio Carlos que Minas estava definitivamente deliberada a recusar o nome de Júlio Prestes e a apoiar uma candidatura gaúcha ao Catete. Getúlio respondeu em termos evasivos: não repeliu a idéia, mas lembrou os vínculos de cooperação entre seu governo e a administração federal. Ao que tudo indicava, Minas se atiraria isolada a uma luta, sem grandes possibilidades de êxito. Quando muito, conseguiria reunir à sua volta os pequenos partidos de oposição que haviam surgido na década de 1920: a dissidência republicana paulista, que deu origem ao Partido Democrático (PD), e a carioca, que em 1928 se uniu aos paulistas e aos libertadores gaúchos no Partido Democrático Nacional.
De janeiro a maio de 1929, os entendimentos entre Minas e o Rio Grande permaneceram em suspenso. Enquanto isso, Washington Luís insistia em que o debate sucessório fosse iniciado apenas em setembro, isto é, seis meses antes das eleições marcadas para março de 1930. Em maio, porém, a questão sucessória foi levantada no Congresso Nacional. Vargas escreveu então uma carta confidencial ao presidente, declarando-se à margem das manobras sucessórias e prometendo-lhe o apoio do PRR “no momento preciso”.
Em junho, João Neves encontrou-se no Rio com o secretário do Interior de Minas, Francisco Campos, incumbido por Antônio Carlos de obter uma resolução definitiva do Rio Grande do Sul. João Neves apressou-se em aceitar o acordo proposto por Minas, sem consultar previamente Vargas ou Borges de Medeiros. As conversações resultaram na assinatura de um pacto secreto de aliança entre Minas e o Rio Grande do Sul, firmado em 17 de junho por João Neves, Francisco Campos e o deputado José Bonifácio Ribeiro de Andrada, irmão de Antônio Carlos. Conhecido como o Pacto do Hotel Glória, o acordo prescrevia o veto ao nome de Júlio Prestes e a apresentação de um candidato gaúcho à sucessão presidencial, nomeadamente Vargas ou Borges de Medeiros. Ficou também consignado que o acordo só entraria em vigor após a homologação de Borges. Depois de muita hesitação, Borges e Vargas aceitaram os termos do acordo.
Em 11 de julho, Vargas escreveu a Washington Luís, comunicando sua candidatura, mas deixando claro que não oporia obstáculo a uma solução diferente caso o nome de Júlio Prestes fosse posto de lado. O presidente não se abriu a qualquer espécie de entendimento. Comunicou aos demais governadores de estado a candidatura de Júlio Prestes, recebendo o apoio de todos, com exceção de João Pessoa, da Paraíba, que aceitara concorrer à vice-presidência na chapa oposicionista. O convite a João Pessoa fora feito à última hora, depois da recusa da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, estados de maior importância eleitoral que a Paraíba.
Em 30 de julho, a comissão executiva do Partido Republicano Mineiro (PRM) aprovou por unanimidade as candidaturas de Vargas e João Pessoa à presidência e vice-presidência da República, respectivamente. No dia seguinte, o PL deu apoio aos seus nomes, integrando-se ao PRR na Frente Única Gaúcha (FUG). O próximo passo foi a criação no início de agosto da Aliança Liberal, coligação oposicionista de âmbito nacional, tendo como presidente o mineiro Afonso Pena Júnior e vice-presidente o gaúcho Ildefonso Simões Lopes.
A Aliança Liberal congregou a ampla maioria dos representantes políticos do Rio Grande ao Sul, Minas e Paraíba, à qual veio juntar-se o PD de São Paulo e o PD do Distrito Federal. A campanha foi marcada por um série de recuos e tentativas de conciliação com o governo federal, empreendidas sobretudo por Vargas. Em meados de agosto, Vargas propôs a seus aliados a formação de uma nova chapa de oposição, composta de candidatos de Pernambuco e do Ceará, a fim de ampliar a frente antipaulista. Ante a recusa dos presidentes dos dois estados, Vargas sugeriu novamente a apresentação de um terceiro candidato. Mas Washington Luís manteve-se intransigente em relação à candidatura Júlio Prestes.
Em 12 de setembro, uma convenção de delegados dos partidos dominantes de 17 estados, liderados por São Paulo, homologou as candidaturas de Júlio Prestes para a presidência e de Vital Soares, governador da Bahia, para a vice-presidência da República. Oito dias depois, a Aliança Liberal, em convenção realizada no Rio, aprovou a chapa Vargas-João Pessoa e sua plataforma eleitoral, redigida pelo gaúcho Lindolfo Collor. O programa, segundo Bóris Fausto, “refletia as aspirações das classes dominantes regionais não-associadas ao núcleo cafeeiro e tinha por objetivo sensibilizar a classe média”. Na parte econômica, “defendia a necessidade de se incentivar a produção nacional em geral e não apenas o café, combatia o esquema de valorização do café e por isso mesmo não discordava nesse ponto da política de Washington Luís”. Insinuava a necessidade de industrialização, mantendo porém velha distinção entre indústrias naturais e artificiais. Preconizava medidas de proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria, a aplicação da Lei de Férias e a regulamentação do trabalho do menor e da mulher. Mas a grande arma e denominador comum da Aliança Liberal, para Bóris Fausto, era “a defesa da representação popular, através do voto secreto e da designação de magistrados para a presidência das mesas eleitorais”. Outra proposta de grande efeito na campanha foi a anistia ampla a todos os presos políticos processados e perseguidos desde 5 de julho de 1922.
A partir das convenções de setembro, ficou perfeitamente definida a situação de inferioridade da Aliança Liberal na disputa sucessória. Vargas enfrentaria a máquina oficial em 17 estados e, tendo-se em conta os padrões de controle eleitoral da República Velha, suas chances de vitória eram extremamente pequenas.
Minas era o principal reduto eleitoral da Aliança Liberal e Antônio Carlos comprometera-se em manter a coesão do PRM. Em outubro, contudo, o partido sofreu uma grave cisão. O vice-presidente da República Fernando de Melo Viana rompeu com a direção do PRM ao ser preterido na sucessão de Antônio Carlos no governo do estado. A crise resultou na formação da Concentração Conservadora, movimento que promoveu em Minas as candidaturas de Júlio Prestes à presidência da República e de Melo Viana à presidência do estado.
Em conseqüência da cisão em Minas, Vargas esboçou uma nova tentativa de recuo. Propôs a seus aliados retirar-se da disputa em troca de concessões reabilitadoras na plataforma de Júlio Prestes. Firmino Paim Filho foi encarregado de consultar Washington Luís e os principais dirigentes da Aliança Liberal. Washington Luís recusou-se a abandonar o nome de Júlio Prestes, o que, ao lado da inflexibilidade de Antônio Carlos, levou à manutenção da candidatura Vargas.
Em fins de 1929, a corrente mais radical da Aliança Liberal, formada por seus políticos mais jovens, como João Neves, Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco (filho de Afrânio de Melo Franco), passou a admitir a hipótese de desencadear um movimento armado, no caso da derrota nas urnas. Como primeiro passo, buscou-se a colaboração dos “tenentes”, tendo-se em conta seu passado revolucionário, sua experiência militar e seu prestígio no interior do Exército. Essa aproximação já estava em curso desde o início da campanha sucessória, mas os contatos se desenvolviam com grande dificuldade, devido a desconfianças recíprocas. Na Aliança Liberal, estavam alguns dos principais adversários dos “tenentes”, notadamente Artur Bernardes, Epitácio Pessoa e João Pessoa, o qual, como promotor militar, fora acusador de muitos militares rebeldes. Por outro lado, para os velhos dirigentes oligárquicos da Aliança, os “tenentes” personificavam a ameaça de derrubada do regime e, conseqüentemente, de suas próprias bases de sustentação política.
Vários oficiais revolucionários, como Juarez Távora, João Alberto Lins de Barros e Antônio de Siqueira Campos, aderiram aos poucos à idéia de colaborar com a Aliança Liberal, apesar da posição em contrário de Luís Carlos Prestes, o chefe supremo do movimento tenentista. Prestes encontrava-se a meio caminho em seu processo de adesão ao Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB), e começava portanto a abraçar uma nova concepção da revolução brasileira. Em setembro, Prestes entrou secretamente em contato com Vargas para declarar que somente o apoiaria se a via revolucionária fosse adotada. No íntimo, Prestes tinha a impressão de apresentar uma condição impossível de ser cumprida. Em 13 de setembro Vargas transmitiu a João Neves sua opinião a respeito das declarações de Prestes “Penso que não nos é lícito lançarmos o país numa revolução, sacrificarmos milhares de vidas, arruinar e empobrecer o Estado, só para combater um homem que atualmente nos desafia que é o presidente da República.”
Nos últimos meses de 1929, Aranha, João Neves e Virgílio de Melo Franco estabeleceram contato direto com Siqueira Campos, Juarez Távora e João Alberto, que retornaram clandestinamente do exílio, e ainda com outros oficiais revolucionários, que, por já terem cumprido pena, estavam em liberdade, como Eduardo Gomes e Osvaldo Cordeiro de Farias. Por insistência de seus companheiros, Prestes viajou clandestinamente a Porto Alegre para conversar com Osvaldo Aranha e Vargas.
A história dos encontros entre Vargas e Luís Carlos Prestes permanece obscura em vários pontos, como por exemplo em relação às datas. Segundo Hélio Silva, Carone e outros autores, os encontros ocorreram em novembro de 1929 e fevereiro de 1930. Prestes, em depoimento publicado em 1982, mencionou duas datas diferentes: setembro de 1929 e janeiro de 1930. Resta ainda saber por que o ex-comandante da Coluna Prestes recebeu uma substancial quantia de dinheiro, após ter recusado a chefia militar da revolução.
A primeira fase da conspiração não implicou ainda a preparação efetiva para a luta armada, mesmo porque os principais dirigentes da Aliança Liberal não pensavam em romper os limites do sistema. A frase atribuída a João Pessoa resume perfeitamente essa perspectiva: “Nunca contarão comigo para um movimento armado. Prefiro dez Júlio Prestes a uma revolução.” Vargas, por seu lado, tomou uma atitude ambivalente diante da ação conspirativa: permitiu que Aranha, João Neves e os mineiros perseguissem um caminho belicoso, mas ao mesmo tempo autorizou Paim Filho a manter os laços vitais com o governo federal.
Em dezembro de 1929, Paim Filho, agindo com autorização expressa de Vargas, negociou e conseguiu firmar com Washington Luís, à revelia de Minas, da Paraíba e até mesmo dos líderes gaúchos, um acordo secreto com o governo federal. Por esse acordo, Vargas assumiu o compromisso de não deixar o seu estado para fazer propaganda eleitoral e de apoiar o governo federal no caso de uma vitória de Júlio Prestes. De sua parte, Washington Luís e Júlio Prestes comprometiam-se a reconhecer os candidatos do PRR que fossem eleitos em março para o Congresso (seriam renovados a Câmara e 1/3 do Senado), a não combater o reconhecimento de Vargas caso este fosse eleito e, no caso de uma vitória do governo, a restabelecer as relações com o Rio Grande do Sul nos termos anteriores à divergência sobre a sucessão presidencial. O cumprimento desse acordo implicaria muito provavelmente na desagregação e liquidação da Aliança Liberal.
Nessa mesma época, entretanto, o governo federal também enfrentava dificuldades, embora de outra ordem. A crise econômica internacional, irrompida em outubro de 1929, estava solapando o programa de estabilidade da moeda e provocando conseqüências desastrosas para os cafeicultores e os círculos financeiros de São Paulo. Em poucos meses todas as reservas de ouro acumuladas à custa de empréstimos externos foram tragadas pelos capitais em fuga do país. Segundo o comentário que começou a circular, o “general café” se havia voltado contra o presidente. Houve, de fato, divergências entre os cafeicultores e o governo, pois Washington Luís recusou-se a emitir novos financiamentos e a conceder a moratória, reclamados pela lavoura paulista. Diz Bóris Fausto: “Independentemente do fato de que a crise só tenha repercutido no Brasil com toda sua intensidade em 1931... independentemente do fato de que a oposição não [tivesse] plena consciência de seu alcance e não a [utilizasse] a fundo, ela [golpeou] o governo ao produzir o desencontro entre o Estado, como representante político da burguesia cafeeira, e os interesses imediatos da classe.”
No Congresso, João Neves aplaudiu a resistência de Washington Luís em atender às reivindicações dos cafeicultores paulistas, mas criticou acerbamente sua imprevidência. Em 26 de dezembro, após várias sessões tumultuadas, o deputado aliancista gaúcho Ildefonso Simões Lopes revidou uma agressão de seu colega situacionista de Pernambuco, Manuel de Sousa Filho, abatendo-o a tiros no recinto do palácio Tiradentes.
Em meio à radicalização da campanha, Vargas violou o acordo com Washington Luís, viajando para o Rio de Janeiro no final de dezembro. No dia seguinte à sua chegada, entretanto, avistou-se com o presidente, reiterando sua disposição de respeitar o modus vivendi estabelecido por Paim Filho. Em 2 de janeiro de 1930, ao lado de João Pessoa, Vargas leu sua plataforma, não em recinto fechado como fizera Júlio Prestes, mas em praça pública, para uma grande multidão que se concentrou na esplanada do Castelo. Estendeu sua viagem a São Paulo e Santos (SP), onde foi recebido com demonstrações populares de apoio, regressando em seguida a Porto Alegre. A campanha da oposição prosseguiu com a organização das caravanas liberais que percorreram Minas e as principais cidades do Norte e Nordeste, sob a chefia de João Pessoa.
No final de fevereiro, Vargas retirou-se temporariamente para São Borja, nomeando Osvaldo Aranha presidente interino do Rio Grande do Sul e explicando que “escrúpulos de ordem moral o impediam de continuar no cargo durante a eleição”.
Neste último mês ocorreram choques violentos em Garanhuns (PE), Vitória e Montes Claros (MG). Nesta última cidade, um comício da Concentração Conservadora foi interrompido por um tiroteio que deixou vários mortos e feridos, incluindo-se entre os últimos o vice-presidente Melo Viana, pisoteado no tumulto que se estabeleceu. O conflito mais importante eclodiu na Paraíba, em 28 de fevereiro, véspera das eleições. Foi a revolta da cidade de Princesa, atual Princesa Isabel, liderada por José Pereira, chefe político do município, que congregou a oposição parai- bana ao governo de João Pessoa e contou com o apoio do Catete. Antes e depois das eleições, o governo federal hostilizou abertamente os estados de Minas e da Paraíba.
A Revolução de 1930
As eleições de 1º de março de 1930, realizadas no estilo tradicional da República Velha, deram afinal a vitória a Júlio Prestes, como já era esperado. Além de vencer por grande diferença nos estados situacionistas, o candidato oficial obteve 50 mil votos em Minas e a terça parte da votação na Paraíba. A fraude, praxe na época, dominou o pleito de parte a parte. De outra forma seria impossível explicar o fabuloso resultado obtido por Vargas em seu estado com 298 mil votos contra apenas 982 dados a seu concorrente. Mesmo assim, Júlio Prestes chegou a cerca de um milhão e cem mil votos, contra 737 mil dados a Vargas. Pelo Bloco Operário e Camponês, organização patrocinada pelo pequeno PCB, fundado em 1922, concorreu o operário Minervino de Oliveira com uma votação ínfima.
Em 11 de março, antes de voltar a Porto Alegre para reassumir o governo estadual, Vargas telegrafou a Osvaldo Aranha, considerando “quixotesca” a continuação da luta. Em 19 de março, Borges de Medeiros, em entrevista publicada pelo jornal A Noite, reconheceu enfaticamente a vitória de Júlio Prestes, dando por encerrada a campanha da oposição e a FUG. A entrevista provocou forte reação de Osvaldo Aranha, João Neves e Flores da Cunha contra o que consideraram uma completa capitulação. Borges viu-se forçado a retificar suas declarações para evitar a ameaça de cisão no PRR. Em fins de março, admitiu o prosseguimento da luta pela ação parlamentar e a pregação doutrinária.
Nesse ínterim, Virgílio de Melo Franco e João Batista Luzardo, dirigente do PL, conseguiram articular um entendimento com Epitácio Pessoa e Antônio Carlos em favor da alternativa revolucionária. Luzardo foi autorizado por Antônio Carlos a declarar aos chefes políticos gaúchos que Minas aceitaria a solução sediciosa, caso o Rio Grande do Sul a adotasse. Epitácio Pessoa concordou com a fórmula, comprometendo-se a consultar João Pessoa, a quem caberia a última palavra sobre a Paraíba. No final de março, após ser informado sobre esses contatos, Vargas concordou com a preparação do movimento armado, deixando a Osvaldo Aranha a responsabilidade de sua coordenação.
Aranha acelerou a conspiração reativando seus contatos com os tenentes. No início de abril, a participação dos tenentes na revolução ficou definitivamente acertada: Juarez Távora chefiaria o levante no Norte, João Alberto e outros oficiais ajudariam o movimento no Sul e Siqueira Campos dirigiria o setor mais difícil — a capital paulista. Para chefiar o estado-maior revolucionário, dada a desistência de Luís Carlos Prestes, os gaúchos escolheram um oficial de carreira, em vez de um “tenente”. O tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, na época comandante de urna guarnição no Rio Grande do Sul, foi convidado a assumir o encargo. Na década de 1920, ele combatera militarmente os “tenentes” da Coluna Prestes.
Também por iniciativa de Aranha foram encomendadas armas à Tchecoslováquia no valor de 16 mil contos de réis. O Rio Grande do Sul participaria com metade dessa soma, cabendo a Minas seis mil contos e dois mil à Paraíba. Em meados de abril, Antônio Carlos e Epitácio Pessoa concordaram com o esquema proposto para a compra de armas. Francisco Campos viajou então a Porto Alegre para verificar in loco os preparativos da revolução. Com Vargas e Osvaldo Aranha, ele acertou o esquema de participação de Minas no levante. A tarefa militar desse estado seria distrair as tropas federais que nele se encontravam e fechar as próprias fronteiras, a fim de atrair os contingentes do Exército estacionados em São Paulo.
No final de abril, Vargas aprovou um documento elaborado por João Neves sobre a orientação da bancada do PRR na legislatura que se iniciaria em maio. Tratava-se de um memorando de sete itens, sancionado por Borges de Medeiros em sua estância de Irapuazinho. Conhecido como o Heptálogo de Irapuazinho, o documento estabelecia como pontos principais a oposição não-sistemática do PRR ao governo federal, a defesa da plataforma aliancista e a apresentação de projeto de lei de reforma eleitoral, a defesa dos candidatos aliancistas de Minas e Paraíba não reconhecidos pelas juntas de apuração eleitoral, a assistência aos governos desses dois estados contra a intervenção federal, o fornecimento de armas a João Pessoa para a luta contra a Revolta de Princesa e a recondução de João Neves à liderança da bancada republicana gaúcha na Câmara.
Paim Filho, preocupado com a manutenção do modus vivendi com o governo federal, não concordou com o Heptálogo. Em carta a Borges, denunciou as intenções revolucionárias de João Neves, mas omitiu o acordo firmado em dezembro de 1929 com Washington Luís. Para contornar a dificuldade, Vargas e Borges autorizaram Paim Filho, eleito senador em março, a defender sua posição pessoal no Congresso.
Em 3 de maio de 1930, o Congresso reiniciou seus trabalhos. O estudo das eleições presidenciais e da renovação dos mandatos legislativos constituiu sua primeira tarefa. A maioria governista se serviu, arbitrariamente do processo de reconhecimento dos candidatos para punir as representações aliancistas de Minas e da Paraíba. A “degola” atingiu todos os candidatos apoiados por João Pessoa, beneficiando os partidários de José Pereira. A representação do PRM sofreu um corte de 14 deputados numa bancada de 37, sendo diplomados em seus lugares candidatos da Concentração Conservadora. No caso de Minas, diz John Wirth, “o desastre foi agravado pela perda de todas as presidências de comissões e pela imposição de sanções econômicas federais”. Sintomaticamente, o Rio Grande do Sul atravessou ileso o expurgo. Em fins de maio o novo Congresso aprovou os resultados das eleições, declarando Júlio Prestes presidente eleito.
O arbítrio do reconhecimento dos poderes constituiu-se em mais um fator de indignação contra Washington Luís, sobretudo em Minas Gerais. Em 27 de maio, a comissão executiva do PRM convocada por Antônio Carlos aprovou por unanimidade a participação de Minas no movimento armado.
Entrementes, as articulações revolucionárias na área dos “tenentes” sofreram um rude golpe com a ruptura de Luís Carlos Prestes com a Aliança Liberal. No seu Manifesto de maio, Prestes condenou a “revolução da oligarquia”, propondo um programa de revolução agrária e antiimperialista.
Em 1º de junho, Vargas lançou um manifesto à nação, condenando a depuração das bancadas mineira e paraibana e anunciando para breve a “necessária retificação” do regime. Mas temperou seus ataques, afirmando que as modificações dos “nossos hábitos e costumes” poderiam ter lugar “dentro da ordem”.
Ainda em junho, a conspiração sofreu um colapso — voltando praticamente à estaca zero — devido às hesitações de Vargas e Antônio Carlos. O presidente de Minas começou a reduzir seus compromissos com a revolução no princípio do mês. Em entrevista com João Neves e Flores da Cunha, manifestou seu propósito de transformar os compromissos militares esboçados em compromissos políticos definidos para uma ação pacífica. No decorrer do mês, Antônio Carlos pôde constatar a precariedade da organização militar do movimento em Minas e outros pontos do país, sobretudo em São Paulo. Em 17 de junho, ele enviou a Osvaldo Aranha um radiograma — principal meio de contato entre os conspiradores — considerando o movimento inteiramente sem articulação e sem probabilidade de êxito. Ante a resposta violenta de Aranha, e preocupado com a repercussão de sua atitude, Antônio Carlos procurou transferir a responsabilidade da participação ou não de Minas na revolução a seu sucessor no governo do estado — eleito em março — Olegário Maciel.
O recuo de Antônio Carlos foi o pretexto de que se serviu Vargas para também recuar. O efeito acumulado desses acontecimentos provocou uma crise nos planos revolucionários. Em 27 de junho, Osvaldo Aranha renunciou ao seu posto de governo no Rio Grande do Sul, justificando seu ato num radiograma indignado a Virgílio de Melo Franco: “Minha convicção você e eu vítimas de uma mistificação vergonhosa. Estou farto dessa comédia. Impossível continuar sob direção chefe tão fraco que desanima próprios soldados.” Vargas aceitou a demissão, nomeando João Simplício Alves de Carvalho para a Secretaria do Interior. A primeira tentativa de desencadear a revolução fracassara.
No início de julho, os conspiradores mais obstinados recomeçaram por conta própria a trama interrompida. Em Minas, Artur Bernardes apoiou a todo transe as articulações de Virgílio de Melo Franco. A pedido de Virgílio, escreveu a Olegário Maciel dando-lhe certeza de seu apoio ao movimento armado. Embora lhe parecesse inconveniente a revolução, Olegário cedeu diante dos argumentos de Bernardes. No final de julho, declarou a Lindolfo Collor e Maurício Cardoso estar de acordo com o movimento, desde que ele fosse deflagrado antes de sua posse no governo de Minas, marcada para 7 de setembro.
Entretanto, nem Vargas nem Antônio Carlos deram sinal de mudança durante o mês. A conspiração tendia a se extinguir, quando ocorreu o assassínio de João Pessoa, em Recife, no dia 26 de julho. Embora o crime tenha sido cometido por razões de ordem pessoal, os líderes aliancistas lançaram imediatamente a culpa sobre o governo federal. Antônio Carlos propôs a Vargas o lançamento de um manifesto, responsabilizando Washington Luís como mandante do assassínio e declarando-o, por isso, fora da lei. Vargas repeliu a idéia: “Um manifesto dessa natureza, sem a sua imediata e lógica sucessão, seria um suicídio e um crime.” Enquanto isso, tropas federais intervinham na Paraíba para evitar represálias contra a oposição paraibana. José Pereira apressou-se em depor as armas, pondo fim à Revolta de Princesa.
O trágico desaparecimento de João Pessoa provocou grande comoção nacional, dando novo alento às articulações revolucionárias. Vargas autorizou Aranha a retomar seus preparativos e as conversações entre Minas e o Rio Grande do Sul foram reatadas.
Aranha marcou a deflagração do movimento para 26 de agosto (trigésimo dia da morte de João Pessoa), mas foi necessário transferir a data, pois a revolução não parecia perfeitamente preparada. Na verdade, Vargas ainda não havia decidido comprometer o Rio Grande do Sul no levante. Numa reunião com Aranha, Flores da Cunha e João Neves, ele declarou que não poderia se aventurar a passo tão arriscado, contrariando a orientação de Borges de Medeiros, francamente contrário à revolução. Borges sabia da conspiração em preparo, mas nunca fora “oficialmente” consultado sobre o assunto. Em 24 de agosto, Vargas informou a Borges estar disposto a suspender todas as atividades conspiratórias, mas ao mesmo tempo encarregou Aranha de obter sua adesão. Borges acabou por se render aos argumentos de Aranha, prometendo auxiliar o movimento dentro de suas possibilidades. No final de agosto, Vargas declarou-se pronto a seguir a orientação dada pelo chefe do PRR.
Em 11 de setembro, Góis Monteiro e Aranha comunicaram a seus companheiros que a preparação estava concluída. No Rio Grande do Sul, o movimento já contava com importantes ramificações no interior do Exército e o apoio dos principais comandantes da Brigada Militar, milícia estadual tão bem equipada quanto as forças do Exército estacionadas no estado. Em Minas, a Força Pública também estava pronta para a luta.
Entretanto, Vargas e Borges consideravam indispensável obter, senão o apoio, pelo menos a neutralidade dos altos comandantes militares do Rio de Janeiro. Em 12 de setembro, Lindolfo Collor partiu para a capital, onde manteve contatos com diversos oficiais, entre os quais os generais Augusto Tasso Fragoso, Francisco Ramos de Andrade Neves e Alfredo Malan d’Angrogne. Estabeleceram-se, assim entendimentos para uma intervenção pacificadora no caso de um conflito prolongado.
Nas últimas semanas que precederam a revolução, Vargas procurou dissimular seu envolvimento na conspiração, buscando sobretudo despistar o senador Paim Filho e o comandante da 3ª Região Militar (3ª RM), sediada no Rio Grande do Sul, o general Gil de Almeida, ambos fortemente leais a Washington Luís. Paim Filho foi induzido a transmitir informações tranqüilizadoras ao presidente, negando a participação de Vargas na trama revolucionária. Enquanto isso, Vargas entendia-se com o general, confidenciando-lhe certos detalhes inconseqüentes da revolução. Mas Gil de Almeida percebeu a artimanha: em 15 de setembro alertou o ministro da Guerra, general Nestor Sezefredo dos Passos, sobre as reais intenções de Vargas. Apesar de todas as advertências, Washington Luís não ordenou nenhuma medida preventiva para deter a revolução, sendo surpreendido pelos acontecimentos.
Em 25 de setembro, Vargas e Aranha decidiram desencadear a revolução no dia 3 de outubro. Segundo o plano adotado, o movimento deveria irromper simultaneamente no Rio Grande do Sul, Minas e estados do Nordeste.
A revolução começou em Porto Alegre às cinco horas da tarde de 3 de outubro, com um ataque bem planejado ao comando da 3ª RM. Em 20 minutos, o general Gil de Almeida foi feito prisioneiro. Em Belo Horizonte, o movimento começou ao mesmo tempo, mas no Nordeste, por um equívoco de Juarez Távora, a revolução irrompeu na madrugada do dia 4. Diz Bóris Fausto: “A adesão do Exército foi quase imediata no Sul, também se concretizando em Minas e no Nordeste, apesar de algumas resistências nessas áreas. Apenas em São Paulo delineou-se um choque decisivo de maiores proporções.”
Na madrugada do dia 4, todas as unidades militares de Porto Alegre já se encontravam sob o controle dos revolucionários. No interior do estado quase não houve luta. Vargas divulgou, no mesmo dia 4, um manifesto conclamando o povo gaúcho às armas: “Estamos diante de uma contra-revolução para readquirir a liberdade, para restaurar a pureza do regime republicano.” Dizia no final: “Rio Grande, de pé, pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino heróico.” Os gaúchos atenderam ao apelo com entusiasmo e em poucos dias cerca de 50 mil voluntários alistaram-se para lutar na insurreição.
Em Belo Horizonte, apesar da resistência do 12º Regimento de Infantaria (12º RI), que durou cinco dias, o domínio da cidade foi rápido. No interior do estado algumas guarnições federais (Juiz de Fora, Três Corações), permaneceram fiéis a Washington Luís, mas limitaram sua ação à resistência dentro dos quartéis. Após a rendição do 12º RI, as forças mineiras concentraram-se na região de fronteira com São Paulo e o Rio de Janeiro, conseguindo deter a invasão de tropas legalistas.
No Norte e no Nordeste, o movimento foi amplamente vitorioso. Em três dias, Juarez Távora e os tenentes assumiram o controle de quase todos os estados, enviando tropas para dominar a Bahia e o Pará sob o comando de Juraci Magalhães e Landri Sales, respectivamente.
Em 5 de outubro, as forças gaúchas partiram em direção a Santa Catarina e ao Paraná. A resistência de Florianópolis não chegou a ameaçar o êxito da ofensiva. No Paraná, o Exército se sublevou em apoio à revolução, depondo o governo do estado. Em 11 de outubro, Vargas passou o governo gaúcho a Osvaldo Aranha e rumou para Ponta Grossa (PR), onde, ao chegar, dia 17, estabeleceu seu quartel-general e assumiu o comando das forças revolucionárias em marcha para a capital da República.
Em meados de outubro, a revolução já era vitoriosa em quase todo o país, restando apenas São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pará sob controle do governo federal. A principal frente de luta localizava-se na divisa de São Paulo com o Paraná. Em Itararé (SP), as forças revolucionárias vindas do Sul viram-se diante de uma das maiores concentrações militares articuladas pelos governistas. O choque decisivo foi entretanto evitado pela intervenção da cúpula militar do Rio de Janeiro: em 24 de outubro, um grupo de oficiais-generais, liderados por Augusto Tasso Fragoso, exigiu a renúncia de Washington Luís. Ante a negativa do presidente, os militares determinaram o cerco do palácio Guanabara e sua prisão.
Washington Luís foi substituído por uma junta governativa provisória, composta pelo general Tasso Fragoso, seu chefe, o general João de Deus Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha. Ainda no dia 24, a junta organizou um novo ministério, do qual faziam parte, entre outros, o general José Fernandes Leite de Castro (Guerra), Isaías de Noronha (Marinha) e Afrânio de Melo Franco (Relações Exteriores). Com a situação na capital sob controle, a junta enviou o primeiro de uma série de telegramas a Vargas, propondo a suspensão total das hostilidades em todo o país, mas nada adiantando sobre a transferência do poder aos chefes da revolução. As verdadeiras intenções da junta não eram claras. A nomeação do ministério e a adoção de medidas legislativas indicavam sua disposição em permanecer no poder como um fato consumado. A situação tornou-se ainda mais dúbia com a designação do general Hastínfilo de Moura, comandante legalista da 2ª RM, para o cargo de interventor em São Paulo e com as declarações do novo chefe de polícia no Rio, coronel Bertoldo Klinger, prometendo reprimir as manifestações públicas na capital em favor dos revolucionários.
De Ponta Grossa, Vargas comunicou imediatamente à junta que prosseguiria a luta se não fosse reconhecido como chefe de um governo provisório. Ao mesmo tempo, ordenou às forças revolucionárias que prosseguissem seu avanço em direção à capital do país. Em 28 de outubro, o impasse foi finalmente superado, após entendimento firmado por Aranha e Collor, emissários de Vargas, com o general Tasso Fragoso. Em proclamação ao país, a junta comunicou a decisão de transmitir o poder a Vargas.
A caminho do Rio, em trem militar, Vargas passou por São Paulo, onde deixou o “tenente” João Alberto como “delegado militar da revolução” no estado. Em 31 de outubro, precedido por três mil soldados gaúchos, desembarcou no Rio, de uniforme militar e com um grande chapéu gaúcho, sendo recebido com uma manifestação apoteótica de apoio. Finalmente, em 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas tomou posse como chefe do Governo Provisório. Os soldados gaúchos fizeram então o que ficaria registrado na crônica como o gesto simbólico da vitória: amarraram seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, no Rio.
Chefe do Governo Provisório
O movimento que conduziu Vargas ao poder tornou-se conhecido na história brasileira como a Revolução de 1930. “Os acontecimentos posteriores confirmaram a precisão da denominação, pelo menos na esfera política”, diz Thomas Skidmore. O movimento de 1930 representou de fato mais que a simples queda de um governo: “rompia-se por fim”, escreveu Bóris Fausto, “o quadro sócio-político da dominação oligárquica sob a hegemonia da burguesia cafeeira”.
A situação de Vargas à frente do Governo Provisório logo se tornou instável devido à divisão ocorrida em seu próprio bloco, a Aliança Liberal. A revolução unira taticamente forças políticas com perspectivas diversas. As oligarquias dissidentes tinham erguido na campanha eleitoral a bandeira das reformas políticas, mas com um mínimo de transformações, e esperavam sobretudo restabelecer o jogo político rompido por São Paulo. Já os “tenentes” ansiavam por uma mudança mais profunda da vida nacional, impossível de se realizar, do seu ponto de vista, sem a quebra do poder das oligarquias. Deposto o governo de Washington Luís, a Aliança Liberal perdeu sua razão de ser, desagregando-se rapidamente.
Na mesma conjuntura, o país enfrentava uma violenta crise econômica — talvez a mais grave de sua história — resultante da Grande Depressão internacional dos primeiros anos da década de 1930. Os dois fatos conjugados — a crise econômica e a heterogeneidade das forças vitoriosas — determinaram os rumos da revolução e a ação de Vargas à frente do Governo Provisório.
O primeiro ministério de Vargas refletia sua dependência em relação a diferentes grupos de apoio. Foram mantidos três ministros nomeados pela junta militar em 24 de outubro, a saber: Leite de Castro (Guerra), Isaías de Noronha (Marinha) e Afrânio de Melo Franco (Relações Exteriores). A pasta da Justiça foi entregue a Osvaldo Aranha, o principal arquiteto da revolução. Juarez Távora foi escolhido, como representante dos “tenentes”, para a pasta da Viação e Obras Públicas. O Ministério da Fazenda ficou com José Maria Whitaker, banqueiro paulista do café ligado ao PD. Assis Brasil, o veterano líder dos libertadores gaúchos, assumiu a pasta da Agricultura. Francisco Campos e Lindolfo Collor ocuparam respectivamente dois novos ministérios: o da Educação e Saúde Pública, criado em 14 de novembro, e o do Trabalho, Indústria e Comércio, instituído no dia 26 do mesmo mês. Esses quadros tiveram no entanto, grande mobilidade. Juarez Távora passou seu cargo depois de três semanas ao escritor e engenheiro José Américo de Almeida, que se destacara como líder da revolução na Paraíba. Isaías de Noronha não completou dois meses na pasta e em seu lugar foi nomeado o almirante Conrado Heck, que morreu seis meses depois, sendo substituído pelo almirante Protógenes Guimarães. Assis Brasil, sem ter sido demitido, seguiu para Buenos Aires como embaixador, respondendo interinamente pela pasta Mário Barbosa Carneiro.
Logo na primeira semana, o Governo Provisório foi reconhecido pelas principais potências, inclusive os EUA, que procuraram desfazer a má impressão gerada por seu apoio diplomático a Washington Luís durante a insurreição. Internamente, a vitória da revolução completou-se com o exílio do ex-presidente, de Júlio Prestes e de numerosas personalidades ligadas ao governo deposto. Em 8 de novembro, Vargas concedeu anistia a todos os civis e militares participantes dos movimentos revolucionários ocorridos a partir de 1922.
O Governo Provisório adquiriu configuração legal em 11 de novembro através de decreto assinado por Vargas. Pelo decreto, Vargas dissolveu o Congresso Nacional, as assembléias estaduais e câmaras municipais, assumindo plenos poderes para governar o país. Segundo o decreto, essa situação excepcional deveria perdurar até a eleição de uma assembléia constituinte que estabeleceria uma nova organização jurídico-política para o país, em substituição à Constituição de 1891. Vargas pretendia, assim, legitimar seus poderes discricionários com o compromisso de reintegrar a nação num regime constitucional. Foi também instituído um órgão de justiça revolucionária, o Tribunal Especial, com a finalidade de apurar irregularidades e atos de corrupção praticados sob o governo Washington Luís.
Vargas nomeou interventores federais em todos os estados com exceção de Minas, onde foi mantido o presidente estadual Olegário Maciel. Com exceção ainda do Rio Grande do Sul e Pernambuco, onde líderes revolucionários locais, José Antônio Flores da Cunha e Carlos de Lima Cavalcanti, assumiram o governo, a maioria dos estados passou a ser governada por “tenentes”. Juarez Távora tornou-se uma espécie de superinterventor, com influência direta desde o Acre até a Bahia ao ser designado, em dezembro de 1930, delegado militar da revolução nos estados do Norte. Chegou a ficar conhecido na época como o “vice-rei do Norte”. No caso de São Paulo, Vargas nomeou João Alberto para a interventoria, contrariando as pretensões do PD.
Os “tenentes” e seus aliados civis e militares — entre os quais se incluíram transitoriamente Aranha e Góis Monteiro — revelaram de imediato seus planos de prolongar o Governo Provisório e criar organizações revolucionárias em contraposição às antigas estruturas partidárias. Em 15 de novembro, Aranha e Góis Monteiro lançaram um manifesto propondo a criação de uma organização nacional, com características de um “exército civil” que congregasse as forças adeptas da revolução. Vargas concordou com a idéia, autorizando assim a formação da Legião de Outubro.
Os “tenentes” também procuraram definir melhor seu programa político, constituindo o chamado Gabinete Negro, denominação dada pela imprensa ao grupo de conselheiros informais do presidente, do qual faziam parte, entre outros, Aranha, Góis Monteiro, Juarez Távora, João Alberto e o médico Pedro Ernesto Batista. O grupo formulou — ainda que imprecisamente — um programa de ação revolucionária, defendendo o prolongamento da ditadura, a representação por classes, a nacionalização de alguns setores da economia, como as minas e quedas-d’água, e reformas na área trabalhista. Algumas dessas propostas interessaram de perto a Vargas.
A implantação da Legião de Outubro deu origem aos primeiros choques entre os jovens Revolucionários e os antigos líderes oligárquicos. Sem conseguir se firmar como uma agremiação nacional, a Legião se organizou em vários núcleos estaduais, dos quais os mais importantes foram a Legião Revolucionária de São Paulo, criada por João Alberto e Miguel Costa ainda em novembro de 1930, e a Legião Liberal de Minas, oficialmente fundada em fevereiro de 1931 pelo ministro Francisco Campos e os secretários estaduais Gustavo Capanema e Amaro Lanari. Essas novas organizações tentaram sobrepor-se aos partidos estaduais, desencadeando uma ofensiva até certo ponto radical para afastar do poder os quadros políticos tradicionais.
Em São Paulo, o confronto assumiu proporções mais graves, devido à incisiva intervenção do tenentismo, amparado pelo Governo Provisório. Diz Bóris Fausto: “Ao nomear João Alberto delegado-militar e depois interventor, Vargas demonstrava o claro propósito de quebrar o poder político da classe dominante regional mais forte do país.” Durante um curto período, o PD participou da interventoria João Alberto numa atribulada experiência de governo conjunto. O desentendimento manifestou-se sobretudo na acentuada disputa entre os democráticos e a Legião Revolucionária pelo controle dos antigos bastiões municipais do PRP (prefeituras e chefias de polícia). No início de dezembro, o PD retirou-se do secretariado estadual, pondo fim ao chamado “governo dos 40 dias.” O PD ainda manteve por algum tempo uma atitude conciliatória em relação aos “tenentes”, evitando o rompimento com João Alberto.
Por seu lado, em seus pronunciamentos públicos, Vargas passou a refletir cada vez mais nitidamente as aspirações da corrente mais radical da revolução. Em 2 de janeiro de 1931, em banquete oferecido pelas forças armadas, propôs o estabelecimento da “representação por classes em vez do velho sistema de representação individual tão falho como expressão da vontade popular”. Não era a primeira vez que Vargas surpreendia os liberais com esse ponto de vista. Antes da revolução, ele afirmara que “a minha diretriz no governo do Rio Grande do Sul se assemelha ao direito corporativo ou organização de classes promovido pelo fascismo no período de renovação criadora que a Itália atravessa”.
No início de fevereiro, Vargas atingiu o Supremo Tribunal Federal (STF) com drástica reforma. O número de seus ministros foi diminuído de 15 para 11, enquanto seis deles, considerados adversários da revolução, foram aposentados compulsoriamente.
Em 10 de fevereiro, Vargas deliberou formar uma comissão para o estudo e revisão da legislação eleitoral, convidando Assis Brasil para presidi-la. Foi sua primeira iniciativa formal para o encaminhamento do processo de convocação da Constituinte. Duas semanas mais tarde, ao visitar Belo Horizonte, ressaltou, entretanto, a oportunidade de se realizarem “reformas radicais, impossíveis de execução em período de normalidade constitucional”.
Em relação à “questão social”, havia pelo menos um tênue acordo entre as diferentes facções do Governo Provisório quanto ao sentido das reformas a serem adotadas. A simples criação do Ministério do Trabalho expressava a preocupação da nova liderança política em dar um tratamento específico à questão.
Em 19 de março, Vargas promulgou a Lei de Sindicalização, de nítida inspiração corporativista, elaborada pelo ministro Lindolfo Collo. O decreto regulava a sindicalização das classes patronal e operária, inovando em pontos cruciais. Em primeiro lugar, definia o sindicato como órgão consultivo e de colaboração do poder público, instituindo uma série de mecanismos de subordinação do sindicato ao Ministério do Trabalho. Além disso, consagrava o princípio da unicidade sindical, pois o ministério reconheceria em cada unidade territorial apenas um sindicato para cada ramo de atividade. Esse modelo de organização sindical não seria praticamente aplicado durante o Governo Provisório devido à resistência tanto do meio empresarial quanto do meio operário. Outra iniciativa de grande impacto sobre a situação trabalhista seria a Lei de Amparo ao Trabalhador Brasileiro Nato, de agosto de 1931, que garantia a presença mínima de 2/3 dos empregados nacionais em quaisquer estabelecimentos industriais e comerciais. Foi também limitada a entrada no país de passageiros de terceira classe, o que provocou um sensível declínio das correntes imigratórias européias.
O Governo Provisório também deu início à modernização do ensino médio e superior. As principais medidas adotadas por Francisco Campos na pasta da Educação e Saúde Pública datam de abril de 1931. No dia 11, foram assinados dois decretos. O primeiro, contendo o estatuto das universidades brasileiras, afirmava ser o sistema universitário preferencial em relação ao das escolas superiores isoladas. O decreto estabelecia a exigência, para a fundação de entidades universitárias, da existência de três unidades de ensino superior — direito, medicina e engenharia — ou, no lugar de uma delas, uma faculdade de ciências e letras. O segundo decreto dispunha minuciosamente sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro (posteriormente Universidade do Brasil e atual Universidade Federal do Rio de Janeiro). No dia 18 de abril, foi decretada a reforma do ensino secundário, retirando-se-lhe o caráter de passagem para faculdade. Foi a partir de então que passou a existir no Brasil um curso secundário tal como se concebe hoje. Pela reforma, o curso secundário foi dividido em dois ciclos: um fundamental de cinco anos (que depois se chamou ginasial) e outro complementar de dois anos (que se desdobraria mais tarde em “científico” e “clássico”). Finalmente, no dia 30 foi assinado o decreto que reintroduziu em caráter facultativo o ensino religioso nas escolas oficiais.
No final de março de 1931, Vargas reformou o Tribunal Especial, a pretexto de acelerar o julgamento dos processos sobre irregularidades no governo Washington Luís e dos fatores que comprometessem a “obra de reconstrução revolucionária”. A reforma que transformou o tribunal na Junta de Sanções ocorreu no momento em que Artur Bernardes e mais de uma centena de deputados haviam sido denunciados, por pressão dos “tenentes”. A maioria dos acusados foi absolvida. Em setembro, a Junta de Sanções seria substituída pela Comissão de Correição Administrativa — o último órgão da justiça revolucionária do Governo Provisório —, que acabaria morrendo esquecida em janeiro do ano seguinte.
A partir de abril de 1931, as oligarquias excluídas ou preteridas do poder reagiram com maior vigor à ação tenentista, especialmente em São Paulo, reduzindo a margem de autonomia de Vargas. Em manifesto lançado no dia 7 de abril, o PD rompeu com o interventor João Alberto, denunciando a entrega de quase todos os cargos políticos e administrativos do estado aos adeptos da Legião Revolucionária e a “preterição sistemática dos filhos de São Paulo... por elementos de fora”. No dia 14, Vargas confirmou seu apoio a João Alberto em comunicado curto e simples: “O Governo Provisório decidiu em absoluto manter o status quo de São Paulo.” No final do mês, os democráticos participaram de uma tentativa de golpe contra o interventor, liderada por oficiais da Força Pública. O levante foi sustado por Miguel Gosta, secretário de Segurança Pública do estado. Com o fracasso do movimento, conhecido como a “abrilada”, os democráticos organizaram uma nova forma de combate aos “tenentes”, centrada na luta pela nomeação de um interventor “civil e paulista” e pela convocação de uma assembléia constituinte, aproximando-se progressivamente do PRP, seu principal adversário na política paulista até o advento da Revolução de 1930.
Minas Gerais, um dos estados-líderes da revolução, também se tornou um foco de tensões políticas. O estado transformou-se num campo de disputa entre a facção do PRM liderada por Artur Bernardes e a Legião Liberal, comandada por Francisco Campos e Gustavo Capanema. A Legião não tardou em revelar seu caráter fascistizante, constituindo milícias paramilitares uniformizadas com a cor cáqui. A Legião conseguiu arregimentar grande número de perremistas através de pressões e intimidações, visando principalmente a desmantelar as bases de sustentação de Bernardes. O presidente Olegário Maciel procurou a princípio não tornar ostensivo seu apoio à Legião, mas no final de abril proclamou a dissolução do PRM e sua absorção pela Legião, após comparecer a um grande desfile promovido pela organização em Belo Horizonte. A partir desse momento, suas relações com a facção de Bernardes tornaram-se cada vez mais conflituosas.
O Rio Grande do Sul permanecia como o esteio fundamental do Governo Provisório. Com a ascensão de Vargas ao poder, o estado assumiu uma posição proeminente no governo federal, recebendo três ministérios, três interventorias e outros cargos de primeiro escalão. O interventor Flores da Cunha e os líderes do PRR e do PL mostravam-se confiantes na atuação de Vargas e, embora tenham-se manifestado a favor da reconstitucionalização do país já em abril de 1931, não se lançaram de imediato numa campanha comparável à de São Paulo.
Nos estados do Norte, Vargas conseguiu consolidar uma importante base de apoio ao Governo Provisório, incentivando a princípio a política renovadora dos “tenentes”. Do ponto de vista do Norte, economicamente atrasado e politicamente marginalizado pelas oligarquias do Centro-Sul durante a República Velha, o apoio a Vargas foi uma porta aberta para a defesa de seus interesses e uma participação mais expressiva em nível nacional.
Em 4 de maio de 1931, Vargas inaugurou os trabalhos da comissão encarregada da reforma das leis eleitorais, ressaltando, em seu discurso, a necessidade de uma ampla transformação e ampliação das margens de poder do Estado. “A época é das assembléias especializadas, dos conselhos técnicos integrados à administração”, declarou Vargas. Em outra passagem, afirmou: “Deve prevalecer a coordenação perfeita de todas as iniciativas circunscritas à órbita do Estado, e o reconhecimento das organizações de classe como colaboradoras da administração política.”
Na mesma época, os “tenentes” fundaram o Clube 3 de Outubro, a fim de consolidar sua influência no Governo Provisório. O Clube identificava-se com as diretrizes centralizadoras de Vargas e com a Legião de Outubro. Nunca pretendeu, porém, ser uma organização de massas, como as Legiões, propondo-se basicamente a atuar como núcleo de pressão sobre o poder central. O Clube 3 de Outubro, cujo primeiro presidente foi Góis Monteiro, viria a ser a mais importante organização tenentista.
Apesar de seu compromisso com os “tenentes”, Vargas ainda dependia, em grande medida, do apoio de organizações de peso como o PRR e o PRM e até mesmo dos democráticos, representados no Governo Provisório pelo ministro José Maria Whitaker. Por essa razão, desenvolveu um difícil exercício de equilíbrio político, procurando se afirmar como árbitro dos conflitos entre os “tenentes” e as oligarquias.
São Paulo e o tenentismo
Ao final do primeiro semestre de 1931, tornou-se claro para Vargas que a permanência de João Alberto na interventoria paulista punha em risco a própria estabilidade do regime. A crise era essencialmente política. No plano econômico, o governo não deixara de atender aos interesses de São Paulo, isto é, os interesses do café, dada sua importância fundamental na economia nacional. O que estava em jogo era o controle de poder político no estado pelos “tenentes”. A campanha pela “autonomia de São Paulo” repercutia intensamente em todo o estado, sobretudo junto às classes médias, e, além disso, ganhara o respaldo de João Neves, Assis Brasil e outros líderes gaúchos. Em 13 de julho, João Alberto apresentou seu pedido de demissão prontamente aceito por Vargas. Sua saída foi cercada de circunstâncias que revelaram o profundo dissídio entre São Paulo e o Governo Provisório. A conselho de João Alberto, Vargas convidou o jornalista Plínio Barreto, ligado ao PD, para assumir a interventoria. O general Miguel Costa, que também era aspirante ao cargo, mobilizou seus correligionários para impedir a posse de Barreto, ocorrendo violentos choques de rua entre elementos da Legião Revolucionária e estudantes do PD. Diante do impasse, Vargas acabou nomeando o jurista Laudo de Camargo, permanecendo Miguel Costa no comando da Força Pública. Apesar de “civil e paulista”, Laudo de Camargo defrontou-se com sérias dificuldades para governar o estado, pois não obteve o apoio do PD. Além disso, João Alberto continuou a interferir na política paulista, vinculando-se a um setor dos produtores de café, organizados na chamada Comissão da Lavoura, enquanto Miguel Costa procurava arregimentar forças populares em torno da Legião Revolucionária.
Em agosto de 1931, Vargas enfrentou outra grave crise, dessa vez provocada pela luta política em Minas e seus reflexos no interior do Governo Provisório. No dia 18, durante uma tumultuada convenção do PRM, em Belo Horizonte, o ministro Osvaldo Aranha articulou uma tentativa de golpe contra Olegário Maciel, visando colocar Virgílio de Melo Franco à frente do governo mineiro. Com o beneplácito de Vargas, Aranha ordenou ao comandante do 12º RI, coronel Júlio Pacheco de Assis, que assumisse em caráter interino o governo do estado. O golpe fracassou devido à resistência de Olegário, respaldado pela Força Pública e apoiado por Francisco Campos, Antônio Carlos e Venceslau Brás. Vários líderes do PRM, inclusive Bernardes, foram detidos por terem-se manifestado a favor da queda de Olegário. Vargas repudiou a tentativa de golpe. Osvaldo Aranha tentou explicar o episódio como um simples “equívoco”, mas as relações entre Minas e o Governo Provisório não deixaram de sofrer um abalo. A política de Vargas imediatamente depois do “18 de agosto” foi de tentar recuperar a confiança de Olegário, com o objetivo implícito de impedir a formação de uma aliança entre Minas e São Paulo, principal centro de oposição ao novo regime.
Ainda em conseqüência dos acontecimentos de 18 de agosto, Osvaldo Aranha e Francisco Campos pediram demissão do ministério, após trocarem acusações sobre a responsabilidade de cada um na crise mineira. A divergência entre os dois ministros prendia-se à prática desenvolvida pela Legião de Outubro. Aranha, o principal idealizador da Legião, condenava a postura de enfrentamento radical de Campos contra o PRM. Vargas aceitou apenas a demissão de Campos, que reassumiria a pasta da Educação em dezembro de 1931, no contexto da tentativa de composição da política mineira, levada a efeito por iniciativa do próprio Vargas.
Em 29 de agosto de 1931, Vargas promulgou o chamado Código dos Interventores, reforçando o controle do governo federal sobre os estados. Entre outros dispositivos, o decreto vedou aos interventores contrair empréstimos sem prévia consulta ao Executivo, gastar mais de 10% da despesa ordinária com as polícias militares e dotar as polícias estaduais de artilharia e aviação em proporção superior ao Exército. Ao mesmo tempo em que concentrava maiores poderes institucionais, Getúlio mostrava-se reticente quanto às providências necessárias para o início do processo de constitucionalização.
Em São Paulo, a luta pela convocação da Assembléia Constituinte caminhava em ritmo acelerado, mobilizando o conjunto das classes médias, principalmente os estudantes. Vargas também estava sendo pressionado pelos seus aliados do Rio Grande do Sul a apressar a volta ao regime legal. O objetivo mais imediato dos líderes constitucionalistas era conter o avanço do tenentismo na política nacional.
Vargas não se opôs de forma explícita à idéia da constitucionalização, mas aliou-se tacitamente aos “tenentes” favoráveis à manutenção da ditadura e ao aprofundamento das reformas iniciadas com a Revolução de 1930. De julho a dezembro de 1931, nomeou novos interventores em vários estados do país, escolhendo via de regra “tenentes” ligados ao Clube 3 de Outubro, como por exemplo Herculino Cascardo para o Rio Grande do Norte, Juraci Magalhães para a Bahia, Filipe Moreira Lima para o Ceará, Ari Parreiras para o estado do Rio e o presidente do Clube, Pedro Ernesto, para o Distrito Federal. Nesse período, os interventores nortistas formaram o chamado Bloco do Norte, com o objetivo de se opor à reconstitucionalização do país e defender os interesses da região junto ao Governo Provisório. No final do ano, numa carta a Flores da Cunha (28 de novembro), Vargas justificou a nomeação dos interventores tenentistas do Norte, qualificando-os de oficiais “idealistas e ilustrados”, que “não pretendendo permanecer no poder, nem pleitear eleições, despreocupavam-se em criar clientelas políticas e visavam somente administrar e restringir despesas”.
Ainda em novembro, os “tenentes” obtiveram um novo triunfo, levando Vargas a substituir o interventor paulista Laudo de Camargo pelo general Manuel Rabelo. O ministro da Fazenda José Maria Whitaker, também visado pelos “tenentes”, pediu demissão do cargo, sendo acompanhado por outros paulistas influentes nas finanças nacionais.
Em 16 de novembro Borges de Medeiros, Raul Pilla, João Neves e outros líderes gaúchos reuniram-se com o interventor Flores da Cunha, decidindo iniciar um movimento de solidariedade a São Paulo e reestruturar a FUG a fim de pressionar Vargas a promover a imediata reconstitucionalização do país. A partir desse momento, a questão paulista tornou-se um caso nacional.
No final de 1931, a oposição a Vargas incluía também um setor da alta oficialidade do Exército, liderado pelo general Bertoldo Klinger, adversário declarado do Clube 3 de Outubro. A divisão do Exército tornara-se evidente logo após a revolução. Muitos generais e coronéis se recusaram a reconhecer a autoridade do quartel-general da força revolucionária, instalado no Rio de Janeiro até abril de 1931. Vargas conseguiu neutralizar parcialmente a oposição militar através de concessões bem planejadas. O general Tasso Fragoso foi nomeado em março de 1931 chefe do Estado-Maior do Exército (EME) e vários oficiais que não haviam participado da revolução, inclusive Klinger, foram promovidos ao posto de general. Mas em novembro de 1931, o descontentamento militar veio a público com o lançamento da chamada Carta dos generais — assinada por Klinger e outros oficiais — em protesto contra “ a desarrazoada interferência dos militares em funções sem justificativa”.
Em 14 de dezembro, após entendimentos com a FUG, Vargas nomeou Maurício Cardoso para o Ministério da Justiça. Deixando essa pasta, Osvaldo Aranha ficou com o Ministério da Fazenda em substituição a Whitaker. Com a entrada de Maurício Cardoso no governo houve uma relativa liberalização do regime. O novo ministro determinou a suspensão da censura à imprensa e impulsionou de forma conclusiva a elaboração de novo código eleitoral. Entretanto, o problema fundamental permaneceu intocado: a permanência dos “tenentes” nos centros decisórios da política nacional.
Em 22 de dezembro, Vargas extinguiu a Delegacia Regional do Norte, a pedido de Juarez Távora. Criada com o objetivo específico de alinhar os estados do Norte à revolução, a delegacia alcançara êxito, na opinião de Juarez, tornando-se, em conseqüência, um organismo desnecessário.
Em janeiro de 1932, o PD rompeu publicamente com Vargas, colocando-se em oposição frontal ao Governo Provisório. No mês seguinte, o PD aliou-se ao antigo PRP formando a Frente Única Paulista (FUP), que proclamou em manifesto a “união sagrada” em favor da pronta reconstitucionalização do país e da restituição a São Paulo da “autonomia de que se acha esbulhado há 16 meses”. Ao contrário da FUG, que ainda desejava manter Vargas à frente de um governo constitucional, a frente paulista formou-se com claros propósitos de depor Vargas. Enquanto isso, em Minas, Olegário Maciel e os adeptos da Legião Liberal reconciliaram-se com o PRM de Artur Bernardes, firmando um acordo para a fusão das duas organizações num terceiro partido. Surgiu oficialmente o Partido Social Nacionalista, também denominado Frente Única Mineira. Mas, como ressaltou Helena Bomeny, “no caso mineiro a frente única foi não só promovida pelo Governo Provisório, como definida por uma composição heterogênea e de difícil coesão”.
Nesse contexto, Vargas decidiu promover a abertura gradual do processo de constitucionalização do país, independentemente das objeções dos “tenentes”. Buscou também uma solução política para o caso de São Paulo, através da escolha de um interventor “civil e paulista”, encarregando Maurício Cardoso de acertar a saída do coronel Rabelo.
Em 24 de fevereiro de 1932, Vargas promulgou o novo Código Eleitoral, regulamentando as eleições em todo o país. Como principais inovações em relação às normas vigentes na República Velha, o Código instituiu o voto secreto e a Justiça Eleitoral (pontos básicos do programa da Aliança Liberal), o direito do voto às mulheres e a representação classista nos órgãos legislativos, proposta pelos “tenentes”. Entretanto, a incessante campanha movida pelos próprios “tenentes” contra a constitucionalização tornava extremamente delicado o equilíbrio de forças mantido por Vargas e sua aliança com os partidos gaúchos.
A crise foi precipitada no dia seguinte ao da promulgação do Código Eleitoral quando um grupo de “tenentes” depredou o jornal Diário Carioca, do Rio de Janeiro, um dos órgãos que se vinha destacando na defesa da constitucionalização. Os líderes gaúchos exigiram o imediato esclarecimento do atentado e a punição de seus autores. Diante da relutância de Vargas em apurar as responsabilidades, os ministros Maurício Cardoso, Lindolfo Collor e Assis Brasil pediram demissão em 3 de março, sendo acompanhados por outros gaúchos que exerciam altos cargos na administração federal, como Batista Luzardo, chefe de polícia do Distrito Federal, e João Neves, consultor jurídico do Banco do Brasil.
Em 4 de março, Vargas recebeu em Petrópolis uma delegação do Clube 3 de Outubro, pronunciando na ocasião um ferino discurso de crítica aos constitucionalistas. Getúlio declarou que o regresso ao regime constitucional não poderia ser “uma volta ao passado, sob a batuta das carpideiras da situação deposta, que exigem hoje, invocando o princípio da autonomia, um registro de nascimento a cada interventor local”. Mas deixou aberta a possibilidade de reconciliação, conclamando à unidade “os elementos, civis e militares, que fizeram a revolução” e advertindo contra a prática de violências de quaisquer origens.
Em meio à “crise dos demissionários gaúchos”, Vargas retirou o coronel Rabelo da interventoria de São Paulo, entregando o cargo, em 7 de março, a um paulista e civil, o antigo embaixador Pedro de Toledo. Embora membro do PD, Toledo não tinha assinado o manifesto de rompimento com Vargas. O novo interventor manteve a participação dos “tenentes” no secretariado que organizou.
Alguns dias depois, a frente gaúcha propôs um acordo com Vargas, apresentando suas exigências num documento conhecido por Heptálogo, elaborado por Assis Brasil. Entre outras medidas o documento solicitava a punição dos autores do atentado contra o Diário Carioca e o retorno parcial da Constituição de 1891. Diante da resposta evasiva de Vargas, Borges de Medeiros e Raul Pilla enviaram-lhe um Decálogo, incluindo novas condições, como o afastamento de Pedro Ernesto da prefeitura do Distrito Federal. Como Vargas não cedesse às exigências, a FUG rompeu com o Governo Provisório em 29 de março, deixando ao encargo do interventor Flores da Cunha a reabertura das negociações. Entrementes, seus líderes comprometeram-se com emissários da frente paulista a apoiar São Paulo, no caso da deflagração de uma revolta armada.
No princípio de abril, Vargas conseguiu recompor o ministério, graças ao apoio de Flores da Cunha e da política mineira. O gaúcho Joaquim Pedro Salgado Filho assumiu a pasta do Trabalho, enquanto Francisco Campos acumulou a pasta da Justiça, em caráter interino, em vista da possibilidade de o ministério vir a ser ocupado por um gaúcho, como parte de um acordo com a FUG.
No decorrer de abril, Vargas articulou novos entendimentos, tanto junto aos partidos oligárquicos como na área tenentista, com o objetivo de viabilizar urna solução conciliatória para a crise e, ao mesmo tempo, fortalecer o Governo Provisório. Em termos concretos, Vargas conseguiu demover o governo mineiro de integrar-se às frentes gaúcha e paulista. No dia 15, Olegário, Antônio Carlos, Artur Bernardes e Virgílio de Melo Franco firmaram um protocolo, declarando “ser dever do povo mineiro apoiar com firmeza o governo originado da revolução” e comunicando que emissários mineiros entrariam em contato com os líderes de São Paulo, Rio Grande do Sul e do movimento tenentista para tentar um acordo que garantisse a estabilidade do Governo Provisório. Entretanto, os esforços para reconciliar a oposição foram infrutíferos tanto em São Paulo como no Rio Grande do Sul. O Clube 3 de Outubro, por sua vez, repeliu a aproximação com os políticos oligárquicos, manifestando-se contra qualquer concessão às frentes únicas. Essa posição intransigente afastou do Clube alguns de seus membros mais proeminentes, como Góis Monteiro, Aranha e Virgílio de Melo Franco.
Em 14 de maio, no momento em que a oposição ganhava cada vez mais terreno, Vargas estabeleceu por decreto o dia 3 de maio de 1933 como data das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte e criou uma comissão para elaborar o anteprojeto constitucional. Os paulistas e gaúchos ignoraram o decreto ou lançaram dúvidas quanto à sua efetivação. A conspiração prosseguiu, em nada se alterando a disposição de chegar à luta armada.
Vargas já sabia que seus adversários tinham ido além dos protestos verbais e tramavam uma revolta armada. Preocupado com a dimensão do confronto que se anunciava, dispôs-se a realizar concessões estratégicas em relação a São Paulo. Aranha foi, então, encarregado de viajar a São Paulo e negociar a formação de um secretariado “civil e paulista”, como desejava o interventor Pedro de Toledo, submetido à forte pressão da FUP. Entretanto, a notícia de sua visita provocou rumores de que as exigências dos constitucionalistas seriam mais uma vez negadas. Em 23 de maio, dia seguinte ao da chegada de Aranha, a capital paulista foi palco de verdadeiros atos de rebelião. Grupos estudantis depredaram os jornais A Razão e Correio da Tarde, favoráveis a Vargas, e tentaram tomar de assalto a sede da Legião Revolucionária. Com as iniciais de quatro estudantes mortos durante os conflitos de rua, foi formada a sigla MMDC, que passou a designar a principal sociedade civil de resistência constitucionalista e autonomista.
Em 26 de maio, com o consentimento de Vargas, foi formado o secretariado da frente única que levaria São Paulo à rebelião. Miguel Costa, comandante da Força Pública, foi afastado do cargo. A última conquista da frente única foi o afastamento de Góis Monteiro da 2ª RM. Também nesse caso, Vargas cedeu. Os “tenentes” pressionavam o governo federal no sentido de não reconhecer o novo secretariado de Pedro de Toledo, mas a opinião de Aranha acabou prevalecendo. Flores da Cunha, por sua vez, telegrafou a Vargas qualificando a mudança do secretariado paulista como uma “feliz solução”, que contava com todo o apoio de Borges e de Pilla. A réplica de Vargas demonstrava claramente que não havia mais terreno a ceder: o novo secretariado, dizia o presidente, só seria mantido se cooperasse com o Governo Provisório, dentro das linhas ideológicas da revolução.
A mobilização de 23 de maio veio a se constituir em apenas mais um passo na articulação clandestina que os paulistas vinham montando contra o governo Vargas. As ligações militares estavam sob a direção do general Isidoro Dias Lopes. O movimento contava com a adesão de diversos oficiais das guarnições federais de São Paulo, alguns do Rio, e do comandante da região militar sediada em Mato Grosso, general Bertoldo Klinger. Em Minas, uma ala da frente única, liderada por Artur Bernardes, aderiu à conspiração. Olegário mantinha uma atitude equívoca, que, no entanto, levou os conspiradores a acreditar que Minas aderiria à revolta. No Rio Grande do Sul, a rede conspiratória chegou a envolver o interventor Flores da Cunha, que se manteria indeciso entre a FUG e o Governo Provisório até a eclosão da Revolução Constitucionalista.
No final de maio, Vargas enfrentou também uma grave crise militar que se tornou conhecida como o caso dos “rabanetes” e “picolés”. A crise foi ocasionada por uma resolução do ministro da Guerra, Leite de Castro, considerando os revolucionários de 1922 — os “picolés” — com antigüidade superior à dos demais companheiros. O apelido dado aos “tenentes” de 1922 ligava-se ao fato de eles em sua maioria terem encarado “friamente” os oficiais que se engajaram na Revolução de 1930, vistos como retardatários — eram os “rabanetes”, vermelhos por fora, mas brancos por dentro. Cerca de 160 oficiais que protestaram contra a medida foram punidos por Leite de Castro, o que gerou descontentamento em todas as guarnições do país. O impasse foi solucionado com a criação de quadros paralelos para os “picolés”. Nesse ponto, um capitão do Exército, membro do Clube 3 de Outubro, provocou uma nova polêmica, ao pronunciar um discurso ofensivo contra o general Klinger. Como a questão estava polarizando a oficialidade, Vargas entrou na contenda, em favor da posição assumida pela maioria dos generais, e assinou um decreto especial que punia o capitão com oito dias de prisão.
No início de junho, a crise político-militar se agravou com o pedido de demissão do comandante da 3ª RM, general Francisco Ramos de Andrade Neves, logo seguido da ameaça de renúncia do interventor Flores da Cunha. Vargas convocou Flores da Cunha e João Neves para novas negociações no Rio de Janeiro. Qualquer acordo com o governo federal parecia impossível, pois as frentes únicas de São Paulo e do Rio Grande do Sul tinham concluído um entendimento preliminar firmado por João Neves e Júlio de Mesquita Filho, diretor do jornal O Estado de S. Paulo, estipulando o prosseguimento da aliança contra Vargas até que fosse implantado um governo constitucional.
João Neves procurou convencer Vargas a renegar o tenentismo, reformar o ministério e dar cinco pastas às frentes únicas. Embora a idéia da recomposição ministerial tenha sido aprovada pelos ministros, que chegaram a apresentar um pedido de demissão coletiva no dia 28, Vargas limitou-se a efetivar a saída do ministro Leite da Castro. Para seu lugar foi nomeado o general da reserva Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso, indicado pelos “tenentes”. A nomeação desse militar acabou provocando a interrupção definitiva dos entendimentos entre a FUG e o Governo Provisório.
Ante esse quadro, os paulistas programaram o início da rebelião para o período entre 15 e 30 de julho. Os acontecimentos foram precipitados quando o general Bertoldo Klinger enviou um ofício ao novo ministro da Guerra, negando-lhe obediência. Como conseqüência, foi decretada a reforma administra- tiva de Klinger, o que provocou a antecipação do levante em São Paulo.
A Revolução de 1932
Em 9 de julho, São Paulo levantou-se em armas contra o Governo Provisório, iniciando a chamada Revolução Constitucionalista. Sob o comando do general Isidoro Dias Lopes e do coronel Euclides Figueiredo, tropas da Força Pública e do Exército ocuparam rapidamente os pontos estratégicos da capital, com a ajuda de elementos civis. Pedro de Toledo aderiu à rebelião e foi proclamado governador do estado, assumindo a chefia civil do movimento junto com líderes do PD e do PRP. Quase todas as guarnições federais estacionadas em São Paulo aderiram à revolta. No dia 12, quando o general Bertoldo Klinger chegou a São Paulo para assumir o comando do exército constitucionalista, os rebeldes já controlavam todo o estado e posições fronteiriças em Minas, Paraná e no Estado do Rio.
Vargas recebeu as primeiras notícias do levante na noite de 9 de julho. Telegrafou imediatamente aos interventores federais nos estados e designou o general Góis Monteiro para o comando geral das operações contra os paulistas. O apoio de Minas e do Rio Grande do Sul, que parecia incerto, foi de decisiva importância para Vargas. Flores da Cunha causou algum alarme quando comunicou a Vargas sua renúncia à interventoria, momentos após o início da rebelião. Entretanto, no dia 10, após um dramático apelo de Vargas, o líder gaúcho lançou um manifesto em defesa do Governo Provisório e ordenou o imediato deslocamento da Brigada Militar para o front. Olegário Maciel também se colocou ao lado de Vargas, apesar da indecisão inicial em mobilizar as tropas estaduais contra os paulistas. Os demais interventores reafirmaram seu apoio ao governo federal. São Paulo, sem fronteiras com outros países e tendo o porto de Santos bloqueado pela Marinha, viu-se obrigado a lutar contra 18 estados da Federação.
Em 12 de julho, Vargas lançou um manifesto à nação denunciando o caráter “reacionário” do movimento paulista e tornando clara sua disposição em conduzir a luta até a rendição dos rebeldes. Apesar de seu completo isolamento, o governo revolucionário paulista mobilizou-se para uma guerra civil em larga escala com o apoio entusiástico da classe média. Fábricas foram transformadas para produzir material bélico, voluntários acorreram em massa aos postos de alistamento, donas-de-casa contribuíram com suas jóias na campanha “Ouro para o bem de São Paulo”. O Governo Provisório também abriu o voluntariado e organizou a contra-ofensiva no vale do Paraíba, sob o comando do general Góis Monteiro, e ao sul de São Paulo, onde as tropas legalistas foram comandadas pelo general Valdomiro Lima, tio materno de Darci Vargas.
Após algumas semanas de luta desgastante, as forças federais infligiram as primeiras derrotas aos paulistas. Ainda em julho, Vargas estabeleceu duas condições básicas para o término do conflito: a rendição dos paulistas e a formação de um novo governo em São Paulo, sem a participação dos líderes revolucionários. Os paulistas exigiram, por sua vez, o reconhecimento da situação criada em São Paulo e a formação de uma junta governativa no plano federal. Uma missão conciliadora tentada pelo ex-ministro Maurício Cardoso não deu resultado. A guerra civil iria prolongar-se por quase três meses, deixando um saldo de 15 mil vítimas, entre mortos e feridos.
No decorrer de agosto, as ações de guerra já se revelaram inteiramente desfavoráveis aos paulistas. Apesar do cerco a São Paulo, o general Góis Monteiro aconselhou Vargas a preparar-se para uma “guerra perseverante e demorada”, por causa da falta de equipamentos e munições do Exército brasileiro. Ainda em agosto, num derradeiro esforço para romper o isolamento de São Paulo, Borges de Medeiros conclamou o povo gaúcho a pegar em armas contra o governo estadual. Artur Bernardes também tentou organizar um foco de resistência armada em Minas. Ambos fracassaram e foram presos, tendo sido o pequeno levante gaúcho rapidamente debelado.
Em 20 de setembro, Vargas lançou um manifesto ao povo paulista, conclamando-o a retornar ao “convívio fraternal dos demais estados”. Responsabilizou pela tragédia a classe dirigente paulista, acusando-a de arrastar a população para um movimento de revanche contra o de 1930 e denunciando também seus propósitos de separatismo.
Em 29 de setembro, no momento em que as forças federais apertaram o cerco em torno de Campinas, o general Klinger pediu a suspensão das hostilidades, iniciando conversações de paz com o general Góis Monteiro. Em 1º de outubro, quando Klinger ainda negociava os termos da rendição, a Força Pública paulista acertou um acordo de paz em separado. A Força ficou incumbida de depor o governo revolucionário paulista, o que ocorreu no dia seguinte.
Em 2 de outubro, foi firmado o armistício que selava a derrota dos paulistas. Com o fim das hostilidades, o general Valdomiro Lima assumiu em 6 de outubro o cargo de governador militar de São Paulo. A repressão aos vencidos foi sumária. Após um curto período de detenção, os principais líderes constitucionalistas de São Paulo e Minas seguiram para o exílio em Portugal. No caso de Borges de Medeiros, o governo abriu uma exceção, confinando-o em Recife. Em 8 de dezembro, Vargas suspendeu por três anos os direitos políticos dos líderes constitucionalistas, estendendo a medida aos dirigentes do governo deposto em 1930. Uma parte dos exilados começou logo a preparar um novo movimento contra o governo, tendo Lisboa e Buenos Aires como centros de conspiração. Os coronéis Euclides Figueiredo e Basílio Taborda foram encarregados de coordenar as atividades revolucionárias no Rio Grande do Sul e outros pontos do país. Entretanto, os líderes políticos de São Paulo abandonaram qualquer atuação que desse margem à volta de repressões no estado.
Logo após a pacificação da guerra civil, Vargas retomou com novo empenho o processo de constitucionalização, confirmando a data de 3 de maio de 1933 para as eleições à Assembléia Constituinte. Em novembro de 1932, nomeou para o Ministério da Justiça (chefiado interinamente havia sete meses) o gaúcho Francisco Antunes Maciel Júnior, convocou a comissão nomeada para elaborar o anteprojeto da futura Constituição e desencadeou em âmbito nacional a reorganização partidária com vistas às eleições para a Constituinte. Outras modificações no ministério provocadas pela Revolução de 1932 foram o afastamento de Francisco Campos da pasta da Educação e Saúde Pública, entregue em setembro a Washington Pires, também mineiro, e a nomeação de Juarez Távora para o Ministério da Agricultura, em dezembro de 1932.
A pacificação de São Paulo foi um dos objetivos prioritários do governo vitorioso. Vargas concordou em resgatar, através do Banco do Brasil, os bônus de guerra emitidos pelos bancos paulistas para financiar a guerra. Valdomiro Lima recebeu instruções para realizar uma aproximação efetiva com os diversos setores da população paulista. Em fins de janeiro de 1933, Vargas acabaria por nomeá-lo interventor federal no estado. Em meados de 1933, São Paulo voltaria finalmente ao controle dos paulistas, “encerrando-se de vez a prática federal de enviar para o governo desse estado representantes da corrente revolucionária tenentista, contra a qual a oligarquia se unira e lutara até as últimas conseqüências”.
A política econômica e social (1930-1934)
A crise econômica mundial desencadeada em 1929 abalou o conjunto da economia brasileira em virtude da diminuição de sua capacidade de importar e cumprir os pagamentos devidos ao exterior, da redução do ritmo de todas as atividades, do achatamento do poder de compra dos salários e do aumento do desemprego. Nesse contexto, o governo Vargas foi obrigado a ampliar a participação do Estado na economia para evitar uma recessão generalizada. Embora a defesa do café tenha persistido como o aspecto prioritário da política governamental, houve mudanças importantes em relação ao período anterior a 1930. A defesa do produto passou a ser feita sem o recurso a empréstimos externos, sendo financiada, em parte, com recursos extraídos do próprio setor cafeeiro, através da criação de novos impostos.
Pelo decreto de 11 de fevereiro de 1931, o governo federal autorizou a compra de todos os estoques de café que ainda não haviam sido adquiridos pelo estado de São Paulo. Pelo mesmo decreto, todos os cafés exportados teriam que pagar um imposto em espécie de 20%. Também foi criado um imposto de um mil-réis por novo cafeeiro plantado nos próximos cinco anos. O Banco do Brasil abriu um crédito de 150 mil contos para realizar a operação, totalizando 18 milhões de sacas, ou seja, o equivalente à exportação anual. Por outro lado, foi feito um contrato de consignação à Casa Hard Rand — uma das mais importantes casas exportadoras do país —, que forneceu antecipadamente 1.350.000 libras pela compra de um mesmo número de sacas de café. Quase ao mesmo tempo, foi realizada uma operação de troca de trigo norte-americano por café.
Entretanto, não bastava retirar do mercado parte da produção do café. A estimativa das próximas safras excedia em muito a capacidade de absorção dos mercados consumidores. Em vista da gravidade da situação, os estados produtores estabeleceram, em abril, um imposto de dez shillings por saca de café exportado a fim de ser financiada a compra e a eventual destruição física do produto.
Em maio de 1931, o governo criou o Conselho Nacional do Café (CNC), órgão federal composto por delegados dos estados produtores que, aos poucos, assumiu a direção da política cafeeira antes liderada pelo Instituto do Café de São Paulo
A destruição dos estoques de café — combatida por José Maria Whitaker — começou em julho de 1931, com o objetivo de evitar maiores baixas nos preços. Em dezembro, após a nomeação de Osvaldo Aranha para o Ministério da Fazenda, o governo ampliou o programa de sustentação do café, referendando um acordo dos estados produtores. Foi estabelecido, entre outros pontos, o aumento do imposto de exportação de dez para 15 shillings por saca, a destruição de 12 milhões de sacas, à razão de um milhão por ano, e a compra do excesso de produção pelo CNC.
A crise da economia cafeeira, além de reduzir a receita de exportações, causou a diminuição de boa parte da receita federal, desorganizando as finanças públicas. O governo Vargas evitou a emissão de moeda, preocupado em manter a política financeira aconselhada pelos banqueiros internacionais, interessados no pagamento da dívida externa. No começo de 1931, sir Otto Niemeyer, alto funcionário do Banco da Inglaterra, veio ao Brasil, encarregado de diagnosticar a situação e propor soluções. O Governo Provisório seguiu de perto suas recomendações para preservar o equilíbrio orçamentário e estabilizar a moeda. Remeteu para a Europa todo o ouro que estava em seu poder (no valor de sete milhões e quinhentas mil libras) para preservar o crédito externo. Em agosto de 1931, porém, foi obrigado a suspender parte dos pagamentos da dívida externa, devido à escassez de divisas. Foram iniciados entendimentos para um funding loan (empréstimo para reescalonamento da dívida externa), o terceiro de nossa história, concretizado em março do ano seguinte. Em setembro, devido à contínua desvalorização cambial, foi adotada a medida extrema: a introdução do controle de câmbio com monopólio através do Banco do Brasil e escala de prioridade para a compra de moeda estrangeira. “Embora tais medidas visassem ao equilíbrio do balanço de pagamentos, indiretamente favoreciam a indústria interna, na medida em que dificultavam as importações menos essenciais, funcionando como um mecanismo protecionista”, conforme escreveu Eli Diniz.
A indústria brasileira nos anos 1930-1932 não sofreu uma queda violenta, como aconteceu nos países industriais. Já em meados de 1932, a produção manufatureira apresentava indícios de crescimento. Segundo Aníbal Vilela e Wilson Suzigan, o impacto negativo da Grande Depressão sobre a indústria foi atenuado por três fatores: os saldos da balança comercial com seu efeito multiplicador sobre a renda nacional, os grandes déficits orçamentários (não planejados), que incentivaram a atividade econômica interna, e os controles cambiais, que estimularam a aceleração da substituição das importações.
Segundo Vilela, Suzigan, Bóris Fausto, Eli Diniz e outros autores, é muito problemático afirmar que, nessa fase, o governo Vargas tenha atuado no sentido de promover efetivamente a industrialização. “A política governamental”, diz Bóris Fausto, “se subordinava à expectativa de retomar o poder de compra do país e à idéia de que o comércio livre na esfera internacional seria restaurado”. Em todo o caso, no início da década de 1930, as elites dirigentes ainda mantinham uma visão muito restrita das possibilidades de industrialização no Brasil. Definindo em novembro de 1930 a orientação do novo regime, Vargas afirmou a necessidade de “rever o sistema tributário, de modo a amparar a produção nacional, abandonando o protecionismo dispensado às indústrias artificiais que não utilizam matéria-prima do país e mais contribuem para encarecer a vida e fomentar o contrabando”. Em fevereiro de 1931, no discurso pronunciado em Belo Horizonte, Vargas defendeu a nacionalização das riquezas do país e concitou os mineiros a transformarem a siderurgia em um ideal. Nesse mesmo ano, foram formadas duas comissões para estudar o caso da Itabira Iron Ore Company, empresa de capital inglês que em 1911 havia adquirido as maiores jazidas de ferro do país. Entretanto, somente em 1935 seria definido o papel decisivo de uma grande indústria siderúrgica para o desenvolvimento e a independência econômica do país.
Em seus discursos sobre política econômica, Vargas insistiu na necessidade de promover as atividades agrícolas. No período do Governo Provisório, foram firmados tratados de nação mais favorecida com dezenas de países estrangeiros, num esforço para estimular as vendas de algodão, carne congelada e cacau, além do café. Esses tratados iriam anular em grande parte os efeitos protecionistas dos aumentos de tarifas estabelecidos em 1931 e 1934.
Na mensagem de Vargas à Constituinte em novembro de 1933, a pouca preocupação do governo para com a indústria torna-se explícita: “A base da nossa economia ainda é a exploração agrícola, e a industrialização apenas absorve pequena parcela de nossa atividade produtora. Em conseqüência, a densidade da massa proletária industrial não acusa índice elevado, restringindo-se a núcleos urbanos que dispõem de margem suficiente para empregar a atividade com fácil e compensadora remuneração.”
Entretanto, as preocupações com o equilíbrio financeiro e a necessidade de restringir importações conduziram a incentivos a algumas áreas, especialmente da indústria extrativa, da agroindústria e alguns outros setores, como a metalurgia e indústria de cimento. Em fevereiro de 1931, estabeleceu-se a obrigatoriedade da adição de álcool-motor à gasolina importada. Em junho, o governo autorizou o Lóide Brasileiro e a Estrada de Ferro Central do Brasil a comprarem toda a produção das companhias nacionais de mineração de carvão, determinando ainda que todo importador adquirisse no mercado nacional pelo menos 10% dos produtos que pretendesse negociar. Incentivos foram concedidos às organizações que construíssem fábricas de cimento no Brasil, a partir de 1932. Pressionado pelos industriais de tecidos, o governo resolveu em março de 1931 proibir, por um prazo de três anos, a importação de máquinas destinadas a indústrias já instaladas no país cuja produção fosse considerada excessiva.
Em contrapartida, o Governo Provisório sempre aplicou uma “política de dinheiro caro”, através de aumentos nas taxas de juros e dos depósitos compulsórios de bancos comerciais no Banco do Brasil. Na política financeira, a orientação seguida pelos ministros José Maria Whitaker e Osvaldo Aranha conduziu à ênfase numa política de contenção dos meios de pagamento, rígido controle das emissões, restrição do crédito bancário e outras medidas de caráter ortodoxo.
Para equilibrar o orçamento, o governo procurou reduzir o déficit pela compressão de despesas e garantir a expansão da receita pelo aumento dos impostos de consumo e de renda. Somente em 1932 essa orientação foi impedida, devido a circunstâncias novas relacionadas com a Revolução Constitucionalista e com uma seca de grandes proporções no Nordeste, tendo sido emitidos quatrocentos mil contos de notas do tesouro só para financiar as despesas com o movimento paulista. Mas logo após o término do conflito o governo voltou a adotar medidas para estabilizar o volume de meios de pagamento, como a incineração de papel-moeda à medida que as notas do tesouro iam sendo vendidas. Por outro lado, em 1932, foram tomadas duas medidas importantes para suprir as necessidades de crédito. Em junho, o Banco do Brasil foi autorizado a conceder financiamento de longo prazo para as indústrias e empresas agrícolas, através de sua Carteira de Redescontos. No mesmo mês, foi criada a Caixa de Mobilização Bancária, que teria a função de conceder empréstimos aos bancos, de modo a evitar a insolvência.
Em 1933, a economia brasileira começou a se recuperar, a despeito da continuada crise do comércio exterior. Nesse ano, a produção industrial, que se destinava em sua quase totalidade ao mercado interno, recuperou o nível de 1929. O surgimento do algodão como segundo principal produto de exportação em 1934 iria reduzir os efeitos da crise cafeeira sobre o comércio exterior.
Segundo Celso Furtado, a recuperação da economia foi em grande parte uma decorrência das medidas adotadas pelo governo para a defesa do café. A defesa do nível de renda do setor cafeeiro, combinada à expansão, mesmo a contragosto, dos gastos públicos e ao encarecimento das importações, teria evitado uma recessão generalizada, criando condições favoráveis para o posterior processo de industrialização.
Em 1933, além de intensificar o programa de ajuda ao setor cafeeiro, o governo federal assumiu plenamente a direção dos negócios do setor. Em fevereiro, o CNC foi substituído pelo Departamento Nacional do Café (DNC), processando-se efetivamente a federalização da política cafeeira. Ao contrário do CNC o novo órgão era diretamente ligado ao Ministério da Fazenda, responsável exclusivo pela escolha de sua direção administrativa.
O DNC inaugurou o sistema de “cotas de sacrifício” dividindo a safra de 1933-1934 em três partes: 30% para exportação, 30% para retenção e 40% para a destruição consistente em café de qualidade inferior, vendido compulsoriamente ao novo órgão a um preço inferior aos custos. Essa mudança foi causada pela expectativa em torno de uma safra recorde e nova queda de preços. De fato, a cotação internacional do produto alcançou seu ponto mais baixo em 1933, mantendo-se praticamente no mesmo nível durante toda a década de 1930.
A política de destruição do produto, que se estenderia até 1944, impediu sem dúvida o colapso total da economia cafeeira, mas impôs algumas restrições aos produtores. A crise da lavoura cafeeira notabilizou-se pelo crescente endividamento dos fazendeiros. Suas dívidas aumentaram em decorrência do confisco cambial, posto em prática desde setembro de 1931. No final do ano seguinte, havia mais de seiscentas fazendas paulistas hipotecadas ao Banco do Estado.
Em vista da gravidade da situação, o governo federal tomou medidas de auxílio direto aos fazendeiros em 1933. A chamada Lei da Usura, decretada em abril, proibiu aos credores que o pagamento das dívidas fosse feito em parcelas anuais superiores a 10% do total. A lei também fixou juros máximos (8% ou 6% ao ano conforme a modalidade do empréstimo) para novos financiamentos às atividades agrícolas. Em dezembro do mesmo ano Vargas assinou a Lei do Reajustamento Econômico — inspirada no Agricultural Adjustment Act aprovado pelo congresso norte-americano em 1933 — reduzindo em 50% o valor de todos os débitos dos agricultores contraídos até junho daquele ano. Para indenizar os credores, que eram geralmente os bancos, o governo recorreu a emissões de obrigações do tesouro com vencimento em 30 anos. Segundo Bóris Fausto, a Lei do Reajustamento Econômico foi a principal tentativa para desafogar a área da cafeicultura no período do Governo Provisório.
Em fevereiro de 1934, Vargas aprovou plano apresentado por Osvaldo Aranha, reformulando o sistema de pagamento da dívida externa. De acordo com o chamado Esquema Aranha, todo o saldo da balança comercial passou a ser utilizado no pagamento da dívida externa brasileira, calculada em 1933 em 250 milhões de libras. Os credores estrangeiros concordaram com a redução temporária dos juros e com a consolidação da dívida. Ao contrário dos fundings realizados anteriormente, o Esquema Aranha possibilitou uma redução real da dívida, sem utilizar o recurso de novos empréstimos.
O Governo Provisório centralizou progressivamente as decisões de política econômica, não apenas nos setores monetário e cafeeiro, mas em relação a várias áreas da economia. Em 1932, foi fundado o Instituto do Cacau e no ano seguinte o Instituto do Açúcar e do Álcool, através do qual o governo passou a exercer um rígido controle de preços e da produção de açúcar. Em junho de 1934, foi criado o Conselho Nacional do Comércio Exterior, considerado por Otávio Ianni e outros autores como o primeiro órgão brasileiro de planejamento governamental, dado o amplo escopo de suas atividades.
O Governo Provisório inaugurou a política do “pacto social”, ou seja, da colaboração entre capital e trabalho através da mediação do Estado, lançando as bases da legislação que posteriormente seria agrupada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943. Entre as principais iniciativas tomadas pelo Governo Provisório, destacaram-se aquelas referentes à organização sindical, à regulamentação das relações de trabalho e aos direitos dos trabalhadores, sendo reconhecidas em lei muitas das reivindicações já históricas do movimento operário anterior à década de 1930.
Já no período do Governo Provisório, Vargas definiu em termos claros uma nova orientação sobre a “questão social”, tornada um problema de Estado. Em discurso pronunciado em outubro de 1932, ele afirmou: “O individualismo excessivo, que caracterizou o século passado, precisava encontrar limite e corretivo na preocupação predominante do interesse social. Não há nessa atitude indício de hostilidade ao capital que, ao contrário, precisa ser atraído, amparado e garantido pelo poder público. Mas o melhor meio de garanti-lo está justamente em transformar o proletariado numa força orgânica de cooperação com o Estado e não o deixar, pelo abandono da lei, entregue à ação dissolvente dos elementos perturbadores, destituídos dos sentimentos de Pátria e Família.” Como observou Bóris Fausto, o governo tinha em vista ajustar as relações entre patrões e empregados e sobretudo anular, no campo sindical, a velha influência anarquista e a nascente influência comunista.
De início, o Governo Provisório chegou a ser acusado de desencadear um processo de luta de classes que não existia anteriormente. Durante a greve dos trabalhadores paulistas, em maio de 1932, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) pediu ao Ministério do Trabalho a suspensão da execução das leis sociais, “levando em conta as graves agitações ocorridas no meio trabalhador”. Na verdade, a quase totalidade das leis sociais anteriores a 1930 permaneciam sem vigência. O mesmo ocorria com as iniciativas do ministro Lindolfo Collor, cabendo destacar a Lei de Sindicalização que não era cumprida nem por patrões nem por operários.
Em 1932, com a entrada de Salgado Filho para o Ministério do Trabalho, o governo acelerou a implementação das reformas de leis e anteprojetos já elaborados. O limite de oito horas para a jornada de trabalho no comércio e na indústria foi fixado por lei em março e maio de 1932. Em ambos os casos, foi permitida a elevação do dia normal de trabalho para dez horas, desde que com maior remuneração. O trabalho feminino e o de menores foram regulamentados por decretos de maio e novembro. As comissões mistas de Conciliação foram instituídas em maio com a finalidade de resolver os dissídios entre patrões e empregados. Para dirimir os litígios de natureza individual foram criadas as juntas de Conciliação e Julgamento, em novembro. A instituição da carteira profissional, providência considerada de grande utilidade pelo empresariado, foi regulamentada em junho.
Na elaboração dessas leis, o Ministério do Trabalho não deixou de ouvir e até certo ponto atender às reivindicações formuladas pelos interesses de classe. Segundo Leôncio Martins Rodrigues, “a maior parte da legislação aprovada encontrou oposição por parte do patronato”. As tentativas patronais de influenciar ou bloquear a nova legislação tiveram porém relativo êxito”, segundo o autor. Assim, o decreto que regulamentou a concessão de férias aos trabalhadores na indústria só apareceria em janeiro de 1934, com voto contrário dos representantes da indústria. Os 15 dias de férias estipulados só seriam concedidos obrigatoriamente aos operários sindicalizados, o que constituía uma tentativa de estimular a sindicalização nas entidades oficiais.
No setor previdenciário, o governo criou vários institutos de Aposentadoria e Pensões, tais como o dos Marítimos (IAPM), em junho de 1933, o dos Comerciários (IAPC), em maio de 1934, e o dos Bancários (IAPB), em junho desse ano. Foram criadas também diversas caixas de Aposentadoria e Pensões, posteriormente transformadas em institutos, como a dos mineiros, em novembro de 1932, e a dos estivadores, em maio de 1934.
A restrição da legislação trabalhista às cidades atendeu às massas urbanas sem interferir com os interesses das oligarquias rurais. O Governo Provisório não buscou mobilizar a classe operária como base de apoio, mas, sem dúvida, já nessa época, Vargas começou a construir seu prestígio pessoal junto às massas urbanas graças à política social de seu governo.
A Constituinte de 1934 e a disputa pela presidência
A vitória militar sobre a Revolução de 1932 garantiu a Vargas uma ampla margem de poder e influência sobre a Assembléia Constituinte que iria se instalar em novembro de 1933. O Governo Provisório tomou a iniciativa de nomear a Comissão Constitucional, encarregada de elaborar o anteprojeto de constituição a ser apresentado à Assembléia. Conhecida como a Subcomissão do Itamarati, por funcionar no prédio do Ministério das Relações Exteriores, no Rio, a comissão foi integrada pelos ministros Afrânio de Melo Franco (seu presidente), Osvaldo Aranha e José Américo de Almeida, além de Assis Brasil, Temístocles Cavalcanti, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, Antônio Carlos, Artur Ribeiro, Prudente de Morais Filho, Agenor de Roure, João Mangabeira, Francisco José de Oliveira Viana e o general Góis Monteiro. Antes da conclusão do anteprojeto, retiraram-se da subcomissão Artur Ribeiro e Oliveira Viana, sendo substituídos por José de Castro Nunes e Solano da Cunha. O governo também definiu o regimento interno da futura Assembléia através do decreto assinado por Vargas em 10 de maio de 1933. O decreto determinava que caberia à Assembléia elaborar uma nova constituição, julgar os atos do Governo Provisório e eleger o presidente da República, dissolvendo-se logo em seguida. Estabelecia que a Constituinte seria integrada por 214 deputados eleitos pelo voto direto e mais 40 representantes classistas, eleitos por sindicatos legalmente reconhecidos pelo Ministério do Trabalho. Embora o anteprojeto do Itamarati se opusesse à representação classista, Vargas baseou-se no Código Eleitoral para assegurar tal representação. Apesar da liberalização do regime, o Governo Provisório manteve a censura à imprensa e negou o registro eleitoral ao PCB.
Em novembro de 1932, começou um intenso movimento de mobilização e organização político-partidária, tendo em vista as eleições de maio de 1933. A estratégia de Vargas foi promover a formação de partidos organizados pelos interventores e integrá-los em um programa mínimo que deveria coincidir com o projeto de constituição a cargo da Subcomissão do Itamarati. No Rio Grande do Sul, Flores da Cunha fundou o Partido Republicano Liberal (PRL), com o apoio de Osvaldo Aranha e chefes políticos do interior. Em Minas, Olegário Maciel, Antônio Carlos, Gustavo Capanema e Virgílio de Melo Franco organizaram o Partido Progressista (PP). As oligarquias derrotadas rearticularam-se em suas já tradicionais organizações partidárias, como o PRP, o PD e o PRM.
Vargas apoiou formalmente a tentativa de organização de um partido nacional, articulada por líderes do movimento tenentista a partir do Congresso Revolucionário, realizado no Rio de Janeiro em novembro de 1932. A tentativa de união das diversas correntes “revolucionárias” em torno de um programa partidário comum fracassou quase que completamente. Na verdade, o tenentismo começava a se desagregar como movimento organizado. Como escreveu Bóris Fausto, o tenentismo “não conseguira transformar o Estado no seu partido, fracassara ou fora cortado nas tentativas de obter uma base social e perdera forças no interior da instituição militar, onde representava uma ameaça à hierarquia”. A União Cívica Nacional, oficializada pelos “tenentes”; em abril de 1933, só conseguiu resultados parciais na região Norte do país. Nesse ínterim, os “tenentes”, haviam organizado partidos estaduais, chamados Social Democráticos, com o apoio dos interventores Juraci Magalhães (Bahia), Roberto Carneiro de Mendonça (Ceará) e Lima Cavalcanti (Pernambuco).
Em São Paulo, o general Valdomiro Lima, nomeado interventor em janeiro de 1933, organizou o Partido da Lavoura, buscando arregimentar o apoio da cafeicultura. Miguel Costa fundou o Partido Socialista de São Paulo. O PRP e o PD formaram uma só frente eleitoral, a Chapa Única por São Paulo Unido, com o apoio da Federação dos Voluntários, organização dos ex-combatentes da Revolução de 1932, e da Associação Comercial de São Paulo. Os candidatos da Chapa Única foram lançados por José Carlos de Macedo Soares, em nome das classes conservadoras do estado.
A Liga Eleitoral Católica (LEC) foi organizada para apoiar os candidatos que concordassem em defender na Assembléia os princípios sociais da Igreja. O secretário-geral da Liga, Alceu Amoroso Lima, destacava entre esses princípios a indissolubilidade do casamento, o ensino religioso facultativo nas escolas públicas e a promulgação da Constituição em nome de Deus.
De todos os partidos que surgiram nessa época, o único que procurou se organizar nacionalmente foi a Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada em outubro de 1932 pelo escritor e jornalista Plínio Salgado. A AIB identificava-se em vários aspectos com os movimentos fascistas, em ascensão na Europa desde a década de 1920. Refletia o fascismo por sua ideologia profundamente anticomunista, nacionalista e autoritária e seu repúdio ao regime liberal-democrático. Além disso, adotou o aparato dos movimentos fascistas com seu uniforme de camisas verdes e sua organização em milícias. Clamava por um Estado integral que controlasse e dirigisse todas as atividades da nação com base no corporativismo, isto é, na representação por “classes profissionais”. Até o final do Governo Provisório, em 1934, o integralismo se tornar-se-ia uma força significativa na arena política, devido à adesão de numerosos contingentes da classe média e até mesmo de setores da classe trabalhadora.
Assim, da mesma forma que os partidos políticos pré-revolucionários, praticamente todos os novos partidos eram estaduais. Mas, apesar de sua dimensão regionalista, os novos partidos “aposentavam um princípio de formulação distinto”, segundo Ângela Gomes, “uma vez que disputavam exatamente com os antigos PRs, representando a força e o prestígio dos interventores federais diretamente ligados e orientados pelo chefe do Governo Provisório em sua atuação política estadual”.
No início de abril de 1933, Vargas encontrou-se com Olegário Maciel na chácara da Floresta, perto de Juiz de Fora, revelando seu interesse pessoal na indicação de um candidato mineiro à presidência da Assembléia Constituinte. Nesse momento se delineou a indicação de Antônio Carlos, já então comprometido com a eleição de Vargas para a presidência do primeiro governo constitucional após a Revolução de 1930. No final do mês, a Subcomissão do Itamarati encerrou seus trabalhos, aprovando o anteprojeto constitucional que tinha como pontos principais um Legislativo composto de uma Câmara única: a Assembléia Nacional, com a supressão do Senado e a criação de um Conselho Federal; eleições diretas para o Legislativo; participação dos ministros no Legislativo; rejeição da representação de classes; consagração da legislação trabalhista; e proteção e nacionalização da economia.
Em 25 de abril de 1933, a poucos dias das eleições para a Constituinte, Vargas sofreu um grave acidente de automóvel quando se dirigia a Petrópolis, onde costumava passar vários meses do ano, hospedado no palácio Rio Negro. Uma enorme pedra atingiu o automóvel, matando um de seus ajudantes-de-ordem, capitão Celso Pestana, e fraturando as pernas de Vargas e de sua esposa. Vargas permaneceu imobilizado durante um mês e meio e, graças à assistência médica de Pedro Ernesto, prefeito do Rio, d. Darci, que chegou a ficar ameaçada de amputação, conseguiu se recuperar.
Em 3 de maio de 1933, realizaram-se as eleições para a Assembléia Constituinte, com a participação de pouco mais de um milhão e duzentos mil eleitores. Os resultados eleitorais asseguraram ampla vitória às situações estaduais, com, exceção de São Paulo, Rio Grande do Norte e Ceará. No Rio Grande do Sul, o PRL, de Flores da Cunha, conquistou 13 cadeiras, enquanto a FUG elegia apenas três representantes, entre eles Assis Brasil e Maurício Cardoso. Em Minas, o PP, de Olegário Maciel, venceu o PRM por 31 representantes contra seis. No Distrito Federal, os autonomistas obtiveram seis das dez cadeiras existentes. A eleição dos deputados classistas, em julho, reforçou as tendências governistas da futura Assembléia Constituinte.
Em São Paulo, a Chapa Única obteve uma vitória consagradora, elegendo 17 dos 22 representantes do estado na Constituinte. Logo após as eleições de maio, Vargas reconheceu a necessidade de se compor com as elites paulistas, encarregando Justo Mendes de Morais de iniciar entendimentos com os dirigentes da Chapa Única para a escolha de um interventor civil e paulista, em substituição ao general Valdomiro Lima. Dessa forma, Vargas poderia não só começar a contornar um poderoso núcleo de oposição dentro da Constituinte, como também garantir uma relativa estabilidade política em São Paulo. Dentre os nomes propostos pela Chapa Única, a escolha recaiu sobre Armando de Sales Oliveira, que recebeu uma indicação particular de José Carlos de Macedo Soares, amigo de Getúlio. Em 14 de julho Vargas aceitou o pedido de exoneração do general Valdomiro Lima. Mas, logo em seguida, o general ameaçou insurgir-se contra a decisão presidencial, insistindo em permanecer no poder. Em meio à expectativa de um possível choque militar, Vargas conseguiu convencê-lo a passar o cargo ao general Manuel Daltro Filho, comandante da 21ª RM. Finalmente, em 21 de agosto Armando Sales tomou posse como interventor federal em São Paulo.
Ainda em agosto, Vargas praticamente assegurou a indicação de Antônio Carlos para a presidência da Assembléia Constituinte, após uma série de entendimentos com líderes mineiros, os interventores Flores da Cunha, Lima Cavalcanti, Juraci Magalhães e os dirigentes das correntes revolucionárias engajadas na União Cívica Nacional. Antônio Carlos exercia grande influência sobre a numerosa bancada mineira, sendo assim um elemento chave para o controle da Assembléia e a candidatura Vargas à presidência constitucional. Entretanto, uma ala do PP, apoiada pelo ministro Osvaldo Aranha, reivindicou a indicação de Virgílio de Melo Franco, colocando em risco a unidade da bancada mineira e a estratégia governamental.
No final de agosto, Vargas partiu para uma demorada viagem aos estados do Norte e Nordeste, acompanhado dos ministros Juarez Távora, José Américo e Góis Monteiro, na época inspetor militar do Norte. Antes de seu embarque, Vargas incumbiu Flores da Cunha e o ministro Antunes Maciel de coordenarem os entendimentos para a formação da mesa diretora da Assembléia e a eleição de Antônio Carlos à sua presidência.
Em 5 de setembro, Olegário Maciel morreu inesperadamente, em Belo Horizonte. Gustavo Capanema assumiu interinamente o cargo de interventor federal em Minas, postulando de imediato sua efetivação. Logo em seguida, Virgílio de Melo Franco lançou-se também na disputa sucessória, abrindo mão de sua candidatura à presidência da Constituinte. Vargas não alterou seu plano de viagem, deixando que a disputa pelo governo de Minas ganhasse maior nitidez.
No final de setembro, chegou a Belém, última etapa de sua viagem, após visitar todas as capitais do Norte. Para os governos locais a viagem representou alguns ganhos, particularmente o de verbas. Por outro lado, Vargas recebeu a confirmação de apoio dos líderes nortistas ao Governo Provisório.
No início de outubro, após o regresso ao Rio, Getúlio recebeu o presidente da Argentina, general Agustin Justo. O principal resultado do encontro foi a assinatura do Tratado Antibélico de Não-Agressão e Conciliação, condenando as “aquisições territoriais obtidas mediante conquista pela força das armas”. Em dezembro, na VII Conferência Pan-americana, realizada em Montevidéu, o Brasil assinou a Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados, proposta pelos argentinos e que teve o inesperado apoio dos EUA. O principal item da Convenção ficou assim redigido: “Nenhum Estado tem o direito de intervir nos assuntos internos ou externos de outro.” No decorrer de 1933, o Brasil desempenhara um papel preponderante em problemas de fronteiras entre países vizinhos. O chanceler Melo Franco teve uma atuação incansável, porém infrutífera, na resolução da Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia. Foi a sua fórmula que resolveu a pendência do território de Letícia (Colômbia, Peru e Brasil). Mas o chanceler não fez nenhuma modificação importante na política exterior, mesmo considerando que “Getúlio e seus companheiros gaúchos pouco entendiam de política internacional e pouco se interessavam por ela”, segundo o depoimento de seu filho Afonso Arinos de Melo Franco. De fato, pelo menos até 1934, as preocupações de Vargas estariam voltadas quase exclusivamente para os problemas políticos internos.
Ainda durante a visita do presidente Justo, Vargas conseguiu solucionar um grave incidente de fronteira envolvendo precisamente seus parentes de São Borja. Em setembro de 1933, um conflito armado em Santo Tomé, no lado argentino, provocara várias mortes, entre as quais as de Ari Mesquita Vargas e Odon Sarmanho Mota, sobrinhos do presidente.
Os meses que antecederam a inauguração da Assembléia Constituinte foram marcados por uma série de dificuldades, pois além da acirrada luta entre Virgílio de Melo Franco e Capanema pelo governo de Minas, desencadeou-se um surto de rebeliões nos baixos escalões do Exército em vários estados.
No caso de Minas, Vargas adotou de início uma atitude de aparente neutralidade ante os dois candidatos, condicionando tacitamente a solução do problema sucessório à prévia realização da eleição para a presidência da Constituinte. Desse modo, assegurou o apoio de Virgílio e toda a bancada mineira à escolha de Antônio Carlos, eleito em 12 de novembro, em sessão preparatória para a instalação da Constituinte. O caso mineiro permaneceu à espera de uma solução por mais algumas semanas.
Reunida no palácio Tiradentes em 15 de novembro de 1933, a Assembléia Constituinte ouviu o discurso inaugural de Vargas sobre as realizações do Governo Provisório e as linhas gerais da reforma constitucional que o governo tinha em mente: a adoção dos códigos de bem-estar social e justiça eleitoral; a reorganização das forças públicas estaduais e das forças armadas; a representação classista como instituição permanente; amplos poderes federais para o controle das obras públicas, transportes e combate às secas, e ajuda federal à agricultura, educação e saúde pública. Vargas calou, porém, sobre a principal questão que a Assembléia deveria enfrentar durante os sete meses de deliberações que iam se seguir: o equilíbrio de poderes entre os estados e a União.
Em 16 de novembro, foi formada a Comissão Constitucional da Assembléia, encarregada de examinar o anteprojeto governamental e as emendas a ele apresentadas nas sessões plenárias. A Comissão dos 26, tal como ficou conhecida, foi integrada por um representante de cada bancada estadual e de cada grupo profissional, sob a presidência do deputado gaúcho Carlos Maximiliano Pereira dos Santos.
Após a instalação da Constituinte, Vargas retomou os entendimentos para escolha do novo interventor mineiro. A sucessão de Minas mobilizava, além das forças políticas do estado, líderes de reconhecida projeção nacional, representantes de diferentes facções do Governo Provisório. Desde setembro de 1933, com o desaparecimento de Olegário Maciel, o interventor Flores da Cunha empenhou-se a fundo na nomeação de Capanema, enquanto Virgílio recebeu o apoio ostensivo de Osvaldo Aranha e de seu pai, Afrânio de Melo Franco. Tanto Flores como Aranha buscavam ampliar sua área de influência política procurando impor a Vargas a nomeação do candidato de sua confiança. Até o último instante, Vargas deixou aberta a possibilidade de acatar os argumentos de Flores e Aranha em prol de um ou outro candidato. No final de novembro, quando Melo Franco ameaçou se demitir do Itamarati, Vargas chegou a mostrar-lhe o decreto de nomeação de Virgílio. Ao saber do decreto, Flores correu ao palácio Guanabara reiterando sua oposição àquele nome.
Em 4 de dezembro, após se avistarem com Vargas no Rio de Janeiro, Capanema e Virgílio firmaram um documento comprometendo-se a aceitar a decisão presidencial, desde que a escolha recaísse sobre um deles. Nessa altura, entretanto, já se sabia praticamente que nem a Virgílio nem a Capanema caberia essa nomeação. O PP chegou a elaborar listas encomendadas por Vargas, onde não se indicariam os dois candidatos. Numa dessas listas, por sugestão de Vargas, Antônio Carlos introduziu o nome do deputado progressista Benedito Valadares Ribeiro, afinal nomeado interventor em 12 de dezembro de 1933.
Com a “solução Valadares”, inteiramente inesperada, Vargas não só garantiu a presença à frente do governo de Minas de um chefe sem muitas vinculações e influência entre as forças regionais, reservando-se assim a possibilidade de um maior controle sobre a política mineira, como também conseguiu neutralizar a força de líderes de grande prestígio nacional, como Flores da Cunha e Osvaldo Aranha. A solução Valadares tornou-se um dos exemplos mais conhecidos da habilidade de Vargas em arbitrar os conflitos políticos. Como escreveu Aspásia Camargo, “ao arbitrar conflitos optando por uma das partes ou por um tertius, Vargas os superou em favor de sua própria política”, notabilizando-se por sua capacidade de mediação e conciliação. Ele mesmo teria comentado: “Inimigos? Não sei se os tenho. Mas se os tiver não serão jamais tão inimigos hoje que não possam vir a ser amigos amanhã.”
A escolha de Valadares desencadeou uma série de reações advindas particularmente da facção virgilista. Osvaldo Aranha renunciou ao Ministério da Fazenda e à liderança da maioria na Constituinte, sendo acompanhado nessa decisão pelo ministro Afrânio de Melo Franco. Também Virgílio renunciou à liderança do PP na Constituinte, passando a combater sistematicamente Antônio Carlos.
Vargas relutou em aceitar as demissões de Aranha e Melo Franco, procurando contornar a crise através da mediação de Flores da Cunha. O prestígio e a participação política de Flores atingiram então seu apogeu. No princípio de janeiro de 1934, Flores presidiu urna reunião de ministros e interventores no Rio de Janeiro, onde todos os presentes subscreveram uma resolução, pedindo aos ministros demissionários que voltassem a seus postos. Ficou também assentada a permanência de Antônio Carlos na presidência da Assembléia e a livre indicação por Vargas do novo líder da maioria. Melo Franco estava decidido a deixar o Itamarati, mas se prontificou a assinar a resolução em favor da volta de Aranha. Não obstante suas convicções, Aranha reconsiderou sua posição, permanecendo no Ministério da Fazenda. No Itamarati, Félix Cavalcanti Barros de Lacerda assumiu interinamente o cargo de ministro. Por indicação de Vargas, o deputado do PSD da Bahia, Antônio Garcia de Medeiros Neto, foi eleito novo líder da maioria, apesar da forte reação da Assembléia contra mais uma clara interferência do chefe do governo em seus trabalhos.
Em 18 de janeiro de 1934, completando o novo esquema de ação do Governo Provisório, Vargas nomeou Góis Monteiro para o Ministério da Guerra, em substituição ao general Espírito Santo Cardoso. Com a vitória sobre os constitucionalistas em 1932, o general Góis Monteiro assumira uma posição de grande influência na cúpula do Exército e também na vida política nacional. Apesar de suas ligações anteriores com o tenentismo, Góis Monteiro não escondia sua posição resolutamente contrária à interferência política dos “tenentes” no interior do Exército. Escrevendo em 1934 sobre o Clube 3 de Outubro, afirmou que ele prestara alguns serviços decisivos ao governo revolucionário, enfrentando as organizações regionalistas, mas se desmoralizara pela indisciplina, os exageros e a demagogia. “Quis intervir na vida íntima do Exército, ameaçando a disciplina, e o Exército o repeliu porque as questões do Exército só podem ser resolvidas por ele próprio. Agora transformou-se em órgão doutrinário, com um programa de ação muito razoável.”
Em fevereiro de 1934, por inspiração direta de Vargas, Medeiros Neto propôs à Assembléia a reforma de seu regimento interno para que se elegesse o presidente da República antes da elaboração e votação do texto constitucional. A proposta de inversão dos trabalhos, conhecida como “indicação Medeiros Neto”, desencadeou uma séria crise política no interior da Assembléia e do Governo Provisório. Osvaldo Aranha pediu novamente demissão do ministério, considerando altamente prejudicial a fórmula apresentada, apesar de seu apoio à candidatura Vargas. A bancada paulista da Chapa Única e importantes dissidentes como João Alberto, do PSD de Pernambuco, denunciaram a “indicação Medeiros Neto” como uma tentativa de liquidação da Assembléia. Após muita resistência da Assembléia e de setores do próprio governo, chegou-se a uma fórmula conciliatória que se limitava a intensificar o ritmo dos debates parlamentares.
Após o fracasso da “indicação Medeiros Neto”, Vargas começou a preparar mais seguramente o lançamento de sua candidatura à presidência. O principal problema enfrentado pelo chefe do governo foi a ameaça de um golpe de força contra a Constituinte, articulado pelo próprio ministro da Guerra, Góis Monteiro. O movimento conspirativo começou a ganhar corpo em março de 1934, quando o comandante da 7ª RM, sediada em Recife, general Manuel Rabelo, enviou documento a Góis Monteiro propondo a intervenção do Exército e da Marinha, “em nome da nação”, com objetivo de evitar “as explorações políticas desencadeadas em torno da Assembléia Nacional Constituinte”. Para tanto deveria ser adotada imediatamente a Constituição de Júlio de Castilhos e assegurado um “governo constitucional forte”, sob a liderança de Vargas. “Neste momento”, diz Ângela Gomes, “a reação militar visava basicamente a Constituinte com suas diretrizes políticas liberais e não tanto a figura de Vargas enquanto chefe da nação”. Em 10 de abril, a candidatura de Góis Monteiro foi lançada pelo Clube 3 de Outubro, recebendo o surpreendente apoio do PRM. Góis Monteiro assumiu uma posição ambígua, declarando à imprensa: “Dentro da democracia, da democracia liberal, eu tenho, creio, a liberdade de não dar o meu consentimento à indicação de meu nome. Agora, ainda dentro da democracia liberal, os outros também têm, creio, a liberdade de escolher o seu candidato.”
Vargas já estava a par do movimento conspirativo e do envolvimento de Góis, por informações recebidas de Flores da Cunha e Juraci Magalhães. Em 13 de abril, Vargas convocou uma reunião ministerial para o lançamento de sua candidatura, à qual Góis Monteiro não compareceu. Em 21 de abril foi apresentado oficialmente como candidato, numa solenidade realizada no palácio Tiradentes, com a pre- sença de todos os ministros, inclusive Góis, e de interventores de diversos estados.
Logo em seguida, Vargas procurou atrair Góis Monteiro para a órbita legal do governo, patrocinando a visita do ministro da Guerra ao Rio Grande do Sul. A viagem marcou o início de um complicado caso político entre Góis e Flores. Depois de quase um mês de mediações, houve importantes mudanças de comandos militares que atingiram um dos principais aliados de Flores da Cunha, o general José Maria Franco Ferreira, comandante da 3ª RM, sediada em Porto Alegre.
Mesmo assim, o perigo de um golpe militar não foi imediatamente afastado. Em 14 de maio, o general Valdomiro Lima redigiu uma circular pessoal e secreta, enviada aos generais do Exército com o conhecimento de Góis Monteiro, propondo a deposição de Vargas e a formação de um “conselho de generais” para dirigir temporariamente a nação. O plano chegou ao conhecimento de Vargas devido às excelentes relações de Juraci Magalhães com o comandante da 6ª RM, sediada na Bahia, general Colatino Marques.
Vargas conseguiu vencer o movimento conspirativo sem provocar impactos quer nos meios militares, quer nos meios políticos. Como observou Ângela Gomes, seu “apego à legalidade” atenuou as críticas dos adversários de seu continuísmo, pois sua candidatura passou a se confundir com a defesa da própria Assembléia. Góis Monteiro seria mantido no Ministério da Guerra durante todo o período de sucessão presidencial, mas evitou um confronto aberto com Vargas.
Durante todo o período de funcionamento da Assembléia, Vargas acompanhou de perto seus trabalhos, através de Raul Fernandes, secretário da Comissão dos 26, e dos representantes gaúchos, principalmente Augusto Simões Lopes, líder do PRL. Na elaboração da Constituição, o principal debate foi travado em torno da centralização política do país. A maioria da Assembléia uniu-se em torno dos princípios da descentralização do poder e da manutenção do regime federativo. Já o bloco da “oposição parlamentar”, articulado por algumas pequenas bancadas do Norte e Nordeste, seguia uma orientação ideológica claramente traçada pelos “tenentes”. O bloco da maioria, formado pelas bancadas de grandes estados, reuniu até mesmo os deputados da Chapa Única de São Paulo. Em maio e junho de 1934, durante a discussão final do texto constitucional, a influência dos grandes estados se tornou mais pronunciada. O êxito de qualquer iniciativa passou a depender das decisões de um “comitê de coordenação”, composto pelos líderes das bancadas de Minas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.
Apesar dessa divisão de forças na Assembléia, Vargas garantiu uma ampla base de sustentação para sua candidatura. Em 21 de maio, concedeu a anistia aos participantes do movimento constitucionalista de 1932 e anunciou o fim da censura à imprensa. No princípio de junho, a Assembléia aprovou os atos do Governo Provisório, que ficavam, assim, imunes a qualquer revisão judiciária. O capítulo “Disposições transitórias” também estabelecia a realização de eleições legislativas em outubro de 1934, a elegibilidade dos interventores no próximo pleito e a prorrogação dos trabalhos da Constituinte até a instalação do novo Congresso, a realizar-se em maio de 1935.
Com a aproximação das eleições presidenciais, a Chapa Única de São Paulo procurou articular com as forças opostas à candidatura Vargas a apresentação de um nome comum. Foram lembrados os nomes de Afrânio de Melo Franco e Raul Fernandes. Prevaleceu no final o apoio a Borges de Medeiros. Em 16 de julho de 1934, em cerimônia solene no palácio Tiradentes, foi promulgada a nova Constituição da República. A Constituinte se transformou provisoriamente em Câmara dos Deputados, incorporando também as funções do Senado. No dia seguinte, Vargas foi eleito pela Assembléia para a presidência constitucional da República com um mandato de quatro anos. Teve 175 votos contra 59 dados a Borges de Medeiros, quatro ao general Góis Monteiro, dois ao ministro Protógenes Guimarães e um voto para Raul Fernandes, Artur Bernardes, Afrânio de Melo Franco, Oscar Weinschenk, Firmino Paim Filho e Levi Carneiro. Estava findo o período do Governo Provisório.
Apesar de todas as inovações introduzidas, a Constituição de 1934 propunha um modelo político liberal e ainda nitidamente federalista, portanto muito mais identificado com as oligarquias regionais do que com o projeto centralizador dos “tenentes”. Conservando vários aspectos da Constituição de 1891, a nova Carta preservava o regime federativo e assegurava eleições por sufrágio universal e direto para todos os cargos executivos, de presidente da República a governadores e prefeitos. Mantinha, porém, o sistema de representação classista. No capítulo dos direitos e garantias individuais, assegurava total liberdade de crença, reunião, associação política e imprensa.
Houve, contudo, importantes modificações na divisão de autoridade entre os estados e o governo central. A nova Carta restringiu a autonomia financeira dos estados, limitando os direitos estaduais de exportação a 10% ad valorem. Transferiu ao governo federal a jurisdição sobre os direitos relativos ao subsolo e limitou a autoridade do Senado Federal, exceto num ponto: o Senado ganhou a prerrogativa de opinar sobre os empréstimos estrangeiros feitos pelos estados e municípios. Estabeleceu ainda conselhos consultivos para operarem junto aos ministérios e ao Legislativo e incorporou a maior parte da legislação social que o Governo Provisório pôs em vigor a partir de 1930. A nova Constituição estabeleceu finalmente o direito à educação confessional nas escolas públicas, o que representava uma vitória para a Igreja e seu grupo de pressão, a Liga Eleitoral Católica.
O governo constitucional e os acontecimentos de 1935
Em 20 de julho de 1934, Vargas assumiu o novo mandato presidencial perante a Assembléia reunida no palácio Tiradentes. Vargas chegou a preparar um discurso bastante crítico em relação à Carta de 1934 para ser lido no dia de sua posse. No discurso, guardado em seu arquivo pessoal, concluía: “Quem examinar atentamente a matéria da nova Constituição verificará, desde logo, que ela fragmenta e dilui a autoridade, instaura a indisciplina e confunde a cada passo as atribuições dos poderes da República.” Na mesma época, também teria declarado, premonitoriamente, a um amigo, o escritor Moisés Velinho: “Creio que serei o primeiro revisionista da Constituição.”
Vargas reorganizou de imediato seu ministério, conservando apenas os ministros militares, Góis Monteiro e Protógenes Guimarães. Nomeou para as pastas civis dirigentes dos estados que haviam formado a maioria na Assembléia Constituinte, isto é, representantes do grupo básico de aliança composto por Minas, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e até mesmo São Paulo. Os paulistas conquistaram duas posições importantes: a pasta da Justiça, para o professor Vicente Rao, e a do Exterior, para o embaixador José Carlos de Macedo Soares. Ambos pertenciam ao Partido Constitucionalista, fundado por Armando Sales, reunindo o PD a uma facção dissidente do PRP. Os mineiros também receberam duas pastas: Gustavo Capanema se viu recompensado com a pasta da Educação e Saúde Pública; Odilon Braga, deputado constituinte pelo PP, assumiu o Ministério da Agricultura. Para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, foi nomeado Agamenon Magalhães, que integrara, com grande destaque, a bancada pernambucana na Constituinte. Como representante da Bahia, João Marques dos Reis, que também se destacara nos trabalhos da Constituinte, ocupou o Ministério da Viação e Obras Públicas. O gaúcho Artur de Sousa Costa deixou a presidência do Banco do Brasil para exercer o Ministério da Fazenda.
Os “tenentes” perderam sua antiga representação no ministério, com a saída de José Américo, nomeado ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Juarez Távora, que voltou ao Exército, e Osvaldo Aranha, nomeado embaixador em Washington. Alguns partidários dos “tenentes” queixaram-se amargamente. Herculino Cascardo manifestou a Vargas a “tristeza de vê-lo definitivamente perdido para a causa que defendíamos”, criticando a “Constituição, vala comum de todas as nossas aspirações, a organização do ministério e a volta da política dos grandes estados”. Concluía sua carta afirmando: “Deixemos a Revolução. Ela está morta e qualquer tentativa de ressuscitá-la deve ser forçosamente recebida com desconfiança dentro do chamado regime legal.”
A partir do segundo semestre de 1934, os confrontos políticos entraram em franco processo de radicalização, alimentados pelas eleições de outubro e a emergência de movimentos políticos nacionais de aguda orientação ideológica. À direita, o movimento integralista crescera de forma impressionante, conseguindo grande penetração nas classes médias e conquistando a simpatia de altas figuras do governo, tanto civis como militares. À esquerda, o PCB procurou se aproximar de todas as forças que pudessem combater o fascismo, seguindo a tática das “frentes únicas”, preconizada pela Internacional Comunista (Komintern). O anúncio oficial do ingresso de Luís Carlos Prestes no PCB, em agosto, fez com que alguns “tenentes” como Herculino Cascardo se aproximassem do partido. As campanhas contra a guerra e o fascismo ganharam amplitude, culminando com um violento choque entre antifascistas e integralistas, no dia 7 de outubro em São Paulo.
Em 14 de outubro, realizaram-se as eleições para a Câmara dos Deputados e as assembléias constituintes dos estados. Além de elaborar, no prazo máximo de quatro meses, as respectivas constituições, as assembléias teriam a função de eleger os governadores e os senadores, transformando-se a seguir em assembléias ordinárias.
As eleições confirmaram a força das lideranças estabelecidas nos principais estados: Armando Sales em São Paulo, Benedito Valadares em Minas, Flores da Cunha no Rio Grande do Sul, Juraci Magalhães na Bahia, Lima Cavalcanti em Pernambuco e Pedro Ernesto no Distrito Federal. Os partidos de oposição a Vargas — o PRM, o PRP e a FUG — conseguiram porém resultados bem mais expressivos que nas eleições de maio do ano anterior. O tenentismo perdeu, praticamente, todas as suas posições no Nordeste, entrando em seu período de declínio final, selado pela dissolução do Clube 3 de Outubro em abril de 1935.
Em alguns estados, as chapas organizadas pelos interventores foram derrotadas por partidos identificados com as oligarquias predominantes antes de 1930. No final do ano, de regresso ao Rio, após passar algumas semanas em São Borja, Vargas começou a se defrontar com os “casos estaduais, as solicitações ao poder central”, como escreveu Hélio Silva.
Na esfera econômica, o Brasil continuava a enfrentar os problemas da crise do comércio exterior. Em janeiro de 1935, o diretor de câmbio do Banco do Brasil, Marcos de Sousa Dantas, advertiu que o governo não teria condições de honrar as obrigações de sua dívida externa estabelecidas em fevereiro de 1934 com o esquema Aranha. A notícia provocou grande celeuma no país e no exterior. Em conseqüência, Vargas resolveu manter o pagamento do serviço da dívida externa e Sousa Dantas renunciou. Ao mesmo tempo, decidiu enviar aos EUA e Inglaterra uma missão econômica chefiada pelo ministro Sousa Costa para examinar o problema dos atrasados comerciais e financeiros e tentar uma solução para a crise dos cambiais.
Sousa Costa foi também autorizado a concluir as negociações para a assinatura de um tratado de reciprocidade comercial com os EUA, proposto pelo governo norte-americano havia mais de um ano. Dessa forma, após vários meses de protelação, o governo Vargas concordou em reduzir as tarifas sobre os produtos norte-americanos no Brasil em troca da manutenção das principais exportações brasileiras (café, borracha) na lista livre daquele país. O tratado foi assinado em 2 de fevereiro de 1935, ao mesmo tempo em que a missão Sousa Costa obtinha nos Estados Unidos o congelamento dos atrasados comerciais existentes até que se fizessem novos acordos para o seu pagamento e conseguia, em Londres, recursos para a liquidação das dívidas financeiras por meio de novos empréstimos. O Acordo de Reciprocidade com os EUA foi vivamente criticado pelos industriais brasileiros, preocupados com a concorrência dos manufaturados norte-americanos no mercado nacional. Nos meses seguintes, Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi e outros representantes da indústria desenvolveram um grande esforço para impedir sua ratificação pelo Congresso.
Enquanto isso, a Alemanha procurou ampliar o comércio com o Brasil na base do regime compensado, isto é, através da troca de produto por produto. O Brasil se viu colocado entre duas nações de políticas comerciais mutuamente excludentes, a Alemanha e os Estados Unidos, empenhadas em uma competição principalmente econômica, mas, também, política e ideológica. “Na verdade”, diz Gérson Moura, “entre o livre cambismo proposto pelos EUA e o comércio compensado proposto pela Alemanha, o Conselho Federal do Comércio Exterior, órgão coordenador da política comercial brasileira, optara pelos dois, no segundo semestre de 1934.”
No plano político, o governo Vargas reagiu, sem demora, contra a crescente mobilização das esquerdas e o surto de greves e movimentos operários. Em janeiro de 1935, o ministro da Justiça Vicente Rao encaminhou à Câmara dos Deputados um projeto de lei definindo crimes contra a ordem política e social, denominado Lei de Segurança Nacional. Apesar de sua ideologia liberal, o Partido Constitucionalista de Armando Sales assumiu a defesa da Lei de Segurança Nacional e do fortalecimento dos poderes presidenciais, tão cuidadosamente “controlados” pela Carta de 1934. Os integralistas se anteciparam à aprovação da lei, extinguindo formalmente as milícias armadas da AIB. O principal alvo visado pela lei era, sem dúvida, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento composto por comunistas, socialistas e a ala esquerda dos “tenentes”, cujo manifesto de lançamento foi divulgado em janeiro de 1935. Em 30 de março, no auge dos debates sobre a Lei de Segurança Nacional, a ANL realizou sua primeira reunião pública no teatro João Caetano, do Rio de Janeiro. Sob aclamação, Luís Carlos Prestes foi escolhido presidente de honra do movimento.
Em 4 de abril, Vargas sancionou a Lei de Segurança Nacional, aprovada pela Câmara, suprimindo importantes franquias democráticas estabelecidas pela Carta de 1934. Incorriam nos dispositivos da lei todos os que tentassem o recurso da força como meio de acesso ao poder, que estimulassem manifestações de indisciplina nas forças armadas, que atentassem contra pessoas ou bens por motivos ideológicos ou doutrinários e que tentassem executar planos de desorganização ou greves nos serviços públicos. Nesses casos, foram previstas penalidades de um a dez anos de prisão. A lei estabeleceu também sanções para jornais e emissoras de rádio que veiculassem matérias consideradas subversivas, previu a cassação de patentes de oficiais das forças armadas e autorizou o chefe de polícia do Distrito Federal a fechar entidades sindicais suspeitas.
Vargas também enfrentou, na mesma época, uma séria crise militar provocada pela derrota no Legislativo de um projeto de lei que aumentava o salário dos militares e concedia-lhes diversos privilégios. Em março, uma investigação revelou a existência de uma conspiração abortiva contra o governo, liderada pelo general João Guedes da Fontoura, comandante da Vila Militar do Rio. A crise evoluiu para um confronto aberto entre o interventor Flores da Cunha e o ministro Góis Monteiro. Flores da Cunha controlava os 20 mil soldados da Brigada Militar gaúcha, o que era considerado por Góis como um verdadeiro desafio ao Exército. Adversário do ministro da Guerra na sucessão presidencial de 1934, Flores opôs-se novamente a Góis em março de 1935, recomendando à bancada gaúcha que rejeitasse a lei dos vencimentos militares. Em 9 de abril, Góis Monteiro emitiu uma circular aos generais da ativa propondo uma manobra conjunta para forçar o presidente a anular a decisão do Legislativo. Ele renunciaria ao ministério e todos os generais recusariam o cargo, gerando assim um impasse. O plano falhou devido à oposição dos generais Pantaleão da Silva Pessoa, chefe do Gabinete Militar, e José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. No dia 18, a guarnição federal de Cachoeira do Sul (RS) exigiu a demissão de Góis e de Guedes da Fontoura, contando com o consentimento de Flores. Em 7 de maio, Góis renunciou de fato a seu cargo. Vargas nomeou ministro da Guerra o general João Gomes, que tinha combatido os “tenentes” na década de 1920 e se havia oposto à Revolução de 1930. O comando da Vila Militar passou a Eurico Gaspar Dutra, promovido a general-de-divisão exatamente para ocupar esse posto de confiança.
Apesar de seu afastamento, Góis permaneceu como um poder por trás dos bastidores. O presidente diria a Aranha que Góis exagerara a gravidade dos fatos. “Sou amigo dele”, escreveu a Aranha em 10 de maio, “como tu és. Conhecemos os seus defeitos e qualidades e estávamos acostumados a condescender, explicando aqueles e reconhecendo estes. Saiu bem comigo e será oportunamente aproveitado noutra função.”
Na verdade, Vargas desconfiava tanto de Góis Monteiro quanto de Flores da Cunha. Logo após as eleições de outubro de 1934, Flores procurou construir bases políticas em todos os estados, com o objetivo de determinar a futura sucessão presidencial. Em abril de 1935, Flores, Armando Sales, Benedito Valadares e outros interventores foram escolhidos sem dificuldades pelas assembléias estaduais para o cargo de governador. Mas, em alguns estados, verdadeiras batalhas foram travadas. Em Belém, o interventor Joaquim Magalhães Barata ordenou o cerco policial do prédio da Assembléia e barrou a entrada dos deputados oposicionistas. O Legislativo, reunido em tumulto, elegeu Barata por 14 votos a zero, ignorando os 16 deputados ausentes. No dia seguinte, a bancada oposicionista dirigiu-se para a Assembléia garantida por um habeas-corpus. Os soldados abriram fogo, ferindo gravemente três deputados e matando diversos espectadores. Em conseqüência, Vargas decidiu substituir Barata por um novo interventor que supervisionou a eleição e a posse de um candidato de compromisso, José Carneiro da Gama Malcher. Outros interventores também pareciam condenados a uma derrota certa. Onde não foi possível garantir a vitória dos interventores, como no Rio Grande do Norte e Sergipe, Vargas recusou-se a entrar em choque com as oposições estaduais. Em Santa Catarina, o interventor federal foi derrotado por Nereu Ramos. Quando o resultado foi proclamado, A Nação, jornal do Rio, adquirido por Flores da Cunha, denunciou que tinha havido “traição”.
Em 3 de maio de 1935, a Câmara e o Senado se reuniram no Rio de Janeiro, iniciando a primeira legislatura ordinária do Congresso após a Revolução de 1930. Dos 250 deputados, somente 76 passaram a integrar a minoria parlamentar ou Oposições Coligadas. Trinta e dois eram considerados independentes. No Senado, a situação era também favorável ao governo federal. O processo de constitucionalização chegava ao fim em todos os estados, com exceção do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro.
As contendas regionais ainda prosseguiam, mas nesse momento o eixo dos conflitos políticos se deslocava cada vez mais para a atuação da ANL. Propondo amplas reformas so- ciais, dirigidas principalmente contra o latifúndio e o imperialismo, a ANL experimentava um crescimento vertiginoso. No final de maio, mais de 1.600 núcleos haviam sido organizados por todo o país. No Distrito Federal, onde a ANL contava com a simpatia do prefeito Pedro Ernesto, havia 50 mil inscritos.
As forças conservadoras reagiram com a mesma vitalidade, denunciando a ameaça comunista representada pela ANL. A Universidade do Distrito Federal, criada em 1935 por Pedro Ernesto, foi logo vista e denunciada como um núcleo de perigosos esquerdistas, recebendo a hostilidade simultânea dos integralistas e dos meios católicos.
Já nesse momento, um dos futuros ideólogos do Estado Novo, Antônio José do Azevedo Amaral, via claramente em Getúlio “o homem do destino”, em prefácio ao livro A aventura política do Brasil, datado de 14 de maio de 1935. “O individualismo e a democracia liberal estão reduzidos a dois cadáveres (...). A Constituição de 1934 veio ao mundo falada com o prenúncio de morte próxima. Na mensagem enviada há poucos dias ao Poder Legislativo, o presidente Getúlio Vargas passou-lhe o antecipado atestado de óbito.”
Em 17 de maio, Vargas partiu no encouraçado São Paulo para uma viagem à Argentina e ao Uruguai. Antônio Carlos de Andrada, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu interinamente a chefia da nação, uma vez que a Carta de 1934 eliminara a figura do vice-presidente da República. Em Buenos Aires, Vargas participou da primeira fase das negociações para o armistício da Guerra do Chaco, entre Bolívia e Paraguai, promovidas pelo comitê de mediação integrado pela Argentina, Chile, Peru e Estados Unidos. Em 31 de maio, partiu para Montevidéu deixando o chanceler Macedo Soares como representante brasileiro nas conversações sobre a Questão do Chaco. Em 2 de junho, Vargas encontrava-se ao lado do presidente Gabriel Terra, no hipódromo de Montevidéu, quando seu colega uruguaio foi vítima de um atentado a bala. Terra foi atingido nas costas, de raspão, sem gravidade. Vargas nada sofreu.
O presidente regressou ao Brasil no dia 8 de junho. Em carta ao embaixador Osvaldo Aranha, transmitiu suas impressões sobre a viagem ao Prata e o futuro das negociações sobre a Questão do Chaco, após o armistício entre Bolívia e Paraguai, assinado em 12 de junho. “Iremos agora para a conferência de paz. Se esta não chegar a uma conclusão, será o caso entregue ao Tribunal de Haia. Mas é preciso que chegue. Necessitamos mostrar que as questões dos países americanos podem ser resolvidas dentro do continente. Devemos prescindir, tanto quanto possível, da política européia, da Liga das Nações e de outras entidades estranhas aos nossos problemas continentais. Por isso não ligo a eficiência desse prometido apoio da Inglaterra, França e Itália à preponderância política da Argentina, mesmo porque o nosso ponto de vista deve ser Washington e nunca Londres, Paris ou Roma.”
Em 5 de julho, aniversário das revoltas tenentistas de 1922 e 1924, Luís Carlos Prestes, que regressara clandestinamente ao país, deu ao governo o pretexto para dissolver a ANL, ao pregar publicamente a derrubada de Vargas e a ascensão da ANL. No manifesto, Prestes defendia a implantação de um “governo popular nacional revolucionário” e apelava às massas a prepararem-se “para o momento do assalto”. Em 13 de julho, Vargas decretou a dissolução da ANL por um período de seis meses, com base na Lei de Segurança Nacional. Em conseqüência, a ANL expirou como organização legal de massas. Nessas circunstâncias, a liderança do PCB e os elementos militares sob sua influência passaram a conspirar contra o governo, adotando a perspectiva insurrecional.
Vargas ocupou-se durante os meses de agosto e setembro de 1935 com duas questões pendentes: a ratificação do Tratado Comercial Brasil-EUA, assinado em fevereiro, e a sucessão no estado do Rio de Janeiro. Em agosto, os opositores da aprovação do tratado tinham feito tais progressos na Câmara que o governo brasileiro viu-se colocado numa situação embaraçosa frente aos EUA. Paralelamente, as pressões externas se acirravam. No final do mês, o embaixador dos EUA no Rio, Hugh Gibson, comunicou que grupos privados norte-americanos pressionavam o presidente Franklin Roosevelt a adotar medidas de represália tarifária, especialmente em relação ao café. Vargas, segundo Eli Diniz, “com receio de que a reabertura dos debates nos Estados Unidos viesse a prejudicar os interesses da exportação do café”, resolveu agir decisivamente para assegurar uma ratificação imediata do tratado. O presidente convocou o líder da maioria na Câmara, Raul Fernandes, e deu-lhe instruções precisas para obter a ratificação o mais depressa possível. Chamou também Euvaldo Lodi e ameaçou denunciar sua atuação na Câmara caso ele não cessasse as táticas obstrucionistas. Sob pressão do presidente, Lodi recuou e o tratado foi aprovado em 12 de setembro pela Câmara, em novembro pelo Senado e finalmente ratificado no mês seguinte.
A disputa pelo governo do estado do Rio, por outro lado, prefigurou a ruptura entre Vargas e Flores da Cunha. Aberta a campanha eleitoral, Flores apoiou a todo transe a candidatura do general Cristóvão Barcelos, da União Progressista Fluminense (UPF). O candidato de Flores conseguiu arregimentar o apoio de 22 deputados da Assembléia fluminense, passando a depender de apenas um voto para assegurar sua eleição. Em setembro, Vargas reagiu de público contra a interferência de Flores na política fluminense, indicando seu candidato pessoal: o almirante Protógenes Guimarães, ministro da Marinha. Em 20 de setembro, Vargas viajou a Porto Alegre a fim de participar da comemoração do centenário da Revolução Farroupilha. Sua visita em nada contribuiu para melhorar as relações com Flores. No dia 25, foram realizadas as eleições na Assembléia fluminense para o governo do estado, marcadas por atos de violência que chegaram a provocar ferimentos a bala em um deputado e no próprio general Barcelos. O almirante Protógenes Guimarães venceu o pleito com os votos de 23 representantes da Coligação Radical Socialista, liderada por Raul Fernandes e José Eduardo de Macedo Soares. Entretanto, o general Barcelos recorreu à Justiça Eleitoral, denunciando as precárias condições do pleito. O recurso foi aceito e novas eleições foram convocadas.
Em 8 de outubro, em carta a Vargas, Flores propôs uma reconciliação amigável. “Pode ficar tranqüilo com referência às intrigas que agora fervilham mais do que nunca. Intrigas não poderão separar-nos, nem prejudicarão o apoio que emprestei e continuarei lealmente a emprestar ao teu governo. Sabes que o Rio Grande pede pouco; é fácil atendê-lo e contar sempre com ele, na paz e na luta.” Mas Vargas estava contrariado. “Estou chegando aos limites da minha paciência”, confidenciou ao irmão Protásio no mesmo dia. “A campanha sistemática feita pelo Flores ou por elementos a ele chegados tende a demonstrar que o governo federal nada faz pelo Rio Grande do Sul... como também para o resto do país, desde Santa Catarina até o Acre. Outra atitude prejudicial de Flores é a sua mania de pretender, lá de Porto Alegre, dirigir a política federal, intervindo na política de outros estados.” De toda forma, tentando evitar o rompimento definitivo com Flores da Cunha, cujo partido ainda integrava a maioria parlamentar, Vargas indicou o deputado gaúcho João Carlos Machado para o cargo de líder da maioria, em lugar de Raul Fernandes.
Em 12 de novembro, o almirante Protógenes Guimarães foi eleito governador do estado do Rio por maioria de um único voto, na segunda votação realizada pela Assembléia fluminense. A reação de Flores não tardou. No dia 18, comunicou a Vargas que, tendo decidido retirar seu “apoio incondicional” ao governo, o PRL deixava de integrar a maioria na Câmara. Informou-lhe também que pediria licença do governo gaúcho por seis meses. Vargas indicou o deputado mineiro Pedro Aleixo para a liderança da maioria, ao mesmo tempo em que dirigiu um apelo conciliatório ao governador gaúcho.
Em 20 de novembro, a Câmara reuniu-se para examinar uma moção apresentada pelos adversários do integralismo pedindo o fechamento da AIB, com base nas mesmas provisões da Lei de Segurança Nacional invocadas para fechar a ANL em julho. A moção obteve temporariamente o apoio de Vargas. Tal atitude atingia o general Pantaleão Pessoa, aliado do governador gaúcho e, na qualidade de chefe do EME, o mais influente simpatizante militar do integralismo. As forças antiintegralistas alinhavam-se com o governo contra Flores, e a moção de condenação da AIB passou por 80 votos contra 73. No dia 22, a Justiça Eleitoral proibiu a utilização das camisas verdes pelos militantes integralistas.
Parecia agora que Vargas tinha provocado a oposição conjunta do governador Flores da Cunha e do movimento integralista. A situação mudou bruscamente, porém, com a eclosão do levante comunista no Nordeste e no Rio de Janeiro nos dias seguintes.
O levante comunista e a reação do governo
A insurreição de novembro de 1935 visava à formação de um governo nacional revolucionário, sob a chefia de Luís Carlos Prestes, que prepararia, numa etapa seguinte, a implantação de um regime socialista no Brasil. No início de novembro, o PCB deu ordens aos chefes revolucionários para aguardar o sinal do início do movimento armado. Entretanto, a eclosão do movimento em Natal foi antecipada, não se sabe se por falsas informações ou por precipitação, permitindo ao governo federal o controle imediato da situação ao irromperem os levantes em Pernambuco e no Rio de Janeiro.
Em 23 de novembro, em Natal, sargentos, cabos e soldados do 21º Batalhão de Caçadores (21º BC) deflagraram o levante e, com o apoio de operários e funcionários públicos, assumiram o controle da capital e municípios do interior. Em nome da ANL, foi formado um governo popular revolucionário que permaneceu no poder durante quatro dias. Tropas do Exército e da polícia dos estados vizinhos reprimiram a revolta, repondo o governador Rafael Fernandes na chefia do estado.
A revolta em Pernambuco começou no dia 24 com a sublevação do 29º BC, sediado próximo a Recife. Os revoltosos marcharam em direção à capital, sendo derrotados na tarde do dia 25 por tropas do governo estadual enquanto outros focos de rebelião em Recife e Olinda eram dominados.
No dia 25, Vargas enviou ao Congresso uma mensagem solicitando a votação do estado de sítio em todo território nacional, pelo prazo de um mês. Em nome da minoria parlamentar, João Neves sugeriu que o sítio só fosse decretado nos estados conflagrados. Flores da Cunha tomou idêntica posição, argumentando que as forças estaduais eram capazes de reprimir qualquer movimento de revolta. A moção governamental acabou sendo aprovada por 172 votos contra 52. Com a minoria, além dos próprios parlamentares da ANL, como Abguar Bastos e o senador Abel Chermont, votaram representantes do PRL e parte do PRP.
Apesar da completa desarticulação do movimento, Luís Carlos Prestes e seus companheiros decidiram desencadear a rebelião em unidades militares do Distrito Federal e outros estados. Entretanto, os emissários enviados por Prestes a Minas, Rio Grande do Sul e estado do Rio foram interceptados e presos pela polícia.
No dia 26, escreveu Afonso Arinos de Melo Franco, “todo o meio político sabia, no Rio de Janeiro, que graves acontecimentos deveriam ocorrer, dentro de horas, na capital da República. (...) O governo estava perfeitamente informado da marcha dos acontecimentos desde a dissolução da ANL. O chefe de polícia, Filinto Müller, o ministro da Guerra, general João Gomes (...), e o comandante da 1ª Região, general Eurico Dutra, tinham os seus elementos em rigorosa prontidão”.
A rebelião começou simultaneamente no 3º RI, na Praia Vermelha, e na Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos, às primeiras horas de 27 de novembro. O levante da Escola de Aviação foi dominado ao raiar do dia por guarnições da Vila Militar e do 1º Regimento de Aviação, este comandado pelo tenente-coronel Eduardo Gomes. No 3º RI, o pequeno grupo rebelde, liderado pelo capitão Agildo Barata, conseguiu prender toda a oficialidade e assumir o comando do quartel. Aproximadamente 2/3 da tropa — 1.700 homens, quase todos recrutas — aderiram ao movimento. O restante do plano não pôde ser cumprido, pois o general Dutra estava com sua tropa de prontidão e ordenou o cerco imediato de todas as saídas do quartel. O 3º RI sofreu forte bombardeio da Aviação e da Marinha, sendo reduzido a ruínas. No começo da tarde, após a rendição dos rebeldes, Vargas visitou pessoalmente o local. O secretário do presidente, Luís Vergara, escreveu em suas memórias que o general João Gomes estaria decidido a passar pelas armas os prisioneiros, sendo dissuadido por Vargas e Dutra.
O enterro dos oficiais legalistas, ao qual compareceu o próprio Vargas, no Rio, ocorreu em meio a forte comoção nacional. Os jornais falaram em cerca de 60 mortos (só no Recife) e centenas de feridos, não apenas nos levantes, mas em inúmeros incidentes ocorridos em todo o país.
O medo do comunismo aglutinou em torno de Vargas forças que até então lhe eram contrárias. Durante a rebelião, Flores da Cunha ofereceu 20 mil soldados para ajudar o governo. Plínio Salgado garantiu que cem mil “camisas-verdes” estavam à disposição do presidente para manter a ordem. A mensagem de Plínio teve efeito. Em 30 de novembro, o coronel Newton Cavalcanti, conhecido defensor da AIB, foi promovido a general, passando à frente de 48 outros oficiais, o que foi interpretado como uma vitória das forças integralistas no seio da oficialidade e uma óbvia conseqüência do malogro do levante comunista.
A imagem pública de Vargas se fortaleceu e a necessidade de um poder firme e forte para reprimir o comunismo ganhou peso tanto nos meios militares como civis. Em 3 de dezembro, o ministro João Gomes reuniu no Rio de Janeiro todos os generais que serviam na capital para propor ao governo uma legislação mais rígida e a imediata expulsão do Exército dos militares envolvidos na revolta comunista. Góis Monteiro fez uma longa declaração de voto, por escrito, apontando três opções que se abriam no momento: 1ª) golpe de Estado e abolição da Carta de 1934, alternativa “perigosa” em virtude da “confusão social e política, da falta de coesão e de unidade das classes armadas e outras classes”; 2ª) execução da Constituição vigente, o que significaria “a impunidade, a anarquia, dificuldades invencíveis até a ruína completa”; e 3ª) reforma da Constituição conferindo ao governo “plenos poderes para enfrentar a situação sob todos os aspectos”, solução que lhe parecia a melhor naquele momento.
A reforma da Constituição foi aprovada pelo ministério e pelas principais lideranças partidárias consultadas por Vicente Rao. Em 18 de dezembro, Vargas promulgou três emendas constitucionais, aprovadas pela Câmara. A Emenda nº 1 estabeleceu que a Câmara, com o concurso do Senado, poderia autorizar o presidente da República a declarar o estado de guerra em qualquer parte do território nacional, no caso de “comoção intestina grave” das instituições políticas e sociais. As emendas nºS 2 e 3 retiravam dos militares e funcionários civis as garantias da estabilidade nas funções, submetendo-os, assim, à perda de posto e de patente e à demissão do emprego quando praticassem atos considerados subversivos.
Em 24 de dezembro, o governo prorrogou por mais 90 dias o estado de sítio, tendo obtido por 210 votos contra 59 a autorização do Congresso para equipará-lo, caso fosse preciso e conforme previa a Emenda nº 1, ao estado de guerra.
A repressão contra a revolta de novembro provocou milhares de prisões, não somente de comunistas, como de simpatizantes e integrantes da ANL que não haviam participado do movimento revolucionário e nem dele haviam tomado conhecimento. Além da repressão, desencadeou-se uma enérgica campanha de opinião pública contra a influência ideológica do comunismo no país, que atingiu personalidades como Pedro Ernesto, conhecido por suas ligações com a ANL, e o professor Anísio Teixeira, alvo de uma ruidosa campanha promovida pelo pensador católico Alceu Amoroso Lima. Obrigado a se demitir da Secretaria de Educação do Distrito Federal em dezembro de 1935, Anísio foi substituído pelo ex-ministro Francisco Campos, que prometeu expurgar o bolchevismo das escolas e preservar “o Brasil tradicional, humanista e cristão”.
A repressão também atingiu duramente as organizações sindicais autônomas, possibilitando o enquadramento definitivo dos sindicatos no Estado. Muito significativo foi o ponto de vista defendido pelo ministro do Trabalho, Agamenon Magalhães, na reunião ministerial presidida por Vargas em 7 de dezembro. Agamenon enfatizou a necessidade de uma legislação antiliberal em relação aos sindicatos, ressalvando porém que a coação por si só não era capaz de fornecer uma solução permanente à questão social, “impondo-se a melhoria das condições sociais dos trabalhadores”. Concluiu sua intervenção reclamando o imediato cumprimento das leis sociais já criadas, que deveriam ser complementadas por um sistema previdenciário e pela instituição da Justiça do Trabalho. Nesse momento, diz Luís Werneck Viana, os liberais “redescobrem o significado da questão operária sob a perspectiva getuliana”. Em janeiro de 1936, quando foi instituído por lei o salário mínimo para o comércio, indústria e bancos, o jornal O Estado de S. Paulo, ligado a Armando Sales, declarava em editorial: “No dia em que, com a adoção do salário mínimo, a miséria do operariado houver desaparecido e a exploração dos humildes pelos poderosos se tornar impossível, o comunismo teria perdido o seu melhor argumento e o recurso mais seguro de sua propaganda... Algo teríamos que fazer mesmo que o comunismo não existisse; já que ele está aí, façamos imediatamente.” A Lei do Salário Mínimo, assim como a estabilidade aos dez anos de serviço, instituída em junho de 1935, e o projeto de organização da Justiça do Trabalho, enviado à Câmara no final de 1936, só seriam porém efetivamente implantados nos anos do Estado Novo.
Em 10 de janeiro de 1936, o ministro Vicente Rao anunciou a formação da Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo, encarregada de investigar de forma sumária atos ou crimes contra as instituições políticas e sociais e dotada de poderes para requisitar prisões diretamente ao chefe de polícia em casos de urgência. Vários parlamentares e figuras de primeiro plano da administração pública começaram a se sentir ameaçados pelas atividades da comissão. Houve tentativas de envolver em acusações falsas os governadores Lima Cavalcanti, acusado de complacência com a ANL, e Juraci Magalhães, atingido pelas acusações contra seu irmão Elieser Magalhães, membro da ANL.
O chefe de polícia do Distrito Federal, Filinto Müller, passou a exercer cerrada vigilância sobre todos os membros do governo, inclusive ministros de Estado e diplomatas de carreira. Como observou Bóris Fausto, “Vargas elogiou inúmeras vezes o trabalho de seu colaborador que, apesar de subordinado ao Ministério da Justiça, se comunicava diretamente com o presidente”. Nos meses seguintes à rebelião comunista, a polícia de Filinto Müller prendeu praticamente toda a direção do PCB, vários enviados da Internacional Comunista, além de Luís Carlos Prestes e sua mulher, Olga Benário, de nacionalidade alemã, capturados no início de março.
O estado de guerra foi finalmente instaurado em 21 de março de 1936, quando expirava a vigência do estado de sítio. Como observou Afonso Arinos, “a figura do estado de guerra em tempo de paz... era um agravamento considerável do estado de sítio e conferia ao presidente poderes praticamente ditatoriais”. A aquiescência do Congresso em legislar com poderes de emergência reforçou, sem dúvida, as tendências centralizadoras e autoritárias do regime.
Em 23 de março, a repressão se estendeu a membros do Congresso. A polícia invadiu a sede do Legislativo e prendeu cinco parlamentares — os deputados Abguar Bastos, Domingos Velasco, João Mangabeira, Otávio da Silveira e o senador Abel Chermont —, que vinham denunciando arbitrariedades e violências cometidas pela repressão anticomunista. Entre outros casos, eles haviam denunciado a morte do cidadão norte-americano Victor Allan Barron, dada como suicídio pela polícia, e as torturas infligidas a Harry Berger, pseudônimo do ex-deputado comunista alemão Arthur Ewert. Em 4 de abril, Pedro Ernesto foi preso e destituído da prefeitura do Distrito Federal, assumindo em seu lugar o cônego Olímpio de Melo. Há diversos testemunhos sobre o comportamento de Getúlio diante da sorte dos presos políticos e dos que a ele recorriam em nome da amizade. Segundo Heráclito Sobral Pinto, advogado de Prestes, Getúlio portava-se com absoluta indiferença, o que contraria a opinião reproduzida por John Foster Dulles em seu livro Anarquistas e comunistas no Brasil. Em defesa de seu pai, Alzira Vargas do Amaral Peixoto conta que obteve sua autorização para interceder em favor de professores presos por suposta simpatia aos comunistas. Getúlio teria então recomendado: “Criem o motivo para que o assunto venha ao meu conhecimento... Se nada tiverem apurado contra os professores, não há razão para que continuem presos. Mas nada de precipitações. Há famílias enlutadas por culpa dos comunistas e há um crime para o país, irreparável.” Em todo caso, dificilmente se perderá a noção da época em que Graciliano Ramos escreveu suas Memórias do cárcere, revelando com toda a densidade de seu estilo o que lhe parecia fundamental: “É, o que me atormenta. Não é o fato de ser oprimido: é saber que a opressão se erigiu em sistema.”
A posição das elites regionais era contraditória. Armando Sales, disposto a candidatar-se à presidência da República e atrair o apoio de Vargas para sua indicação, não hesitou em defender as medidas de exceção solicitadas pelo Executivo. Benedito Valadares colocou-se à sombra de Vargas em troca do reconhecimento de sua liderança em Minas. O maior centro de oposição estava no Rio Grande do Sul. Flores da Cunha opunha-se à escalada centralizadora, apesar de favorável à repressão anticomunista. Em janeiro de 1936, Flores firmara um acordo com Borges de Medeiros e Raul Pilla, concedendo algumas secretarias de seu governo a membros da FUG, numa tentativa de unificar o Rio Grande do Sul sob sua liderança.
Em abril de 1936, a minoria parlamentar tentou negociar com Vargas o estabelecimento de uma “trégua política”, com base nos seguintes princípios: adiamento da discussão sobre a sucessão presidencial, restauração das imunidades parlamentares e direito de fiscalização das eleições municipais de 1936. Vargas mostrou-se aparentemente aberto ao diálogo. Encontrou-se duas vezes com Flores da Cunha e com João Neves e outros líderes gaúchos em Petrópolis (RJ), mas não se dispôs a nenhum compromisso com a oposição. Vargas marchava claramente para a consolidação de seu poder pessoal especulando continuamente com a ameaça comunista, largamente fabricada pelo próprio governo. Ainda em abril, as forças armadas entraram em prontidão para enfrentar um suposto golpe comunista que jamais se materializou.
Em 10 de maio de 1936, em pronunciamento à nação, o presidente justificou as medidas repressivas tomadas pelo governo, declarando: “A ação demolidora do comunismo russo é vária e multiforme. Na sua faina insidiosa de levar a perturbação a todos os povos, engendrou uma técnica especializada do crime contra a ordem social em nada semelhante aos processos dos conspiradores comuns. É por isso mesmo que o aparelhamento usual de prevenção e repressão, as leis ordinárias de segurança do Estado se mostram, a cada momento, falhos e ineficientes para impedir a atividade anti-social dos audazes agitadores adestrados e mantidos pela Internacional Comunista, instalada em Moscou.” Por seu lado, os grupos dominantes da política nacional se manteriam unidos no apoio às medidas de exceção até a colocação aberta da questão sucessória, no final de 1936.
Em junho o Congresso concordou com a prorrogação do estado de guerra por mais 90 dias (esta seria a primeira de uma série de prorrogações que se estenderiam até junho de 1937), e em julho deu permissão para que fossem processados os parlamentares presos, acusados de ligação com a ANL. O Congresso também aprovou, sem demora, a criação de um tribunal de exceção, o Tribunal de Segurança Nacional (TSN), apesar da vigorosa oposição da minoria liderada por João Neves. O projeto enviado em julho tornou-se lei em setembro. Em dezembro de 1936, o tribunal começaria a funcionar no Distrito Federal. Suas normas eram de molde a eliminar o “doloroso anacronismo” jurídico que segundo Vicente Rao desarmava o Estado na “luta contra os seus inimigos”. De saída, a competência do TSN retroagia, permitindo-lhe julgar crimes cometidos sob a vigência de leis mais liberais. A lei introduziu a controvertida figura do julgamento por livre convicção, interpretada pela maioria dos juízes com a prerrogativa de condenar ou absolver por mera atitude mental.
O TSN condenaria os principais acusados do levante comunista em julgamento realizado em 7 de maio de 1937. Prestes e Harry Berger foram condenados a 16 anos de prisão. Pedro Ernesto teve a pena de três anos e quatro meses. Alguns dias mais tarde, o TSN julgou os parlamentares presos, absolvendo Abel Chermont e Domingos Velasco. Condenados pelo tribunal, os deputados Otávio Silveira, Abguar Bastos e João Mangabeira permaneceram por mais alguns meses no cárcere. O total de sentenciados pelo TSN até dezembro de 1937 seria de 1.420 réus.
Ainda em 1936, Vargas evitou um confronto direto com a AIB, embora tenha apoiado discretamente as medidas repressivas contra as atividades integralistas ordenadas pelo governador da Bahia, Juraci Magalhães. Por seu lado, Plínio Salgado apoiava os manejos de Vargas no combate à esquerda e à oposição liberal, aspirando, numa segunda etapa, à sua própria dominação.
Em agosto de 1936, Vargas deu cobertura às manobras do governador Benedito Valadares contra Antônio Carlos, que desde janeiro aparecia como candidato à sucessão presidencial. Valadares desejava o fim do “carlismo” em Minas, com o objetivo de consolidar seu poder pessoal no estado. Em 25 de agosto, Antônio Carlos, diante das pressões crescentes do governador, renunciou à liderança da bancada majoritária mineira. Dois dias depois, resolveu renunciar à presidência da Câmara, sabedor de que Valadares pedira a Vargas uma definição: ou ele ou Antônio Carlos. Prestigiado por toda a Câmara, Antônio Carlos reconsiderou sua decisão. A intromissão de Valadares e de Vargas, que lhe dava cobertura, fora repelida pela Câmara. Mas, em Belo Horizonte, o governador conseguiu o apoio dos representantes do PP, que entrava em desagregação, e de deputados do PRM para conduzir Noraldino Lima à liderança da bancada estadual na Câmara.
Também em agosto de 1936, deu-se a aproximação decisiva de Vargas com Francisco Campos e Góis Monteiro, ambos doutrinariamente inclinados à implantação de um estado autoritário. A pedido de Vargas, o general Góis escreveu um memorando no qual traçou as linhas gerais de um Estado ditatorial. Logo depois Francisco Campos foi encarregado de elaborar uma nova carta constitucional a ser outorgada através de um golpe de Estado. A provável resistência do Rio Grande do Sul afigurou-se desde logo para Vargas e Góis Monteiro como o principal obstáculo aos seus planos.
No segundo semestre de 1936, Vargas tratou de reunir condições políticas e militares para neutralizar a resistência de Flores da Cunha. O presidente procurou reconquistar o apoio da FUG através do deputado Maurício Cardoso e incentivou a dissidência no interior do PRL, liderada por seu irmão Benjamim Vargas. Sua estratégia teve êxito. Em outubro, Borges de Medeiros e Raul Pilla romperam com Flores da Cunha, retirando o apoio da FUG ao governo gaúcho. Flores lançou-se a uma guerra surda contra o governo central, mobilizando os 20 mil homens dos corpos provisórios em várias regiões do estado e intensificando a compra de armamentos para os seis mil homens da milícia estadual. Vargas respondeu ao desafio, ordenando a remessa de grande quantidade de material bélico para as guarnições do Exército estacionadas no Sul do país.
Vargas encontrou para essa ação a resistência de João Gomes, ministro da Guerra, isolado frente aos demais generais devido a uma ação desgastante desenvolvida por Góis Monteiro. Em 3 de dezembro, João Gomes pediu demissão do ministério. Dois dias mais tarde Vargas nomeou Eurico Gaspar Dutra tido — como o general mais ligado a Góis Monteiro — para substituí-lo. Conforme escreveu Afonso Arinos: “Dutra assumiu o Ministério da Guerra comprometido com a deposição de Flores.” Em janeiro do ano seguinte, Góis assumiria o posto de inspetor do Grupo de Regiões Militares do Sul, que lhe daria poderes para influir nos comandos de toda essa zona.
Entretanto, no final de 1936, as forças políticas começaram a se preparar para a eleição presidencial que deveria ser realizada em janeiro de 1938. A Constituição impedia a reeleição de Getúlio, mas dentre os observadores bem informados, poucos acreditavam que o presidente se recolheria à vida privada. Em abril de 1936, Osvaldo Aranha escrevera profeticamente a um amigo: “Não creio na possibilidade da eleição presidencial. Acho que teremos antes ou pela época eleitoral uma ditadura civil ou militar.”
Vargas restaurara, de fato, a confiança dos grupos dominantes da sociedade brasileira. Concorria para isso a recuperação da economia nacional, além do espectro representado pelo comunismo. Como presidente, Vargas supervisionava estreitamente a administração, tendo como principal assessor Luís Vergara. Durante nove anos (1936-1945) Vergara foi o secretário da Presidência da República, posto anteriormente ocupado por Gregório da Fonseca, o escritor Ronald de Carvalho, falecido em 1935, e Artur Guimarães de Araújo Jorge.
O crescimento industrial e o empenho do governo federal na expansão do comércio deram origem à formação de um influente grupo de empresários em torno de Vargas. O Conselho Federal do Comércio Exterior transformou-se progressivamente num órgão de assessoramento ao governo quanto às mais variadas questões de política econômica. Em 1935, já se haviam incorporado ao círculo mais íntimo do presidente muitos porta-vozes dos interesses privados, nacionais e estrangeiros, como os irmãos Guinle, João Daudt d’Oliveira, da Associação Comercial do Rio de Janeiro, o industrial e publicista Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi, da Federação das Indústrias, e Valentim Bouças, companheiro de golfe de Vargas, representante da firma norte-americana Hollerith. Como observou Eli Diniz, a efervescência política dos anos 1935-1937 conduziu o setor industrial a uma progressiva adesão ao modelo autoritário centralizador. Nessa época, os líderes industriais já reconheciam a necessidade de intervenção estatal na economia, apesar de sua preocupação em estabelecer claramente os limites dessa intervenção.
O governo conseguiu eliminar o déficit orçamentário em 1936, mas os problemas gerais da balança comercial e as dificuldades particulares da situação cambial permaneciam inalterados. Nesse contexto, diz Gérson Moura: “O comércio compensado Brasil-Alemanha cresceu constantemente em virtude da preocupação brasileira em diversificar mercados e da busca empreendida pelos alemães de fontes de matérias-primas e mercados para seus manufaturados.” Em junho de 1936, o Brasil assinou com a Alemanha um ajuste comercial de compensações de um ano de duração, tendo em vista, especialmente, a colocação de algodão brasileiro no mercado alemão. Em conseqüência do maior intercâmbio comercial, a Alemanha iria suplantar os Estados Unidos como principal país exportador para o Brasil de 1936 até o início da Segunda Guerra Mundial.
Ainda em 1936, Brasil e Alemanha decidiram elevar suas representações diplomáticas ao nível de embaixada. A par dos laços comerciais crescentes com a Alemanha, o governo brasileiro passou a colaborar oficiosamente com Berlim no combate ao comunismo. O caso mais rumoroso e também mais dramático dessa colaboração foi a deportação de Olga Benário Prestes, que estava grávida ao ser presa com seu marido Luís Carlos Prestes. Em junho de 1936, ela foi mandada para a Alemanha, onde morreria anos mais tarde, no campo de concentração nazista de Ravensbruck. O “intercâmbio de experiências” na luta anticomunista iria se acentuar em 1937 através de contatos entre o embaixador José Joaquim Muniz de Aragão e o Bureau Anti-Komintern, sediado em Berlim, e da visita à Alemanha do delegado de polícia Afonso Henrique de Miranda Correia.
Por tudo isso, as relações do Brasil com os Estados Unidos passaram por momentos difíceis de 1935 a 1937. Apesar dos esforços do embaixador Osvaldo Aranha, fracassaram várias tentativas de cooperação, como por exemplo o plano de arrendamento de seis destróieres norte-americanos. Aranha era o principal defensor do predomínio dos EUA nas relações do Brasil com o exterior. “A preeminência americana só nos deu paz, auxílio em horas difíceis e saldo em todos os tempos”, diria Aranha a Vargas em julho de 1937. “O alemão não trará saldos, não trará paz e só trará ameaças, cada dia mais claras e mais sérias”, concluía o embaixador.
A política de Vargas se traduziu, na prática, por uma dupla aproximação com os Estados Unidos e a Alemanha, caracterizada por Gérson Moura como uma política de “eqüidistância pragmática”.
No final de novembro de 1936, Vargas recepcionou no Rio de Janeiro o presidente Franklin Roosevelt, que se dirigia a Buenos Aires a fim de participar da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz. Nessa ocasião, Vargas reiterou o compromisso de apoiar a proposta norte-americana de formalizar o conceito de segurança coletiva continental, que seria aprovada no mês seguinte em Buenos Aires.
Em dezembro, após o encerramento da Conferência de Buenos Aires, o subsecretário de Estado norte-americano Sumner Welles passou pelo Rio de Janeiro, onde manteve conversações com os ministros Sousa Costa e Macedo Soares. Welles ofereceu recursos ao governo brasileiro para a criação de um banco central, visando à regularização da situação monetária do país, manifestando, entretanto, a crescente preocupação dos EUA com o comércio compensado Brasil-Alemanha.
Em junho de 1937, o Brasil prorrogou por três meses o ajuste de comércio compensado com a Alemanha. Temendo ou imaginando represálias, Osvaldo Aranha insistiu na ida do ministro Sousa Costa aos EUA para debater com as autoridades norte-americanas a questão do comércio germano-brasileiro, resultando daí a missão Sousa Costa. Em Washington, Sousa Costa concordou com a limitação da exportação de certos produtos brasileiros para a Alemanha e a constituição de duas comissões fiscalizadoras, uma nos EUA e outra no Brasil, para acompanhar o desempenho do comércio exterior brasileiro. Por seu lado, o governo norte-americano concordou em tratar separadamente a dívida brasileira nos EUA e não em conjunto com a Europa, estabelecendo-se um novo plano de pagamento. Além disso, Washington colocou à disposição do Brasil o equivalente a 60 milhões de dólares para a criação do Banco Central.
Por outras palavras, diz Gérson Moura, “os EUA acenaram com a cooperação econômica e o envolvimento político a fim de assegurar sua preeminência no Brasil. O governo Roosevelt fechou os olhos à aplicação rígida do livre comércio (...) além de conceder facilidades financeiras ao país que ampliava então, continuadamente, seu comércio com o adversário europeu dos Estados Unidos. Naquele momento, o Brasil já não era apenas um parceiro econômico para os Estados Unidos, mas uma peça importante na constituição de seu sistema de poder”.
A campanha presidencial de 1937
Em 1º de janeiro de 1937, em discurso transmitido pelo rádio a toda a nação, Vargas garantiu que a campanha para as eleições presidenciais “prosseguiria numa saudável atmosfera de liberdade”. A questão sucessória já vinha agitando os meios políticos desde 1936, mesmo porque os prováveis candidatos que ocupassem cargos administrativos deveriam renunciar até dezembro para poderem concorrer às eleições.
De público, Vargas continuava dando sinais de que deixaria o governo ao final de seu quadriênio, manifestando, porém, evidente desinteresse pela escolha de um candidato governamental à sucessão. O debate sobre as eleições foi desencadeado publicamente, à revelia de Vargas, em 20 de novembro de 1936, durante sua visita a Salvador. Para sua surpresa, na inauguração do prédio do instituto do Cacau, o governador Juraci Magalhães pronunciou um discurso sobre a importância das eleições e esboçou o perfil de seu candidato ideal, numa descrição bastante semelhante à figura de Armando Sales, governador de São Paulo. Começaram aí as articulações para uma campanha presidencial que impedisse o continuísmo de Vargas. Segundo Hélio Silva, o governador da Bahia tentou em seguida articular uma aliança com São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul e Pernambuco para garantir as eleições. Lima Cavalcanti, de Pernambuco, concordou. Em encontro com Armando Sales, Juraci propôs a apresentação de uma lista tríplice a Vargas, para que o presidente escolhesse um candidato oficial. A lista em questão incluía os nomes de Armando Sales, José Américo de Almeida e Antônio de Medeiros Neto.
Vargas rejeitou esse processo de escolha, argumentando que não desejava refazer a “política dos governadores”. A seu pedido, Benedito Valadares entrou em contato com Armando Sales afirmando-lhe a necessidade de que nenhum governador fosse candidato como condição sine qua non para a sucessão presidencial. A partir desse momento, Armando Sales percebeu claramente que Getúlio nunca o escolheria, ainda mais porque não contava com a simpatia dos comandantes militares. De toda forma, em dezembro visitou Getúlio a fim de comunicar pessoalmente sua decisão de renunciar ao governo de São Paulo e candidatar-se à presidência. Getúlio tentou convencê-lo a mudar de idéia, oferecendo, inclusive, vários cargos de importância ao Partido Constitucionalista, entre os quais o Ministério da Fazenda. Armando saiu do encontro disposto a lançar sua candidatura independentemente das objeções de Vargas. Enquanto isso, Benedito Valadares, segundo escreveu em suas memórias, passou a trabalhar por uma candidatura única, recebendo o apoio de Juraci Magalhães, Lima Cavalcanti e Flores da Cunha.
Em 30 de dezembro de 1936, Armando Sales efetivou sua renúncia, manifestando, mais uma vez, em telegrama a Vargas, seu agradecimento pelo constante apoio às suas atividades políticas e administrativas. Também José Américo desincompatibilizou-se, licenciando-se de seu cargo de ministro do Tribunal de Contas da União.
Em conseqüência da renúncia de Armando Sales, o deputado José Joaquim Cardoso de Melo Neto foi eleito governador de São Paulo pela Assembléia estadual em 1º de janeiro de 1937. Deixaram também o governo federal os ministros de Armando Sales: Vicente Rao exonerou-se da pasta da Justiça, sendo substituído interinamente por Agamenon Magalhães, e Macedo Soares demitiu-se do Itamarati, que passou a ser dirigido interinamente pelo embaixador Mário de Pimentel Brandão. Posteriormente, Vargas reconduziu Macedo Soares ao governo, nomeando-o ministro da Justiça, numa tentativa de esvaziar a candidatura de Armando Sales. Membro do Partido Constitucionalista, Macedo Soares poderia ser apresentado como alternativa ao ex-governador e atrair os votos do PRP.
Ainda em janeiro de 1937, a idéia de um candidato único à sucessão presidencial perdeu substância, devido à deliberada omissão de Getúlio e à recusa de Armando Sales em retirar seu nome. Valadares aconselhou Getúlio a assumir a coordenação das forças políticas para uma solução que “poderia ser ainda pacífica”.
De fato, o equilíbrio entre a tendência ao fortalecimento do poder central e os interesses dos vários grupos políticos nos estados da Federação se fazia cada vez mais difícil. As divergências com Flores da Cunha não pareciam se encaminhar para uma solução pacífica, apesar do esforço de mediação tentado por Osvaldo Aranha. Após manter longas conversas com Flores, Getúlio e os líderes da dissidência do PRL, o embaixador regressou a Washington em abril sem conseguir o seu principal objetivo: unificar a política gaúcha a fim de lançar sua própria candidatura à sucessão presidencial.
Uma crise política em Mato Grosso, aberta em 1936, agravou-se no princípio de 1937, culminando com a intervenção federal em 8 de março e a nomeação do capitão Manuel Ari da Silva Pires como interventor. Uma semana depois, foi decretada a intervenção no Distrito Federal, com o que Getúlio afastou a possibilidade de Pedro Ernesto reassumir o cargo, na hipótese de sua absolvição pelo Tribunal de Segurança Nacional. Foi interrompido o exercício da Câmara Municipal e o prefeito Olímpio de Melo foi confirmado como interventor, permanecendo no cargo até julho, quando, em decorrência de nova intervenção, foi substituído por Henrique Dodsworth.
Ainda em março, Flores da Cunha firmou um pacto com Juraci Magalhães e Cardoso de Melo Neto contra qualquer intervenção, direta ou indireta, em seus estados. Mas, como observou Bóris Fausto, “as possibilidades de resistência de Flores eram escassas e o seu comportamento parecia um eco do passado em meio a uma nova situação. Flores contava apenas com um setor da oligarquia regional, sofrendo uma forte oposição na Assembléia de seu estado. Mesmo na Câmara dos Deputados não era bem visto pelos líderes gaúchos em divergência com Vargas”. Em 14 de abril, Flores acabou por perder o controle da mesa da Assembléia para a oposição estadual, reunida em torno da dissidência liberal de Benjamim Vargas e uma parte da FUG. Logo a seguir, Vargas nomeou o general Emílio Lúcio Esteves como executor do estado de guerra no Rio Grande do Sul, função essa que deveria, normalmente, caber a Flores da Cunha. O pretexto foi uma mensagem dos dissidentes liberais ao presidente, informan-do que, como Flores estava em minoria na Assembléia, se acentuara a situação de insegurança e de ameaça criada pela mobilização dos corpos provisórios.
No princípio de maio, as articulações de Getúlio e Valadares contra Antônio Carlos atingiram seu ponto máximo. Pedro Aleixo aceitou concorrer à presidência da Câmara e derrotou Antônio Carlos, se bem que por estreita margem. A eleição de Pedro Aleixo provocou um realinhamento de forças no Congresso, enfraquecendo a maioria pró-Vargas. O Partido Constitucionalista afastou-se automaticamente do campo da maioria parlamentar. Em compensação, o PRP aproximou-se de Vargas, obtendo a nomeação de Fernando Costa para o Departamento Nacional do Café em retribuição à sua adesão à eleição de Pedro Aleixo. O governador Lima Cavalcanti, que se aliara a Flores da Cunha em favor de Antônio Carlos, tornou-se alvo de uma violenta campanha dirigida por Agamenon Magalhães, na época ainda no Ministério da Justiça. Acusado de proteger elementos comunistas, teve de se submeter a um demorado processo no Tribunal de Segurança Nacional, sendo finalmente absolvido em outubro.
A fobia anticomunista voltou a dominar o país no princípio de maio, servindo, inclusive, como um dos pretextos para o extermínio de uma seita comunitária messiânica no povoado cearense de Caldeirão. Com a autorização do general Dutra e aviões cedidos pelo Exército, tropas estaduais destruíram o acampamento dos seguidores do beato José Lourenço, onde supostamente se teriam infiltrado elementos envolvidos na revolta comunista de Natal. A ação repressiva fez de quinhentas a mil vítimas fatais entre homens, quase todos desarmados, mulheres e crianças.
Após testar sua força contra Antônio Carlos, o presidente decidiu pôr em execução o plano militar de Góis Monteiro para a deposição de Flores da Cunha, também acusado de dar asilo a comunistas foragidos, em longo relatório preparado pelo ministro da Guerra. Góis Monteiro já tinha todos os planos prontos, conforme declarou a Lourival Coutinho: “Algumas tropas que deviam ficar à minha disposição, como reforço, já se achavam em movimento em São Paulo, Paraná e Santa Catarina.”
O projeto teve de ser adiado em virtude da inesperada resistência de Benedito Valadares. Temeroso de uma intervenção em seu estado, Valadares recusou-se a atender o pedido de Vargas para colocar a Força Pública estadual à disposição do general Dutra, embora, mais tarde, tenha sido o único governador a participar, na intimidade de Vargas, do planejamento do golpe do Estado Novo. Valadares pretendia, a todo o custo, manter em suas mãos o controle da Força Pública. De Belo Horizonte, escreveu a Vargas alertando para um possível rompimento e acusando Agamenon Magalhães de veicular informações tendenciosas sobre a situação do país. “O momento não explica nem justifica movimentos quaisquer no sentido de se implantar no país o regime ditatorial”, declarou ao presidente. Em seguida, após receber emissários de Flores e Armando Sales, o governador mineiro chegou a preparar um discurso de rompimento com Getúlio, anunciando seu pronunciamento pela Rádio Inconfidência em 19 de maio. À última hora, porém, modificou o teor de seu discurso, mantendo-se unido a Vargas. Para surpresa e desapontamento de alguns ouvintes, reafirmou no rádio sua confiança no regime e anunciou a realização, no dia 25 de maio, de uma convenção para a escolha de um candidato à presidência que contasse “com a confiança cívica da nação”. Vargas recomendou então a Valadares que levasse adiante a candidatura de José Américo de Almeida.
Entrementes, o general Góis Monteiro propôs a Dutra um recuo tático em relação ao Rio Grande do Sul, já que “não se podia combater em duas frentes simultaneamente”. Dutra tinha manifestado a disposição de deixar o ministério, mas concordou em permanecer e se associar à opinião de Góis, desde que este assumisse a chefia do EME. Antes disso, porém Dutra e Góis exigiram de Vargas uma ação rigorosa contra o general Valdomiro Lima, contrário à utilização da força contra Flores. O ataque a Valdomiro Lima viria logo a seguir.
Em 25 de maio, numa convenção realizada no Rio de Janeiro, representantes dos governadores de todos os estados, com exceção do Rio Grande do Sul e São Paulo, designaram José Américo como candidato à presidência.
O terceiro candidato à sucessão presidencial foi Plínio Salgado, lançado pela AIB, também em maio. Os “camisas-verdes” tinham influência crescente nos meios políticos e militares e faziam grandes demonstrações de massa. Plínio aceitou formalmente a candidatura em 12 de junho com um discurso sobre o “Estado integral” desejado pela AIB, onde concluía: “Por Cristo quero um grande Brasil, por Cristo ensino a doutrina da solidariedade humana e da harmonia social, por Cristo vos conduzo, por Cristo batalharei.”
A campanha de Armando Sales foi lançada em 10 de junho com a fundação da União Democrática Brasileira (UDB), em reunião realizada no Rio de Janeiro. Sob a presidência de Artur Bernardes, a UDB era originalmente a aliança entre o Partido Constitucionalista de São Paulo com o PRL, de Flores da Cunha, o Partido Progressista Democrático, fundado em Minas por Antônio Carlos, e outros partidos de oposição de vários estados brasileiros.
Em 14 de junho, uma comitiva de integralistas visitou Vargas a fim de comunicar o lançamento da candidatura de Salgado. O presidente fez uma declaração simpática à AIB, afirmando que o movimento integralista o “impressionava satisfatoriamente” e que jamais criara “nenhuma dificuldade para com o meu governo”. Vargas nunca deu apoio formal a nenhum dos candidatos, e, provavelmente, a complacência com que aceitava os integralistas era uma forma de mostrar aos seus adversários que a situação do país não estava clara, mesmo com toda a repressão que se seguira ao levante comunista.
A campanha eleitoral começou sob a impressão geral de que Getúlio tinha perdido o controle da situação. José Américo de Almeida, o candidato “oficioso” de Vargas, inclinou-se para uma campanha populista denunciando a exploração imperialista do país e prometendo melhorar as condições de vida da população. “Eu sei onde está o dinheiro. Em vez de um arranha-céu serão duzentas casas”, proclamou no seu discurso de abertura de sua campanha, no Rio. José Américo foi logo abandonado por Vargas, que apenas tolerara sua indicação, e por vários governadores.
Vargas também parecia ter cedido o terreno aos seus opositores de esquerda. Em 7 de junho, Macedo Soares, nomeado para o Ministério da Justiça uma semana antes, ordenou a libertação de trezentos presos políticos sem processo formado, vítimas da repressão ao levante comunista de 1935. O governo deixou expirar o prazo de 90 dias de vigência do estado de guerra sem solicitar ao Congresso sua renovação como vinha fazendo. As lutas de rua entre integralistas e grupos de esquerda voltaram a se tornar freqüentes. Em agosto, 13 pessoas morreram em Campos (RJ) em conseqüência de um tiroteio durante um comício integralista. A libertação de prisioneiros políticos, que ficou conhecida como a “macedada”, continuou até setembro, apesar dos protestos de Filinto Müller. No dia 14 desse mês, após grandes manifestações no Rio, Pedro Ernesto foi solto por decisão judicial (seria novamente preso com seu filho em meados de outubro). Vários historiadores, como Thomas Skidmore, consideram o afrouxamento das medidas repressivas como uma manobra de Getúlio, visando a “dramatizar a ameaça das esquerdas às classes médias, aos políticos estaduais conservadores e aos militares”.
Na verdade, Getúlio estava ligado irreversivelmente ao projeto de golpe de Estado, acalentado por Góis Monteiro e Dutra. O principal adversário de Góis Monteiro no Exército, o general Valdomiro Lima, foi preso em 16 de junho, acusado por Góis de participar de uma conspiração contra o regime. Apesar de ser tio afim do presidente, Valdomiro Lima era um obstáculo à trajetória do golpe. Outro acusado, o general José Pessoa, foi detido no dia 18, após tentar divulgar pelos jornais uma declaração contestando as acusações de Góis. Com o afastamento de Valdomiro Lima, Góis Monteiro assumiu em 2 de julho a chefia do EME.
Agindo sem demora, o governo apertou o cerco contra Flores da Cunha. No Sul, novos postos foram ocupados por generais favoráveis a Góis Monteiro. Manuel Daltro Filho assumiu o comando da 3ª RM, substituindo o general Lúcio Esteves, contrário ao desarmamento completo das forças estaduais gaúchas. A 5ª RM, sediada no Paraná, passou para o comando do general José Meira de Vasconcelos. A 1ª RM foi entregue ao general Almério de Moura.
No início de agosto, Dutra exigiu de Flores a devolução do armamento fornecido ao governo gaúcho quando da Revolução de 1930 e, sobretudo, para a repressão à Revolução Constitucionalista de 1932: eram mais de duzentas metralhadoras e quase 15 mil fuzis. Flores da Cunha contestou os números apresentados, procurando ganhar tempo. No final de agosto, em telegrama cifrado ao general Daltro, o ministro da Guerra já considerava inevitável o confronto militar com Flores da Cunha.
O golpe do Estado Novo
A essa altura, havia mais do que rumores sobre a decisão de Getúlio de continuar no governo ou sobre a iminência de um golpe de Estado. José Américo criticava Vargas abertamente, superestimando suas próprias forças. O candidato paraibano chegou a declarar que “se Vargas quer se perpetuar no poder, a nação cumprirá seu dever, irá às urnas, mesmo que seja enfrentando as balas”. Vargas observou em silêncio as acusações de José Américo. Tomou nota também da intensa repercussão causada pelas denúncias de Plínio Salgado contra o perigo de um golpe de Estado “comunista” e a infiltração de “agentes de Moscou” entre os que apoiavam José Américo e Armando Sales. Quanto ao candidato de São Paulo, sua campanha não trouxe surpresas. Evitou a confrontação com Vargas, criticou tanto os extremismos de direita como os de esquerda, pregando um governo constitucional honesto e responsável.
No discurso que pronunciou em 7 de setembro, Getúlio afiançou que “era a última vez que naquela data se dirigia ao povo”, pois em 3 de maio do ano seguinte teria de entregar o governo ao seu sucessor. Dos três candidatos, Armando Sales tinha maiores chances de vencer as eleições, sobretudo porque sua campanha tomara vulto em setores influentes que tinham apoiado inicialmente o nome de José Américo. Benedito Valadares, que via a candidatura do ex-governador paulista crescer muito em Minas, propôs a Vargas a retirada dos dois candidatos e a escolha de um terceiro. Logo em seguida concebeu a idéia de uma revisão constitucional de modo a permitir a prorrogação do mandato presidencial. Vargas imediatamente integrou Valadares ao esquema do golpe, aconselhando-o a entrar em contato com o general Dutra. Também entregou a Valadares o texto, elaborado por Francisco Campos, do projeto da Constituição a ser outorgado ao país. O curso dos acontecimentos viria confirmar os versos do compositor Antônio Nássara em sua marchinha, A menina presidência, gravada no início da campanha eleitoral: “É melhor deixar como está/Para ver depois, então,/Como é que fica/O homem quem será/Será seu Manduca (Armando Sales)/Ou será seu Vavá (José Américo)/Entre esses dois/Meu coração balança/Porque/Na hora H/Quem vai ficar é seu Gegê (Getúlio).”
Em 18 de setembro, Vargas reuniu-se com o general Dutra para proceder a um balanço da situação. Em seu diário inédito, transcrito parcialmente pelo Jornal do Brasil no dia de sua morte, Dutra deixou entender que somente nesse dia Vargas teria exposto abertamente o seu pensamento. Dutra escreveu que, na opinião do presidente, a vitória de Armando Sales seria um “desastre para a nação”. Passou em seguida, prossegue o diário, “a referir-se ao regime democrático que tantos males vinha causando e ao Congresso, que nada produzia e criava dificuldades às iniciativas do governo. Para sanar tudo isso só via uma solução: mudança de regime e reforma radical da Constituição... Para esse movimento contava com o auxílio de Minas Gerais, mas tudo seria inútil sem o apoio do Exército”. Dutra respondeu que “estava de acordo com o que acabava de dizer-me e que contasse comigo, pessoalmente. No momento não podia hipotecar a solidariedade do Exército, mas faria todo o possível para que grande parte dele nos acompanhasse, na ocasião oportuna. Uma única restrição existia: não lançaria o Exército contra o Exército numa luta armada”. No dia seguinte, Valadares confirmou a Dutra o apoio de Minas Gerais à “revolução”.
Autorizado por Vargas, Francisco Campos foi encarregado de obter a adesão de Plínio Salgado. A participação do líder integralista nos preparativos do golpe e nos acontecimentos subseqüentes foi descrita por ele próprio em carta a Getúlio datada de 28 de janeiro de 1938. Salgado assegurou a Francisco Campos que “o integralismo não criaria dificuldades (ao golpe), mesmo porque não tinha elementos para se opor”. Declarou a Campos que o texto do projeto da Constituição “não concretizava a doutrina integralista em sua totalidade”, mas que os integralistas aceitariam o fato consumado e tomariam a Constituição “como uma etapa inicial até atingir-se a democracia orgânica como tínhamos sonhado”. De seu lado, Francisco Campos assegurou que o integralismo “seria a base do Estado Novo”.
Para neutralizar a possível oposição ao golpe, Vargas, em comum acordo com Dutra e Góis Monteiro, decidiu dar ao tema de ameaça comunista um novo impulso. A homenagem às vítimas da rebelião de 1935 foi antecipada para o dia 22 de setembro. Organizaram-se romarias ao cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro, enquanto o comércio e a indústria tiveram de fechar suas portas. Getúlio compareceu à cerimônia acompanhado por Dutra, o ministro da Marinha Aristides Guilhem, Francisco Campos e Newton Cavalcanti. “Que esta homenagem seja um aviso e uma lição”, disse Getúlio, acrescentando que as forças armadas estavam “alertas na defesa do regime”.
O lance decisivo foi a “descoberta” de um suposto plano comunista de tomada do poder, batizado de Plano Cohen. Elaborado na verdade pelo capitão Olímpio Mourão Filho — chefe do serviço secreto da AIB e oficial lotado no EME — o documento, cujos acenos anti-semitas eram indisfarçáveis, foi apresentado a Vargas e Dutra pelo general Góis Monteiro como pretexto ideal para a aceleração do golpe. O estratagema foi aprovado: imediatamente começaram a circular cópias do Plano Cohen nas altas esferas militares e governamentais.
Em 27 de setembro, Dutra convocou uma reunião de generais no Ministério da Guerra, à qual compareceram segundo Edgar Carone, “todos os elementos ligados ao esquema militar do golpe”: Góis Monteiro, Almério de Moura, José Antônio Coelho Neto (diretor da Aviação Militar), Newton Cavalcanti (comandante da 1ª Brigada de Infantaria, da Vila Militar) e Filinto Müller. Terminada a reunião, Dutra e Góis Monteiro foram ao Ministério da Marinha, onde obtiveram a concordância do almirante Guilhem. A cúpula militar se comprometeu com a iniciativa do golpe e aprovou a idéia de que o Exército e a Marinha deviam funcionar como forças auxiliares dos civis, permanecendo o comando nas mãos de Vargas.
Em 28 de setembro, Vargas recebeu Dutra e Guilhem, ficando assentado que os ministros militares lhe enviariam uma mensagem solicitando nova decretação do estado de guerra. No dia 30, o EME comunicou oficialmente a “descoberta” do Plano Cohen, divulgado com grande alarde na “Hora do Brasil” e nos jornais do dia seguinte. O ministro Macedo Soares aceitou o ponto de vista dos ministros militares, enviando imediatamente ao Congresso uma mensagem solicitando nova decretação do estado de guerra.
A divulgação do Plano Cohen criou o alarme geral no país, movendo o fiel da balança para o lado dos golpistas. Em 1º de outubro, a Câmara aprovou o estado de guerra por 138 votos contra 52. Somente os deputados da UDB objetaram. Até mesmo João Neves votou a favor do pedido governamental.
Em 7 de outubro, Vargas criou uma comissão para superintender a execução do estado de guerra em todo o território nacional. Além do ministro Macedo Soares, foram nomeados para constituí-la o general Newton Cavalcanti e o almirante Dário Pais Leme de Castro, também notório integralista. As normas de ação da comissão, parcialmente transcritas por Edgar Carone, previam, entre outros itens, a possibilidade de prisão de “todos os praticantes e simpatizantes de doutrinas comunistas” e a criação de “colônias agrícolas para reeducação moral e cívica dos elementos comunistas considerados não-perigosos, de campos de concentração militares destinados a receber os jovens que porventura se tenham transviado de seus deveres cívicos” e de um “campo de concentração, em moldes escotistas nacionais, destinado a educar e reeducar... os filhos de comunistas presos”. A primeira parte desse plano de ação não deixou de ser cumprida: imediatamente, muitas das pessoas que haviam sido libertadas em junho de 1937 foram novamente presas, como foi o caso de Pedro Ernesto.
Em todos os estados foram criadas comissões para executar o estado de guerra, dirigidas pelos governadores, exceto no Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia e Pernambuco. No Rio Grande, o governador Flores da Cunha foi, definitivamente, cercado pelas pressões militares e políticas. A oposição local por pouco não conseguiu aprovar seu impeachment: perdeu por um voto na Assembléia. Em 14 de outubro, Flores recebeu ordem do ministro da Guerra para entregar o comando da Brigada Militar gaúcha ao Exército. Flores não teve opção. No dia 17, colocou a Brigada à disposição da RM e renunciou ao governo, partindo no dia seguinte para o Uruguai. No dia 19, Vargas decretou a intervenção no estado, nomeando o general Daltro Filho para exercer a interventoria. Estava afastado o derradeiro obstáculo à imposição do Estado Novo.
A requisição de tropas militares estaduais não se limitou ao Rio Grande do Sul. A notificação da requisição foi feita simultaneamente a Flores da Cunha e ao governador Cardoso de Melo Neto, de São Paulo, enquanto Dutra requisitava igualmente dois batalhões da Força Pública de Minas. Nos dias que se sucederam, as forças militares dos demais estados foram sendo incorporadas às forças armadas nacionais.
Em todo o país, líderes da Igreja, intelectuais e estudantes apoiavam a reação de Vargas contra a “ameaça” sinistra do Plano Cohen, irradiado todos os dias em capítulos, na “Hora do Brasil”. Em 23 de outubro, o governo decretou o fechamento de todas as associações de caráter secreto, inclusive as lojas maçônicas, que a Igreja sempre vira com maus olhos. Os integralistas aguardavam os acontecimentos convencidos de que seriam chamados a participar do poder. Em meados de outubro, conforme relatou Plínio Salgado, Vargas encontrou-se confidencialmente com o chefe da AIB, prometendo concretamente a nomeação de um integralista, provavelmente o próprio Plínio, para o Ministério da Educação.
Em 27 de outubro, com o golpe já marcado para 15 de novembro, começou a missão Negrão de Lima. A pedido do presidente, Valadares encarregou o deputado Francisco Negrão de Lima, secretário-geral do Comitê Pró-José Américo, de contactar os governadores do Norte e Nordeste (exceto os de Pernambuco e da Bahia) para comunicar-lhes os pontos básicos das mudanças institucionais em preparação e sondá-los a respeito de suas posições em face do golpe. Todos os governadores consultados se declararam de acordo com o golpe e Negrão de Lima voltou ao Rio em 1º de novembro.
Nessa mesma data, Plínio Salgado promoveu no Rio de Janeiro um desfile de milhares de integralistas em homenagem a Vargas. Ladeado pelo general Newton Cavalcanti e pelo almirante Dário Pais Leme, o presidente, de uma das sacadas do palácio do Catete, assistiu ao desfile, recebendo a saudação “Anauê!”, repetida três vezes pelos milhares de manifestantes (50 mil segundo Salgado e 17 mil segundo fontes extra-oficiais). O chefe integralista retirou então sua candidatura à presidência da República, anunciando seu apoio a Vargas e às forças armadas “na luta contra o comunismo e a democracia anárquica, e para proclamar os princípios de um novo regime”. O cenário para o golpe estava preparado e os integralistas estavam convencidos de que seriam chamados a participar do novo poder.
Em 5 de novembro, o Correio da Manhã divulgou a natureza da missão Negrão de Lima, provocando o desencadeamento de uma onda de rumores sobre o cancelamento das eleições. Getúlio desmentiu a notícia, declarando à imprensa que seu emissário fora avaliar a receptividade de uma candidatura alternativa à presidência. No próprio dia 5, porém, Macedo Soares pediu demissão do ministério, alegando fadiga. Horas depois, Vargas comunicou aos altos chefes militares que o novo ocupante da pasta seria Francisco Campos.
Inteiramente isolado, José Américo ainda tentou convencer, pessoalmente, o general Dutra a impedir a consumação do golpe, declarando-se disposto a retirar sua candidatura e a instar Armando Sales para que fizesse o mesmo. Dutra repeliu a idéia.
No dia 9, conforme o programado, Francisco Campos tomou posse no Ministério da Justiça, tendo como chefe de gabinete Negrão de Lima. No mesmo dia, foi lido na Câmara e no Senado e distribuído nos quartéis, em volantes impressos, um manifesto de Armando Sales dirigido aos chefes militares do Brasil. Exprimiu a “inquietação dos que sentem que outros graves perigos além do comunismo conspiram contra a nação” e pedia às forças armadas que cumprissem seu dever de “montar guarda às urnas”. Concluía em tom patético: “A nação está voltada para seus chefes militares; suspensa, espera o gesto que mata ou a palavra que salva.”
Em 10 de novembro de 1937, Vargas comandou o golpe de Estado, dissolvendo o Congresso e outorgando uma nova Constituição ao país. O golpe fez-se como uma pequena operação de cúpula, não encontrando qualquer resistência. A Câmara e o Senado amanheceram cercados por tropas de cavalaria que barraram a entrada dos parlamentares com a notícia de que o Congresso havia sido fechado. A operação foi executada por soldados da polícia do Distrito Federal, pois o general Dutra quis evitar o envolvimento ostensivo do Exército no episódio. Houve protestos de alguns deputados, como Pedro Aleixo, presidente do Congresso, mas a maioria dos parlamentares aceitou o fato consumado.
Às dez horas da manhã, a nova Constituição foi assinada no palácio do Catete por Vargas e seus ministros, à exceção de Odilon Braga, que se recusou a subscrevê-la e pediu demissão. Nos estados, como escreveu Thomas Skidmore, “Vargas tinha preparado tão eficientemente o terreno que apenas dois governadores tiveram de ser substituídos: Juraci Magalhães, na Bahia, que renunciou em protesto, e Lima Cavalcanti, em Pernambuco”. À tarde, os vespertinos publicaram uma proclamação do general Dutra definindo o papel do Exército nos acontecimentos: “Não lhe cabe influir nos destinos políticos... mas salvaguardar os interesses da pátria.”
Na noite de 10 de novembro, Getúlio transmitiu pelo rádio uma proclamação ao povo brasileiro, anunciando a entrada em vigor da nova Constituição e o início de uma nova fase na história brasileira. Getúlio procurou justificar a necessidade e a inevitabilidade de um regime autoritário, começando por declarar: “O homem de Estado, quando as circunstâncias impõem uma decisão excepcional (...), não pode fugir ao dever de tomá-la”. Explicou que o Brasil devia deixar de lado a “democracia dos partidos”, que, “nos períodos de crise, como o que atravessamos (...) subverte a hierarquia, ameaça a unidade pátria e põe em perigo a existência da nação”. Nesse contexto, “o sufrágio universal passa assim a ser instrumento dos mais audazes e máscara que mal dissimula o conluio dos apetites pessoais e de corrilhos”. O problema da sucessão presidencial justificava uma ação drástica: “Os preparativos eleitorais foram substituídos, em alguns estados, pelos preparativos militares, agravando os prejuízos que já vinha sofrendo a nação em conseqüência da incerteza e instabilidade criadas pela agitação facciosa.” Segundo Getúlio, o Brasil não tinha outra alternativa senão “reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país”. Para sublinhar esse ponto de vista, anunciou a decisão de suspender o pagamento da dívida externa e seu propósito de inaugurar um vasto programa de obras públicas e reequipar as forças armadas.
Sobre sua decisão de permanecer à frente do governo, declarou: “Tenho suficiente experiência das asperezas do poder para deixar-me seduzir pelas suas exterioridades e satisfações de caráter pessoal (...). Prestigiado pela confiança das forças armadas e correspondendo aos generalizados apelos dos meus concidadãos, só acedi em sacrificar o justo repouso a que tinha direito, ocupando a posição em que me encontro, com o firme propósito de continuar servindo à nação.” Concluiu sua proclamação com um apelo: “Restauremos a nação na sua autoridade e liberdade de ação... deixando-a construir livremente a sua história e o seu destino.”
Seguro quanto à marcha dos acontecimentos, Getúlio compareceu em seguida a um jantar na embaixada argentina, cumprindo com absoluta tranqüilidade a agenda programada para 10 de novembro.
A Constituição de 1937
Com o advento do Estado Novo em novembro de 1937, Vargas passou a governar com poderes ditatoriais, iniciando oito anos de domínio incontrastável. Getúlio tornou-se de fato o centro político do Estado Novo, mais ainda do que o fora como chefe do Governo Provisório, após a Revolução de 1930 e como presidente constitucional, a partir de 1934.
A nova Constituição entrou imediatamente em vigor, legalizando a mudança do regime. Getúlio teve uma pequena participação na elaboração da Carta de 1937, obra quase exclusiva de Francisco Campos. “Dei apenas algumas indicações quanto à distribuição de poderes e suas atribuições específicas”, disse ao seu secretário Luís Vergara.
Tal como observou Bóris Fausto, “a Carta de 1937 tinha o traço curioso de mostrar veladamente o seu caráter autoritário na imensa maioria de seus artigos”. Em princípio, ela mantinha um arremedo de Poder Legislativo que seria exercido pela Câmara dos Deputados, por um conselho federal — substituto do Senado — e pelo próprio presidente da República. A face real do documento revelava-se nas disposições transitórias e finais, que concediam plenos poderes ao presidente da República. Entre outras atribuições, o presidente recebia poderes para confirmar o mandato dos governadores eleitos e nomear interventores. As disposições estabeleciam ainda que a Constituinte deveria ser submetida a um plebiscito nacional e determinavam a dissolução do Congresso, das assembléias estaduais e das câmaras municipais, devendo realizar-se as eleições para o Parlamento somente depois do plebiscito. Nesse meio tempo, o presidente governaria através de decretos-leis e o artigo 186 colocava o país em estado de emergência, suspendendo assim as liberdades civis garantidas formalmente pela própria Constituição. Outro preceito transitório, o artigo 177, autorizava o presidente a aposentar funcionários civis e militares “no interesse do serviço público ou por conveniência do regime”. Na realidade, o presidente governaria durante todo o Estado Novo por meio de decretos-leis, pois não se realizaram nem o plebiscito nem as eleições para o Parlamento.
Em seu conjunto, a Carta de 1937 foi modelada pelo princípio da centralização política, por um nacionalismo difuso e por uma visão antiliberal da organização da sociedade. Mantinha o regime federativo, mas determinava a preeminência da União sobre os estados e municípios, vedando inclusive a utilização de bandeiras, hinos ou escudos pelos estados. Previa a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas-d’água ou outras fontes de energia, assim como das indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar da nação. Na ordem econômica, tentava-se ainda um compromisso entre a iniciativa privada e a organização corporativa da economia. Previa a criação de um conselho de economia nacional, organismo corporativo de cúpula, que nunca chegou a ser constituído. Em dispositivos inspirados na Carta del Lavoro italiana, incorporava toda a legislação social aprovada depois de 1930, ao mesmo tempo em que proibia as greves e lockouts por considerá-los “recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
A Constituição de 1937 nunca chegou a ser aplicada na sua totalidade. Recebeu de seus críticos o apelido depreciativo de “Polaca” por se inspirar na Carta Magna autoritária imposta aos poloneses em 1926. O Estado Novo tomou o seu nome do regime português instituído em 1933 por Antônio de Oliveira Salazar.
O Estado Novo não foi um projeto exclusivo de Vargas nem poderia ter sido implantado com tamanha aceitação sem o consenso das classes dominantes, principalmente das forças armadas. A palavra de ordem de Góis Monteiro “um Estado forte com um Exército forte” não refletia apenas a influência, que o próprio general admitia abertamente, dos regimes totalitários europeus. Indicava também a predisposição de resolver a instabilidade político-econômica da década de 1930 e realizar a modernização do país. A corporação militar recebeu tranqüilamente a nova situação. Cinco generais, entre os quais João Guedes da Fontoura, Pantaleão Pessoa e Pompeu Cavalcanti, protestaram contra a ruptura da ordem constitucional de 1934 e foram transferidos para a reserva com base no artigo 177. O coronel Eduardo Gomes pediu demissão de seu posto, no 1º Regimento de Aviação, no Campo dos Afonsos, no Rio, em sinal de protesto, mas não foi punido.
Com poucas exceções, as elites civis receberam a ditadura como um mal menor. Em 13 de novembro, uma delegação de 80 membros do Congresso em recesso visitou o Catete para cumprimentar Vargas, a despeito da prisão de vários parlamentares. Na maior parte dos casos, os governadores permaneceram no poder como interventores. Benedito Valadares conservou o status de governador por uma deferência especial de Vargas. De imediato, apenas a Bahia, Pernambuco e estado do Rio tiveram novos interventores. No estado do Rio, por motivo de doença do almirante Protógenes, Vargas nomeou interventor o comandante Ernâni Amaral Peixoto, seu ajudante-de-ordens e que logo se tornaria seu genro, pelo casamento com Alzira. Dois interventores militares, os coronéis Antônio Fernandes Dantas e Amaro Vilanova, exerceram por curto período os governos da Bahia e Pernambuco. Juraci Magalhães retornou ao serviço ativo do Exército, enquanto Lima Cavalcanti seria nomeado embaixador na Colômbia e, depois, no México, deixando o país publicamente fiel a Vargas. Ainda em novembro, Agamenon Magalhães foi nomeado interventor em Pernambuco, sendo substituído no Ministério do Trabalho por Valdemar Falcão. O Ministério da Agricultura, vago por demissão de Odilon Braga, foi preenchido por Fernando Costa, membro do PRP e que vinha exercendo a chefia do Departamento Nacional do Café. O coronel João Mendonça Lima assumiu o Ministério da Viação e Obras Públicas, em lugar de João Marques dos Reis, que passou a ocupar a presidência do Banco do Brasil.
No plano externo, a reação ao golpe de novembro foi variada. Em Washington, o embaixador Osvaldo Aranha viu-se na incômoda posição de defender publicamente o Brasil das acusações de rendição ao fascismo, veiculadas pela imprensa norte-americana. Vargas garantiu ao embaixador dos EUA no Rio, Jefferson Caffery, de quem se tornara amigo, que o Estado Novo não tinha absolutamente nenhuma conexão com Roma, Berlim ou Tóquio. Caffery, por sua vez, informou ao Departamento de Estado que o governo brasileiro teria “política muito liberal em relação ao capital estrangeiro”, considerando contraproducente qualquer medida de retaliação econômica em decorrência da suspensão do pagamento da dívida externa. O governo Roosevelt não ligou o golpe à influência de Berlim, mas apenas a uma “tendência que se tem manifestado na América Latina”, conforme opinião emitida por Caffery. Passados alguns dias do golpe, Aranha pediu demissão do cargo por não concordar com a nova Constituição, elaborada, segundo suas próprias palavras, por um “anormal”. A pedido de Vargas, concordou em regressar ao Brasil ainda na qualidade de embaixador.
Na Itália e na Alemanha, o golpe de 10 de novembro foi acolhido com entusiasmo e, em Berlim, o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, louvou o realismo político de Vargas e sua habilidade de agir no momento oportuno. O chanceler italiano, Galeazzo Ciano, declarou “toda a sua simpatia pela ação de Vargas” e prometeu o apoio dos italianos do Brasil ao Estado Novo. A primeira decepção política do Eixo em relação ao Estado Novo foi a recusa do governo brasileiro em aderir ao Pacto Anti-Komintern apesar da insistência italiana e alemã. Em dezembro, a Itália e a Alemanha tiveram uma decepção ainda maior com o rompimento entre Vargas e o integralismo.
O levante integralista
Os integralistas permaneciam como a única força partidária ativa após o desfecho do golpe. Plínio Salgado surpreendeu-se com a omissão de qualquer referência aos integralistas no discurso do presidente de 10 de novembro, mas, no dia 15, Vargas foi novamente saudado pelos “camisas-verdes” em sua primeira aparição pública após a instalação do Estado Novo.
Vargas não tinha a intenção de partilhar o poder com os integralistas, nem de transformar a AIB em partido único do regime, à semelhança dos países fascistas europeus. Embora houvesse no governo simpatizantes declarados do fascismo, como Francisco Campos e Góis Monteiro, Vargas afastou de imediato a idéia de se apoiar em qualquer corrente organizada, com chefes próprios e partido estruturado. Logo que o golpe se completou, Vargas tratou imediatamente de se desvencilhar da AIB, ignorando os compromissos assumidos com Plínio Salgado. O chefe integralista tentou, inutilmente, impedir a dissolução da AIB através de apelos a Góis Monteiro e ao próprio Vargas, com quem avistou-se novamente em Petrópolis. Em 25 de novembro, liderou o último desfile integralista, no Rio de Janeiro, o qual, de novo, foi passado em revista por Vargas.
O rompimento com a AIB foi precedido por uma comemoração pública da instauração do Estado Novo, realizada em 27 de novembro. Nessa data, as bandeiras de todos os estados foram queimadas no “altar da pátria”, montado em praça pública no Rio de Janeiro. Em 2 de dezembro, Vargas decretou oficialmente a dissolução dos partidos políticos, atingindo diretamente a AIB através do artigo que proibia o funcionamento de sociedades civis com a mesma denominação com que se haviam registrado como partidos políticos. No mesmo dia, o general Newton Cavalcanti protestou contra a medida, recebendo imediatamente punição disciplinar. Submisso, Plínio Salgado rebatizou a AIB como Associação Brasileira de Cultura, mas não conseguiu sequer registrar a nova organização. Como escreveu Robert Levine, “a súbita alteração arruinou o prestígio do movimento integralista”. No discurso de Ano-Novo, Getúlio criticou indiretamente Plínio Salgado, anunciando a determinação do governo em conter as “ambições personalistas ou desvarios ideológicos de falsos profetas e demagogos vulgares”.
A queima das bandeiras dos estados, em 1937:
No início de janeiro de 1938, Vargas foi ao Rio Grande do Sul para inaugurar a construção de uma ponte ligando o Brasil à Argentina. A viagem foi precedida de elaboradas precauções contra um anunciado complô dos partidários de Flores da Cunha na região. Exilado em Montevidéu, Flores era mantido sob severa vigilância por agentes da polícia brasileira. No dia 9, acompanhado pelo presidente Agustín Justo, Vargas colocou em solo argentino a pedra fundamental da ponte Uruguaiana-Paso de Los Libres. Depois, em entrevista à imprensa, falou sobre as diretrizes políticas do Estado Novo, condenando “o regionalismo, o caciquismo, o caudilhismo e o extremismo de esquerda e de direita, cujas atividades foram há pouco surpreendidas”. Tratava-se de um aviso destinado principalmente ao movimento integralista e aos grupos nazistas existentes no Sul do país e bastante ativos na colônia alemã. Desde o final de 1937, as atividades do partido nazista vinham sendo reprimidas no Rio Grande do Sul, especialmente pelo comandante da 3ª RM, coronel Osvaldo Cordeiro de Farias. Veterano da Coluna Prestes, amigo pessoal de Góis Monteiro e Dutra, Cordeiro de Farias seria convidado a assumir a interventoria do Rio Grande do Sul após o falecimento do general Daltro Filho, em janeiro de 1938. Tomou posse em março, substituindo Maurício Cardoso, inicialmente indicado para o cargo.
Nos primeiros meses de 1938, o governo Vargas reprimiu com vigor as atividades integralistas, dissolvendo seus núcleos, proibindo sua propaganda e fechando seus jornais. O agente alemão Ernst Dorsch, líder do partido nazista no Rio Grande do Sul, foi preso em fevereiro. Em 9 de março, Vargas nomeou Osvaldo Aranha para o Ministério das Relações Exteriores, o que representou, sem dúvida, o maior desmentido a qualquer vinculação política do Estado Novo com o Eixo.
O rompimento com a AIB, em dezembro de 1937, e a perseguição policial movida pelo governo compeliram vários líderes integralistas a planejar uma revolta contra Vargas. A maior parte dos “camisas-verdes” desconhecia os contatos de seu chefe com Getúlio, bem como sua carta ao ditador queixando-se do descumprimento das promessas feitas antes do golpe. Salgado aprovou a preparação do levante, mas não assumiu qualquer responsabilidade pessoal, preferindo orientar à distância seus companheiros. A conspiração recebeu o apoio do grupo liberal articulado por Otávio Mangabeira e o coronel Euclides Figueiredo, sendo financiada em parte pelo ex-governador Flores da Cunha.
Em 11 de março, houve a primeira tentativa de golpe, chefiada pelo médico Belmiro Valverde no Distrito Federal e no estado do Rio. A tentativa de golpe foi um fiasco completo. Houve apenas um início de ação na Marinha e a invasão de uma estação de rádio, logo repelida pela polícia. O governo fez muita publicidade em torno da revolta fracassada, mas não tomou medidas rigorosas para prevenir um novo levante. Centenas de integralistas foram presos em vários estados, mas quase todos foram soltos logo em seguida. A conspiração recomeçou, dessa vez com o apoio mais ativo de líderes da oposição liberal e de militares que pertenciam à AIB, como o general José Maria de Castro Júnior e o tenente Severo Fournier.
Em 11 de maio de 1938, os integralistas tentaram novo golpe, com um ataque ao palácio Guanabara, residência de Vargas e sua família, e outras operações armadas no Distrito Federal. O assalto ao palácio presidencial foi empreendido por Severo Fournier à frente de algumas dezenas de homens no início da madrugada. A missão dos atacantes foi facilitada pelo chefe da guarda do palácio, o tenente fuzileiro naval Júlio do Nascimento, integralista, conhecedor do plano, que abriu o portão externo do Guanabara aos invasores. Depois de uma rápida discussão seguida de luta, quatro soldados da guarda foram mortos. Os rebeldes não chegaram entretanto a invadir o interior do palácio para assassinar Vargas, embora tivessem condições para fazê-lo. Cercaram o prédio, cortaram a eletricidade e o telefone, permanecendo à espera de reforços. Também se esqueceram de que o telefone oficial tinha linha própria, independente, o que permitiu à filha do presidente estabelecer contato com o exterior e solicitar auxílio.
Dentro do palácio, Getúlio comandou pessoalmente a resistência, composta inicialmente por um punhado de parentes (Alzira, Manuel Antônio Vargas e Válder Sarmanho) e uns poucos auxiliares, armados unicamente de revólveres de pequeno calibre. Enquanto isso, outros grupos de assalto integralistas, com efetivos menores, lançavam um plano de ataque a edifícios públicos, estações de rádio e às casas particulares de Dutra e de outros generais. Essas operações fracassaram na maior parte. O apartamento de Góis Monteiro chegou a ser cercado e alvejado, mas só por 15 minutos. Os integralistas destacados para a missão de matar o ministro da Guerra deixaram-no sair de sua residência (quando soube que o palácio Guanabara estava sofrendo assédio) e nada fizeram. O ataque ao Ministério da Marinha foi vitorioso no primeiro momento, mas os revoltosos se renderam pela manhã. Os rebeldes conseguiram ainda ocupar a Rádio Mayrink Veiga e transmitir a notícia do levante. A mensagem teria sido ouvida por Plínio Salgado em São Paulo e comemorada com o maior entusiasmo. A indecisão e a inoperância parecem ter sido as características principais dessas ações militares confusas.
Envolto em mistério permanece o ataque ao palácio presidencial. Durante quase cinco horas, Fournier e seus homens travaram intenso tiroteio com os defensores do prédio, enquanto as autoridades policiais e militares não conseguiam reunir efetivos suficientes na cidade de maior concentração de tropas do país — para socorrer o presidente. Durante a madrugada, Dutra chegou a aproximar-se do palácio, à frente de uma dúzia de soldados, mas, colhido em meio ao fogo cruzado e ferido de raspão, retirou-se, aparentemente, em busca de reforços.
O ataque só terminou quando Severo Fournier, por razões não esclarecidas, resolveu abandonar a empreitada e fugir. Às cinco horas da manhã, o coronel Cordeiro de Farias entrou finalmente no prédio à frente de uma tropa da Polícia Especial “pacificamente e sem dar um tiro”, como relatou Alzira Vargas. Logo depois chegaram Dutra e Góis Monteiro. A chegada dos reforços obrigou os integralistas a se renderem. Sete rebeldes foram fuzilados nos jardins do palácio.
Alzira Vargas do Amaral Peixoto, no livro de memórias sobre seu pai, deixou no ar significativas interrogações sobre essa noite de incertezas. Ao relatar seus telefonemas, apelando por auxílio, Alzira escreveu: “Góis Monteiro me disse nada poder fazer, porque também estava cercado em seu apartamento... Francisco Campos transmitia palavras de solidariedade admirativa e passiva... O chefe de polícia (Filinto Müller) confirmou o prévio envio de tropas e espantou-se de que não houvessem chegado ao seu destino... Não fiquei sabendo como nem por que o general Eurico Gaspar Dutra foi o único membro do governo que conseguiu atravessar a trincheira integralista. Não pude apurar também o que aconteceu depois que se retirou com um arranhão na orelha novamente transpondo o cerco do inimigo.”
Edgar Carone interpretou a inércia das autoridades como aparentemente proposital, fruto do cálculo político. Se Getúlio fosse morto, Góis Monteiro ou Dutra seriam nomes prováveis para assumir a presidência da República. A possibilidade de êxito dos integralistas, no sentido de conquistarem o poder, era praticamente inexistente. O mais provável é que fossem perseguidos e ainda mais marginalizados pelo assassinato do presidente, apesar das boas relações que os dois generais e Filinto Müller mantinham com Plínio Salgado. Apesar das suspeitas levantadas por sua filha, Getúlio aparentemente não pôs em dúvida a lealdade de sua equipe de governo. Tomou apenas uma providência para sua própria defesa, formando uma guarda pessoal, dirigida por seu irmão Benjamim Vargas e constituída principalmente de elementos recrutados no Rio Grande, um dos quais, Gregório Fortunato, se tornaria célebre anos mais tarde.
O fracasso do golpe deu a Getúlio a oportunidade de se livrar dos integralistas mais incômodos, atingindo ao mesmo tempo expoentes da oposição liberal como Armando Sales, Júlio de Mesquita Filho e Otávio Mangabeira, que foram deportados em novembro. Permitiu-lhe também fortalecer o aparato jurídico repressivo à disposição do governo. Em 16 de maio, foram promulgadas duas leis constitucionais números 1 e 2 estabelecendo a pena de morte para os atos de subversão e reimplantando o artigo 177 da Constituição, agora em caráter definitivo.
Após a fracassada tentativa de golpe, cerca de 1.500 integralistas foram presos só no Rio de Janeiro. Entretanto, a repressão não foi tão drástica como seria de se esperar. Enquanto a polícia perseguia a arraia-miúda, desenrolava-se uma farsa em relação aos chefes, notadamente Plínio Salgado, dado como “desaparecido”, mas, na realidade, morando em endereço conhecido das autoridades, em São Paulo, desde março. Getúlio jamais castigava um adversário inutilmente. Continuou mantendo relações diretas ou indiretas com Plínio, Gustavo Barroso e outros próceres do desbaratado movimento. Centenas de integralistas foram condenados pelo Tribunal de Segurança Nacional, mas Plínio foi excluído do processo. Por insistência de Dutra, acabou finalmente sendo preso, prisão esta que durou apenas três dias, em janeiro de 1939. Nesse mesmo ano, partiu para o exílio em Portugal, onde manteve uma posição de indefectível apoio ao Estado Novo.
Severo Fournier, o principal personagem do malogrado atentado contra o presidente, recebeu uma punição exemplar. Condenado a dez anos de prisão, morreu tuberculoso antes de completar a sentença devido às péssimas condições carcerárias. Sua prisão, em junho de 1938, provocou um incidente que ameaçou a estabilidade do governo. Fournier conseguira asilar-se na embaixada da Itália, com a ajuda de amigos, entre os quais o capitão Manuel Aranha, irmão do ministro Osvaldo Aranha. Vargas interveio junto ao embaixador Vincenzo Lojacono, que por sua vez convenceu Founier a desistir do asilo e entregar-se às autoridades brasileiras. Antes disso, porém, Manuel Aranha foi compulsoriamente reformado do Exército pelo general Dutra por ter ajudado Fournier. A medida provocou um sério atrito entre Aranha e Dutra, que já não mantinham relações amistosas. Os dois solicitaram demissão do governo, mas Vargas rejeitou ambos os pedidos.
O levante integralista também afetou até certo ponto as relações diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha. As investigações da polícia resultaram na prisão de nove alemães, acusados de cumplicidade com o golpe, o que provocou a indignação do embaixador Karl Ritter. Em 13 de maio, Getúlio declarou publicamente que o putsch integralista contara “com auxílio recebido de fora”. Alguns dias mais tarde, o governo brasileiro desmentiu os rumores sobre a participação alemã no golpe.
Na verdade, a principal polêmica com o embaixador Ritter dizia respeito à política de assimilação das colônias estrangeiras empreendida pelo Estado Novo. Em fevereiro de 1938, foram proibidas em todo território nacional as transmissões radiofônicas e os jornais e revistas em língua estrangeira. Em abril, Vargas decretou a extinção dos partidos políticos estrangeiros. O embaixador Karl Ritter bateu-se veementemente contra essas disposições, exigindo o direito de organização do partido nazista, regalias diplomáticas a seus representantes e a proteção dos direitos da minoria alemã. Em maio, após receber do embaixador uma nota de protesto contra a “campanha antialemã”, o governo brasileiro solicitou a Berlim a remoção de Ritter. Apesar da advertência, os agentes do partido nazista prosseguiram suas atividades, com a cobertura do embaixador alemão. O chefe oficial de todo o movimento era o diplomata Hans Menning von Cossel, adido cultural na embaixada. Finalmente, em 21 de setembro, Karl Ritter acabou sendo declarado persona non grata pelo Itamarati. Em represália, o governo alemão pediu a retirada do embaixador Muniz de Aragão de Berlim. O episódio não prejudicou as relações econômicas entre os dois países. Na verdade, diz Gerson Moura, “havia entre o governo brasileiro e o alemão um acordo tácito de que as dificuldades políticas não deveriam prejudicar os acertos econômicos”. Em junho de 1939, as relações diplomáticas se normalizariam e Getúlio designaria um novo embaixador, Ciro de Freitas Vale.
Consolidação do regime
No decorrer de 1938, Getúlio consolidou progressivamente seu poder, à medida que os últimos grupos oposicionistas ativos eram isolados pela força. Entretanto, o êxito de Getúlio e a longa duração do Estado Novo não se basearam exclusivamente na eficiência do aparelho repressivo do regime.
Getúlio tratou de consolidar seu poder assumindo a direção de amplas reformas políticas e administrativas, buscando novas soluções econômicas e colocando-se à frente de mudanças sociais que deixaram uma marca duradoura na história do país. Seu poder fortaleceu-se com uma extensão lógica da crescente intervenção do Estado na vida nacional. Mais importante ainda, Getúlio aproximou o Brasil de um governo verdadeiramente nacional, com um mínimo de fricção e contestação política. Até julho de 1941, não houve uma só mudança no ministério. Como salientou Bóris Fausto, “Vargas mantinha relações próximas não com o ministério como um corpo coletivo, mas com cada um de seus elementos. Seus contatos com os ministros eram individuais e as reuniões conjuntas davam-se no máximo uma vez por mês”.
Tanto antes quanto depois de 1937, Vargas fez uso freqüente dos interventores como seus delegados de confiança. Os interventores dependiam da nomeação do presidente e, tal como ele, dispunham de poderes executivos e legislativos. Mas, sob o Estado Novo, as relações entre o governo central e os estados foram regulamentadas de modo a eliminar os últimos resquícios de autonomia estadual. Em abril de 1939, Getúlio decretou a Lei Orgânica dos Estados e Municípios, criando em cada estado um departamento administrativo constituído de quatro a dez membros de sua livre escolha. Por maioria de 2/3, o departamento poderia vetar os decretos do interventor, cabendo a decisão final ao presidente. A maioria dos interventores iria permanecer no poder até 1945: Benedito Valadares (Minas), Agamenon Magalhães (Pernambuco), Nereu Ramos (Santa Catarina), Pedro Ludovico (Goiás), Júlio Müler (Mato Grosso), Manuel Ribas (Paraná), Álvaro Maia (Amazonas), Francisco Pimentel (Ceará), e Henrique Dodsworth (Distrito Federal). No caso de São Paulo, Getúlio nomeou novo interventor em 1938, introduzindo na vida política nacional uma figura praticamente desconhecida: Ademar de Barros, membro do antigo PRP. Ademar foi afastado em 1941, sendo substituído por Fernando Costa. No Rio Grande do Sul, com a saída de Cordeiro de Farias em 1943, Getúlio nomeou seu primo Ernesto Dornelles. A interventoria na Bahia foi ocupada por Landulfo Alves de 1938 a 1942 e daí até o final do Estado Novo por Renato Pinto Aleixo.
Vargas afastou de imediato a possibilidade de criação de um partido governista com o argumento de que não deveria haver “intermediários entre o povo e o governo”. Entretanto, teve o grande cuidado de manter seu vínculo com as forças armadas, principal sustentáculo do Estado Novo, fato, aliás, constantemente invocado pelo presidente. Em junho de 1938, ao inaugurar as obras da Escola Militar de Resende (RJ), Getúlio afirmou: “O Estado Novo foi instituído por vós e para sua sustentação está empenhada vossa responsabilidade.”
Getúlio não se empenhou em montar o sistema corporativo, de tipo fascista, previsto na Carta de 1937, a não ser no âmbito da estrutura trabalhista. Em contrapartida, a máquina do Estado cresceu em complexidade, com a criação de inúmeros órgãos destinados a racionalizar a economia e a administração, exercer funções de repressão, formar e controlar a opinião pública. Em alguns casos, esses órgãos vinham do período anterior, como por exemplo o Departamento Nacional de Propaganda, dirigido por Lourival Fontes, encarregado de realizar a propaganda do Estado Novo dentro e fora do país e de estabelecer a censura à imprensa. Mais tarde, esse órgão receberia o nome de Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). O Código de Imprensa, publicado em dezembro de 1937, tornava ilegal qualquer referência desrespeitosa às autoridades públicas.
Em julho de 1938, Vargas criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), nomeando Luís Simões Lopes para sua direção. O DASP recebeu poderes bastante amplos para racionalizar a administração federal e organizar o orçamento, mas teve suas atribuições limitadas porque o ministro da Fazenda, Sousa Costa, se opôs fortemente a uma diminuição de seus poderes. O DASP centralizou a reforma administrativa do funcionalismo público, introduzindo critérios modernos de recrutamento e promoção que elegiam o mérito como a qualificação básica. Foi um importante instrumento para a melhoria dos padrões administrativos e o aumento do controle sobre a administração federal.
Vargas também reorientou em vários aspectos a política econômica governamental. Em novembro de 1937, pouco antes do golpe e provavelmente com o objetivo de obter a simpatia dos cafeicultores, Getúlio mudou radicalmente a política do café. A taxa de exportação foi reduzida e o confisco cambial suprimido. Vargas declarou que o governo não interviria mais no mercado, a não ser pela continuação do sistema de cotas de distribuição e retenção. Essa orientação iria perdurar até a eclosão da guerra na Europa em 1939.
Dez dias depois do golpe, Vargas alterou também drasticamente a política cambial, devido aos problemas críticos da balança comercial em 1937. O governo estabeleceu o monopólio cambial, a exemplo do que havia ocorrido até 1934, e suspendeu todos os pagamentos da dívida externa. Paralelamente, Getúlio adotou uma política consciente de estímulo às atividades industriais.
Ainda em novembro de 1937, às vésperas do Estado Novo, foi regulamentada a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil. Segundo Warren Dean, a partir desse momento “os empréstimos feitos à indústria, como os que se fizeram à agricultura, parecem ter sido orientados no sentido de aumentar a auto-suficiência do Brasil”. Em muitos casos, Vargas negociou diretamente com empresários nacionais a instalação de novas indústrias. Por sua iniciativa, por exemplo, o grupo Klabin dispôs-se a erguer uma nova fábrica de papel, obtendo o empréstimo necessário do Banco do Brasil.
Mais importante ainda, Getúlio tentou elaborar uma nova compreensão dos problemas nacionais. Em abril de 1938, em discurso sobre as metas econômicas do Estado Novo, afirmou: “A grande tarefa do momento é a mobilização dos capitais nacionais para que tomem um caráter dinâmico na conquista das regiões atrasadas... O imperialismo do Brasil consiste em ampliar suas fronteiras econômicas e integrar um sistema coerente em que a circulação de riquezas se faça livre e rapidamente, baseada em meios de transporte eficientes que aniquilarão as forças desintegradoras da nacionalidade.”
O controle do Estado sobre as indústrias básicas passou a figurar como uma das preocupações fundamentais de Vargas. Em abril de 1938, o governo declarou de propriedade da União as jazidas de petróleo que viessem a ser descobertas no território nacional (DecretoLei nº 366) e determinou a nacionalização da indústria de refinação de petróleo importado ou de produção nacional (Decreto-Lei nº 395). A nacionalização significava que o capital, a direção e a gerência das empresas deveriam ficar nas mãos de brasileiros e não correspondia, portanto, ao monopólio estatal. Finalmente, em julho de 1938, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo, inicialmente dirigido pelo general Júlio Caetano Horta Barbosa, favorável a uma solução estatal para o refino de petróleo, apesar de não ser inteiramente contrário à participação da empresa privada. Esse conjunto de medidas visava também facilitar o acesso do Brasil ao petróleo boliviano, assegurado pelo chamado Acordo de Roboré de 25 de fevereiro de 1938. Por esse tratado, Brasil e Bolívia ratificaram notas assinadas em 1937, através das quais o Brasil se comprometia a construir uma estrada de ferro ligando Santa Cruz de la Sierra a Corumbá, em troca de concessões nos campos petrolíferos na faixa subandina boliviana e de pagamentos em petróleo cru. Entretanto, o desenvolvimento de uma indústria petrolífera não era uma questão premente no final da década de 1930. Até meados de 1939, quando se descobriu petróleo na Bahia, a instalação de uma indústria petrolífera parecia restrita às refinarias. Mesmo depois da descoberta, a produção foi insignificante e as dúvidas quanto às reservas permaneceriam até a década de 1950.
A questão crucial para Vargas era a instalação da grande indústria do aço. Em seu discurso de abril de 1938, Vargas referiu-se à grande siderurgia como o “problema capital da nossa expansão econômica”. Os pequenos altos-fornos operando com carvão de madeira eram antieconômicos, predadores e deveriam ser substituídos pela grande siderurgia. Getúlio apresentou então as três alternativas para concretizar o projeto siderúrgico: 1) diretamente pelo Estado, por meio do financiamento estrangeiro ou com recursos obtidos da exportação de minérios; 2) através da associação do Estado com capitais privados nacionais; e 3) pela iniciativa privada nacional, associada ou não a capitais externos, mas sob o controle do Estado. Getúlio declarou que o governo estava “pronto a acolher qualquer proposta honesta” e solicitou ao mesmo tempo pareceres técnicos do Conselho Federal de Comércio Exterior e do Conselho Técnico de Economia e Finanças. Durante todo o ano de 1938, Getúlio consentiu que se ventilassem inúmeras propostas. Variavam as opiniões no tocante à melhor localização da usina, aos métodos de produção, à utilidade do carvão mineral nacional e sobretudo à fonte de capitais. Mas, como salientou Ítalo Tronca, “ele fazia questão de não deixar margem a dúvidas sobre quem decidia”. Informado de que o coronel João Mendonça Lima, ministro da Viação, tinha estabelecido contatos promissores com a Demag, empresa siderúrgica alemã, mandou responder simplesmente: “Diga que o problema siderúrgico é assunto do governo e não do coronel Mendonça Lima.”
Véspera da guerra
Além da questão siderúrgica, Vargas deu tratamento especial ao rearmamento do Exército, em estado calamitoso naquele ano de 1938, marcado por uma situação internacional em franca deterioração e pelas sucessivas crises européias. A produção nacional de armamento, munição e equipamento militar era mínima, apesar da reforma e da ampliação das fábricas do Exército, empreendidas pelo general Dutra desde 1937. Em março de 1938, o governo brasileiro assinou com a empresa alemã Krupp um grande contrato de fornecimento de material de artilharia, a ser pago em libras esterlinas e marcos de compensação. Foi o segundo contrato firmado com a Krupp (o primeiro datava de 1937), perfazendo um total de dez milhões de libras esterlinas. O fato causou enorme preocupação ao governo norte-americano pelas ligações que se iam estabelecendo entre as forças armadas brasileiras e alemãs. Dutra e Góis Monteiro não escondiam sua admiração pelo Exército alemão que muitos consideravam uma simpatia velada pelo regime hitleriano. Vargas, mais pragmático, e voltado para a realidade brasileira, procurava tirar partido da rivalidade comercial, política e ideológica entre os EUA e a Alemanha. Nas decisões sobre política exterior, atuava como árbitro das disputas entre Aranha, pró-americano, e Dutra e Góis Monteiro, tidos como pró-alemães.
Em dezembro de 1938, durante a VIII Conferência Pan-Americana, realizada em Lima, a delegação brasileira alinhou-se com os EUA na defesa de uma política de solidariedade continental frente ao perigo iminente de uma guerra mundial. Entretanto, a Argentina se opôs firmemente e com êxito à proposta norte-americana de criação de um comitê consultivo interamericano permanente, apesar do apelo pessoal de Osvaldo Aranha ao presidente Roberto Ortiz. A solução provisória, incluída finalmente na Declaração de Lima, instituiu o sistema de consultas mediante as reuniões de chanceleres americanos. Logo em seguida, o governo norte-americano considerou a necessidade urgente de rever o conjunto das relações econômicas e políticas entre o Brasil e os Estados Unidos, como medida indispensável para a consolidação de seu controle sobre o continente.
Em 9 de janeiro de 1939, Roosevelt escreveu a Vargas convidando o ministro Osvaldo Aranha para visitar os Estados Unidos e participar de conversações abrangentes a propósito das relações entre os dois países. No final do mês, Aranha partiu para Washington, chefiando uma comitiva — conhecida como missão Aranha — que, entre fevereiro e março, passou em revista os principais problemas entre Brasil e Estados Unidos. No tocante às questões econômicas, o governo norte-americano revelou, a princípio, um certo consenso quanto à necessidade de prestar toda a assistência possível para o reequilíbrio da situação financeira do Brasil. Entretanto, todas as idéias a respeito da concessão de créditos substanciais de longo prazo foram logo abandonadas, devido a divergências entre o Export-Import Bank (Eximbank) e os Departamentos de Estado e do Tesouro. Aranha também verificou o desinteresse do governo e dos capitais privados norte-americanos em relação à implantação da siderurgia brasileira. Quanto à cooperação militar, obteve apenas a promessa de créditos para a criação de uma indústria de armamentos modernos no Brasil, mas não o empenho do governo norte-americano, tolhido por disposições constitucionais. De imediato, ficou acertada a visita ao Brasil de uma missão militar chefiada pelo general George Marshall, seguida da visita aos Estados Unidos do general Góis Monteiro. Em 9 de março, Aranha encerrou sua missão assinando uma série de acordos com o governo norte-americano, obtendo um crédito do Eximbank de cerca de 15 milhões de dólares para a liquidação dos atrasados comerciais e financeiros bloqueados no Brasil, o compromisso do mesmo banco de financiar as vendas norte-americanas para o Brasil até 50 milhões de dólares e a promessa do governo Roosevelt de facilitar a formação de companhias de desenvolvimento com capitais norte-americanos e brasileiros para industrializar a produção de matérias-primas (como a borracha), bem como a exportação de minérios. Em troca, Aranha comprometeu o Brasil a adotar uma política cambial mais liberal e a retomar a curto prazo o serviço da dívida pública externa, bem como obstar o comércio compensado com a Alemanha.
As reações no Brasil em relação à missão Aranha foram quase que unanimemente desfavoráveis. O Exército se colocou contra os acordos e o ministro Sousa Costa criticou o plano de pagamento das dívidas e seu efeito sobre o câmbio. De fato, Aranha tinha ido muito além de suas instruções, forçando a mão no sentido de uma reaproximação com os Estados Unidos, às expensas da Alemanha, e verberando o perigo nazista, “uma grande ameaça [que] pende sobre a humanidade civilizada”. Em 24 de março, no dia seguinte ao retorno de Aranha, Getúlio discursou no Arsenal de Guerra, afirmando conceitos diversos dos defendidos pelo seu ministro das Relações Exteriores: “Nada temos com a organização interna de outros países, como não aceitamos interferências estranhas na nossa organização.”
A tentativa de implementar os acordos de Washington durou poucos meses. Em abril, Vargas reformulou a política cambial, liberando parcialmente a importação de mercadorias, mas o comércio Brasil-EUA não cresceu significativamente. Ao mesmo tempo, Getúlio comunicou ao embaixador Caffery que os pagamentos da dívida externa não seriam reiniciados em 1º de julho, ao contrário da promessa feita por Aranha em Washington. Aranha conseguiu a muito custo o depósito de um milhão de dólares para o pagamento das dívidas aos portadores de títulos norte-americanos, quantia considerada irrisória pelo governo Roosevelt. Além disso, em abril de 1939, Vargas limitou o campo de ação das companhias de seguro estrangeiro, com o decreto de criação do Instituto de Resseguros do Brasil. De imediato, o resultado mais significativo da missão Aranha foi o início de um processo de colaboração militar que se consubstanciou nas visitas do general Marshall ao Brasil em maio de 1939 e do general Góis Monteiro aos Estados Unidos no mês seguinte.
Em junho de 1939, Vargas convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional para examinar a possibilidade de desencadeamento de guerra na Europa. A determinação da neutralidade brasileira nessa eventualidade foi decidida por unanimidade. “As preferências políticas manifestaram-se, porém, no momento de decidir onde comprar armas para equipar as forças armadas do Brasil”, escreveu Gerson Moura. “Vargas opinou pelo abandono dos países europeus enquanto vendedores. O general Francisco José Pinto, chefe interino do Estado-Maior, optava por comprar nos Estados Unidos, enquanto o general Dutra preferia a Alemanha. O ministro da Marinha, Aristides Guilhem, não queria deixar de comprar na Inglaterra. Procedeu-se à votação e foi majoritária a proposta de continuar comprando nos países europeus.”
Em julho, o general Góis Monteiro escreveu dos Estados Unidos para Vargas, afirmando que o Brasil deveria estreitar relações culturais e comerciais com os norte-americanos e declarando, entusiasmado com a possibilidade de melhorar o potencial militar do país: “Não teremos jamais outra oportunidade como a que se nos depara agora.” No início de agosto, após retornar ao país, Góis combinou com Vargas e Dutra a ida de oficiais brasileiros aos Estados Unidos, bem como o reforço da missão militar norte-americana e a vinda de técnicos para orientar as indústrias bélicas nacionais. Góis Monteiro preparou-se em seguida para viajar à Alemanha onde assistiria como convidado do Reich a manobras do exército nazista na região da Silésia. Teve porém de cancelar seu plano de viagem em decorrência da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Com a invasão da Polônia, em 19 de setembro de 1939, a Alemanha desencadeou a guerra na Europa, confrontando-se de imediato com a França e a Grã-Bretanha. No dia seguinte à invasão da Polônia, o governo Vargas emitiu uma declaração de neutralidade em face dos países beligerantes. No final de setembro, atendendo à convocação de Roosevelt, os chanceleres americanos reuniram-se na cidade do Panamá para examinar uma posição conjunta diante da guerra européia. A conferência decidiu pela neutralidade do continente, estabelecendo também o princípio da neutralidade do mar territorial, na tentativa de afastar a possibilidade de atos de guerra próximos ao seu litoral. Para os EUA, a neutralidade era a única decisão possível naquele momento, embora procurassem favorecer a causa anglo-francesa.
Com a eclosão da guerra, Getúlio defrontou-se com o problema de equilibrar as tendências contraditórias dos grupos em que se dividia o governo. O ministro Osvaldo Aranha apoiava abertamente a política de defesa hemisférica preconizada pelos Estados Unidos. A nova situação internacional favorecia essa posição: a Grã-Bretanha pôs em ação um bloqueio marítimo que de um só golpe tirou a América Latina do alcance das linhas comerciais alemãs. Por outro lado, Francisco Campos e Filinto Müller faziam vista grossa à propaganda nazista e às organizações das minorias alemã e italiana, cujas atividades tinham sido restringidas por lei. Do ponto de vista ideológico, Dutra e Góis Monteiro tendiam claramente para o Eixo, mas oscilavam por razões muito específicas: estavam interessados no bloco que oferecesse melhores condições para o rearmamento do Exército.
O DIP e a construção do Estado Nacional
Vargas procurou manter a eqüidistância na medida do possível. Apesar de sujeito a diferentes influências, nas suas mãos se concentravam autoritariamente os recursos políticos. Entre esses, o principal, para manter o seu poder de barganha internacional e conter os militares, era a sua legitimação carismática.
O DIP criado em dezembro de 1939 foi o principal responsável pela legitimação de Vargas e do Estado Novo perante a opinião pública. Com maior amplitude de ação que o Departamento Nacional de Propaganda, o DIP, dirigido por Lourival Fontes, tornou-se porta-voz autorizado do regime e o órgão coercitivo máximo da liberdade de pensamento e expressão até 1945. O DIP passou a organizar homenagens a Vargas, tornando-se instrumento de promoção pessoal do chefe do governo, de sua família e das autoridades em geral. Entre outras funções, o DIP deveria centralizar e coordenar a propaganda do governo e dos ministérios, exercer a censura do teatro, do cinema, das atividades recreativas e esportivas, da literatura social e política e da imprensa, promover e patrocinar manifestações cívicas e festas populares, e, finalmente, organizar e dirigir o programa de radiodifusão oficial do governo.
Enquanto o DIP assumia o controle dos meios de comunicação e de cultura popular o Ministério da Educação dirigia a “cultura erudita”. Nas letras e nas artes plásticas, o ministro Capanema cercara-se de uma equipe de intelectuais ligados à vanguarda do modernismo. Deu inteira liberdade a Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Cândido Portinari e outros artistas para a execução do projeto de construção da nova sede do ministério. Mas, na área da educação, sua gestão não deixou de ser marcada pelas características autoritárias e centralizadoras do regime. Valores e atitudes como “o amor à pátria, o sereno otimismo quanto ao poder e o destino de nossa raça” tornaram-se correntes em seu discurso pedagógico e nos compêndios escolares, submetidos a partir de 1938 ao prévio exame da Comissão Nacional do Livro Didático. Ainda esse ano, começaram a ser nacionalizadas mais de duas mil escolas particulares nos núcleos de colonização alemã do Sul do país. A reforma do sistema educacional começou com o ensino superior, através da implantação da Universidade do Brasil, composta de 15 faculdades. A primeira a ser inaugurada dentro da estrutura da nova universidade foi a Faculdade Nacional de Filosofia, em 1939, que viria a ter profunda influência na renovação do magistério secundário.
Getúlio transformou-se na liderança simbólica de todas as realizações do governo e do projeto de “construção nacional”. Francisco Campos, Azevedo Amaral e numerosos intelectuais “ajudaram a fornecer a cada estágio uma aura de legitimidade a um líder que não era dado à autojustificação ideológica”, como observou Thomas Skidmore.
A preocupação em estender seu prestígio junto às crescentes classes trabalhadoras urbanas explica, finalmente, o poder carismático de Getúlio. O Estado Novo conjugou repressão e controle sobre o movimento operário com um estilo paternalista, nas relações com as massas. O Dia do Trabalho tornou-se uma das datas magnas do regime, sendo comemorado com o anúncio de novas leis dedicadas aos trabalhadores. Em 1938, Getúlio regulamentou a Lei do Salário Mínimo (instituída dois anos antes) como primeiro passo para sua efetivação. Falando aos trabalhadores de São Paulo, em julho, Getúlio expôs a distância do novo regime com relação ao projeto liberal. “O Estado Novo não conhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos pertencem à coletividade!... O Estado não quer, não reconhece luta de classes. As leis trabalhistas são leis de harmonia social.”
Em 1º de maio de 1939, o governo regulamentou a Justiça do Trabalho, segundo projeto apresentado pelo ministro Valdemar Falcão. Surgiram novos quadros institucionais ligados ao Judiciário, hierarquizados (Tribunal Superior, tribunais regionais, juntas de conciliação e julgamento) que tinham por função decidir conflitos entre patrões e empregados. Ainda em maio, o governo, com base na nova legislação, obrigou as fábricas com mais de quinhentos operários a instalarem refeitório próprio. Em julho o governo restringiu ainda mais a autonomia sindical, com a lei que regulamentou os sindicatos únicos, proibindo a existência de associações não integradas ao Ministério do Trabalho. Tratava-se, segundo o decreto-lei, de “preservar a vida interna dos sindicatos da contaminação de maus elementos sociais, das intervenções estranhas e corruptoras, da infiltração das ideologias perturbadoras”. Nos primeiros anos do Estado Novo, esse sistema corporativo “teria por função política predominante o controle e a disciplina das organizações sobretudo operárias”, diz Lourdes Sola. “Somente mais tarde ele seria utilizado para mobilizar as massas, fazendo-as intervir ativamente nas lutas políticas a favor de Vargas.”
A partir de 1940, o poder de Getúlio foi consolidado por um verdadeiro culto à personalidade e pela construção de imagens idealizadas a seu respeito, como a de “pai dos pobres”. Pela primeira vez, nesse ano, desfiles, manifestações e programas de rádio se encarregavam de comemorar seu aniversário em 19 de abril, enaltecendo suas qualidades pessoais de “coragem, magnanimidade e singeleza”. Ao mesmo tempo, o DIP estendeu seu controle sobre os meios de comunicação, não só através da censura como pelo lançamento e a incorporação de jornais e revistas. Em março, o jornal O Estado de S. Paulo sofreu intervenção e passou para a órbita do governo. Tiveram igual destino os jornais A Manhã e A Noite. Para centralizar esses órgãos de imprensa estatal, foram criadas as Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional. A Rádio Nacional, encampada pelo governo em 1940, passou virtualmente a monopolizar a audiência do rádio com a contratação de músicos e artistas de grande aceitação popular como Lamartine Babo, Ari Barroso, Almirante e outros. Paralelamente, surgiram várias instituições destinadas ao preparo dos jovens, como a Juventude Brasileira, idealizada por Capanema. Centenas de obras apologéticas encomendadas pelo DIP, como Sorriso do presidente Vargas, Getúlio Vargas e sua vida, passaram a ser distribuídas nas escolas primárias. Sua fotografia oficial, de casaco e meio sorriso — a Mona Lisa, segundo o escritor Osvald de Andrade —, passou a ser distribuída não só a todas as repartições públicas, mas a todos os colégios, clubes esportivos, estações ferroviárias, aeroportos, bancos, casas comerciais, invadindo o cotidiano do brasileiro. Intelectuais e jornalistas estrangeiros, como John Gunther e o perito constitucionalista Karl Loewenstein, visitaram o país a convite do governo brasileiro. O escritor austríaco Paul Frischauer, exilado em decorrência da guerra e do nazismo, veio ao Brasil contratado pelo DIP para escrever uma biografia de Vargas que seria editada não só em português, mas também em francês e inglês. Um grupo de membros da Academia Brasileira de Letras propôs em 1940, o nome de Getúlio para a vaga resultante da morte do escritor José Alcântara Machado de Oliveira. Eleito em agosto do ano seguinte, Getúlio não se apressou em agradecer a honraria recebida, demorando mais de dois anos para tomar posse de sua cadeira na academia [clique para acessar o registro histórico da Academia Brasileira de letras sobre Getúlio Vargas, página 15 do livro, 25 no pdf].
Em 1º de maio de 1940, Vargas anunciou o estabelecimento da Lei do Salário Mínimo, em discurso pronunciado no estádio do Vasco da Gama. O decreto instituiu o salário mínimo como a remuneração capaz de satisfazer às necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte do trabalhador, conforme diferentes regiões do país. Segundo Edgar Carone, como a maioria dos trabalhadores ganhava em geral abaixo da tabela do salário mínimo fixada pelo governo, só em 1940 mais de um milhão de trabalhadores se teria beneficiado com a medida. Em julho do mesmo ano, a estrutura corporativista dos sindicatos completou-se e foi reforçada pela instituição do imposto sindical: o desconto compulsório da soma equivalente a um dia de trabalho, por ano, de todos os empregados visando garantir a sustentação financeira dos sindicatos, independentemente do número de associados. Ao mesmo tempo, o imposto se convertia em fator de dependência política dos sindicatos ao Estado, dando vitalidade à figura do pelego. Em agosto de 1940, foi criado o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), que organizou uma rede de refeitórios populares nas principais cidades do país, e procurou garantir, por preços mais baixos, o suprimento de gêneros de primeira necessidade aos trabalhadores em geral.
Vargas também lançou o movimento “Marcha para o Oeste”, viajando muito pelo interior do país em 1940. Em agosto, em Goiânia, a capital recém-inaugurada de Goiás, falou sobre a necessidade de ocupação dos vastos espaços despovoados do país: “O verdadeiro sentido de brasilidade é o rumo ao oeste... é o reatamento da campanha dos construtores da nacionalidade, dos bandeirantes e dos sertanistas com a integração dos modernos processos de cultura.” De volta ao Rio, aprovou um plano de colonização de Goiás mediante a concessão de uma casa e um lote de terra para cada família.
Segundo Otávio Velho, “não parece que Vargas imaginasse a Marcha para o Oeste como um movimento massivo que ocuparia e desenvolveria metade do país em curto período de tempo... Quando falava em termos concretos, Vargas parecia ter em mente sobretudo as ‘medidas elementares’, tais como saneamento, educação e transporte, que constituíam os pré-requisitos e o suporte para a ocupação”. Houve, de fato, um relativo avanço no setor da saúde, sobretudo no interior do país com a criação, em 1937, do Serviço Nacional da Febre Amarela — primeiro serviço de saúde pública de dimensão nacional — e, em 1939, do Serviço de Malária do Nordeste, ambos em convênio com a Fundação Rockefeller. Estradas de ferro foram construídas ou ampliadas, como no caso da Estrada de Ferro Noroeste. Diz ainda Otávio Velho: “O movimento espontâneo vindo da direção de São Paulo e Minas Gerais para o sul do Mato Grosso e Goiás encontrou um certo apoio estatal.”
Em outubro de 1940, Getúlio percorreu de avião cerca de 16.000 km visitando quase todos os estados e territórios do Norte e Nordeste. “Getúlio foi o primeiro presidente brasileiro a visitar a selva e as populações indígenas, distribuindo facas e enxadas e passeando de canoa com os índios”, escreveu Foster Dulles. O seu chamado Discurso do rio Amazonas, pronunciado em Manaus e celebrado como uma das suas melhores orações pelos propagandistas do Estado Novo, tratava da necessidade de incorporação da Amazônia à civilização e da importância do aproveitamento planejado e racional da borracha e demais riquezas da região. O interesse pela borracha levou a uma nova migração de massas nordestinas para a Amazônia com estímulo governamental, principalmente a partir de 1942, “mas isso resultou em muitas mortes e decepção”, como observou Otávio Velho. Quanto às chamadas colônias agrícolas nacionais, implantadas a partir de 1941 em vários cantos do país, a maioria tendeu a vegetar sem resultados significativos.
A criação de Volta Redonda
O ano de 1940 marcou também o início das realizações econômicas propriamente inovadoras, planejadas já em 1939, quando Getúlio Vargas e o ministro da Fazenda, Sousa Costa, trabalharam na elaboração de um plano qüinqüenal. Publicado em janeiro de 1940, este plano previa a instalação de indústrias de base, especialmente a siderúrgica, e outros itens tais como a usina hidrelétrica de Paulo Afonso, a drenagem do rio São Francisco, a construção de estradas de ferro e de rodagem e a compra de destróieres, aviões e 12 navios para o Lóide Brasileiro. Como observou Lourdes Sola, “apenas parte desse plano foi levada a cabo, mas a importância para a vida nacional das inovações efetuadas não foi pequena”. A situação internacional dificultou o cumprimento do plano, devido à brusca diminuição do saldo da balança comercial, provocada pela eclosão da guerra e a perda de mercados de exportação.
Por outro lado, em janeiro de 1940, a United States Steel comunicou ao governo brasileiro sua desistência de participar do empreendimento siderúrgico, apesar da conclusão favorável de seus técnicos (enviados em 1939) quanto à viabilidade do projeto. Em conseqüência, o governo brasileiro decidiu criar a grande siderurgia através de uma empresa nacional, com a ajuda de capitais estrangeiros, sob a forma de empréstimos. Ainda em janeiro, Vargas promulgou o novo Código de Minas, proibindo a participação de estrangeiros na mineração e na metalurgia.
Em março, foi criada a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, integrada entre outros por Guilherme Guinle e pelo major Edmundo Macedo Soares, principais responsáveis pelos projetos financeiro e técnico da usina, respectivamente. Foi finalmente escolhida a área de Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro, para a construção da usina siderúrgica.
Em seguida, Vargas autorizou o embaixador Carlos Martins a promover em Washington os entendimentos necessários para a obtenção de um empréstimo de 15 a 20 milhões de dólares, destinados ao projeto siderúrgico. Paralelamente, Vargas afirmou o seu propósito de colaborar militarmente com os Estados Unidos, na época preocupados com a possibilidade de invasão do Nordeste brasileiro por tropas alemãs oriundas da costa ocidental da África. Em fins de maio, o governo norte-americano dispôs-se a auxiliar na construção da usina de aço, mas ainda relutava em fornecer o total de recursos solicitados por Vargas, insistindo também na participação de alguma grande empresa siderúrgica norte-americana no empreendimento.
Foi nesse quadro de negociações quase frustradas que Vargas pronunciou o famoso discurso de 11 de junho de 1940 a bordo do encouraçado Minas Gerais para uma platéia constituída exclusivamente pela cúpula da hierarquia militar. O discurso começava com uma breve defesa do pan-americanismo, para, em seguida, atacar a organização social e política liberal. “Velhos sistemas e fórmulas antiquadas entram em declínio... o Estado deve assumir a obrigação de organizar as forças produtoras.” Sem nomear a Alemanha ou a Itália, o presidente elogiou “as nações fortes que se impõem pela organização baseada no sentimento da Pátria e sustentando-se pela convicção da própria superioridade”. No caso do Brasil, Vargas considerou como uma conseqüência positiva da situação internacional “o aumento da produção nacional, procurando o país bastar-se a si mesmo”, e reiterou também a necessidade do “aparelhamento completo das forças armadas”.
As palavras de Getúlio foram interpretadas como uma declaração de que o Brasil estaria se associando aos países do Eixo no conflito mundial. Enquanto Mussolini expressava, por telegrama, sua admiração por Vargas, nos Estados Unidos a surpresa e o desapontamento não tiveram limites. Na véspera, dia 10, com a capitulação da França e a entrada da Itália na guerra ao lado da Alemanha, Roosevelt fizera um pronunciamento dramático sobre o perigo nazi-fascista. “Violento e sibilinamente pró-Eixo”, segundo Edgar Carone, o discurso de Vargas pode ser interpretado porém como uma manobra para forçar uma definição dos EUA em favor da implantação da siderurgia.
Em 25 de junho, Vargas discursou novamente, reafirmando os pontos principais de seu pronunciamento no Minas Gerais, mas, dessa vez, dando ênfase à necessidade do pan-americanismo e ao fortalecimento econômico e militar do Brasil. Entrementes, o governo alemão procurou tirar partido da situação, autorizando seu embaixador no Rio, Kurt Prüfer, a propor ao presidente uma grande transação de trezentos milhões de marcos e a “entrega rápida de uma siderúrgica” um ano depois do “fim da guerra”. Mas, nessa altura, os EUA mudaram de posição e endossaram a opinião do embaixador Caffery, segundo o qual a concessão do financiamento “era da mais alta importância” para evitar que Vargas se voltasse para Berlim. Para Caffery, havia chegado a hora de Washington decidir se valeria a pena pagar esse preço para manter o Brasil fora do controle alemão.
Como escreveu Ítalo Tronca, “o Brasil valia indiscutivelmente tal preço, dada a preocupação dos Estados Unidos com a situação militar na Europa”. Em setembro, o coronel Lehman Miller, chefe da missão militar norte-americana no Brasil, entregou a Góis Monteiro um relatório secreto, propondo uma série de medidas urgentes para a segurança continental. Solicitava em primeiro lugar a garantia brasileira de colocar à disposição das forças armadas dos Estados Unidos, quando isso fosse necessário, os principais portos, aeroportos e hospitais do país. Reivindicava também o direito de trânsito das tropas norte-americanas em território nacional, a mobilização da opinião pública e a neutralização de qualquer crítica da imprensa ou do rádio aos EUA.
No fim de setembro, Vargas recebeu do governo norte-americano uma resposta positiva às suas solicitações quanto à construção de Volta Redonda: o Eximbank fora autorizado a conceder o empréstimo de 20 milhões de dólares. O passo seguinte foi a fundação, em abril de 1941, da Companhia Siderúrgica Nacional, empresa de economia mista, constituída quase que inteiramente com recursos do governo. A construção da usina de Volta Redonda começou no mesmo ano, com a promessa de Roosevelt de que a remessa de equipamento siderúrgico para o Brasil teria prioridade.
Uma neutralidade difícil
A decisão do governo Roosevelt de financiar a siderurgia representou um fator decisivo para a aproximação entre os Estados Unidos e o Brasil. Em outubro de 1940, Góis Monteiro viajou novamente a Washington, deixando acertada a formação de uma comissão militar mista Brasil-EUA. Entretanto, naquele momento, ficava ainda pendente a questão do reaparelhamento econômico e militar.
Nos meses seguintes, a atuação do governo norte-americano no caso dos cargueiros brasileiros aprisionados pela Marinha inglesa deu mais um trunfo aos Estados Unidos na conquista do apoio brasileiro para seus planos de defesa do hemisfério. De fato, em novembro de 1940, o navio Siqueira Campos foi aprisionado pela Marinha inglesa logo após partir de Lisboa com um carregamento de armas compradas à Alemanha antes do início da guerra. No final do mês, novos incidentes com navios mercantes brasileiros agravaram a pendência com a Grã-Bretanha. Em 14 de dezembro Vargas convocou o ministério para discutir medidas de represália contra os ingleses. Correram rumores sobre a possibilidade de desapropriação de empresas britânicas no Brasil, mas, no dia seguinte, graças à mediação dos Estados Unidos, obteve-se a autorização inglesa para o Siqueira Campos prosseguir viagem.
Em janeiro de 1941, a Grã-Bretanha preveniu que não permitiria o transporte de outra remessa de armamento, a cargo do navio Bajé. O general Dutra propôs uma pressão contra o governo britânico mesmo que se chegasse eventualmente ao rompimento de relações. Osvaldo Aranha, que defendia a insistência nas negociações, teve o seu ponto de vista vitorioso, com o apoio de Getúlio. O caso Bajé tornou-se ainda mais polêmico quando o Correio da Manhã publicou uma matéria paga da Comissão das Indústrias Britânicas reproduzindo um comentário de Osvaldo Aranha favorável à Inglaterra e o Diário Carioca proclamou em editorial a necessidade de as forças civis se agruparem em torno do presidente. Em ambos os casos, os jornais tiveram a cobertura do diretor do DIP, Lourival Fontes.
Vargas não aceitou o pedido de demissão do general Dutra, mas também se recusou a tomar qualquer atitude contra o Correio da Manhã, apesar das pressões de Dutra e Góis Monteiro. Vargas instruiu Lourival Fontes a aplicar apenas uma curta suspensão ao Diário Carioca, sob a alegação de que o editorial poderia ser interpretado de modo a criar dissensão entre o presidente e as forças armadas. O caso do navio Bajé só seria resolvido definitivamente em meados de 1941, através da interferência do governo norte-americano junto aos ingleses. A remessa retida de armamento chegaria ao Brasil no segundo semestre, via Nova Iorque.
Em 20 de janeiro de 1941, Vargas criou o Ministério da Aeronáutica, nomeando para a nova pasta um civil, Joaquim Pedro Salgado Filho, que já fora seu ministro do Trabalho e que se afinava com Aranha em matéria de política externa. O Ministério da Aeronáutica incorporou os serviços aéreos da Marinha e do Exército. Como resultado, foram organizados a Força Aérea Brasileira (FAB) e o Correio Aéreo Nacional (CAN), este último com a contribuição decisiva do coronel Eduardo Gomes.
No decorrer de 1941, a aproximação com os Estados Unidos acentuou-se. No início do ano, Lourival Fontes proibiu críticas aos norte-americanos por órgãos da imprensa. O presidente Roosevelt convidou Vargas para uma visita a Washington. Sumner Welles insistiu: “O presidente do Brasil será recebido aqui como nunca o foi nenhum chefe de Estado.” Mas Vargas não aceitou o convite. Em abril, o comandante Ernâni Amaral Peixoto, acompanhado de Alzira, viajou aos Estados Unidos levando sua resposta: “As circunstâncias atuais não nos permitem a ausência dos nossos postos.”
Getúlio sabia que Washington demonstraria maior interesse pelo Brasil “se pairasse no ar alguma dúvida sobre a posição do país”, observou Foster Dulles. Em 20 de abril, Vargas enviou telegrama de felicitações no aniversário de Hitler. A mensagem e a resposta de Hitler foram divulgadas oficialmente pelo governo brasileiro.
Enquanto Getúlio enviava felicitações ao Führer, o Brasil negociava com os Estados Unidos um acordo para suprimento de matérias-primas estratégicas. Para esse fim esteve no Rio o presidente do Eximbank, Warren Pierson. Assinado em 14 de maio, o acordo deu aos Estados Unidos o direito exclusivo de importar quantidades especificadas de borracha e minerais estratégicos (diamante, quartzo e manganês) durante dois anos. Pierson assinou também um contrato com o Banco do Brasil para o crédito de 12 milhões de dólares a serem empregados na compra de armas. Em junho, o governo brasileiro tomou providências destinadas a proibir a exportação de matérias-primas estratégicas para os países do Eixo.
A reforma ministerial de junho de 1941 teve relação com a crise política que levou à demissão do interventor Ademar de Barros. O interventor em São Paulo vinha-se empenhando em montar a sua própria máquina política no estado. As denúncias contra as irregularidades financeiras de sua administração veiculadas por seu ex-secretário da Fazenda Coriolano de Góis criaram o ambiente propício para a queda de Ademar em 4 de junho. O paulista Fernando Costa deixou a pasta da Agricultura para assumir a interventoria, sendo substituído no ministério pelo agrônomo pernambucano Apolônio Sales. Um de seus primeiros atos como interventor foi a abertura de um inquérito para apurar as irregularidades administrativas de Ademar de Barros. Entretanto, logo após os primeiros trâmites, Vargas ordenou a suspensão das investigações.
Em 13 de junho, o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio Valdemar Falcão foi indicado para o Supremo Tribunal Federal, sendo substituído interinamente por Dulfe Pinheiro Machado. Em setembro, alegando razões de saúde, Francisco Campos pediu demissão do Ministério da Justiça, mas seu pedido não foi aceito por Vargas. Campos entrou em licença prolongada, sendo substituído interinamente pelo seu principal assessor, Vasco Leitão da Cunha. Em dezembro, Vargas convidou Alexandre Marcondes Filho para o Ministério do Trabalho, ressaltando sua ligação com São Paulo, onde se concentrava grande parte da indústria nacional.
Todas essas mudanças políticas iniciadas em janeiro com a nomeação de Salgado Filho para o Ministério da Aeronáutica favoreceram sem dúvida a causa norte-americana. No plano estritamente militar, a colaboração entre o Brasil e os Estados Unidos iria desenvolver-se entre dificuldades e desconfianças durante todo o ano de 1941.
Em junho, as autoridades norte-americanas sondaram o governo brasileiro no sentido de obter seu consentimento para o envio de tropas do Exército e da Marinha dos EUA ao Nordeste brasileiro. A essa altura, Roosevelt jogava com a hipótese de um ataque alemão ao hemisfério através de Natal, no saliente nordestino. Dutra mostrou-se frontalmente contrário à proposta, concordando apenas com a vinda de oficiais norte-americanos para a formação da Comissão Mista Brasil-EUA. Aranha endossou a opinião de Góis Monteiro de que a proposta norte-americana acarretaria a queda de qualquer governo.
No início de julho, Roosevelt escreveu uma longa carta a Vargas, propondo o envio de tropas brasileiras para se estabelecerem junto com os norte-americanos no Suriname (então Guiana Holandesa) e nas ilhas dos Açores e do Cabo Verde (que continuavam sob a jurisdição de Portugal). Mais uma vez, a proposta norte-americana foi recusada pelo general Dutra em termos veementes: “Uma tal aventura seria temerária e quase ridícula”, declarou o ministro da Guerra. Em Washington, conversando com o presidente norte-americano, Alzira Vargas do Amaral Peixoto comentou: “O senhor propõe que os filhos se voltem contra os pais.”
Nem o Brasil nem os Estados Unidos levaram avante o projeto, mas a cooperação entre os dois países prosseguiu e cada vez mais aumentou na preparação para a guerra. Por outro lado, a hipótese de um ataque Dacar-Natal perdera importância para Washington, assim que a Alemanha desencadeou a ofensiva contra a União Soviética no final de junho de 1941.
Em 24 de julho, um acordo feito pelos oficiais do Estado-Maior regulando as atividades da Comissão Mista Brasil-EUA foi assinado por Dutra e pelo chefe da missão militar norte-americana no Brasil, o coronel Lehman Miller. O Brasil se comprometeu a ajudar a defender as Américas, a construir bases aéreas e navais e a autorizar seu uso por outros países do continente e ainda a organizar a defesa da costa brasileira. Os Estados Unidos, por seu turno, prometeram empregar suas tropas em defesa do Brasil e auxiliar o país com armamentos. As cláusulas do acordo foram mantidas em segredo por causa da neutralidade dos dois países. Na semana seguinte, Vargas fez uma viagem oficial ao Paraguai e à Bolívia, onde inaugurou os primeiros 85 km da estrada de ferro Santa Cruz-Corumbá. Por um acordo assinado em 1939, com o governo paraguaio, o Brasil também se comprometia a construir uma estrada de ferro ligando os dois países. Vargas visitou as obras em andamento e encontrou-se com o presidente Higinio Morínigo, na primeira visita de um chefe de Estado brasileiro ao Paraguai.
Entrementes, as reuniões da Comissão Mista Brasil-EUA que se realizavam no Ministério da Guerra sob a presidência de Góis Monteiro prolongavam-se em discussões infrutíferas. Os norte-americanos estavam mais interessados em enviar tropas para o Nordeste do que em armar os brasileiros para defender a região, que tinha grande importância estratégica para o controle aeronaval do Atlântico Sul. Entrementes, o general Dutra começou a enviar tropas para o Norte e o Nordeste. No início de agosto, o coronel Lehman Miller enviou um relatório secreto ao seu governo, julgando o envio de tropas norte-americanas questão muito delicada. “As autoridades do Exército brasileiro”, dizia Miller, “consideram essa possibilidade como uma violação da soberania do Brasil e parecem ter medo de um levante no Sul do Brasil, provavelmente auxiliado por elementos nazistas da Argentina.”
Em 7 de setembro, em discurso no estádio do Vasco da Gama, Getúlio analisou a situação internacional, alertando o povo brasileiro para “as piores eventualidades” e conclamando-o à união nacional e à união continental. “As nossas armas nunca deverão voltar-se contra irmãos; a preparação bélica dos povos americanos é defensiva e propriamente não pertence somente à nação que a detém: pertence a todos e constitui o arsenal do continente. Não está no espírito como não está na linha política da América agredir algum povo ou violar o direito de outrem. Existe, entretanto, arraigado no coração de todos, das praias do Atlântico às do Pacífico, o sentimento de inviolabilidade continental.”
Além de falar mais claramente a linguagem do pan-americanismo, Getúlio passou a prestigiar Osvaldo Aranha, que contava como aliado, além de Salgado Filho, o ministro interino Vasco Leitão da Cunha, em seus conflitos com o Estado-Maior do Exército.
Em 1º de outubro, foi assinado em Washington um acordo para o fornecimento de cem milhões de dólares em material bélico nos termos do Lend and Lease Act, lei de empréstimo e arrendamento de armas e munições aos países vítimas de agressões, sancionada por Roosevelt em março de 1941.
Mas a situação ainda não estava definida. No final de outubro, o coronel Miller declarou ao general Góis Monteiro que persistia um clima de desconfiança no Departamento de Guerra dos Estados Unidos em relação à atitude brasileira em face da provável participação norte-americana no conflito europeu. Miller mencionou também as informações que chegavam a seu país sobre as atividades da quinta coluna e as simpatias das altas patentes militares pelo Eixo, nomeadamente o próprio general Góis Monteiro e Dutra.
No início de novembro de 1941, Vargas recebeu uma lista de queixas dos norte-americanos. O Departamento de Guerra mostrara-se perplexo diante do completo desinteresse do general Dutra em utilizar o crédito de 12 milhões de dólares, disponível desde maio anterior. Além disso, as autoridades brasileiras tardavam em entregar ao governo norte-americano a lista das encomendas a serem atendidas pelo recente contrato de crédito de cem milhões de dólares.
Em 10 de novembro, na comemoração do quarto aniversário do Estado Novo, Getúlio advogou uma política de franca solidariedade continental, mas condicionando a adesão brasileira aos planos norte-americanos à estruturação de um Exército forte, capaz de exercer sua tarefa própria.
O ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro, precipitou a entrada dos Estados Unidos na guerra contra o Eixo, forçando uma definição do governo brasileiro. No próprio dia 7, Vargas convocou o ministério, que resolveu, por unanimidade, declarar a solidariedade brasileira aos Estados Unidos.
Logo em seguida, Roosevelt solicitou a Vargas, que respondeu positivamente, permissão para o envio de seu pessoal técnico às bases aéreas de Belém, Natal e Recife, alegando a impossibilidade de os aviões norte-americanos utilizarem a rota do Pacífico para alcançar o Extremo Oriente. O pessoal técnico (cerca de 50 homens em cada base) seria encarregado de realizar minuciosas vistorias antes dos vôos. Mas, em lugar do “pessoal técnico”, os Estados Unidos mandaram fuzileiros navais armados, o que teve repercussão negativa nos meios militares brasileiros.
Em discurso pronunciado em 31 de dezembro perante a oficialidade das três armas, Vargas insistiu na solidariedade brasileira aos Estados Unidos, mas também no recado ao governo norte-americano para que atendesse aos pedidos de material bélico. A III Conferência de Chanceleres das Repúblicas Americanas, convocada para o Rio de Janeiro depois da entrada dos Estados Unidos na guerra, daria margem à superação definitiva do impasse em que se encontravam os planos de colaboração militar entre o Brasil e os Estados Unidos.
A entrada na guerra
Os Estados Unidos marcharam para a conferência dos chanceleres americanos com um objetivo primordial: obter uma solução de rompimento unânime e imediato de relações diplomáticas entre os países latino-americanos e o Eixo.
À medida que a conferência se aproximava, Vargas sofreu pressões que se entrecruzavam. “Provavelmente”, escreveu Gerson Moura, “sob inspiração do ministro das Relações Exteriores da Alemanha, [Joachim] Von Ribbentrop, o primeiro ministro português Salazar pediu a Vargas que evitasse participar da guerra ao lado dos Estados Unidos. Internamente, os setores pró-alemães e ligados ao integralismo multiplicaram esforços para dissuadir o governo de um alinhamento definitivo aos Estados Unidos, enquanto a ANL (a extinta Aliança Nacional Libertadora) exigiu o rompimento de relações com o Eixo em nome da solidariedade continental.”
Em 15 de janeiro de 1942, Vargas inaugurou a conferência com um discurso de franca solidariedade aos Estados Unidos. No dia 19, Roosevelt telegrafou a Vargas e, referindo-se ao armamento desejado pelo Brasil, afirmou: “Compreendo e avalio a necessidade do material e posso assegurar que as remessas começarão imediatamente.” Osvaldo Aranha, eleito presidente da conferência, empenhou-se a fundo, juntamente com o representante norte-americano Sumner Welles, em obter a resolução unânime de rompimento com o Eixo, mas isto não foi possível devido à resistência oposta pela Argentina. Conseguiu-se apenas, para salvar a unidade continental, aprovar uma moção que recomendava o rompimento de relações.
A moção foi aprovada em 23 de janeiro e, imediatamente, Dutra e Góis Monteiro opuseram resistência ao rompimento. Na carta que enviou em 27 de janeiro a Vargas, Dutra advertiu que o rompimento de relações provocaria inevitavelmente a agressão submarina à navegação de cabotagem e pedia tempo para que o país se armasse com a cooperação dos Estados Unidos. Em 28 de janeiro, entretanto, coincidindo com o encerramento da III Conferência de Chanceleres, Vargas determinou o rompimento de relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, a Itália e o Japão.
O rompimento com o Eixo trouxe conseqüências econômicas e políticas imediatas. No princípio de fevereiro, o ministro Sousa Costa viajou aos Estados Unidos para tratar de assuntos econômicos e financeiros e, sobretudo, para acelerar a entrega do material bélico norte-americano ao Brasil. Tal como o general Dutra tinha previsto, navios mercantes brasileiros tornaram-se alvo imediato dos submarinos alemães. Nos dias 15 e 19 de fevereiro, os cargueiros Buarque e Olinda foram torpedeados ao largo da costa dos Estados Unidos, motivando protestos do governo brasileiro ao alemão, por intermédio de Portugal. No final do mês, mais um navio brasileiro, o Cabedelo, foi afundado, ao largo das Antilhas. Os ataques provocaram uma onda de indignação em todo o país e serviram como elemento de pressão do governo brasileiro para reduzir o prazo de entrega do material bélico norte-americano.
Finalmente, em 3 de março, Sousa Costa assinou em Washington novo acordo com base na lei, de empréstimo e arrendamento, reformando o anterior (assinado em outubro de 1941) de modo a dobrar o crédito destinado à compra de armamento para duzentos milhões de dólares. Sousa Costa assinou também vários acordos econômicos com autoridades norte-americanas e britânicas. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que estavam enfrentando dificuldades de suprimento de minério de ferro, assumiram o compromisso de adquirir 750.000 toneladas anuais de minério por três anos à Companhia Vale do Rio Doce, empresa controlada pelo governo brasileiro que viria a ser fundada em abril. A Itabira Iron Company, por um acordo com a Inglaterra, foi transferida à propriedade do governo brasileiro, que obteve também a estrada de ferro que ligava as minas ao porto de Vitória. O Eximbank ofereceu créditos de até cem milhões de dólares para financiar a exploração das minas e o aproveitamento de outros recursos naturais como a borracha. Ainda em conseqüência dos acordos de Washington e dos ajustes subseqüentes negociados em 1942, o Brasil teve asseguradas suas vendas de cacau e de café, mesmo quando não fosse possível obter transporte para exportá-los.
Em 7 de março, após o afundamento dos navios mercantes Arabutan e Cairu ao largo da costa norte-americana, Getúlio acelerou as medidas de defesa, criando o Conselho de Defesa Nacional, presidido por Osvaldo Aranha, e pedindo ao governo norte-americano que tomasse providências para garantir o tráfego marítimo entre os dois países. Os norte-americanos começaram a construir bases no Nordeste. Àquela altura a companhia de aviação italiana Lati já não operava no Brasil e a Condor, alemã, estava em processo de se transformar na Cruzeiro do Sul.
Em 19 de abril, o país inteiro comemorou o 59º aniversário de Getúlio, com discursos e desfiles promovidos pelas estações de rádio, colégios, jornais, clubes, instituições profissionais e órgãos governamentais. No fim do mês, Getúlio recebeu o almirante norte-americano Jonas Ingram, chefe das Forças Navais Aliadas no Atlântico Sul e das operações militares conjuntas programadas para o Nordeste entre o Brasil e os Estados Unidos.
No plano da colaboração militar, persistiam porém as dificuldades. Em 23 de maio, os dois países assinaram um convênio político-militar para regularizar os problemas de defesa. O acordo criava duas comissões mistas de defesa Brasil-Estados Unidos, mas só a que teve Washington por sede foi organizada de imediato (a comissão sediada no Rio seria criada no final do ano). Para chefiar a delegação brasileira foi designado o general Estêvão Leitão de Carvalho, que recebeu ordens de Dutra para se entender com o ministro das Relações Exteriores, já que a comissão nada tinha a ver com o Ministério da Guerra. Osvaldo Aranha explicou a Leitão de Carvalho que o acordo fora a fórmula encontrada por ele e pelo embaixador Caffery para contornar as dificuldades criadas pelo EME à colaboração com os norte-americanos.
Na véspera de 1º de maio, quando descia de Petrópolis para sua saudação anual aos trabalhadores no estádio do Vasco da Gama, Getúlio havia sofrido um acidente automobilístico de que saiu com fraturas na perna, no maxilar e na mão. Seria obrigado a permanecer quase três meses em convalescença. Durante esse período, os choques de Osvaldo Aranha com Dutra, Góis Monteiro e, sobretudo, Filinto Müller tornaram-se cada vez mais acentuados. O ministro do Exterior condenava a repressão policial contra as manifestações antinazistas, coordenadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que havia sido fundada sob a égide do regime estado-novista em 1938. A UNE assumiu a vanguarda da luta contra o nazi-fascismo e pela adesão total à causa dos Aliados (Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética). Vários sindicatos — entre eles alguns em que era sensível a influência do clandestino PCB — também se posicionaram favoravelmente à guerra com a Alemanha e a Itália.
Para comemorar a data da independência dos EUA (4 de julho), os estudantes resolveram promover no Rio de Janeiro uma marcha pública em favor dos Aliados, a Passeata Estudantil Antitotalitária, primeira manifestação do gênero desde a instauração do Estado Novo. Contavam com o apoio de Osvaldo Aranha e do interventor no estado do Rio, Amaral Peixoto. A passeata, que se realizou com grande êxito, motivou porém sério atrito entre Filinto Müller, contrário à manifestação, e o ministro interino da Justiça, Vasco Leitão da Cunha. Depois de uma altercação, Vasco Leitão deu voz de prisão ao chefe de polícia do Distrito Federal. Mais do que isso, a manifestação provocou a primeira crise do regime, que teve como resultado a demissão de Filinto Müller, Vasco Leitão, Lourival Fontes e Francisco Campos (ministro licenciado da Justiça que deixou o cargo definitivamente).
Getúlio remanejou a equipe governamental, fortalecendo em certa medida a corrente liderada por Osvaldo Aranha. O ministro do Exterior recebeu com satisfação a nomeação do tenente-coronel Alcides Etchegoyen para a chefia de polícia do Distrito Federal. Marcondes Filho, ministro do Trabalho, passou a ocupar cumulativamente o Ministério da Justiça. Dutra pôde escolher o novo diretor do DIP, o major Antônio José Coelho dos Reis, mas tornou-se evidente que os setores mais extremados do regime tinham perdido terreno.
Do início de junho ao final de julho, cinco navios brasileiros foram torpedeados nas proximidades do mar das Antilhas. O problema se tornou mais grave a partir de 15 de agosto, quando dois navios de cabotagem transportando centenas de passageiros foram postos a pique no litoral de Sergipe por um submarino alemão: o Baependi e o Araraquara. Na madrugada do dia seguinte foi a vez do Anibal Benévolo, na mesma região. No dia 17, foram torpedeados no litoral da Bahia o Itagiba e o Arará. Em três dias foram mortas assim 610 pessoas.
Em 18 de agosto, grandes manifestações ocuparam as ruas das principais cidades brasileiras, reivindicando a declaração de guerra contra o Eixo. Na capital da República o cortejo terminou no palácio Guanabara, onde discursaram Vargas e Osvaldo Aranha. O presidente elogiou o sentimento dos manifestantes, anunciou medidas de represália contra os agressores, mas não prometeu que o Brasil entraria na guerra. Terminou pedindo aos que o ouviam que voltassem para casa com a cabeça erguida. Surgiu nessa ocasião a palavra de ordem de “união nacional” contra a agressão do Eixo, aproximando desde comunistas até conservadores antifascistas.
Depois de se comunicar com Roosevelt, Vargas autorizou Aranha no dia 21 de agosto a enviar notas comunicando aos governos da Alemanha e da Itália que os atos de guerra praticados contra o Brasil tinham criado um estado de beligerância. Quando Vargas reuniu o ministério no dia 22, o fato já estava consumado. Três dias depois, Góis Monteiro se licenciou do EME por motivo de saúde. No dia 31 de agosto, como o estado de beligerância estivesse dando margem a interpretações confusas, o governo decretou o estado de guerra em todo o território nacional.
A entrada do Brasil na guerra não poderia deixar de repercutir no quadro político nacional. De imediato, reforçou tanto a palavra de ordem de união nacional como o prestígio de Vargas. Ao mesmo tempo, a adesão do país à luta contra o nazismo revalorizava os ideais de democracia, criando uma contradição para o próprio regime. Para evitar qualquer controvérsia, Getúlio logo afastou a hipótese de mudança nos quadros institucionais vigentes. Em 10 de novembro de 1942, nas comemorações do quinto aniversário do Estado Novo, Getúlio declarou: “O que nos cumpre agora é aperfeiçoar o aparelho político-administrativo, completando os órgãos constitucionais, preparando o país para a sucessão normal de seus dirigentes dentro das fórmulas da democracia funcional que instituímos.” E assinalou: “Consideramos mero bizantinismo indagar se o novo regime é ou não democrático.”
No plano militar, o governo decretou imediatamente a mobilização geral do país, tratando prioritariamente de assegurar a defesa do litoral. Em setembro, a Marinha brasileira, quase toda em operação no Nordeste, foi posta sob o comando do almirante Jonas Ingram. Com o afundamento de mais três navios mercantes, no final do mês, os dois países acertaram medidas mais efetivas para a defesa do Atlântico Sul.
Em novembro de 1942, a Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos acertou as bases para a defesa do Nordeste brasileiro. O Brasil assumia a defesa de seu território e a proteção das instalações militares. A defesa marítima, coordenada pelo almirante Ingram, seria responsabilidade conjunta de ambas as nações. A cidade de Natal foi escolhida para sede do Comando de Transporte Aéreo norte-americano e seu aeroporto, construído pelos norte-americanos, tornou-se em pouco tempo o mais movimentado do mundo, segundo John Foster Dulles. O arquipélago de Fernando de Noronha tornou-se território federal, a fim de melhor atender às necessidades da defesa nacional.
No final de 1942, uma mudança de rumos já podia ser percebida no panorama da guerra. Entre o início da retirada dos exércitos alemães do norte da África, após a derrota em EI Alamein, no Egito, em novembro de 1942, e a capitulação do IV Exército alemão depois da batalha de Stalingrado, em fevereiro de 1943, a balança da guerra pendeu decisivamente em favor dos Aliados.
Em 31 de dezembro de 1942, Vargas discursou em almoço de confraternização das forças armadas no Rio. Referindo-se ao Exército, declarou que ele se aprestava rapidamente “para o desempenho da missão que lhe está confiada na defesa do território nacional e para outras que as eventualidades venham a exigir”. Em termos mais claros, afirmou: “O dever de zelar pela vida dos brasileiros obriga-nos a medir as responsabilidades de uma possível ação fora do continente. De qualquer modo, não deveremos cingir-nos à simples expedição de contingentes simbólicos.” De fato, a participação do Brasil não seria apenas simbólica ou material, mas também humana. No início de 1943, o governo decidiu enviar um contingente para a guerra, começando a organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
Economia de guerra
O ano de 1942 correspondeu também a uma virada do ponto de vista econômico no Brasil. Segundo Marcelo de Paiva Abreu, “acelerou-se o crescimento industrial; pela primeira vez, desde a década de 20, começaram a acumular-se reservas cambiais em função da expansão do programa aliado de aquisição de materiais estratégicos; observa-se a entrada de capitais privados norte-americanos após longo período de desinteresse”.
Com a entrada do Brasil na guerra, os defensores da auto-suficiência e do planejamento ganharam força. Em setembro de 1942, Getúlio criou a Coordenação da Mobilização Econômica, um verdadeiro superministério com poderes para regular a produção e fixar preços e salários. João Alberto foi nomeado presidente do novo órgão. Representantes da indústria e do comércio, como Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi e João Daudt d’Oliveira, integraram o seu conselho consultivo. No mesmo ano, foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), órgão de direito privado subordinado à Confederação Nacional da Indústria (CNI) e sustentado pela contribuição compulsória das empresas, proporcional à sua folha de pagamento. Por iniciativa do ministro Gustavo Capanema, começaram a ser promulgadas as Leis Orgânicas do Ensino, reformando vários ramos do ensino médio. A Lei Orgânica do Ensino Secundário, também conhecida como Reforma Capanema, instituiu um primeiro ciclo de quatro anos de duração (ginasial) e um segundo ciclo de três anos que poderia ser o curso clássico ou científico.
Por iniciativa de Getúlio, os Estados Unidos enviaram, em 1942, uma missão técnica chefiada por Morris Cooke, para ajudar a planejar a mobilização econômica no Brasil. A missão Cooke foi considerada a primeira tentativa de diagnóstico global da economia brasileira e de seus problemas dentro de uma perspectiva de promoção do desenvolvimento do país. Seu relatório (divulgado integralmente apenas em 1948) tinha como objetivo “fortalecer a longo alcance todo sistema industrial brasileiro” e fazia uma crítica moderada às grandes nações. Cooke concluiu que o país dependia excessivamente das importações e que essa situação se agravara em decorrência das restrições do período de guerra.
Concretamente, as dificuldades de acesso a importações não resultaram em redução substancial da produção industrial. Segundo Marcelo de Paiva Abreu, “enquanto entre 1939 e 1942 a produção industrial cresceu 3,9% ao ano, entre 1942 e 1945, quando a escassez de insumos e bens de capital tornou-se séria, a taxa média de crescimento foi de 9,4%, comparável à que se verificou entre 1932 e 1939”. Vários ramos da indústria expandiram notavelmente suas atividades em vista do aumento, seja da demanda externa (caso dos têxteis e dos produtos de borracha) seja da demanda interna (caso dos minerais não-metálicos, produtos químicos etc.). Não se chegou porém a consolidar a industrialização pesada.
“Ferro, carvão e petróleo”, dizia Getúlio em 1939, “são os esteios da emancipação econômica de qualquer país”. Volta Redonda exerceu um impacto imediato sobre a economia brasileira, embora só fosse começar a produzir em 1946. As indústrias de carvão se modernizaram e novas indústrias — lataria, celulose, química, caldeiras etc. — foram estabelecidas no Vale do Paraíba. O governo também organizou uma empresa de economia mista para desenvolver a indústria de álcalis e eliminar o dispêndio em importação de barrilha, matéria-prima essencial à produção do vidro. Com essa finalidade, foi criada em 1943 a Companhia Nacional de Álcalis, que iria instalar sua fábrica em Cabo Frio (RJ).
No setor do petróleo, as realizações do Estado Novo foram reduzidas. Quando Vargas deixou o poder em 1945, a produção dos campos baianos ainda era insignificante. As tentativas do general Horta Barbosa de estabelecer grandes refinarias estatais fracassaram. Em todo caso, sua ação bloqueou a iniciativa das grandes empresas estrangeiras e o imposto federal unificado sobre os produtos do petróleo representou um marco na legislação estado-novista: em setembro de 1940, reunindo cerca de 35 tributos diferentes sobre o petróleo, foi instituído o imposto único sobre combustíveis. A simplicidade do sistema levou à elaboração de um plano de financiamento rodoviário, o primeiro da história brasileira.
A política do CNP suscitou diferentes controvérsias. Em 1941, o escritor José Bento Monteiro Lobato, entusiasta da exploração do petróleo e famoso por suas denúncias contra os trustes estrangeiros, foi preso, após acusar o general Horta Barbosa de bloquear a iniciativa privada nacional. O general Horta Barbosa sofreu também numerosas críticas de grupos de interesse, favoráveis à participação do capital estrangeiro na indústria petrolífera. Pressionado por diferentes setores, Horta Barbosa demitiu-se da presidência do CNP em meados de 1943, sendo substituído pelo coronel João Carlos Barreto.
O crescimento econômico do país no período da guerra foi estimulado pelas políticas monetária e fiscal claramente protecionistas adotadas pelo governo a partir de 1942. O financiamento do esforço de guerra e algumas obras públicas de grande vulto — como o início da construção da avenida Getúlio Vargas no Rio de Janeiro — contribuíram para que o orçamento do governo federal tivesse uma série de déficits. A acumulação de reservas em divisas permitiu ao governo brasileiro negociar uma solução definitiva para o problema da dívida pública externa em novembro de 1943. Mas, por outro lado, obrigou o governo à emissão de grande quantidade de moeda. O problema financeiro mais sério, agora, era a inflação. Segundo Celso Furtado, “o nível geral de preços, que entre 1929 e 1939 havia aumentado em apenas 31 por cento, entre 1940 e 1944 subiu 86%. Já em 1942, primeiro ano em que a economia foi submetida a um esforço mais intenso, o nível de preços subiu 18%”. No final de 1942, o mil réis, que havia perdido muito valor em relação ao dólar, foi substituído por uma nova unidade monetária, o cruzeiro.
“Durante os anos de guerra”, diz Werner Baer, “foram criadas várias empresas governamentais, a maioria por questões de segurança nacional, sendo que algumas delas viriam a se tornar companhias poderosas nos anos 1950 e 60.” Ainda segundo o mesmo autor, “o governo ampliou seu controle sobre a navegação, em 1940, ao nacionalizar e fundir duas companhias particulares que serviam à região amazônica (a Companhia Port of Pará e a Amazon River Steam Navigation Company Ltd.) no Serviço de Navegação e Administração do Porto do Pará (SNAPP). A Companhia Nacional de Navegação Costeira surgiu em 1942 como resultado do controle governamental sobre as propriedades da empresa particular de navegação — Cia. Lage e Irmãos (algumas dessas propriedades retornaram a seus primeiros donos após a Segundo Guerra). Finalmente, a criação da empresa governamental Serviço de Navegação da Bacia do Prata, cujo objetivo era promover a navegação nos rios Paraguai e Paraná, resultou também da nacionalização de várias companhias particulares que serviam à região.”
“Além da expansão do Estado no setor da navegação”, prossegue Baer, “as condições de guerra levaram o governo a criar, em 1943, a Fábrica Nacional de Motores (FNM — localizada em Xerém, no estado do Rio), cujos objetivos iniciais eram garantir os serviços de manutenção de motores, assim como sua produção, dada a escassez dos tempos de guerra.” Ainda no campo da promoção do desenvolvimento econômico, foram criados novos institutos federais do pinho, mate e sal.
O DASP, em seu esforço de racionalizar a administração federal, concentrou-se prioritariamente na formação de quadros técnicos para a administração pública. Foi nesse contexto de modernização da burocracia brasileira que se situou a criação da Fundação Getulio Vargas, em 20 de dezembro de 1944, por iniciativa de Luís Simões Lopes.
Em outubro de 1945, já no final do Estado Novo, foi instituída a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), a fim de promover o aproveitamento da cachoeira de Paulo Afonso e dar energia ao esforço nascente de industrialização do Nordeste.
A Força Expedicionária Brasileira
No final de 1942, ao defender o envio de tropas brasileiras para combater fora do território nacional, Getúlio abriu uma nova perspectiva mais ampla para a aliança entre o Brasil e os Estados Unidos na luta contra os países fascistas. A declaração de Getúlio pegou a todos de surpresa, inclusive aos mais ardorosos defensores da aliança com os Estados Unidos.
O general Dutra logo se manifestou de acordo, apresentando um memorando onde indicava a dimensão bastante ampla que deveria ter a força expedicionária: três divisões totalizando cem mil homens. A posição do ministro da Guerra, ao longo de todo o processo de formação da FEB, foi clara: procurar o máximo de poder e prestígio para a corporação militar brasileira em troca do completo alinhamento com os Aliados ou, mais precisamente, com os Estados Unidos.
Em contrapartida, Dutra reagiu à fundação da Sociedade Amigos da América, entidade organizada por personalidades civis e militares com o ideário de “luta contra as doutrinas fascistas, sejam elas européias ou nacionais”. A Sociedade foi fundada no Rio em 1º de janeiro de 1943 com a participação dos irmãos Virgílio e Afonso Arinos de Melo Franco e vários coronéis e generais do Exército. Seu presidente era o general Manuel Rabelo, também presidente do Superior, então Supremo, Tribunal Militar (STM), que, juntamente com o general Horta Barbosa e o coronel Newton Estillac Leal, manifestavam um crescente antagonismo com o general Dutra.
Em 12 de janeiro, em carta a Getúlio, o ministro da Guerra fez carga contra o general Rabelo que, “valendo-se das imunidades de ministro do Supremo Tribunal Militar, critica em termos desairosos a atuação de altos órgãos desse ministério.” Rabelo acusara oficiais do Exército de serem ativamente simpáticos ao Eixo e referira-se ao chamado perigo comunista como ao “espantalho e duende imaginário”. Dutra em sua carta classificava a situação como “bastante semelhante à que enfrentamos em 1935”. Getúlio preferiu, prudentemente, não intervir no conflito entre Dutra e Rabelo.
No final de janeiro de 1943, Vargas viajou a Natal a fim de se encontrar com Roosevelt, que regressava aos Estados Unidos, após reunir-se com Churchill na Conferência de Casablanca. Os dois presidentes conversaram animadamente sobre a marcha da guerra e, num jipe, inspecionaram as instalações militares da base de Natal. Roosevelt sugeriu, e Vargas aceitou, que o Brasil se tornasse um dos membros fundadores da futura Organização das Nações Unidas (ONU). Por seu lado, Vargas solicitou mais equipamento militar e revelou sua disposição de enviar um contingente para a guerra. Roosevelt tomou nota, mas confidenciou ao embaixador Caffery, também presente ao encontro, que as autoridades militares norte-americanas não estavam “especialmente interessadas no envio de tropas brasileiras ao norte da África”. Naquele momento, o norte da África era o principal teatro de operações do exército norte-americano na guerra contra a Alemanha. Embora a participação militar dos demais países da América no conflito não corrcspondesse aos ditames da estratégia norte-americana, a formação de um corpo expedicionário brasileiro não era vista com maus olhos pelas autoridades dos Estados Unidos.
No encontro de Natal, Roosevelt também se ofereceu para conseguir assistência médica para Getúlio Vargas Filho, vítima de uma grave enfermidade. Mas já não era possível deter a marcha da paralisia fatal. Getulinho faleceu alguns dias mais tarde, contando pouco mais de 20 anos.
A questão do envio de tropas arrastou-se por algum tempo. Cada passo foi objeto de dificultosas negociações entre a cúpula militar norte-americana e o governo brasileiro — a bem dizer as duas alas do governo, entre as quais manobrava, com a costumeira competência, Getúlio Vargas. Em março de 1943, Getúlio aprovou, em princípio, o plano apresentado pelo general Dutra para a formação do corpo expedicionário. O ministro da Guerra propunha o envio de um corpo de exército inteiro — três divisões e não apenas uma, como acabou acontecendo — com a ressalva de que os norte-americanos deveriam fornecer equipamento moderno para armar, no Brasil, um número de soldados equivalente ao do corpo expedicionário, a pretexto de reforçar o aparato militar da manutenção da ordem. Dutra também manifestou sua disposição de comandar a força expedicionária. Em abril, o governo norte-americano confirmou finalmente seu apoio ao envio de tropas brasileiras para a frente de combate. No mês seguinte, a organização do corpo expedicionário foi acertada no Rio durante a visita do general norte-americano J. Garesche Ord, presidente da Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, sediada em Washington. Ficou assentado que o Brasil enviaria um corpo de exército constituído de três divisões de infantaria, elementos orgânicos indispensáveis (artilharia, engenharia, comunicações, saúde etc.) e forças aéreas correspondentes. Do armamento fornecido pelos Estados Unidos, metade seria entregue no Brasil para facilitar o treinamento da tropa, e a outra metade no teatro de operações.
Em 9 de agosto, Dutra convidou o general João Batista Mascarenhas de Morais, comandante da 2ª RM, para comandar a primeira das divisões que comporiam o corpo expedicionário. Essa divisão, que acabaria sendo a única e se tornaria conhecida como FEB, foi a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), criada na mesma data por portaria ministerial reservada. Mascarenhas de Morais, general de discretíssima participação política, para não dizer nenhuma, não hesitou em aceitar sua indicação.
Partindo em seguida para os Estados Unidos, Dutra acertou o plano geral de participação de tropas brasileiras na guerra. Segundo Afonso Arinos de Melo Franco, foi nessa ocasião que o ministro da Guerra viu derrotada sua exigência de que o governo norte-americano aparelhasse tropas do Exército, em número equivalente à força expedicionária, para guarnecer o território nacional. Ficou resolvido que, em princípio, a FEB se deslocaria para a Europa, mais precisamente para o teatro de guerra do Mediterrâneo, em junho e julho de 1944.
Segundo Mascarenhas de Morais, muitos obstáculos tiveram de ser vencidos na organização da FEB, entre eles as dificuldades interpostas por elementos do governo simpatizantes dos países do Eixo. O general Cordeiro de Farias foi ainda mais longe ao afirmar: “A FEB, por exemplo, foi organizada à revelia do Estado-Maior do Exército, isto é, à revelia de Góis. O Dutra precisou criar um grupo especial para organizar a FEB, diante da indiferença do Estado-Maior.” Cordeiro de Farias, interventor no Rio Grande do Sul até 1943, voltara ao Exército para se integrar à FEB. Foi, junto com Mascarenhas de Morais, Euclides Zenóbio da Costa e Olímpio Falconière da Cunha, um dos quatro generais brasileiros que participaram da campanha da Itália.
Em 30 de novembro de 1943, foi designada a Comissão Militar Brasileira, que, sob a chefia do general Mascarenhas de Morais, tinha por objetivo observar de perto o teatro de operações no Mediterrâneo. Em 17 de dezembro, Góis Monteiro foi substituído na chefia do EME pelo general Maurício Cardoso. Em janeiro de 1944, Góis Monteiro aceitaria a nomeação oferecida por Osvaldo Aranha para ir a Montevidéu como delegado do Brasil ao Comitê Consultivo de Emergência para a Defesa Política do Continente, tomando posse em março.
Em 31 de dezembro de 1943, um ano após lançar a idéia do corpo expedicionário brasileiro, Getúlio pôde anunciar: “O ano próximo virá encontrar-nos em tarefas árduas e de séria responsabilidade. Pela primeira vez, soldados brasileiros pisarão o solo de outros continentes para tomar parte em operações de guerra.” Em maio de 1944, Getúlio assistiu às manobras do corpo expedicionário no campo de Gericinó, no Rio de Janeiro. O presidente aproveitou a oportunidade para acentuar a necessidade da industrialização, fator decisivo nas guerras modernas.
Em 24 de maio, Getúlio e uma grande massa popular assistiram, no centro da capital, ao desfile dos 25 mil homens que compunham a 1ª DIE. De um palanque montado próximo ao obelisco da avenida Rio Branco, pronunciou um discurso de despedida aos soldados expedicionários. “Chegou a hora de honrar a pátria”, proclamou o presidente em discurso de intensa vibração, “a pátria tudo espera de vós, orgulha-se de vossa coragem consciente, de vossa dedicação. Que a bênção de Deus vos acompanhe, como vos acompanham os nossos espíritos e os nossos corações, até o regresso, com a vitória.”
O primeiro escalão da FEB, comandado pelo general Zenóbio da Costa, embarcou para a Itália em 30 de junho de 1944 no navio norte-americano General Mann. Após marchas e contramarchas, Mascarenhas de Morais partiu com esse primeiro escalão: suas divergências com Dutra quase o impediram de embarcar. Antes da partida, em carta confidencial ao presidente, Mascarenhas deixou transparecer sua preocupação e intranqüilidade: “Os óbices e dificuldades que na organização dessa grande unidade encontramos em território nacional (...) levam-nos a admitir ou recear dificuldades maiores quando estivermos apenas ligados ao Brasil pelo espírito e pelo coração.”
Os primeiros contingentes brasileiros desembarcaram em Nápoles no dia 16 de julho, integrando-se ao V Exército norte-americano, sob o comando do general Mark Clark. Dois meses depois entraram em combate, procurando abrir brechas na chamada “Linha Gótica”, uma série de posições defensivas alemãs, de grande importância estratégica. O segundo e o terceiro escalões da FEB embarcaram para a Itália em 22 de setembro. Na mesma data, Dutra partiu para a Europa de avião, para observar in loco o desempenho da FEB. Em princípios de outubro, a FAB partiu para a Itália com um contingente de mais de quatrocentos homens, sob o comando do major Nero Moura, estando entre eles o filho mais velho de Getúlio, o tenente médico Lutero Vargas.
Logo que começou a campanha da FEB, Getúlio passou a receber relatórios de críticas ao Estado Novo, correntes entre os oficiais brasileiros que lutavam lado a lado com o V Exército americano, na Itália. Depois de sua viagem ao front, Dutra começou a discutir com Vargas, Góis Monteiro e políticos civis a inevitabilidade da reconstitucionalização. Foi também após seu regresso ao Brasil que tomou conhecimento da decisão de Vargas de suspender a organização da segunda e da terceira divisões que deveriam compor a FEB.
Segundo Cordeiro de Farias, Dutra, que já estava pensando na presidência da República, ficou assim privado de um cargo — comandante-geral de um corpo de exército expedicionário — que lhe daria muito prestígio político. Ainda segundo Cordeiro de Farias, o ministro da Guerra quis retirar Mascarenhas de Morais do comando da FEB, substituindo-o por Zenóbio da Costa, que gozava de sua maior confiança.
Na frente de batalha, a FEB sofreu pesadas derrotas nos últimos meses de 1944, tentando conquistar Monte Castelo. Houve nova pressão do Ministério da Guerra contra Mascarenhas de Morais que, no início de 1945, decidiu viajar para o Rio a fim de se encontrar com Getúlio e Dutra. A alta oficialidade da FEB pediu-lhe porém que desistisse da viagem. Foi enviado o coronel Floriano de Lima Brayner, chefe do estado-maior da FEB, com duas cartas de Mascarenhas de Morais — uma para Vargas, outra para Dutra — solicitando que o escalão seguinte, de cerca de cinco mil homens como os demais (o quarto escalão chegara a Nápoles no início de dezembro), fosse o último a ser enviado à Itália, como de fato aconteceu.
Lima Brayner encontrou no Brasil um quadro de profundo desgaste do Estado Novo e pessimismo em relação à atuação da FEB. Segundo ele, Vargas recebia informações deformadas sobre a capacidade de comando de Mascarenhas de Morais. De volta à Itália no final de janeiro, transmitiu a confiança de Vargas nos chefes da FEB.
A tomada de Monte Castelo em 21 de fevereiro inaugurou uma série de vitórias expressivas das tropas brasileiras. Em 2 de maio de 1945, com a capitulação do último corpo de exército germânico na Itália, a FEB encerrou suas atividades. A guerra terminou na Europa seis dias depois com a rendição incondicional da Alemanha. Em 6 de junho, para que não cessassem os fornecimentos norte-americanos de armamento, o Brasil declarou guerra ao Japão. A capitulação final japonesa ocorreu em 14 de agosto, após o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, ordenado pelo novo presidente dos Estados Unidos, Harry Truman.
O primeiro escalão da FEB regressou ao Brasil em julho de 1945, desembarcando no Rio de Janeiro no dia 18. Ao desfilarem na avenida Rio Branco, no meio de milhares de pessoas, os pracinhas foram apoteoticamente recebidos. Mais que a todos, porém, a multidão que compareceu à Parada da Vitória ovacionou Getúlio Vargas, cujo carro fechava o cortejo.
O declínio do Estado Novo
A participação do Brasil na guerra ao lado das nações democráticas acelerou poderosamente a decomposição do Estado Novo. A erosão do edifício estado-novista começara paralelamente à definição, no alvorecer de 1942, dos rumos da política externa brasileira. Inicialmente, as oposições agiram timidamente porque o governo correspondera aos sentimentos largamente majoritários da opinião pública ao romper relações e depois declarar guerra à Alemanha e à Itália.
Em 1943, ano em que terminaria, segundo os termos da Constituição, o mandato presidencial de Vargas, o Estado Novo começou a viver um período de crise institucional que se deveria combinar de modo peculiar com o andamento da guerra mundial. Como escreveu Francisco Weffort, “a crise política interna combinou-se com a contradição dominante no plano internacional entre fascismo versus democracia”.
O quadro de profunda apatia política dos primeiros anos da ditadura fora bastante modificado pela mobilização popular em favor da entrada do Brasil na guerra. No início de 1943, as forças antifascistas lançaram novas iniciativas, como a fundação da Sociedade Amigos da América. A velha Liga de Defesa Nacional, fundada em 1915 pelo poeta Olavo Bilac, foi revitalizada por uma coalizão de liberais e comunistas. Em 11 de maio, no quinto aniversário do golpe integralista de 1938, teve início a Semana Antifascista, promovida por aquela sociedade, juntamente com a Liga de Defesa Nacional, a UNE e o Conselho Antieixista dos Funcionários do Banco do Brasil. Durante seu transcurso, a capitulação das forças alemãs e italianas no norte da África, que deu aos Aliados o domínio absoluto do Mediterrâneo, foi comemorada com uma passeata. Essas manifestações não contestaram diretamente o poder autoritário de Getúlio, mas permitiram uma maior aglutinação das forças de oposição.
Vargas compreendeu claramente que a guerra, com seus ideais proclamados e seu sentido libertário, implicaria inexoravelmente o fim da ditadura. Assim sendo, tratou de ampliar e consolidar seu prestígio popular procurando estabelecer relações mais organizadas com a classe operária e postulando uma nova doutrina política. Essa doutrina foi o trabalhismo, enunciado por Getúlio e, sobretudo, por seu ministro do Trabalho, Marcondes Filho, em falas especiais no programa “Hora do Brasil”.
A partir de maio de 1943, Vargas tentou estimular a sindicalização em massa. No dia 19 de maio, promulgou simbolicamente a Consolidação das Leis do Trabalho(CLT), sistematizando e ordenando o enorme volume de decretos e regulamentos sobre a organização sindical e a legislação social. A CLT entrou em vigor em novembro do mesmo ano, assegurando o apoio popular ao governo e a formação de uma liderança sindical getuliana, em condições de combater as “influências extremistas” entre o proletariado.
O governo também adotou algumas medidas antiinflacionárias, tentando, por exemplo, congelar os preços e os aluguéis. Em maio, a Coordenação da Mobilização Econômica racionou e tabelou gêneros de primeira necessidade como pão, açúcar e carne, mas não conseguiu impedir o florescimento do mercado negro e as imensas filas para a aquisição dos produtos racionados. João Alberto assinou vários convênios com indústrias de tecidos, remédios e calçados, visando à produção de artigos populares de qualidade e preços inferiores.
Em 7 de maio, ao visitar o canteiro de obras de Volta Redonda, acompanhado do presidente Higinio Morínigo, Getúlio declarou com otimismo: “O problema básico da nossa economia estará em breve sob novo signo. O país semicolonial, agrário, importador de manufaturas e exportador de matérias-primas poderá arcar com as responsabilidades de uma vida industrial autônoma, provendo as suas urgentes necessidades de defesa e aparelhamento. Já não é mais adiável a solução. Mesmo os mais empedernidos conservadores agraristas compreendem que não é possível depender da importação de máquinas e ferramentas, quando uma enxada, esse indispensável e primitivo instrumento agrário, custa ao lavrador 30 cruzeiros, ou seja, na base do salário comum, uma semana de trabalho.” No mês seguinte, João Alberto organizou uma grande expedição chamada Roncador-Xingu, que percorreu o norte do Mato Grosso e deu origem à Fundação Brasil Central, dedicada à colonização e povoamento do interior do país. Em setembro de 1943, o governo deliberou criar cinco territórios federais: o do Amapá, desmembrado do Pará, o do Rio Branco (atual Roraima), destacado do Amazonas, o de Ponta Porã, localizado no sul de Mato Grosso, e o de Iguaçu, formado por terras paranaenses e catarinenses — ambos de curta duração, pois seriam extintos em 1946 — e o de Guaporé, com terras do Amazonas e de Mato Grosso (mais tarde denominado território de Rondônia, em homenagem ao marechal Cândido Rondon, e, em 1982, elevado à categoria de estado).
A partir do segundo semestre de 1943, setores da classe dominante e das classes médias começaram a articular uma oposição mais consistente a Getúlio. Em julho, foi realizado o VI Congresso da UNE, ainda centrado na palavra de ordem da união nacional em torno de Vargas. Em agosto, o Instituto dos Advogados Brasileiros organizou um congresso jurídico nacional para comemorar seu centenário de fundação. Conflitos entre o presidente do congresso, Marcondes Filho (efetivado no Ministério da Justiça três meses antes), e a maioria dos participantes provocaram a retirada das delegações mineira (chefiada por Pedro Aleixo), carioca e baiana, além de inúmeros outros congressistas, em caráter individual.
Em outubro, começou a circular clandestinamente o Manifesto dos mineiros, assinado por 76 personalidades do estado, pedindo, em tom moderado, mas com certeiro impacto, a redemocratização do país. O manifesto, datado de 24 de outubro, em homenagem à Revolução de 1930, foi o primeiro pronunciamento público de setores liberais contra o Estado Novo. Entre seus signatários, destacavam-se Pedro Aleixo, os irmãos Virgílio e Afonso Arinos de Melo Franco, Artur Bernardes, Odilon Braga, Mílton Campos, Afonso Pena Júnior, Dario de Almeida Magalhães, Djalma Pinheiro Chagas, Mário Brant e Adauto Lúcio Cardoso. Pouco depois do lançamento do manifesto, Dutra foi sondado por líderes oposicionistas no sentido de depor Vargas. Sem aceitar, o ministro da Guerra não repeliu liminarmente seus interlocutores.
Getúlio, por seu turno, reagiu com represálias econômicas e administrativas contra os signatários do manifesto. Com base no artigo 177 da Constituição, foram demitidos ou aposentados aqueles que trabalhavam em empresas públicas. Nos casos de empresas particulares o governo recorreu à pressão sobre os proprietários, em geral com êxito.
Sua reação política não tardou. Em 10 de novembro Getúlio discursou na solenidade de inauguração do novo prédio do Ministério da Fazenda, comemorando também o sexto aniversário do Estado Novo. Nessa data, terminava o prazo provisório para a legitimação da Constituição através de um plebiscito, bem como “o mandato” de seis anos conferido a Vargas. Enquanto o ministro Marcondes Filho, em outra cerimônia, justificava o adiamento do plebiscito em função da guerra, afirmando que o mandato continuaria a ser de seis anos, descontada a “anormalidade temporária do estado de guerra”, Getúlio afirmava, de forma mais direta, que “quando terminar a guerra, em ambiente próprio de paz e ordem, com garantias máximas à liberdade de opinião, reajustaremos a estrutura política da nação, faremos de forma ampla e segura as necessárias consultas ao povo brasileiro”, ressaltando que “das classes trabalhadoras organizadas tiraremos, de preferência, os elementos necessários à representação nacional”. Quanto aos signatários do Manifesto dos mineiros, referiu-se de forma velada e sutilmente irônica: “no fundo de nossa consciência sentiríamos remorso se contribuíssemos para lançar o povo brasileiro nos excessos de uma agitação partidária com o fim de tranqüilizar os pruridos demagógicos de alguns leguleios em férias”.
Vargas reivindicava, assim, a iniciativa do processo de reorganização política do país. A proposta do ministro Marcondes Filho era no sentido de se realizarem eleições através da estrutura corporativa dos sindicatos. Getúlio deixara claro em seu discurso o propósito de atribuir uma nova função aos sindicatos. O plano não foi levado adiante, em virtude da oposição de elementos do governo, mas, segundo Francisco Weffort, “tem-se a impressão que esta teria sido a alternativa preferida pelo próprio Vargas”.
Ainda em 10 de novembro, Getúlio decretou o primeiro aumento geral do salário mínimo. Na capital federal, onde o índice era mais elevado, o salário foi aumentado de trezentos para 360 cruzeiros (em 1940 fora fixado em 240 mil réis). Na opinião de Warren Dean, a revisão pode ter importado em simples reconstituição do salário real: o custo de vida, que tinha subido 10% em 1941, 12% em 1942, crescera ainda mais — 14% — em 1943. Na mesma época, o governo permitiu o aumento da jornada diária de trabalho para dez horas, a pedido dos industriais. Determinou ainda que os dissídios coletivos só poderiam ser reiniciados depois de audiência com o ministro do Trabalho e elevou o quorum exigido para a realização de assembléias de 1/3 para metade dos associados dos sindicatos. Como concluiu Weffort, “parece claro que embora tivesse algum interesse na dinamização da vida sindical, Vargas não se mostrava disposto a soltar os controles além do que fosse estritamente necessário aos seus objetivos políticos”.
O ano de 1943 encerrou-se com novas manifestações de oposição à ditadura, dessa vez lideradas pelos estudantes paulistas. Em dezembro, a polícia reprimiu violentamente uma passeata estudantil em protesto contra a prisão do presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Hélio Mota, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Reprimida a bala por ordem do chefe de polícia do Distrito Federal, Coriolano de Góis, a manifestação deixou um saldo de dois mortos e 25 feridos, entre estudantes e populares. A repressão provocou indignação geral, mas, ao mesmo tempo, um certo refluxo das manifestações públicas de oposição à ditadura. Por outro lado, como escreveu Francisco Weffort, “não obstante as manifestações de Vargas no sentido de uma mobilização das massas populares, a movimentação política parece ter ficado circunscrita aos altos escalões políticos durante todo o ano de 1944”.
Em janeiro de 1944, entrou em vigor um segundo plano qüinqüenal, o Plano de Obras e Equipamentos, voltado essencialmente para obras de infra-estrutura e a criação de indústrias básicas. Vargas preocupava-se com a volta da concorrência estrangeira no pós-guerra e falou em criar um banco de “reconstrução” industrial a fim de permitir o reequipamento de firmas brasileiras. Seria fundado por meio de uma sobretaxa sobre lucros, de modo que os ganhos da indústria não fossem desviados para outros setores. Ainda em janeiro, Getúlio decretou um imposto sobre lucros extraordinários com a intenção de “diminuir um pouco a pressão inflacionária causada pela escassez de artigos anteriormente importados e pelo pagamento adiantado em cruzeiros dos saldos de dólares congelados nos Estados Unidos”, segundo escreveu Warren Dean. Concedeu-se porém isenção às empresas que comprassem “certificados de equipamento”, destinados à importação de máquinas em bases prioritárias, quando a guerra terminasse. No entender de Warren Dean, Vargas mostrava-se disposto a prosseguir a “parceria” com os industriais paulistas.
A política externa brasileira adaptou-se às contingências da estratégia norte-americana para o pós-guerra. O Itamarati passou a trabalhar para estabelecer relações com a União Soviética, atendendo a uma solicitação do próprio Roosevelt que o embaixador Caffery transmitiu pessoalmente a Vargas em março de 1944. Em Washington, o embaixador Carlos Martins fez os primeiros contatos secretos com o representante diplomático da União Soviética. Em julho, o Brasil assinou os acordos internacionais de Bretton Woods, que deram origem ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Os acordos de Bretton Woods estabeleceram uma nova política monetária e comercial entre os países capitalistas, instituindo o padrão-dólar nas transações financeiras internacionais, em lugar do ouro.
Entretanto, como escreveu Marcelo de Paiva Abreu, “os norte-americanos demonstravam-se bastante menos generosos em relação ao Brasil do que havia sido o caso nos anos iniciais da guerra... Não apenas recusaram-se peremptoriamente a reajustar os preços do café... mas também mostraram-se crescentemente hostis ao desenvolvimento de indústrias substitutivas de importações — que prejudicariam as exportações norte-americanas para o Brasil no pós-guerra — e não cumpriram suas promessas quanto ao suprimento de matérias-primas e de bens intermediários e de capital escassos no Brasil”.
A violenta política antiargentina adotada pelos Estados Unidos criou alguns embaraços ao governo brasileiro. Desde 1943, os norte-americanos exerciam pressões cada vez maiores contra a Argentina, a qual vinha mantendo renitente posição de neutralidade desde o início da guerra.
Em fevereiro de 1944, a esquadra americano-brasileira, sob o comando do almirante Ingram, penetrou no rio da Prata, sob pretexto de uma visita a Montevidéu, cujo cancelamento Vargas sugeriu e Roosevelt não aceitou. O clima de tensão aumentou em março, quando o presidente Pedro Ramirez foi destituído pelo Exército argentino, após romper relações com o Eixo, conforme o desejo dos Estados Unidos. A Argentina mobilizou as tropas ao longo da fronteira, alegando que o Brasil pretendia atacá-la, sob a pressão norte-americana. O coronel Juan Domingo Perón, cuja figura então se avultava, exercia o cargo de ministro da Guerra.
Em 12 de abril em carta a Góis Monteiro, na época em Montevidéu, Getúlio escreveu que o Brasil não se atritaria com outros países (no caso a Argentina), embora a solidariedade com os Estados Unidos não significasse apenas uma “posição política de emergência” imposta pela guerra. No dia 15, na cerimônia de inaguração do edifício da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Getúlio procurou deixar isto bem claro, ao defender “a soberania de todas as nações, grandes ou pequenas, militarmente fracas ou fortes”. Getúlio reafirmou o compromisso com a reorganização política do país no pós-guerra: “O povo, pelos meios mais amplos e livres, poderá então, sem temores de qualquer espécie, manifestar-se e escolher seus dirigentes e representantes, democraticamente, dentro da ordem e da lei”.
A partir de julho de 1944, figuras de proa do regime, como os interventores Benedito Valadares e Amaral Peixoto e o ministro Marcondes Filho, começaram a esboçar uma estratégia do que na década de 1980 se chamaria de abertura democrática. Em contato com Getúlio, cogitaram de redigir uma lei eleitoral e organizar um grande partido nacional, mas não passaram das especulações preambulares.
A segunda grande crise ostensiva do regime ocorreu em agosto de 1944, marcando o início de um processo acelerado e irreversível de decomposição do organismo da ditadura. No início do mês, Osvaldo Aranha foi reeleito vice-presidente da Sociedade Amigos da América, sempre presidida pelo general Manuel Rabelo. A solenidade da posse da diretoria foi marcada para 11 de agosto no prédio do Automóvel Clube do BrasiL no Rio, onde a entidade tinha a sua sede. No dia 10, agentes policiais instruídos por Coriolano de Góis fecharam a sede da sociedade, mas sua diretoria resolveu manter a solenidade de posse, transferindo-a para o amplo salão daquele mesmo clube.
No dia 11, com o salão repleto (era dia de reunião semanal dos rotarianos) e na presença de Osvaldo Aranha a polícia voltou à carga: evacuou o salão e fechou o Automóvel Clube. A ação de Coriolano de Góis contou com a cobertura do general Dutra e seu dispositivo militar. O DIP proibiu que se divulgasse o fato. Em carta ao seu amigo Góis Monteiro, o ministro das Relações Exteriores afirmou tratar-se de “uma ação deliberada e premeditada em todos os lances” para levá-lo a deixar o governo. “Eu fui vítima de um Pearl Harbor policial”, concluiu Aranha. No dia 21, ele pediu demissão do cargo. “Entre os dois ministros, Dutra e Aranha”, escreveu Afonso Arinos de Melo Franco, “Vargas foi levado, pelas contingências políticas, a sacrificar o que era seu amigo de longos anos.” Osvaldo Aranha deixou o Itamarati em 24 de agosto, sendo substituído pelo embaixador Pedro Leão Veloso. Góis Monteiro, solidário com ele e influenciado pelo contato continuado com oficiais norte-americanos, pediu dispensa da missão em Montevidéu, sem receber resposta positiva de Getúlio. João Alberto também se solidarizou com Aranha, demitindo-se da Fundação Brasil Central.
Em 7 de setembro de 1944, no dia da inauguração da avenida Getúlio Vargas, no Rio, uma das grandes obras públicas do Estado Novo, que remodelou a fisionomia do centro urbano da capital, Getúlio defendeu a institucionalização do regime, afirmando: “O problema institucional do país também não deve causar-nos apreensões. Já foi simplificado com as reformas de 1937, de profundo e sadio sentido democrático, que incorporaram à vida política boa parte da população ativa, dos trabalhadores e produtores da riqueza nacional, colocando em primeiro plano os interesses do povo, a segurança da comunidade. Terminada a guerra, em ambiente de calma, a nação, através de ampla consulta às urnas, poderá pronunciar-se e fazer a livre escolha de seus mandatários.” Havia, porém, uma dificuldade, acrescentou Getúlio. “A extensão do território e a dispersão tornam difícil colher a opinião de todos os que concorrem para o Estado com uma parcela do seu esforço. Impõe-se portanto, assentar um processo pelo qual não só os homens e as mulheres dos centros urbanos, dotados de capacidade civil, venham a participar na escolha dos delegados do poder público. É preciso adotar um método que registre, efetivamente, a vontade de todos os indivíduos que contribuem com o seu trabalho produtivo para a prosperidade do país.”
Getúlio também manifestou a disposição de não promover alterações essenciais na política externa. O retorno do embaixador Carlos Martins ao Rio de Janeiro, algumas semanas depois do fechamento da Sociedade Amigos da América, motivou rumores de que o Brasil repudiaria a política de Washington, aproximando-se da Argentina. No princípio de outubro, Vargas desmentiu-os ao discursar na sessão inaugural dos trabalhos da Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos, designada para estudar medidas asseguradoras da defesa permanente do continente. Martins, de acordo com sua explicação, voltara ao Brasil por motivo de rotina.
A partir de outubro de 1944, começou a se delinear a dissensão entre Getúlio e os chefes militares mais comprometidos com o Estado Novo, Dutra e Góis Monteiro. No final do mês, Góis abandonou seu posto em Montevidéu, voltando ao Rio de Janeiro. Voltou de trem e, segundo seu depoimento a Lourival Coutinho, “ao longo do trajeto, desde a fronteira do Uruguai, foram ao meu encontro generais e oficiais superiores que em contato comigo me informaram da situação interna, desejosos de uma orientação”. Chegando à capital confirmou suas informações de que, “no Nordeste se processava, em estado adiantado, uma conjuração contra a permanência do Estado Novo e da ditadura. Nos meios militares do Recife, foco principal da conspiração, oficiais que haviam contribuído decisivamente para a vitória da Revolução de 1930, tendo à frente o brigadeiro Eduardo Gomes, já discutiam abertamente o assunto, que se irradiava para vários pontos do país”.
O general Dutra voltou da frente de batalha da FEB na segunda quinzena de outubro, plenamente convencido de que boa parte da hierarquia militar, representada pela oficialidade da FEB, tanto quanto os norte-americanos, desejava o fim do regime varguista.
Em 1º de novembro, Góis encontrou-se com o presidente, declarando, sempre de acordo com o depoimento a Lourival Coutinho, que tinha vindo de Montevidéu “para acabar com o Estado Novo”. A exemplo de Góis, Dutra procurou Getúlio e, segundo suas próprias palavras, transcritas por Osvaldo Trigueiro do Vale, sentiu-se no “dever de alertá-lo no sentido de orientar a sua política em novos rumos, ou, mais claramente, no sentido de redemocratização do Brasil. Era preciso acabar definitivamente com o regime do governo pessoal, discricionário, por maiores que pudessem ser os méritos do presidente e o vulto da obra realizada”.
Vargas disse estar de pleno acordo com o ponto de vista do ministro da Guerra e, como era de seu feitio, pediu a Dutra e Góis Monteiro que examinassem o problema das eleições com o ministro da Justiça. Quando Marcondes Filho lhe apresentou seu esboço de ato convocatório das eleições, que seriam realizadas pelo sistema corporativo, Dutra retrucou: “Não era isso, não, Dr. Marcondes, é eleição mesmo.”
Em 10 de novembro, Getúlio se dirigiu aos chefes das forças armadas e, afastando a priori a idéia de uma assembléia constituinte, propôs que o país fosse democratizado, depois da guerra, sob a Constituição autoritária de 1937. Vargas aproveitou o transcurso do sétimo aniversário do Estado Novo para anunciar novas leis trabalhistas, estabelecendo o direito à sindicalização dos trabalhadores rurais e aumentando consideravelmente os benefícios da Lei de Acidentes do Trabalho. No final de novembro, Francisco Campos sugeriu que fossem preparadas emendas à Constituição para serem submetidas a uma assembléia constituinte dotada de poderes para elaborar inclusive uma nova Carta. Getúlio encaminhou essas recomendações a Dutra, que as aprovou inteiramente.
Em dezembro de 1944, Dutra recomendou a Getúlio que as eleições fossem realizadas antes que a guerra terminasse — “coisa que infelizmente ainda não se pode prever antes destes seis próximos meses” —, discordando, assim, do cronograma estabelecido pelo presidente. “Estou mesmo convencido”, dizia Dutra em 27 de dezembro, “de que essa antecipação virá permitir em melhores condições a consulta eleitoral ao povo”.
Vargas pretendia, ao contrário, ganhar tempo para reorientar, sob sua liderança, a ordem institucional e o sistema político. No final do ano, o regime ainda esboçou um espasmo repressivo, com a prisão de líderes oposicionistas que articulavam a candidatura de Eduardo Gomes, entre os quais Virgílio de Melo Franco, Adauto Lúcio Cardoso e o jornalista Rafael Correia de Oliveira (libertado nos primeiros dias de 1945).
No tradicional almoço de 31 de dezembro com a alta oficialidade, Getúlio procurou acalmar os ânimos, dizendo: “Tudo leva a crer que o próximo ano seja o da vitória, da paz, e que a reconstrução do mundo se opere sob a égide dos princípios de justiça e liberdade.” Mas a “agitação prematura, as perturbações demagógicas, as ameaças à tranqüilidade pública só poderão servir para dificultar o bom entendimento de todas as correntes. Num país de índole e formação democrática como é o nosso, as transformações de caráter político-social devem ser conduzidas dentro de processos de evolução gradual, sob o império da ordem”.
A caminho da democratização
No início de 1945, o processo de dissolução da ditadura entrou em sua fase final. Ao começar o ano, surgiram protestos através da cortina da censura. Em 22 de janeiro, reuniu-se em São Paulo o 1º Congresso Brasileiro de Escritores, com a presença de centenas de personalidades, representantes da intelectualidade de todos os estados do país. Sua unânime declaração de princípios, fruto de uma aliança entre liberais e comunistas, pedia “completa liberdade de expressão” e exigia um governo eleito por “sufrágio universal direto e secreto”. A declaração não pôde ser publicada devido à censura do DIP, mas esta começou a ser derrubada em 1º de fevereiro por uma entrevista de Góis Monteiro à Folha Carioca, defendendo a realização de eleições prometidas por Vargas. Nos dias seguintes, a imprensa publicou outras declarações de oposicionistas pedindo eleições diretas.
No plano internacional, o rápido avanço dos exércitos aliados sobre Berlim fazia prever o fim próximo da guerra. A conferência de Ialta (URSS), em janeiro de 1945, consagrava o fim de uma época e a preponderância — naquele momento a colaboração — de duas grandes nações, os Estados Unidos e a União Soviética. Em 16 de fevereiro, passando pelo Brasil de volta de Ialta, o secretário de Estado norte-americano, Eduard Stettinius, entrevistou-se com Vargas, manifestando o interesse dos Estados Unidos na democratização do Brasil e no reatamento de suas relações com a União Soviética (seriam de fato restabelecidas em 1º de abril).
Em seguida, Stettinius e o ministro Leão Veloso viajaram para o México, onde participaram da Conferência de Chapultepec. A principal decisão política desse conclave foi a Declaração de Assistência Recíproca e de Solidariedade Americana, conhecida como a Ata de Chapultepec, considerada por muitos autores como uma manifestação coletiva contra a Argentina e que, de certo modo, forçou sua declaração de guerra ao Eixo em março.
No Brasil, Getúlio perdia aos poucos o controle da situação. Enquanto Marcondes Filho, seguindo suas instruções, preparava a lei eleitoral, cresciam as suspeitas de que havia um projeto continuísta. Foi quando o Correio da Manhã publicou em 22 de fevereiro uma entrevista de José Américo, afirmando: “Só três brasileiros, na minha opinião, não podem ser candidatos à presidência da República nesta quadra. Os dois primeiros somos eu e o meu antigo competidor na malograda sucessão presidencial de 1937, o sr. Armando de Sales Oliveira.(...) O terceiro, incompatível, é o sr. Getúlio Vargas, porque se incompatibilizou com as forças políticas do País.” E acrescentava: “As forças políticas nacionais já têm um candidato.(...) As posições estão ocupadas para a batalha política.” A entrevista liquidou a censura à imprensa. Na tarde do mesmo dia, José Américo revelou através de O Globo o nome do candidato: major-brigadeiro Eduardo Gomes.
Vargas havia convocado uma reunião do ministério para o mesmo dia 22. Na reunião, Marcondes Filho apresentou uma exposição de motivos sobre o futuro processo eleitoral, aprovada por todos os ministros. Preconizou a realização de eleições gerais logo após o fim da guerra e a candidatura de Vargas a um segundo período presidencial sob a Constituição de 1937, rejeitando a idéia de se convocar uma assembléia constituinte. A exposição de motivos provocou uma torrente de críticas da oposição, veiculadas pela imprensa, agora livre do controle do DIP.
Em 28 de fevereiro de 1945, dando o primeiro passo concreto em direção à democratização, o governo promulgou a Lei Constitucional nº 9, que ficou conhecida como Ato Adicional. O decreto previa a realização de eleições para a presidência da República, a Câmara dos Deputados, o Conselho Federal (que substituiria o Senado de acordo com a Carta de 1937) e as assembléias legislativas, em data a ser marcada 90 dia depois. O novo Congresso Federal poderia assumir poderes constituintes, mas não deteria plena soberania para compor um novo quadro institucional-legal: o presidente poderia obstar qualquer inovação constitucional, submetendo-a a um plebiscito nacional.
O Ato Adicional foi recebido com muitas críticas pelos líderes oposicionistas e governistas dissidentes. Góis Monteiro manifestou sua decepção com a manutenção da Carta de 1937. O Diário Carioca publicou em manchete: “Em moldes totalitários! Decretado o Ato Adicional. Mantidos os poderes ditatoriais do presidente da República.” Getúlio procurou tranqüilizar os militares e a imprensa. Em 3 de março nomeou Agamenon Magalhães para a pasta da Justiça, voltando Marcondes Filho a ocupar apenas o Ministério do Trabalho. No mesmo dia, concedeu sua primeira entrevista coletiva à imprensa, refutando as críticas ao Ato Adicional, cujo objetivo seria apenas o de reformar parcialmente a Constituição, a fim de “abrir campo para o pleito eleitoral”. Getúlio defendeu o estabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética e manifestou-se, em princípio, favorável à anistia a Luís Carlos Prestes. A entrevista à imprensa não impediu que os ataques continuassem. No dia seguinte, os jornais também abriram manchetes para a notícia dos assassinatos em Recife do estudante Demócrito de Sousa Filho e do operário Manuel Elias, durante um comício da campanha de Eduardo Gomes, reprimido pela polícia do novo interventor pernambucano Etelvino Lins. Em 4 de março, Getúlio autorizou o general Dutra a transmitir aos demais chefes militares a garantia de que não seria candidato às eleições presidenciais.
O problema central passava a ser o da participação do ditador no processo político de democratização. Getúlio era visto como uma ameaça pelos políticos oposicionistas — e mesmo governistas que se afastavam de seu chefe— temerosos de seu prestígio junto às massas, bem como de uma repetição da experiência de 1937, quando o processo eleitoral acabou sendo suspenso por um golpe de Estado. A oposição já admitira inclusive o concurso do general Dutra para uma intervenção militar contra Getúlio. O ministro da Guerra passou a ser procurado por políticos, oposicionistas que lhe sugeriam derrubar Getúlio com um golpe de Estado, convocando em seguida as eleições. José Américo, Artur Bernardes e Francisco Campos foram alguns desses interlocutores.
No princípio de março, depois de seu encontro com Vargas, em Petrópolis, Dutra foi aconselhado por José Américo a assumir o poder como chefe de uma junta militar composta por representantes das três armas, nomeadamente o próprio Dutra, Eduardo Gomes e Ari Parreiras. Agamenon Magalhães, que era ligado a Dutra e com ele mantinha conversações diárias, informou Getúlio das articulações em curso e, juntamente com o interventor Benedito Valadares, insistiu na idéia apresentada dias antes por João Neves da Fontoura de lançar a candidatura do ministro da Guerra à presidência: “Ou lança a candidatura de Dutra ou será deposto esta semana.”
Em 9 de março, enquanto a Ordem dos Advogados se pronunciava contra o Ato Adicional, Getúlio nomeou João Alberto para substituir Coriolano de Góis na chefia de polícia do Distrito Federal. No dia seguinte, confiou a Benedito Valadares a missão de ir a São Paulo buscar apoio para a candidatura de Dutra à presidência da República, sem se preocupar em consultar o principal interessado. Valadares, que, este sim, já havia discutido o assunto com Dutra, pediu a Gastão Vidigal, banqueiro paulista que era diretor do Banco do Brasil, que fizesse as sondagens preliminares em São Paulo.
No dia seguinte, Getúlio comunicou secamente ao general Dutra: “Mandei o Valadares levantar a sua candidatura em São Paulo; a batalha está ganha. O senhor irá à presidência da República porque eu quero.” Foi nesses termos, segundo seu depoimento a Hélio Silva, que o ministro da Guerra ficou definitivamente informado da sua candidatura.
Apoiando um candidato “governista”, que era eminentemente aceitável para o corpo de oficiais do Exército, Getúlio garantia, de certo modo, sua continuação no poder in absentia. Além disso, a candidatura de Dutra abalaria o apoio potencial de Eduardo Gomes por parte dos círculos governamentais que não queriam a permanência do regime e de Vargas. Mas, acima de tudo, a candidatura do ministro da Guerra parece ter sido vista por Getúlio como um expediente destinado a evitar sua própria deposição e ganhar tempo. Para a oposição não passava de uma tática diversionista de Vargas. Em 12 de março, o coronel Juarez Távora escreveu a Dutra uma carta, publicada no Diário Carioca dias depois, considerando sua candidatura como uma manobra de Getúlio para dividir o Exército, podendo gerar também um perigoso antagonismo entre o Exército e a Aeronáutica.
Enquanto isso, Valadares conduzia com êxito sua missão em São Paulo, recebendo substancial apoio do mundo político e empresarial paulista, favorável a uma prudente democratização. A candidatura de Dutra foi lançada em 13 de março numa reunião no palácio Campos Elísios a que compareceram políticos de todas as correntes.
Aumentava agora a pressão para afastar os últimos obstáculos à atividade política livre. A campanha de opinião pública pela libertação dos presos políticos contava com o apoio de todas as forças. Em 6 de abril foi iniciada, no Rio, a Semana Pró-Anistia. No dia seguinte, Luís Carlos Prestes enviou da cadeia um telegrama a Vargas pedindo a decretação da medida, se necessário com a exclusão de seu caso pessoal, e felicitando-o pelo estabelecimento de relações com a União Soviética. No dia 11, o STF concedeu habeas-corpus aos exilados Armando Sales, Otávio Mangabeira, Valdemar Ferreira e Paulo Nogueira Filho, permitindo seu regresso ao país. Em 18 de abril, finalmente, Vargas decretou a anistia política, beneficiando um grande número de comunistas, inclusive Prestes.
A campanha eleitoral ganhou contornos mais definidos durante o mês de abril, com a constituição, em torno da máquina governamental e do candidato oposicionista, dos dois partidos que iriam disputar o pleito de dezembro, respectivamente o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN). Em 5 de abril, foi organizada uma comissão provisória encarregada de elaborar os estatutos do PSD. A UDN foi fundada dois dias depois no Rio. No dia seguinte, mais de cinco mil pessoas assinaram a ata de fundação do PSD em Belo Horizonte. Em função das definições que viriam com a lei eleitoral, o partido seria estadual ou nacional.
O PSD foi organizado em cada estado pelos interventores sob a supervisão de Getúlio, apoiando-se diretamente na máquina política e administrativa do Estado Novo. Benedito Valadares foi o principal coordenador desse movimento. Como a maioria dos interventores, Valadares tratou pura e simplesmente de reunir homens públicos governistas, pedindo-lhes que colhessem as assinaturas necessárias à fundação do partido. Em Minas, como na maioria dos estados, o PSD conseguiu imediatamente a adesão maciça do pessoal político constituído ao abrigo das interventorias. O partido situacionista também se valeu das alianças que o regime de Vargas celebrou com líderes do empresariado, como Roberto Simonsen, que via na intervenção estatal a condição do desenvolvimento industrial do país. Como observou sutilmente Thomas Skidmore, “a combinação de industriais nouveaux e políticos da velha guarda deveria dar ao PSD a sua posição ‘não ideológica’ sui generis no período de pós-guerra”.
A UDN foi organizada por líderes de variadas tendências políticas: liberais, conservadores, elementos da esquerda não-comunista, dentro do espírito de luta contra o Estado Novo ou, mais concretamente, contra Getúlio Vargas. Muito importantes dentro dessa oposição heterogênea eram os liberais, em particular, o grupo dos mineiros que havia inspirado o Manifesto de 1943, os antigos constitucionalistas de São Paulo, como Armando Sales (que faleceu em maio de 1945 logo após o seu regresso ao Brasil) e o grupo fluminense, composto de bacharéis como Raul Fernandes e José Eduardo do Prado Kelly. Mas, ao ser lançada em abril de 1945, a UDN era sobretudo o “partido do Brigadeiro” Eduardo Gomes — que se tornaria para sempre o seu chefe espiritual —, e uma grande esperança de desalojar Getúlio do poder.
Em 16 de abril Eduardo Gomes concedeu sua primeira entrevista coletiva como candidato, afirmando que Vargas não tinha condições legais para presidir as eleições e que a presidência da República deveria ser entregue ao presidente do STF, já que o Poder Legislativo tivera o seu funcionamento interrompido em 1937. Foi nessa linha que a UDN lançou, pouco depois, seu slogan de “Todo o poder ao Judiciário”. No dia 23, Eduardo Gomes teve um primeiro encontro com Luís Carlos Prestes, tentanto obter seu apoio. Entretanto, em sua primeira entrevista coletiva à imprensa brasileira, concedida três dias depois, o dirigente comunista disse que “dificilmente poderia haver dois candidatos tão semelhantes”, acrescentando: “Do que tenho observado, aos trabalhadores não é simpática nenhuma candidatura militar neste momento.”
Em seu tradicional discurso de 1º de maio, no estádio do Vasco da Gama, Getúlio deu uma resposta incisiva àqueles que gostariam de vê-lo fora do governo: “Manterei a ordem, realizarei as eleições e passarei o poder a quem for legitimamente eleito pelo povo.” Passou em revista as suas realizações, particularmente nas áreas do desenvolvimento econômico e da legislação social e, voltando-se novamente para seus críticos, afirmou: “O povo há de preferir, por certo, os que trabalham aos que vivem parasitariamente.” Concluiu afirmando que a candidatura de Dutra merecia a confiança da nação e que ela já reunia “a maioria das forças políticas nacionais”.
O quadro político parecia fixado. Dois grandes partidos — o PSD e a UDN — estavam em cena, na disputa da eleição de um ou de outro dos candidatos militares. Entretanto, no processo de transformar o sistema político brasileiro, Getúlio optou pela criação de um terceiro partido, a fim de assegurar o voto da classe operária de importância crescente. Vargas revelou mais tarde num momento de franqueza por que não se fiou exclusivamente no PSD. “Como a mentalidade dos trabalhadores não se adaptasse bem à dos antigos políticos, criou-se uma nova organização partidária, que deveria denominar-se Partido Trabalhista Brasileiro.” O PTB representava o esforço de Vargas em institucionalizar sua grande popularidade entre as massas e os sindicatos, unindo ambos sob a mesma sigla de um partido político, e, ao mesmo tempo, constituía a tentativa de atalhar à esquerda a marcha dos comunistas.
O partido foi fundado em 15 de maio pelo ministro Marcondes Filho e outros conselheiros de Getúlio, como Alberto Pasqualini. No mesmo dia, a direção do partido anunciou seu apoio à candidatura do ministro da Guerra.
Em 23 de maio, o PCB organizou um grande comício no estádio do Vasco da Gama, durante o qual Prestes afirmou que os comunistas não tinham compromisso com ninguém, a não ser com o povo. O governo foi reverenciado por “ficar com o povo — cortar relações com o Eixo, declarar-lhe guerra, estabelecer relações com o governo soviético e finalmente abrir as prisões e revogar na prática as restrições à democracia mais sensíveis ao nosso povo”. Apesar das “dificuldades mil, criadas sempre pelos reacionários que o comprometiam e que, infelizmente, em grande parte ainda o comprometem”, Prestes sentiu-se em condições de exclamar: “Honra aos homens do governo que sabem ficar com o povo e evitar por superior patriotismo o dilaceramento terrível das guerras civis.” Dois dias depois, por outro lado, políticos ligados a Getúlio criaram em Porto Alegre o primeiro comitê de um movimento de defesa da sua candidatura às eleições presidenciais.
Em 28 de maio, o governo decretou a nova Lei Eleitoral, que fixou as datas de 2 de dezembro para as eleições presidenciais e dos parlamentares federais, e de 6 de maio de 1946 para os governos estaduais e as assembléias legislativas. Além de criar a Justiça Eleitoral, a lei respaldou juridicamente o fato consumado da criação dos partidos políticos (permitindo ainda a legalização do PCB), e estabeleceu que o presidente da República e seus ministros deveriam se desincompatibilizar até três meses antes do pleito (até 2 de setembro, para a primeira eleição), caso quisessem ser candidatos. O decreto também estipulava que os partidos deveriam ser de âmbito nacional.
As diferenças entre Vargas e a oposição liberal acentuaram-se em junho com a decretação da Lei dos Atos Contrários à Economia Nacional, conhecida como decreto antitruste e denominada vulgarmente “Lei Malaia”, numa referência pejorativa aos traços fisionômicos orientais de seu principal inspirador, o ministro da Justiça Agamenon Magalhães. O decreto assinado no dia 21 de junho criou uma comissão autorizada a desapropriar qualquer organização cujos negócios estivessem sendo conduzidos de maneira lesiva aos interesses nacionais. Mencionava especificamente “empresas nacionais ou estrangeiras sabidamente ligadas a associações, ‘trustes’ ou cartéis”. A UDN, que já se havia lançado à campanha eleitoral com um programa de abertura ao capital estrangeiro e uma política de estabilização monetária, opôs-se de maneira frontal à iniciativa nacionalista de Vargas. O ímpeto da oposição era particularmente violento porque se dizia que o decreto era dirigido principalmente contra a cadeia de jornais de Assis Chateaubriand, que passara a uma posição ferrenhamente anti-Vargas. Em meio à polêmica, Otávio Mangabeira, presidente da UDN, fez uma apelo à intervenção militar contra o governo: “Penso que as forças armadas estão no dever de intervir na atual situação brasileira. Vou adiante: é seu dever intervir. (... ) são as únicas forças que têm força real para acudir em defesa da nação.” Os interesses comerciais dos Estados Unidos também ficaram alarmados com o decreto e trataram, discretamente, de obter modificações na sua regulamentação.
Enquanto isso, a campanha dos candidatos à presidência se desenvolvia com evidente falta de apelo popular. A candidatura Dutra por si mesma destituída de maior impacto eleitoral — encontrava-se em estado claudicante, a despeito da solidez e da capilaridade da máquina pessedista, em processo de montagem. A campanha de Eduardo Gomes desenvolvia-se em clima de maior otimismo, sendo intensamente acompanhada pela grande imprensa.
Segundo Maria Vitória Benevides, “a campanha mobilizou, é verdade, amplos setores das camadas médias, dos intelectuais, das forças armadas, mas não os trabalhadores; este povo permaneceu à parte da campanha feita, pelo menos teoricamente, em seu nome”. Um retrato dessa situação foi feito por Hermes Lima, em sua descrição do famoso comício de 16 de junho, no estádio do Pacaembu em São Paulo, quando o candidato udenista apresentou a plataforma de seu partido. Hermes Lima pertencia à Esquerda Democrática, na época vinculada à UDN, mas conta que “ao entrar no estádio fiquei aterrado. Repletas as sociais de um público seleto, elegante mesmo, em que se destacava numeroso concurso de senhoras, de chapéu e calçando luvas, mas as gerais vazias. Era um espetáculo politicamente constrangedor, a enorme praça de esportes, metade morta, metade bem composta, até nas palmas com que saudou o candidato e lhe aplaudiu o discurso”.
O queremismo
Foi nesse contexto que começou a tomar corpo um movimento organizado por adeptos de Vargas no sentido de mantê-lo à frente do governo, adiando as eleições presidenciais e convocando as eleições para uma assembléia constituinte, ou ainda, no caso de se manter a data do pleito, lançar a candidatura de Getúlio. O movimento fora lançado em maio, no Rio de Janeiro, por elementos de pequena expressão política, mas contando com o apoio tácito do ministro Marcondes Filho e de seu chefe de gabinete José Segadas Viana.
Em 15 de julho, em grande comício realizado pelo PCB no estádio do Pacaembu, Luís Carlos Prestes fortaleceu a perspectiva de uma permanência de Vargas no poder. Segundo Prestes os comunistas queriam chegar, “através da união nacional, à verdadeira democracia, antes e acima de tudo a uma assembléia constituinte”, e apoiavam o governo porque ele estava marchando para a democracia. Se, em 1935, haviam “empunhado armas em defesa da democracia (... ), agora também a defenderemos apoiando o governo em defesa da ordem e desmascarando sem vacilações os agentes da desordem, todos aqueles que pregam os golpes ‘salvadores’ ou a guerra civil falando em democracia, mas que não passam, na verdade, de instrumentos da provocação fascista”. Os dirigentes comunistas consideravam a manutenção da Carta de 1937 como um perigo latente, tornando-se, portanto, indispensável a convocação de uma assembléia constituinte. A decisão de apoiar o governo, subjacente à proposta, foi certamente influenciada pelo interesse em captar o apoio popular de Getúlio.
Apoiada nos comunistas, a campanha da “Constituinte com Getúlio” ganhou um novo impulso. Os que desejavam que Getúlio continuasse como presidente ou se declarasse candidato nas próximas eleições foram denominados “queremistas”, devido ao refrão por eles usado em comícios e manifestações de rua: “Queremos Getúlio”. Nessas circunstâncias o quadro político-eleitoral tornou-se mais complexo e a posição de Getúlio mais sinuosa.
Em 17 de julho, o PSD realizou no Rio sua primeira convenção nacional, homologando a candidatura Dutra. Os trabalhos foram presididos por Benedito Valadares. Uma moção de integral apoio ao chefe do governo, apresentada por Nereu Ramos, interventor em Santa Catarina, foi aprovada por unanimidade. Vargas foi eleito presidente do partido, cuja comissão diretora ficou constituída ainda por Valadares (primeiro-vice-presidente) e Fernando Costa (segundo-vice-presidente).
Em 31 de julho, foi fundado o primeiro comitê queremista do Distrito Federal. O principal orador da solenidade, Jaime Boa Vista, criador do primeiro comitê do movimento em Porto Alegre, sugeriu que Dutra retirasse sua candidatura e passasse a apoiar Vargas. Precavidamente, Dutra antecipou sua saída do Ministério da Guerra — necessária à desincompatibilização — transmitindo o cargo ao general Góis Monteiro em 9 de agosto. O novo ministro assegurou que o Exército garantiria eleições livres. A passagem de Dutra à condição exclusiva de candidato não se traduziu numa dinamização de sua campanha. Ao contrário: ao longo de agosto o que cresceu foi o movimento queremista, enquanto sua campanha se mostrava esvaziada.
Já no dia 13, trabalhadores queremistas realizaram uma marcha do largo do Russel ao palácio do Catete para pedir a Vargas que se desincompatibilizasse. Dois dias depois, João Alberto suspendeu a proibição de comícios queremistas até então vigente, e o primeiro deles se realizou no dia 20, no largo da Carioca, de onde saiu uma passeata até o palácio do Catete. Durante a passeata — que, a exemplo do comício, foi transmitida pelas rádios Tupi e Tamoio para todo o país — ocorreram incidentes entre queremistas e brigadeiristas. No Catete, o chefe do governo discursou para a multidão, exaltando sua obra e sem fazer nenhuma referência ao candidato governista. À noite, enquanto se realizava um comício queremista do PTB em Belo Horizonte, Dutra se reuniu com Góis Monteiro e Agamenon Magalhães, preocupado com o esvaziamento de sua candidatura. No dia seguinte, foi homenageado pelo Exército com um banquete. Góis Monteiro, que o saudou em nome da corporação, apresentou sua candidatura como instrumento de que se serviria o Exército para a democratização, esconjurando ao mesmo tempo o fantasma da aliança populista que Vargas sugeria poder estabelecer: “Que as sombras que neste instante não pressagiam boas coisas para nós possam desaparecer definitivamente diante da coesão das forças armadas do país, que devem apresentar-se como sustentáculo das instituições que serão fundadas, e da ordem que será mantida.”
Getúlio não encorajava abertamente o queremismo, mas nada fazia para evitar o seu crescimento. Em 30 de agosto, mais um comício queremista transformou-se em passeata do largo da Carioca até o palácio presidencial, desta feita o Guanabara, e com a cobertura de uma rede nacional de emissoras de rádio. Getúlio falou à multidão: “Estou vingado. Ao homem que se aproxima do fim de suas atividades públicas e que outro desejo não tem senão o de recolher-se à tranqüilidade de seu lar, é profundamente comovedor e eloqüente este movimento a que acabei de assistir. (...) Está traçado o caminho das urnas. Ninguém poderá detê-las. (...) Eu quero apenas presidir a estas eleições, em que o povo brasileiro escolha livremente os seus representantes.”
O dia 2 de setembro passou sem que Getúlio se desincompatibilizasse. Parecia que Vargas tinha finalmente afastado a possibilidade de pedir a Dutra para desistir em favor de sua própria candidatura. Getúlio continuou a comparecer aos comícios queremistas, como se nenhuma alteração tivesse ocorrido. No comício de 7 de setembro, onde foi saudado pelo presidente do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), o dirigente comunista João Amazonas, reafirmou seu desejo de conduzir o país às eleições. Embora enfatizasse algumas medidas preparatórias para o pleito de 2 de dezembro, Vargas aconselhou as oposições a esquecerem dissídios passageiros e prevenções particularistas e a se unirem “a serviço da pátria”.
Nos bastidores, Getúlio serviu-se desse argumento para tentar eliminar do cenário as duas candidaturas militares já postas. Em conversa com João Neves, concordou que a melhor solução seria passar a presidência a Góis Monteiro, retirando-se do cenário político e permitindo assim a escolha de um tertius. A idéia foi bem recebida pelo ministro da Guerra, mas não pela UDN, que temia justamente a ascensão de Góis à chefia do governo. Ainda no início de setembro, houve uma reunião no gabinete de Agamenon Magalhães com a presença de várias personalidades governistas, com a finalidade de avaliar o desempenho da campanha de Dutra. Até mesmo João Alberto, um dos grandes defensores da candidatura Dutra, concordou que se tratava de uma candidatura “pesada”, com a qual era muito difícil de se trabalhar eleitoralmente. Benedito Valadares foi escolhido para ir a Dutra solicitar a retirada de sua candidatura, mas acabou não indo.
Em 15 de setembro, os queremistas realizaram um grande comício, apesar da proibição de João Alberto. No dia seguinte, o chefe de polícia do Distrito Federal promoveu uma reunião de altas patentes militares para examinar a ameaça representada pelo movimento queremista. Ainda em setembro, Virgílio de Melo Franco entrou em contato com o general Góis Monteiro e, em nome da UDN, propôs um pacto para garantir as eleições e impedir o continuísmo de Getúlio.
Em 28 de setembro, Góis Monteiro reuniu no Ministério da Guerra vários generais e comunicou-lhes que Vargas assumira com ele o compromisso de não alterar a Lei Constitucional nº 9 e não contrariar a normalidade do processo eleitoral. Um dos generais presentes perguntou ao ministro se a solene declaração que acabava de fazer poderia ser comunicada aos subordinados, o que foi autorizado, e perguntou também se ele abandonaria a pasta caso o chefe do governo não cumprisse o compromisso assumido. Góis Monteiro, cujo comportamento vinha sendo ambíguo, respondeu igualmente que sim, aceitando a pressão da cúpula do Exército contra quaisquer pretensões continuístas de Getúlio.
No dia seguinte, o embaixador americano Adolfo Berle Junior (que substituíra Jefferson Caffery em janeiro) discursou em Petrópolis numa homenagem que lhe foi prestada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais. Antes, em audiência com Getúlio, comunicou-lhe que pretendia abordar problemas da democracia em entrevista à imprensa. Entretanto, o tema escolhido por Berle foi a situação política brasileira. O pronunciamento, que irritou profundamente Getúlio, ficou famoso e foi visto por ponderáveis setores da política brasileira, na época e, sobretudo, depois, como uma orientação norte-americana para a deposição do chefe do Estado Novo. Berle não eximiu o presidente de suspeita de continuísmo ao declarar, perante uma platéia constituída por líderes da UDN: “Uma democracia se organiza justamente por uma constituição. Elaborar ou emendar uma constituição é um ato que se faz numa democracia em obediência ao mandato dado pelo povo (...); mas não é menos do que trágico quando essa tarefa essencial de elaborar uma constituição é permitida (sic) interromper ou impedir o autogoverno democrático pela escolha popular do Poder Executivo.”
A queda de Getúlio
Em 3 de outubro, as forças pró-Vargas realizaram no Rio de Janeiro a mais importante manifestação queremista em meio aos rumores de golpe que circulavam por toda a parte. A multidão, que mais uma vez se deslocou do largo da Carioca para o palácio Guanabara, era composta de queremistas, adeptos da “Constituinte com Getúlio”, e de comunistas, cuja fórmula poderia ser apresentada como “Constituinte, com ou sem Getúlio”. O líder queremista Hugo Borghi, empresário paulista e principal financiador do movimento, entregou a Getúlio uma plataforma, pedindo a realização em 2 de dezembro de eleições para a Constituinte em lugar do pleito presidencial. Em seu discurso — comemorava-se na data o 15º aniversário da Revolução de 1930 —, Getúlio tornou mais patente a pretensão continuísta, autorizando todas as suspeitas.
“Venho recebendo de todos os recantos do país, através de milhares de telegramas, cartas e notícias de comícios públicos, insistentes apelos, agora reiterados pelo povo da capital federal, nesta demonstração impressionante, para convocar uma constituinte com poderes expressos para elaborar nova carta básica da organização política do país, isto é, uma nova constituição”. Depois de responder a Berle Junior, que acabaria sendo transferido para outro posto (“Não precisamos ir buscar exemplos nem lições no estrangeiro”), Vargas disse que, para atender aos aludidos reclamos, “o governo teria de modificar a Lei Constitucional nº 9, e não poderia fazê-lo sem a manifestacão favorável dos órgãos autorizados de opinião — os partidos, as entidades de classe, as forças organizadas. O meu dever é cumprir a lei”.
Além disso, reafirmou solenemente, perante Deus e o povo brasileiro, não ser candidato e só desejar “presidir eleições dignas de nossa educação política, entregando o governo ao seu substituto legalmente escolhido pela nação”. Entretanto, confessou estar atravessando “um momento dramático de minha vida pública em que preciso falar ao povo com prudência e lealdade. A convocação de uma constituinte é um ato profundamente democrático que o povo tem o direito de exigir. Quando a vontade do povo não é satisfeita, ficam sempre fermentos de desordem e revolta. E nós precisamos resolver o nosso problema político dentro da ordem e da lei. Devo dizer-vos que há forças reacionárias poderosas, ocultas umas, ostensivas outras, contrárias todas à convocação de uma constituinte. Posso afirmar-vos que, naquilo que de mim depender, o povo pode contar comigo”.
Em 10 de outubro, Getúlio deu o passo que cristalizou a determinação das forças dispostas a depô-lo, as quais ficaram apenas à espera de um pretexto: por meio de um decreto-lei, antecipou para 2 de dezembro as eleições estaduais marcadas anteriormente para maio de 1946. Além de tumultuar o pleito, a medida projetaria para o futuro governo uma situação difícil. O decreto-lei dava aos interventores um prazo para promulgarem novas constituições estaduais e para se desincompatibilizarem, a fim de serem eles mesmos candidatos aos governos estaduais.
A decisão de Vargas levou a oposição praticamente ao desespero. A UDN temia justamente que os novos governantes nomeados por Getúlio pudessem manipular as eleições em benefício do candidato do presidente em exercício. Para Dutra, a situação também seria incômoda, pois, se eleito, iria para o governo com 20 governadores “feitos” por Vargas. Perante os demais generais, a convergência de queremistas e comunistas em torno da Constituinte e da permanência de Getúlio no poder tornava o chefe do governo “culpado”: justificava-se uma ação contra ele, ao passo que a omissão poderia custar caro em termos de prestígio na corporação.
No dia 20, começou a circular o rumor de que Getúlio iria nomear seu irmão Benjamim Vargas para a chefia de polícia, no lugar de João Alberto. Este iria para a prefeitura do Distrito Federal no lugar de Henrique Dodsworth, que substituiria Pedro Leão Veloso no Ministério das Relações Exteriores. Benjamim Vargas teria dito em uma roda de amigos que já encomendara trezentos colchões e camas para a chefatura de polícia, pois assim que assumisse o cargo pretendia prender todos os generais que estavam conspirando. Virgílio de Melo Franco, sabedor do fato, teria ido ao Ministério da Guerra colocar os generais a par do boato e com eles confabular. Os chefes do Exército resolveram se manter em contato permanente e ultimaram os preparativos de um movimento conspirativo para depor Vargas.
No dia 22, sem que tenha havido convocação por parte de Góis Monteiro, vários generais se dirigiram ao gabinete do ministro da Guerra para expor sua preocupação com a marcha dos acontecimentos. Góis reconheceu a necessidade de tranqüilizar o país e garantiu que se empenharia em achar uma saída para a situação. Dois dias depois, em entrevista à imprensa, Góis Monteiro chamou a UDN de “corja de aventureiros” e “profiteurs do regime” que queriam “levar o país à guerra civil”. O comício programado pelos queremistas para o dia 26 foi proibido por João Alberto.
A decisão de nomear seu irmão Benjamim para a chefia de polícia e João Alberto para a prefeitura do Distrito Federal foi tomada por Vargas no dia 25, mas não foi tornada pública nem comunicada a Góis Monteiro, inteirado dela pelo general Odílio Denis, comandante da Polícia Militar da capital da República. Na manhã do dia 29 de outubro, João Alberto encontrou-se com Góis Monteiro que rumava para o Ministério da Guerra, e comunicou-lhe tudo.
Foi nesse momento, quando as forças varguistas pareciam ter apoio seguro da opinião pública, que se desencadeou o golpe de Estado. Após se certificar das decisões de Vargas, Góis Monteiro resolveu se exonerar do cargo e enviar a todos os comandantes das regiões militares um telegrama dando conta do seu gesto e anunciando que iria “tomar uma atitude”. Ao mesmo tempo acionou o dispositivo militar previsto para as situações de tumulto no país. Enquanto as tropas entravam em prontidão, muitos generais acorreram ao Ministério da Guerra. No início da tarde, João Alberto e Benjamim Vargas foram ao gabinete de Góis Monteiro para a transmissão da chefia de polícia. Góis comunicou-lhes não estar mais à frente do Ministério da Guerra e recusou qualquer entendimento conciliatório. Em seguida, convocou ao seu gabinete altas patentes da Marinha e da Aeronáutica, inclusive o candidato Eduardo Gomes, e comunicou-lhes sua exoneração, mas foi instado a assumir a condição de chefe do Exército.
Ao cair da noite, teve início o movimento das forças do Exército na capital com a ocupação de pontos estratégicos e o cerco ao palácio Guanabara. Getúlio, fazendo uma derradeira tentativa de conciliação, chamou ao palácio o ministro da Guerra e Dutra (ambos tinham audiências marcadas desde a véspera com o chefe do governo). A ida de Góis Monteiro à audiência seria suspeita aos olhos dos generais que estavam no Ministério da Guerra, e ele não foi. Dutra foi, combinando que, se não voltasse dentro de duas horas, o movimento deveria ser levado adiante. Agamenon Magalhães, que se fizera presente no gabinete de Góis, ficou detido até o regresso de Dutra. Embora Getúlio tivesse podido contar com o apoio dos generais Denis e Renato Paquet (comandante da Vila Militar), que a ele permaneceram fiéis, preferiu evitar um confronto militar. Dutra lhe apresentou o quadro da situação militar, com unidades do Exército nas ruas, algumas rumando para o palácio. O chefe do governo dispôs-se a voltar atrás na nomeação de Benjamim Vargas e a nomear para o Ministério da Guerra um general indicado por Dutra. Este retornou ao gabinete de Góis Monteiro e apresentou as propostas de Vargas, que foram recusadas. Estava selada a deposição do ditador.
Góis Monteiro e Dutra repeliram sugestões de alguns dos generais no sentido de punir Getúlio com a prisão ou o exílio, argumentando que, nesse caso, eles deveriam ser igualmente punidos. Tendo sido decidido que Vargas deveria apenas abandonar o palácio e retirar-se para o Rio Grande do Sul, o general Cordeiro de Farias foi encarregado de transmitir-lhe o ultimato militar, e partiu para o palácio Guanabara acompanhado de Agamenon Magalhães.
Cordeiro de Farias descreveu o seu último diálogo com o presidente nos seguintes termos: “Ele me recebeu com muita dignidade. Pedi a ele que nomeasse uma pessoa para ir ao Ministério da Guerra combinar detalhes de sua saída. Para ver como ele não perdia a classe: ‘por que é que o senhor não fica nesta posição?’ ‘Não posso, presidente, estou do outro lado.’” Getúlio aceitou a imposição e pouco depois da meia-noite assinou sua renúncia formal.
No Ministério da Guerra, reunidas as mais altas patentes das três armas, restava decidir quem assumiria a presidência da República. Góis Monteiro desejava a investidura, mas Dutra suspeitava que, uma vez na chefia do governo, o ministro da Guerra seria tentado a assumir poderes ditatoriais e a cancelar o pleito de 2 de dezembro. Para se antecipar a qualquer manobra de Góis, o general candidato teve a iniciativa de fazer sua a tese udenista de “Todo poder ao Judiciário” e propôs que o presidente do STF, ministro José Linhares, fosse imediatamente empossado na presidência da República. A proposta foi aceita de pronto por Eduardo Gomes e a posse ocorreu algumas horas depois no gabinete de Góis Monteiro.
Góis Monteiro emitiu uma série de declarações tornando bem claro que a decisão de depor Getúlio Vargas fora do alto comando do Exército e não da oposição civil, assumindo inteira responsabilidade pelos acontecimentos de 29 de outubro. Getúlio resolveu publicar um comunicado esclarecendo um ponto importante para o seu futuro político em relação às forças armadas ao admitir que tinha concordado com sua própria deposição. Depois fez o elogio das forças armadas: “Não tenho razões de malquerença para as gloriosas forças armadas da minha pátria que procurei sempre prestigiar.” Falando para o futuro, numa frase que parece antecipar o espírito da Carta-Testamento de 1954, Vargas afirmou: “A História e o tempo falarão por mim.” Finalmente, dirigiu-se ao povo: “Os trabalhadores, os humildes, aos quais nunca faltei com meu carinho e assistência, o povo, enfim, há de me compreender.”
Em 31 de outubro, Getúlio viajou num avião militar diretamente para São Borja, retirando-se para a estância de Itu, onde passou os primeiros tempos de seu “exílio”.
As eleições de dezembro de 1945
No Rio, o novo presidente, José Linhares, formou um governo de transição, nomeando seu ministério com o aval de Góis Monteiro e dos dois candidatos às eleições presidenciais de dezembro. Góis Monteiro permaneceu no Ministério da Guerra por algumas semanas até ser substituído, devido a problemas de saúde, pelo general Canrobert Pereira da Costa. As demais pastas foram distribuídas a adeptos do brigadeiro Eduardo Gomes, o que deu ao ministério uma tendência udenista. De saída, ficou estabelecido que José Linhares governaria o país com base no artigo 180 da Carta de 1937, o mesmo que permitira a Getúlio governar através de decretos.
Todos os interventores nos estados foram substituídos, adotando-se como critério (houve exceções) a nomeação de membros do Poder Judiciário. Pelo mesmo critério, todos os prefeitos foram suspensos até depois das eleições. Apesar de seu caráter transitório, o governo Linhares apressou-se em revogar o decreto antitruste, baixado por Vargas em junho, bem como o famigerado artigo 177, que dava ao Executivo o direito de demitir ou reformar funcionários civis e militares. O Tribunal de Segurança Nacional, o Conselho de Economia Popular, a Juventude Brasileira e outras instituições que haviam marcado a experiência estado-novista foram extintos. Chegou-se a cogitar, nesse período, o banimento de Getúlio, mas com a oposição de Góis e de Dutra não houve força para tanto. Houve, também, uma breve perseguição ao PCB, que teve algumas sedes locais invadidas pela polícia. A repressão foi de curta duração e não impediu que os comunistas participassem ativamente da campanha eleitoral. Em meados de novembro, o PCB acabaria lançando seu próprio candidato à presidência da República: o engenheiro Iedo Fiúza, ex-prefeito de Petrópolis e não comunista.
Em 12 de novembro, José Linhares revogou o decreto de Vargas que havia antecipado as eleições estaduais: as eleições de 2 de dezembro seriam apenas para a presidência da República e para o Congresso Nacional que se instalaria como Constituinte 60 dias após o pleito, voltando depois os deputados e senadores a compor as duas casas (o Senado Federal era restabelecido em lugar do Conselho Federal, previsto na Carta de 1937).
Apesar de seu confinamento em São Borja, Getúlio permanecia como um dos pólos da política nacional, por sua figura carismática e seu grande prestígio popular. Nessas condições, era capaz de exercer uma influência decisiva sobre as eleições. Vários líderes do PSD e do PTB trabalharam para que Getúlio desse seu apoio à candidatura do general Dutra. Seu genro, Ernâni Amaral Peixoto, o coronel Napoleão Alencastro Guimarães e o líder queremista Hugo Borghi fizeram esforços nesse sentido. Uma comitiva integrada por Hugo Borghi, Romeu Fiori e Paulo Baeta Neves (presidente da comissão executiva nacional do PTB) foi logo enviada a São Borja para discutir com Vargas a estratégia eleitoral do partido e seu apoio ao candidato pessedista. A comitiva propôs e Getúlio aceitou o lançamento de sua candidatura à Câmara dos Deputados pelo PTB de vários estados, conforme permitia a legislação.
Em 10 de novembro, Vargas fez a primeira declaração pública após sua partida para São Borja. Em manifesto aos trabalhadores brasileiros, conclamou-os a cerrarem fileiras em torno do PTB, “herdeiro e continuador dos postulados da Revolução de 1930 (...) de nossa ação no tempo e na história”. Não disse, porém, uma palavra sobre a disputa presidencial, o que só fez aumentar a expectativa dos partidários do general Dutra,
Em 19 de novembro, em carta a Vargas, João Neves da Fontoura argumentou que a escolha era entre a vitória do brigadeiro “que seria a nossa irremediável derrota e a do general Dutra, sob cujo governo é possível rearticular forças poderosas”, capazes de “impedir o regresso ao velho e emperrado conservantismo”. Argumentava ainda que a “democratização do país para não se processar num ambiente de revanche, só nos é assegurada com a articulação entre o PSD e o PTB em torno do general Dutra”. Nesse mesmo dia, o PSD gaúcho lançou oficialmente a candidatura de Vargas ao Senado.
Em 20 de novembro, Dutra enviou à direção do PTB uma mensagem confidencial comprometendo-se, no caso de ser eleito, a apoiar o programa do partido e a escolher seu ministro do Trabalho de comum acordo com o PTB. No dia 24, João Neves voltou a insistir junto a Vargas, por carta: “Não haveria nem remota possibilidade de se articular uma terceira candidatura com possibilidade de êxito. Ao contrário, ela garantiria a vitória matemática do brigadeiro, pela dispersão de forças. (...) Duas únicas hipóteses nos restavam — deixar o brigadeiro ganhar ou inclinarmo-nos para o general Dutra, malgré tout.”
Entretanto, o PTB respondeu positivamente à proposta de Dutra. Faltava o pronunciamento de Getúlio, que veio finalmente quando restava uma semana para o dia das eleições. O manifesto, assinado em 25 de novembro, foi lido por Hugo Borghi no comício de encerramento da campanha de Dutra, no dia 27. A diretiva de apoio a Dutra ficou conhecida como o “ele disse”: “O momento não é de nomes, mas de programas e de princípios. (...) O general Eurico Gaspar Dutra, candidato do PSD, em repetidos discursos e, ainda agora, em suas últimas declarações, colocou-se dentro das idéias do programa trabalhista e assegurou a esse partido garantias de apoio, de acordo com as suas forças eleitorais. Ele merece, portanto, os nossos sufrágios.” No final do documento, Getúlio salientava o caráter circunstancial de seu apoio a Dutra: “Estarei ao lado do povo, contra o presidente, se não forem cumpridas as promessas do candidato.”
Prestigiado por Vargas, o general Dutra venceu por ampla margem de diferença as eleições de 2 de dezembro. Obteve aproximadamente 3.250.000 votos (55% do total), enquanto o brigadeiro Eduardo Gomes teve cerca de dois milhões de votos. O candidato do PCB, Iedo Fiúza, conseguiu um resultado significativo, recebendo quase seiscentos mil votos (10%). Mário Rolim Teles, que se apresentara na legenda do Partido Agrário Nacional, teve dez mil simbólicos votos.
Dos 320 parlamentares eleitos para a Assembléia Constituinte, 177 (55%) pertenciam ao PSD, 87 (27%) à UDN, 24 (7,5%) ao PTB e 15 (4,5%) ao PCB. As cadeiras restantes foram para candidatos de partidos menores: o Partido Libertador (PL), reorganizado no Rio Grande do Sul por Raul Pilla, o Partido Republicano (PR), articulado em Minas pelo ex-presidente Artur Bernardes, o Partido Democrático Cristão (PDC), organizado inicialmente em São Paulo, e o Partido Republicano Progressista (PRP), liderado pelo ex-interventor paulista Ademar de Barros, que se chamaria, um ano depois, Partido Social Progressista (PSP).
Getúlio Vargas foi o candidato que obteve os resultados mais espetaculares nas eleições para a Constituinte, com um total de quase 1.150.000 votos em sete unidades da federação, quase 40% dos sufrágios obtidos por Dutra para a presidência da República. Foi eleito senador por dois estados: Rio Grande do Sul (na legenda do PSD) e São Paulo (na legenda do PTB). No primeiro, foi eleito também para a Câmara dos Deputados, mas pelo PTB. Em São Paulo e no Distrito Federal, encabeçou a lista de eleitos do PTB para a Câmara e foi o mais votado entre todos os candidatos. No Rio de Janeiro e em Minas Gerais ficou em segundo lugar na eleição para a Câmara. E, sempre pelo PTB, foi eleito ainda para a mesma casa do Congresso na Bahia e no Paraná.
Sua participação na campanha eleitoral foi decisiva para a implantação do PTB, que, além do Distrito Federal e dos seis estados já mencionados, só apresentou candidatos no Amazonas. Dos 603.500 votos obtidos pelo partido para a Câmara dos Deputados (terceiro partido, seguido de perto pelo PCB), Vargas sozinho angariou 318.000, permitindo que o PTB tivesse 22 dos 286 deputados então eleitos. Os mecanismos eleitorais estabelecidos ainda durante seu governo, com as sobras dos candidatos que ultrapassassem o quociente partidário servindo para engordar as bancadas, permitiram tal desempenho. No Distrito Federal, onde o PTB elegeu sua maior bancada de deputados federais constituintes, Getúlio teve mais de 116.000 votos, e o segundo dos outros oito eleitos do partido pouco mais de três mil votos. Quatro petebistas foram eleitos com menos de mil votos; em contrapartida, de todos os outros oito deputados eleitos pela UDN, pelo PCB e pelo PSD, o menos votado teve quase nove mil votos.
Com essa vitória eleitoral consagradora, Getúlio assegurou sua volta à política, mais cedo do que temiam seus adversários ou do que esperavam aqueles que o haviam deposto em 29 de outubro de 1945.
O “exílio” em São Borja e a ruptura com Dutra
Recolhido a uma antiga propriedade dos Dornelles, a estância de Santos Reis, em São Borja, Getúlio tardou em assumir sua cadeira na Assembléia Nacional Constituinte, cujos trabalhos tiveram início em 2 de fevereiro de 1946. Tendo empossado o novo presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, no dia 31 de janeiro, o país se preparava para refazer a sua Constituição pela terceira vez na história da República.
A posse de Getúlio na Constituinte só ocorreu no início de junho, dias depois de sua chegada ao Rio de Janeiro, onde foi recebido no aeroporto por grande multidão. Embora a presença de seu nome no pleito tenha sido decisiva para o PTB, coube-lhe assumir a cadeira de senador pelo PSD gaúcho (para a qual obteve sua maior votação, 461.913 votos, contra 95.000 dados à chapa udenista e 37.000 à chapa comunista), por decisão deixada à Constituinte. Essa circunstância lhe permitiria afirmar, no final de 1946, o caráter suprapartidário de seu papel na vida pública: “Não usei do direito de opção (...). Escolhido pelo povo, não me considero sujeito à disciplina de nenhum partido. Tenho no PSD de todo o Brasil muitos amigos a quem aprecio.” Por outro lado, como observa Maria Celina D’Araújo, a preocupação com os interesses do PTB foi uma constante do ex-presidente nesse período, embora se recusasse a “intervir nas questões internas do partido e mesmo na crise que nele se instaura após as eleições de dezembro de 1945” envolvendo pretendentes à liderança da agremiação: Paulo Baeta Neves e José de Segadas Viana contra Hugo Borghi.
Getúlio tomou posse pouco depois do envio do anteprojeto de Constituição ao plenário. Em março havia sido formada, para redigir o anteprojeto, uma grande comissão constitucional de 37 membros, presidida pelo senador pessedista Nereu Ramos, ex-interventor em Santa Catarina. Juntos, os partidos conservadores (PSD, UDN, PR, PL e PDC) formavam a esmagadora maioria de 32 integrantes da comissão. O PSD, com 19 membros, tinha sozinho maioria absoluta.
Enquanto se desenrolara o trabalho de redação, o plenário da Constituinte entregara-se ao que Hamílton Leal chamou de “autópsia do Estado Novo”, aproveitando-se do restabelecimento da tribuna parlamentar e da liberdade de imprensa. Em maio, a pedido do deputado udenista Euclides Figueiredo, formara-se uma comissão encarregada de examinar os serviços da Polícia do Distrito Federal (depois Departamento Federal de Segurança Pública e atual Departamento de Polícia Federal), que não chegou a realizar investigações esclarecedoras. Também o jornalista Davi Nasser vinha denunciando as autoridades do Estado Novo; suas denúncias resultaram, ainda em 1946, na publicação do livro Falta alguém em Nuremberg (torturas da polícia de Filinto Strubling Müller).
Em junho de 1946, quando Getúlio tomou posse como constituinte, Otávio Mangabeira, líder da UDN, apresentou imediatamente uma moção condenando o Estado Novo e exaltando as forças armadas pela deposição de Vargas. Nereu Ramos, em nome do PSD, propôs uma modificação que suprimia a referência ao golpe de 29 de outubro, de maneira a agradecer às forças armadas o modo como, “unidas em todos os movimentos republicanos”, haviam cumprido o seu dever. A UDN, entretanto, se opôs a essa nova versão, afirmando que ela desmerecia a ação dos chefes militares na deposição de Vargas, o que levou a Assembléia a aprovar as duas moções.
Antes do final da primeira quinzena de junho, alguns deputados antigetulistas passaram a concentrar suas críticas nas finanças do governo de Vargas. “Numa das sessões”, escreveu Foster Dulles, “o debate foi seguido por luta corporal. Getúlio, ouvindo as críticas que eram feitas ao seu governo, responsabilizando-o por todos os males do país, desafiou seus acusadores a que o encontrassem fora do edifício, e abandonou o recinto.”
No início de agosto, a Comissão Constitucional encaminhou à mesa da Assembléia as emendas apresentadas pelo plenário. Em meados desse mês teve início a votação dos títulos e artigos da Constituição, que foi promulgada em 18 de setembro de 1946, sem a assinatura de Getúlio, que já tinha retornado a São Borja. Além de não assinar a nova Carta, ele não se mostrou muito entusiasmado por ela, conforme confidenciaria depois. Mas isso não o levaria, em seu segundo governo, como se temia, a desrespeitá-la. “Outros”, escreveu Hélio Silva, “se incumbiriam dessa tarefa.”
O texto da Constituição de 1946 confirmou a tendência a uma convergência conservadora do PSD e da UDN (que tinham juntos 82% das cadeiras do Parlamento) em torno de Dutra, manifestada desde o início de seu governo, no plano político nacional, e particularmente na Assembléia, em detrimento da hipótese de aliança dos partidos de paternidade varguista, os quais, juntos, deteriam 62, 5% das cadeiras. A nova Carta incorporou os princípios liberais de 1934 e as chamadas conquistas sociais do Estado Novo, sem ir muito além. Entretanto, além de restabelecer os direitos e as garantias individuais assegurados na Constituição de 1934, a de 1946 adotou para o regime político postulados democráticos, como as eleições diretas para todos os níveis dos poderes Executivo e Legislativo.
Foi nessa época que entrou em funcionamento a usina siderúrgica de Volta Redonda. Segundo Foster Dulles, “Getúlio recebeu em São Borja a notícia da inauguração de Volta Redonda, mas não foi convidado para presenciar a concretização do seu grande sonho”. Alzira escreveu que “Edmundo de Macedo Soares e Silva, o homem que ele (Vargas) escolhera, preparara e defendera de todos os ataques para a realização desta obra, era o ministro da Viação do presidente Dutra e, por ocasião do discurso inaugural, teve medo de pronunciar o nome de Getúlio Vargas, em ambiente tão seleto, e referiu-se ao governo anterior como se tivesse pinças desinfetantes na voz”. Em 29 de outubro de 1946 os legisladores que eram contrários a Getúlio realizaram uma série de ‘sessões solenes’, comemorando a queda do Estado Novo com grande eclosão de oratória”.
Assim como tardara a assumir sua cadeira de constituinte, Vargas também não se apressou a tomar posse como senador na primeira legislatura ordinária do Congresso Nacional, iniciada, conforme previa a legislação decretada pelo presidente José Linhares, logo após a promulgação da nova Constituição, com a separação da Assembléia Nacional Constituinte em Senado Federal e Câmara dos Deputados. Quando o fez, em dezembro foi para evidenciar sua ruptura política — as relações pessoais também permaneceriam estremecidas — com o presidente Dutra.
A composição do primeiro ministério de Dutra havia evidenciado uma continuidade militar — Góis Monteiro reassumira sua pasta e os dois outros foram conservados — e refletira também o respeito aos compromissos assumidos na campanha eleitoral com o PSD, com Vargas e com o PTB, apesar dos acenos feitos por Dutra à UDN em janeiro, antes da posse, recebidos com agrado pela maioria da direção deste partido.
Como fora prometido, o PTB ficou com o Ministério do Trabalho, entregue a Otacílio Negrão de Lima. Não lhe coube nenhuma outra pasta porque seus resultados eleitorais ficaram aquém do mínimo necessário para tanto. Todos os demais ministérios foram atribuídos ao PSD. Esses seis ministros eram não só pessedistas, mas em geral ligados a Vargas, a seu longo governo ditatorial. No entanto, a partir de maio de 1946 — quando a UDN realizou uma convenção nacional e Dutra ofereceu a este partido dois ministérios, orientando definitivamente sua política na direção de uma aliança conservadora — ficou claro que eles eram sobretudo governistas. O governo agora era Dutra, e eles não tiveram maiores constrangimentos em seguir sua política de isolamento do PTB, de Vargas e, naturalmente, dos comunistas. A exceção foi João Neves da Fontoura, que deixou sua pasta (Relações Exteriores) em julho.
Para permitir a desincompatibilização de alguns de seus auxiliares que desejavam concorrer às eleições de governadores e deputados estaduais marcadas para 19 de janeiro de 1947 — freqüentemente, concorrer em atitude antivarguista —, Dutra promoveu uma grande reforma ministerial após o ingresso do país no regime constitucional. Em particular, o PTB saiu do ministério: Otacílio Negrão de Lima foi substituído pelo advogado Morvan Dias de Figueiredo, indicado para ocupar a pasta do Trabalho pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
O primeiro passo rumo a um acordo do governo com a UDN consistiu na ida de Daniel de Carvalho para o Ministério da Agricultura. Daniel de Carvalho era membro influente do PR aliado da UDN. Os convites de Dutra à UDN para integrar seu ministério provocaram acesas discussões nesse partido ao longo de 1946. Seu secretário-geral, Virgílio de Melo Franco, via no governo do general Dutra a continuação do Estado Novo. Conseqüentemente, opunha-se de modo irredutível a um acordo. Mas estava isolado. Em dezembro, a aceitação pelos udenistas Raul Fernandes e Clemente Mariani do convite de Dutra para assumirem, respectivamente, os ministérios das Relações Exteriores e da Educação e Saúde foi um fato consumado. Submetida à direção da UDN, foi aprovada por ampla maioria. Virgílio de Melo Franco demitiu-se da secretaria geral do partido.
O udenista mais interessado no acordo com Dutra era Otávio Mangabeira, justamente o presidente do partido e candidato ao governo da Bahia. Uma vez eleito, no início de 1947, ele passaria a estimular com vigor redobrado a política dita de “união nacional”, ou seja, de acordo entre os partidos conservadores. Queria chegar à presidência da República nas eleições de 1950 e sabia, em face do próprio resultado obtido por Eduardo Gomes em 1945, que isso não seria possível apenas com o apoio de seu partido e de agremiações menores.
No fundo, a preocupação estratégica que norteava os movimentos de Dutra, da UDN, do PR e de ponderáveis setores do PSD era a de articular uma frente capaz de retirar perspectiva à hipótese do retorno de Vargas ao poder, hipótese nutrida pelos resultados eleitorais que o ex-presidente obtivera. Vargas, por seu turno, orientava cada vez mais sua política para uma aliança com os setores mais populares, as grandes massas do eleitorado.
Em 29 de novembro de 1946, Vargas falou num comício do PTB realizado em Porto Alegre, aproveitando a ocasião para atacar o governo. Atribuiu sua queda aos “agentes da finança internacional, que pretende manter o nosso país na situação de simples colônia, exportadora de matérias-primas e compradora de mercadorias industrializadas no exterior”, e proclamou a existência de duas espécies de democracia: “A velha democracia liberal e capitalista (...), em franco declínio porque tem seu fundamento na desigualdade” e a “democracia socialista, a democracia dos trabalhadores. A esta eu me filio. Por ela combaterei em benefício da coletividade.” No Brasil, disse Vargas, imperava a democracia capitalista, “comodamente instalada na vida, que não sente a desgraça dos que sofrem e não percebem, às vezes, nem mesmo o indispensável para viver. Essa democracia facilita o ambiente propício para a criação dos trustes e monopólios, das negociatas e do câmbio negro, que exploram a miséria do povo (...). Essa espécie de democracia é como uma velha árvore coberta de musgos e folhas secas. O povo um dia pode sacudi-la com o vendaval de sua cólera (...). Tendo que optar entre os poderosos e os humildes, preferi os últimos”.
Ao mesmo tempo, como escreveu Maria Celina D’Araújo, havia uma articulação de Getúlio junto a lideranças políticas capazes de possibilitar seu retorno, para o qual aproveitaria “seu prestígio político anterior, que o transformara numa liderança nacional que congregava aspirações majoritárias dispersas, oriundas de correntes políticas e do eleitorado”.
Consumado em dezembro o movimento de aproximação do PSD com a UDN e o PR, Getúlio regressou ao Rio para proferir seu primeiro discurso no Senado e reiniciar formalmente sua atividade política. Segundo Foster Dulles, “leu um longo texto, defendendo o seu regime, e alegando que graças a ele tinha sido evitado um choque entre ‘o Norte com sua vibração de esquerda e o Sul com sua fisionomia de direita’ (...). O discurso provocou manifestações de desagrado no Senado, mas fora do prédio o ambiente era outro. Vargas interrompeu o discurso — que durou três horas — para saudar três mil admiradores, de uma janela do palácio Monroe, e recebeu uma entusiástica ovação da multidão, que cantou o Hino Nacional em sua homenagem”.
Segundo Thomas Skidmore, a implicação da justificativa de Vargas para o golpe de 1937 — teria sido a única alternativa do Brasil diante de uma guerra civil iminente — era clara: “A livre competição política tinha sido a norma da qual o país se afastara durante um período de emergência. Com o retorno à normalidade constitucional, o ditador de ontem se transformara no maduro estadista de hoje — pronto, se fosse solicitado pelos seus compatriotas, a concorrer ao cargo supremo.”
Marcando sua ruptura com Dutra e apontando à opinião pública o rumo que ia tomando a política nacional, Getúlio comentara dias antes, em entrevista à imprensa, a repercussão de seu discurso de Porto Alegre. “De espanto, de surpresa e até de hilaridade são minhas impressões. A revolta das diferentes UDNs e PRs que por aí andam causou-me surpresa. Supunha até que estivessem agradecidos a mim. Esses partidos chamados de oposição estão ansiosos para aderir ao governo. Ofereço-lhes para isso uma excelente oportunidade que devem aproveitar. A reação contra as atitudes do ex-ditador leva-os a esse apoio, para fortalecer a democracia ameaçada. Ganham os partidos cuja tendência é acomodar-se à sombra do poder. Ganha o governo, que fortalece a sua posição. Bom negócio para ambos. Assim, essa indignação não se justifica porque, intimamente, devem estar satisfeitos.”
As eleições de 1947
Entre meados de dezembro de 1946 e as eleições de 19 de janeiro de 1947, Vargas viajou muito por vários estados, participando decididamente da campanha. Apoiou os candidatos do PTB às assembléias legislativas e do PSD aos governos estaduais, exceto nos casos dos candidatos petebistas de São Paulo (Hugo Borghi), do Rio Grande do Sul (Alberto Pasqualini) e da Bahia (Antônio Medeiros Neto), derrotados apesar de seu apoio. Definia assim uma parte substancial da estratégia que haveria de levá-lo ao poder: “Manter a lealdade dos tradicionais caciques políticos do interior, através do PSD, ao mesmo tempo que conseguia força eleitoral nas cidades, por meio do PTB”, como escreveu Thomas Skidmore. Ao PTB iria agregar-se, num lance decisivo, o PSP do ex-interventor paulista Ademar de Barros. Vargas colheu entretanto alguns resultados eleitorais adversos, a despeito da progressão do PTB que elegeu 85 dos 855 deputados estaduais e nove dos 50 vereadores do Distrito Federal, ficando sem representação apenas nas assembléias legislativas do Ceará, do Rio Grande do Norte e de Goiás. O PSD elegeu 354 deputados estaduais e seis vereadores cariocas, seguido pela UDN, com 241 e nove eleitos, respectivamente. Atrás do PTB ficaram o PCB (respectivamente 46 e 18 eleitos) e o PR (48 e cinco).
O PSP elegeu 26 deputados estaduais: nove em São Paulo (onde recolheu 140.000 dos 230.000 votos que obteve, ficando aí, junto com a UDN, atrás do PSD, do PTB e do PCB) e os demais no Pará, no Ceará e no Paraná. O próprio Ademar de Barros infligiu a Vargas uma de suas derrotas, vencendo por 53.000 votos Hugo Borghi no pleito para o governo paulista, graças ao apoio que lhe foi dado pelos comunistas. O candidato do PSD ficou mais de cem mil votos atrás e o da UDN, trezentos mil votos atrás.
Os candidatos apoiados por Vargas perderam também no Rio Grande do Sul, onde foi eleito Válter Jobim, do PSD, na Bahia, onde foi vitorioso Otávio Mangabeira, apoiado também pelo PSD, e, principalmente, em Minas Gerais, onde o pessedista José Francisco Bias Fortes — com o apoio de uma facção de seu próprio partido em que se destacava o ex-ministro de Dutra, Carlos Luz — foi derrotado pelo udenista Mílton Campos. Em Pernambuco, o candidato pessedista apoiado por Vargas, Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, foi eleito, mas teve sua vitória contestada igualmente por uma dissidência pessedista, da qual participou Manuel Neto Campelo, outro ex-ministro de Dutra. A UDN saiu vitoriosa das eleições para governadores em sete dos 20 estados então existentes, sendo que no Amazonas, em coligação com o PTB. O PSD foi vitorioso em 11 estados, coligado com o PTB em três deles.
Em 10 de março de 1947, Getúlio discursou numa convenção do PTB realizada no Rio de Janeiro, definindo vários aspectos do programa do partido: “Consideramos os valores do capital não preponderantes sobre os valores do trabalho. (...) Esse partido é nacionalista, mas seu nacionalismo é diferente e não agressivo (...); é essencialmente democrático. E por ser democrático compreende a necessidade da existência dos outros partidos, praticando a norma básica da democracia, que é o respeito à vontade e à opinião alheia.” Afirmou que a democracia não sobreviveria à crise “sem uma planificação econômica e social”, acrescentando ser ponto vital do programa do partido “a planificação de nossa economia”.
Depois de lembrar que o PTB foi o único dos quatro grandes partidos do Brasil que “não só não apresentou redução de votos, como ainda demonstrou sua pujança com aumento do número de eleitores”, nas eleições que vinham de se realizar, insistiu em que o partido não era “o reflexo nem a projeção da minha personalidade” e sim “o sentimento consolidado pela legislação que afirmou a consciência política do socialismo no Brasil. Não é a vontade de um homem e sim a opinião das massas e a cristalização das leis sociais que devem ser cumpridas..., a estrutura política do direito trabalhista”. Curiosamente, proclamou que “ele é o partido dos trabalhadores e não dos políticos. Para aqueles devem ser franqueadas todas as portas e seus postos de comando ocupados pelos verdadeiros leaders das classes”.
Definiu a posição do PTB como “elemento de equilíbrio entre o comunismo, organização gregária destituída de idealismo construtor, e os outros partidos que, por injustificadas prevenções personalistas, deixam penetrar em suas muralhas o ‘cavalo de Tróia’ do credo vermelho”, e garantiu nada mais aspirar na vida política do Brasil: “Desejo apenas, antes de me afastar inteiramente da vida pública, deixar no Partido Trabalhista Brasileiro um componente novo, uma força de equilíbrio que atenda às aspirações dos trabalhadores e eleve a nossa cultura como a expressão doutrinária do socialismo brasileiro.”
Em 7 de maio, instado pelo governo de Dutra, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cancelou o registro do PCB, que se tornou assim ilegal, mas só imergiria realmente na clandestinidade a partir de janeiro de 1948, quando os mandatos de seus parlamentares seriam cassados por decisão do Congresso Nacional. Nas eleições municipais que foram realizadas ainda em 1947, o aumento da votação do PTB, em relação aos 730.000 votos obtidos nas eleições estaduais de janeiro desse ano, provaria que os dois partidos disputavam as mesmas faixas eleitorais, numa demonstração prática da concepção que levara Vargas a criar o PTB: a de atalhar o crescimento do PCB entre os trabalhadores.
Vargas voltou ao Senado em 9 de maio, pronunciando o primeiro de uma série de três discursos de crítica à política econômico-financeira do governo. Nas semanas seguintes, recrudesceram boatos veiculados pela grande imprensa sobre uma suposta participação sua em conspirações envolvendo ou Luís Carlos Prestes, ou sargentos das forças armadas, e ainda sobre um igualmente inverídico pacto que estaria fazendo com o presidente argentino Juan Domingo Perón.
Em novo discurso que pronunciou na tribuna do Senado no fim do mês, ele contestou as acusações de que estava atacando Dutra: “Ninguém mais do que eu pode apresentar provas da mais profunda amizade ao chefe da nação. Tive a satisfação de promovê-lo de tenente-coronel a coronel e a general-de-brigada, e ainda de general-de-brigada a general-de-divisão. Durante muitos anos ele foi meu ministro da Guerra, desempenhando com tanta lealdade e tanta bravura essa função que foi chamado o ‘Condestável do Estado Novo’. Mais tarde, quando sua candidatura, em vésperas de eleição, se encontrava em perigo, foram meus os votos que decidiram sua eleição, porque, meditando na escolha entre os dois candidatos, verifiquei que o ilustre brigadeiro Eduardo Gomes, um dos mais notáveis valores da sua geração, podia esperar um pouco(...). Pareceu-me, entretanto, que a idade provecta de S. Exa. o Sr. presidente da República, seu espírito ponderado e sereno, melhor se ajustavam ao período imediato que deveríamos viver. E S. Exa dá provas de sua ponderação, procurando governar com equilíbrio, sem partidarismo, sem paixão política, visando reunir todos os esforços e congregar todas as atividades para o bem do Brasil. Ninguém mais do que eu tem dado provas de apreço pessoal ao general Eurico Gaspar Dutra.”
Quanto à contestação de seu diagnóstico da crise econômica e social, concordou com a observação do senador pessedista catarinense Ivo d’Aquino de que a crise vinha de longa data, mas ponderou: “Ninguém pode pretender, no entanto, que se atravesse uma guerra sem crise econômica. Mas são duas crises completamente diferentes: a crise de uma guerra e a crise de uma paz (...) A crise da guerra (...) foi superada. Estamos, agora, na crise econômica da paz. A construção econômica dessa paz não pode ser realizada criando-se uma guerra contra os produtores, levada a termo através da preocupação de se impedir o desenvolvimento econômico do país. O custo da produção (...) nada mais é, dentro do sistema capitalista em que vivemos, do que a resultante da soma de duas parcelas: custo do dinheiro e custo do trabalho. O que se visa fazer é aumentar o custo do dinheiro e diminuir o custo do trabalho, isto é, reduzir, pelo desemprego, as possibilidades dos trabalhadores pleitearem reajustamento de salários. Não me parece que esta seja a melhor forma de se baratear a produção, nem, tampouco, a melhor maneira de se estimular a produção.”
Lembrou que o Brasil tinha deixado de ser devedor internacional para ser credor internacional, acrescentando: “E isto vejo que entristece profundamente todos aqueles que, durante anos, sempre desejaram o Brasil de sacola na mão, como um pedinte, roto e esfarrapado.” Contestou que estivesse havendo deflação: “Aumentar o papel-moeda sem aumentar principalmente as nossas reservas em ouro e divisas é o que se chama de inflação, inflação verdadeira, inflação real, inflação objetiva.” Garantiu que “o déficit orçamentário de 1946 foi o maior de todos os tempos da história econômica, financeira e administrativa do nosso país”.
Disse ver com profunda tristeza que “o que existe por parte de alguns homens em nosso país, arvorados em líderes da economia nacional, é apenas um acentuado complexo contra o trabalhador brasileiro. Não me preocupam interesses e lucros industriais. Não me preocupam lutas entre grupos que porventura se tenham desavindo. A indústria tem, nesta casa, seus representantes, e eles que a defendam, caso precise de defesa”. Ele, Getúlio, não podia concordar com o “complexo” contra o trabalhador brasileiro: “Acham que ele não deve ser operário nas fábricas, que o Brasil não deve ter indústria, que é indispensável destruir toda e qualquer possibilidade de trabalho fora dos campos. O Brasil, no conceito desses homens” — referia-se notadamente ao ministro da Fazenda, Pedro Luís Correia e Castro —, “deve ser uma nação essencialmente agrícola. O operário deve mudar de profissão, pelo que pretendem, ou então voltar ao regime de escravatura.”
Apresentou-se com uma atitude isenta de rancor. “O maior negócio político dos últimos tempos tem sido a atribuição de intenções que não me animam. Minhas palavras são a expressão do sentimento do povo. Não tenho inimigos nem adversários. Os que porventura imaginam que em meu espírito existe mágoa ou rancor praticam um grande erro. Compreendo e justifico, perfeitamente, todas as lutas contra um regime ao qual era contrário o idealismo de muitos nobres brasileiros. Respeito todas as opiniões e todos os ideais e todos os sentimentos. Ninguém mais do que eu sabe como é difícil governar e fácil criticar. Todos, porém, podem verificar que o que se está fazendo é muito mais criticar do que governar.”
Entre agosto e setembro de 1947, Getúlio pediu licença do Senado, sendo substituído pelo suplente Camilo Mércio, que assumiria sua cadeira também durante praticamente todo o ano seguinte, assim como de abril a julho de 1949 e de agosto do mesmo ano em diante. Somando-se os quatro períodos em que não esteve licenciado, Vargas cumpriu dois anos de um mandato que, até sua ida para a presidência da República, em janeiro de 1951, seria de cinco anos (e mais quatro até janeiro de 1955, igualmente cumpridos por Camilo Mércio).
As primeiras articulações concretas relacionadas com a questão da sucessão de Dutra envolveram as eleições paulistas de novembro de 1947. A Constituição do estado de São Paulo determinara a escolha do vice-governador em eleições diretas, a serem realizadas concomitantemente com as eleições municipais para prefeitos e vereadores. Dada a importância política de São Paulo, essas eleições, escreveu Maria Celina D’Araújo, foram “encaradas nacionalmente como termômetros para avaliação do prestígio de Vargas, de Dutra e do governador Ademar de Barros”. Getúlio envolveu-se decididamente na campanha do pessedista Carlos Cirilo Júnior à vice-governança e dos candidatos petebistas às prefeituras e câmaras municipais, fazendo pronunciamentos em diversas cidades paulistas. O apoio dos comunistas, cujo partido já era então ilegal, a Cirilo Júnior e a candidatos petebistas fez com que Vargas e Luís Carlos Prestes subissem juntos ao mesmo palanque nessa campanha, episódio que ficou imortalizado numa fotografia histórica, com freqüência erradamente datada de 1945.
Entretanto, o adversário principal de Cirilo Júnior, tendo a UDN fraca expressão eleitoral em São Paulo, era o deputado federal Luís Novelli Júnior, igualmente pessedista e marido da enteada do presidente Dutra, Carmelita Ulhoa Cintra. No início do ano, Dutra quisera impor o nome de Novelli Júnior como candidato do PSD ao governo do estado, contra Ademar, mas não fora atendido (o candidato pessedista foi então Mário Tavares). Agora, a fim de atenuar a hostilidade dos meios militares conservadores a sua pessoa — sobretudo por ter sido eleito com o apoio dos comunistas —, e também para se aproximar de Dutra e dos setores dutristas do PSD, o próprio Ademar resolveu apoiar Novelli Júnior.
Ademar tinha seus próprios planos com vistas à sucessão de Dutra. “A escolha de um vice-governador”, escreveu Maria Celina D’Araújo, “colocava nitidamente a importância política e eleitoral de São Paulo, uma vez que os entendimentos de Ademar junto aos meios políticos levavam sempre em consideração a possibilidade de passar o governo a este ou àquele partido no momento em que tivesse que renunciar para concorrer à presidência da República. Levando em conta seus planos de poder, Ademar agia cuidadosamente para não escolher um pessedista, uma vez que isso poderia significar um pretexto para o PSD expulsá-lo do poder; não se arriscava também a indicar um petebista, pois para tanto precisaria do apoio de Vargas, o que poderia atrelá-lo a compromissos que o impediriam de continuar negociando livremente seus planos de poder. Restava a Ademar minar o campo político de forma a eleger um vice-governador que não ameaçasse sua estrutura de poder já montada e que não se convertesse em obstáculo a seus projetos para o futuro. A solução encontrada foi cindir o PSD e escolher um candidato de uma de suas alas.”
O PTB cogitou de lançar candidato próprio mas acabou desistindo de fazê-lo. A maioria do partido acompanhou Vargas no apoio a Cirilo Júnior, enquanto uma facção liderada por Hugo Borghi apoiava Novelli Júnior. A campanha assumiu o caráter de teste para o PTB, com um sabor de desforra do golpe de 29 de outubro de 1945. Segundo Maria Celina D’Araújo, seu caráter plebiscitário foi plenamente assumido por Getúlio.
Tanto maior foi o peso da derrota de Cirilo Júnior. A vitória do candidato situacionista significou, na interpretação da mesma autora, uma vitória da aliança Ademar-Dutra contra o getulismo e contra a unidade do PSD. “Ademar de Barros sai tão fortalecido deste episódio que se torna, a partir desse momento, um dos principais interlocutores para o debate sobre a sucessão presidencial. Por outro lado, o PSD fragmenta-se ainda mais e o PTB enfrenta uma crise interna em que não faltam denúncias de corrupção e indisciplina partidária em torno da eleição paulista.”
Foster Dulles escreveu que Getúlio, “cansado e desiludido”, retornou novamente à sua estância em São Borja, “onde não era mais procurado, a não ser pelos amigos íntimos e pelo seu vizinho Jango (João) Goulart”. Na verdade, Vargas retirou das eleições paulistas de novembro de 1947 a lição mais importante. Com perspicácia e sem assomos paralisantes de amor-próprio, constatou que o adversário da véspera é que deveria ser o aliado de amanhã, e isso justamente porque o derrotara, porque provara sua força. Constatou que, como escreveu Thomas Skidmore, Ademar representava uma força mais poderosa em São Paulo do que o PTB ou o PSD: “Se Getúlio quisesse alcançar a presidência, não o poderia fazer sem o auxílio de Ademar.”
Outra linha de análise amplia a compreensão da estratégia seguida por Getúlio após a derrota de seu candidato Cirilo Júnior. “Paradoxalmente”, escreveu Maria Celina D’Araújo, “a sobrevivência política de São Paulo frente aos outros estados e ao poder central dependia de que seu poder regional fosse minimizado e de que a unidade dos partidos aí existentes estivesse desagregada, pois suspeitava-se de que aquele partido cujo diretório regional mais importante estivesse em São Paulo necessariamente se converteria num partido paulista. Em suma, para ser nacional, um partido não poderia ter em São Paulo seu principal reduto; e aquele que fosse o mais forte nesse estado teria que se submeter a um papel nacionalmente secundário. (...) Dentro desse raciocínio, a derrota do getulismo em São Paulo, nesse momento, é em certo sentido apenas formal. Na verdade, na medida em que o quadro partidário paulista se apresenta desagregado, estão assegurados os requisitos para a permanência de uma liderança ‘acima dos partidos’, como Getúlio faz questão de se autoproclamar.”
Em julho de 1949, Vargas mostraria concretamente ter apreendido essas realidades da situação paulista e do ademarismo, ao orientar a bancada trabalhista para repelir o pedido de impeachment contra Ademar de Barros. Dutra, por sinal, esteve a pique de decretar intervenção federal em São Paulo para destituir Ademar, mas recuou diante da resistência da UDN a tal idéia. Os udenistas temiam que se o governo estadual fosse entregue ao PSD, na pessoa de Novelli Júnior, a sucessão presidencial estaria definida a favor desse partido. Aos pessedistas também não interessava o afastamento de Ademar, pois a posse de Novelli Júnior, “dadas as suas ligações com Ademar e com o Catete, colocava para o partido a possibilidade de dissensões ainda mais profundas”.
A dança da sucessão
Se as primeiras peças do tabuleiro de xadrez da sucessão presidencial começaram a ser movidas em novembro de 1947 nas eleições paulistas, os lances seguintes datam do início de 1948, quando a política de “união nacional” de Dutra foi formalizada através do Acordo Interpartidário.
O Acordo Interpartidário começou a ser preparado em novembro de 1947, quando os governadores udenistas Otávio Mangabeira e Mílton Campos discutiram seus termos com Dutra, no Rio. Foi assinado solenemente no palácio do Catete em 22 de janeiro de 1948 pelos presidentes dos três partidos envolvidos: Nereu Ramos (PSD), José Américo de Almeida (UDN) e Artur Bernardes (PR). Ressalvada a autonomia de cada partido, o acordo estabelecia “bases de entendimento comum, entre si e com o governo da República”, visando a três objetivos principais: 1) “consolidar o regime e aperfeiçoar a sua prática”, especialmente “pelo estrito cumprimento da Constituição, como critério fundamental de toda a atividade pública”; 2) “promover a elaboração e execução imediata de um plano econômico e financeiro, assumindo igualmente o compromisso de velar pelo equilíbrio orçamentário”; e 3) “cumprir, o quanto antes, pela legislação complementar ou ordinária, os preceitos constitucionais de ordem econômica e social destinados a elevar o nível de vida do homem brasileiro”.
Os três partidos contavam, respectivamente, com 151, 77 e sete (somando 235) dos 286 deputados federais. Assim, o acordo garantia a Dutra folgada maioria para a aprovação das matérias mais relevantes no parlamento. Além de cristalizar o consenso dos grupos políticos conservadores em torno do governo, oferecia a cada um dos dois grandes partidos (ao PR, caberia barganhar sua participação na composição, embora Artur Bernardes acalentasse sonhos de uma ressuscitada grandeza) a esperança de ver resolvida a seu favor — sob a égide de Dutra e das autoridades militares — a questão da sucessão presidencial, com a indicação de um candidato comum, e, assim, virtualmente imbatível. O acordo funcionou para dar a Dutra condições ímpares, em regime constitucional, de governar praticamente sem oposição parlamentar. Mas, como se veria depois, não funcionou para resolver justamente o problema que na verdade o motivara, o da sucessão presidencial.
Segundo Maria Vitória Benevides, a aliança entre a UDN e o PSD naquele momento tinha por base o temor da “irrupção social” e a identificação de classe entre os dois partidos. O pragmatismo do PSD levá-lo-ia, na prática, a buscar uma aliança eleitoral e parlamentar com o PTB, já que um compromisso eminentemente conservador “representaria um suicídio político”. Já para a UDN, o acordo significava subordinar-se ao PSD e transigir em matéria doutrinária, mas expressava também seu objetivo de impedir o retorno de Vargas ao poder. A oposição da UDN não visava exatamente Getúlio, mas o que ele “poderia significar em termos de reformas sociais e econômicas e ampliação da participação política”. A luta contra o getulismo acabaria por transformá-lo no responsável por todos os problemas nacionais, dando “consistência ao mito que queria destruir”.
Como observou Afonso Arinos de Melo Franco, “efetuado com vistas à sucessão presidencial, o acordo mostrou-se inviável e esboroou-se justamente ao impacto do problema sucessório”. O acordo foi feito em nome dos partidos, mas havia sido negociado acima deles. “Desde logo revelou-se que a massa udenista opunha-se ao arranjo político que lhe debilitava as bases eleitorais animadas do espírito de oposição, e a massa pessedista também se opunha a uma partilha, que reputava injusta, do poder que considerava ter conquistado nas urnas. Em resumo: as realidades eleitorais eram mais fortes que as combinações entre os eleitos.”
Para as pretensões de um homem, em particular, o acordo foi fatal: o vice-presidente da República e presidente do PSD Nereu Ramos, que tinha grande passagem entre as forças políticas do país, apesar da diminuta importância relativa de seu estado, Santa Catarina. Nereu se considerava o “candidato natural” do PSD, mas foi atropelado pelo Acordo Interpartidário, na medida em que este dava a Dutra grande poder de influência no processo sucessório e mantinha acesas as esperanças do udenista Otávio Mangabeira. Dutra era contrário à candidatura de Nereu. Queria alguém do PSD, mas alguém que fosse antivarguista e mais aceitável para a UDN, alguém que representasse a continuidade de seu próprio esquema.
Uma das conseqüências iniciais do Acordo Interpartidário foi a de truncar a efêmera aproximação entre Ademar e Dutra. Compreendendo que o esquema montado a partir do palácio do Catete tendia ou à exclusão das forças que seriam depois chamadas de “populistas”, ou a sua cooptação em condições extremamente desvantajosas, o governador paulista foi deslizando para a oposição ao governo federal, que se tornaria mais acirrada a partir de meados de 1949, quando, como se sabe, Dutra esteve a ponto de intervir no estado. Ademar passou a ter também em Novelli Júnior, o vice-governador dutrista, um adversário.
O reverso da medalha foi sua aproximação com Getúlio. Os primeiros contatos entre Ademar e Getúlio foram estabelecidos em janeiro de 1948 por intermédio de Oscar Pedroso Horta. Os contatos de Pedroso Horta se estenderam à UDN e ao PSD, paulista e mineiro, “havendo na ocasião interesse de ambos em repetir o gesto de Ademar, ou seja, conversar primeiro com o ex-presidente antes de assumir qualquer compromisso frente à sucessão”.
A partir de setembro, a imprensa e os políticos começaram a veicular informações sobre possíveis entendimentos entre Getúlio e Ademar. Ao mesmo tempo, segundo articuladores próximos a Vargas, a expectativa e o trabalho popular com vista ao seu retorno já estavam bastante disseminados. “Na verdade”, escreveu um deles, citado por Maria Celina D’Araújo, “o movimento, inteiramente desarticulado, sem chefe e sem orientação, surge nos quatro cantos do Brasil, natural, espontâneo, mas com um sentido e uma força que surpreendem os mais dedicados dos seus amigos e levam o pânico aos adversários.”
Em outubro, o PSD mineiro, favorecendo a oposição de Dutra ao nome de Nereu Ramos, procurou a seção da UDN no estado para propor que o candidato de “união nacional” fosse um nome de Minas Gerais, cabendo a presidência da República ao PSD e o governo do estado à UDN.
Vargas não se preocupou em auscultar apenas os meios políticos. As sondagens feitas por emissários seus junto a membros influentes da hierarquia militar, nessa época, revelaram não só a possibilidade de adesão de alguns deles como a inexistência de qualquer plano golpista articulado pelas altas patentes. Em janeiro de 1949, João Neves da Fontoura podia escrever ao ex-presidente: “Já se admite francamente que, se fores eleito, deverás ser empossado”, por não haver, no momento, clima para se “sair da legalidade”.
No final de 1949, Getúlio chegaria a pensar em atrair Góis Monteiro para a campanha, fazendo-o seu candidato à vice-presidência. João Neves da Fontoura seria contrário a essa tática, pois, na sua avaliação, ela desgostaria tanto a opinião pública como os adversários de Vargas dentro do Exército. Góis Monteiro, entretanto, chegaria a ser sondado por emissários de Getúlio e de Ademar, declinando do convite e oferecendo uma lista de militares aptos a ocupar o cargo. Declararia ainda que os militares não impediriam a posse do ex-presidente, caso ele fosse eleito, desde que respeitasse a Constituição e os “direitos impostergáveis” da corporação.
Em fevereiro de 1949, na terça-feira de Carnaval, Getúlio recebeu em sua fazenda de Itu o repórter Samuel Wainer, de O Jornal, um dos órgãos da cadeia de Assis Chateaubriand, os Diários Associados. Samuel Wainer fora ao Rio Grande do Sul fazer uma matéria para demonstrar a impossibilidade de se plantar trigo no Brasil e resolveu tentar obter uma entrevista de Vargas. Obteve-a e, mais do que isso, foi autorizado a publicar a resposta de Getúlio a uma pergunta sobre sua volta ao proscênio da política nacional: “Sim, eu voltarei, não como líder político, mas como líder de massas.”
No dia 8 de março, porém, Getúlio afirmou em entrevista ao Correio do Povo, de Porto Alegre, que não seria candidato. No dia 19, depois de um encontro com o governador mineiro Mílton Campos no palácio Rio Negro, em Petrópolis (RJ), Dutra liberou oficialmente os partidos signatários do Acordo Interpartidário para decidirem sobre a questão sucessória. No entanto, como observou Maria Celina D’Araújo, “desde 1948 o presidente estava interessado em ditar uma solução própria que contasse com o referendo partidário e que, ao mesmo tempo, pudesse impedir uma vitória direta ou indireta de Vargas”. Formada uma comissão composta pelos presidentes do PSD (Nereu Ramos), da UDN (José Eduardo do Prado Kelly) e do PR (Artur Bernardes) para discutir, o encaminhamento da sucessão, o impasse apareceu sob a forma da contraposição, às pretensões de Nereu, do nome do pessedista mineiro José Francisco Bias Fortes, apoiado por Dutra.
No 1º de maio de 1949, Getúlio enviou de Itu uma sintomática mensagem aos trabalhadores: “Que vos posso dizer senão que as leis sociais não foram revogadas, mas não estão sendo rigorosamente aplicadas? (... ) É preciso apenas viver para poder esperar. Venho, trabalhadores, trazer-vos, com a minha voz, a presença do ausente, porque sentis em vossos corações a ausência dos presentes.” Nesse mesmo mês, tomou conhecimento de que, à exceção do PTB, os partidos não o queriam como candidato; em compensação, procuravam seu apoio para os nomes por eles indicados.
Em junho, Válter Jobim concedeu uma série de entrevistas à imprensa pregando a “formação de uma ampla frente democrática nacional da qual deverá emergir amanhã um verdadeiro governo de coalizão”. Recomendava que não se excluísse nenhum dos partidos nacionais das consultas, e que fossem ouvidos também Dutra, Getúlio e Ademar. Dutra concordou com aquela que ficaria conhecida como “fórmula Jobim” e delegou aos partidos a escolha do candidato, com a condição de que o nome comum saísse das fileiras do PSD.
No final de julho, por iniciativa do governador gaúcho, realizou-se no Rio uma reunião da qual emergiu uma declaração conjunta PSD-UDN-PR decidindo “ouvir todos os partidos registrados sobre (... ) a escolha de candidatos comuns à presidência e à vice-presidência da República”, assim como fixar as “linhas mestras ou os pontos fundamentais de um programa político-administrativo a ser executado pelos candidatos”. O passo seguinte seria efetuar as consultas ao PTB, ao PSP, a Vargas e a Ademar.
Em agosto, contatado pelo dirigente do PSD gaúcho Cilon Rosa, Getúlio disse ver com bons olhos uma conciliação entre as forças políticas nacionais, mas que só aceitaria a orientação da declaração conjunta caso seus termos fossem invertidos: estabelecer primeiro um programa de governo, “que sintetize as aspirações do povo brasileiro e em cuja elaboração cooperem todos os partidos registrados”, e buscar depois, “em qualquer deles, candidatos que, bem recebidos pelo povo, sejam capazes de dar-lhe cabal execução”. Considerou legítimo o PSD reivindicar que o candidato de união saísse de suas fileiras, mas não quis se comprometer com isso. Manifestou-se contra uma eventual prorrogação do mandato de Dutra e contra a imposição pelo Catete de um candidato oficial.
Foi também em agosto de 1949 que, diante da situação de impasse, as seções mineiras dos três partidos do acordo resolveram deixar a solução do problema a cargo do presidente da República, desde que o escolhido fosse de Minas Gerais: a “fórmula mineira”, evidentemente contrária às pretensões de Nereu Ramos, cristalizou-se num acordo em que se decidia a adoção de uma candidatura comum. De fins de setembro a fins de outubro, Nereu, Prado Kelly e Bernardes voltaram a se reunir, infrutiferamente. O vice-presidente da República, entrementes, procurava articular sua candidatura, enfrentando a oposição de Dutra. Segundo depoimento de Ernâni Amaral Peixoto, o general instruiu Benedito Valadares a afirmar que o PSD mineiro não aceitava Nereu, advertindo ao mesmo tempo os interessados nessa candidatura de que ela não era viável devido ao veto de Minas Gerais.
À margem da dança dos partidos e do palácio do Catete, porém, o processo político da sucessão, entendido em sentido amplo, começou a adquirir sua real fisionomia. Em 7 de outubro foi criado no Rio de Janeiro o Movimento Nacional Popular Pró-Eduardo Gomes, que uma semana depois organizou na então capital federal um comício pela candidatura do brigadeiro. Em seguida, o PSD lançou uma nota declarando que, em virtude de sua situação de partido majoritário, entendia dever a candidatura do Acordo Interpartidário sair de seus quadros. Em resposta, a UDN declarou não aceitar tal critério para a escolha do candidato. Discursando na Câmara dos Deputados, Prado Kelly afirmou que “o episódio do entendimento dos três partidos está definitivamente encerrado”.
Paralelamente, discursando no Senado, Góis Monteiro leu uma carta de seu sucessor no Ministério da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa, desautorizando qualquer movimento em prol de sua candidatura, que desde meados de 1948 era cogitada como uma alternativa a ser negociada pelas forças civis. A candidatura de Canrobert passara a segundo plano em março de 1949, mas era lembrada sempre que se colocava na pauta a necessidade de um candidato extrapartidário. Em janeiro de 1950, Canrobert voltaria a admitir sua candidatura, desde que oriunda de uma coligação partidária. Em março, porém, ela seria objeto de um fugaz lançamento pelo Partido de Orientação Trabalhista (POT), agremiação que não chegaria a se constituir partidariamente.
No dia 12 de novembro de 1949, Nereu Ramos, que havia estado com Ademar e com Getúlio, teve uma audiência com Dutra, que se negou a assumir um compromisso formal com o PSD (chegou na época a ventilar o nome do governador Mílton Campos), provocando o rompimento político entre ambos. Dois dias depois, a convenção do PTB paraibano lançou a candidatura de Getúlio. No dia 21, em reunião da comissão diretora nacional do PSD, Benedito Valadares reapresentou a “fórmula mineira” e sugeriu que a escolha fosse realizada entre os nomes de Bias Fortes, Carlos Luz, Israel Pinheiro e Ovídio de Abreu. Eliminara da lista Cristiano Machado, cujo nome era simpático à UDN (mas não a Dutra, por ter votado contra a cassação dos mandatos comunistas em 1948), para que, de fato, não se chegasse a acordo algum.
No dia 26, a direção do PSD aprovou a “fórmula mineira”, levando Nereu a renunciar à presidência do partido em protesto contra a interferência do governo na questão sucessória (foi substituído por Cirilo Júnior). No mesmo dia, João Neves da Fontoura, que também se demitiu da direção pessedista, declarou que a “fórmula mineira” havia sido elaborada por Dutra e pelo ministro da Justiça, Adroaldo Mesquita da Costa, à revelia e contra a vontade do partido. “Por muito menos”, afirmou, “formou-se à Aliança Liberal.”
Na UDN, os partidários de uma nova candidatura de Eduardo Gomes imaginavam que o eleitorado iria se dividir em três correntes — a trabalhista, com Vargas, a pessedista, com um nome do partido, e a udenista —, e que essa divisão daria a maioria relativa ao brigadeiro. Otávio Mangabeira tinha, como se sabe, outro esquema em mente: a manutenção da aliança tripartidária e o isolamento do PTB. No início de dezembro, sem esperanças de ver realizadas suas aspirações e irritado com Dutra, o governador baiano proclamou a fatalidade da candidatura do brigadeiro, “muito possivelmente seguro, no íntimo, de seu insucesso”, como escreveu Afonso Arinos na História do povo brasileiro.
Diante desse quadro, o PSD reforçou seus contatos. Amaral Peixoto propôs a Vargas a formação de uma coligação entre o PSD e o PTB para levar à presidência “um grande nome nacional”. Por seu turno, Salgado Filho, o presidente do PTB, foi ter com Vargas para saber se em torno de alguns nomes — como os de Nereu Ramos, Válter Jobim, Barbosa Lima Sobrinho ou Israel Pinheiro — seria possível o acordo dos dois partidos. Getúlio insistiu em sua posição favorável à discussão prévia em torno de programas e não de nomes.
Ele compartilhava, na verdade, da análise feita com propriedade por outro dirigente petebista, Danton Coelho, seu “amigo certo das horas incertas”. Para Danton, o fracasso da candidatura comum fortalecia a do brigadeiro pela UDN. Nesse caso, o PSD tenderia a apresentar uma candidatura própria, a qual, para ser bem-sucedida, deveria contar com o apoio do PTB e do PSP. Entretanto, havendo pluralidade de candidaturas, Ademar poderia se lançar pelo PSP, levando o PSD, diante da perspectiva de derrota, a buscar o apoio do PTB. O eleitorado se dividiria assim em três grandes blocos: UDN, PSD-PTB e PSP. A divisão do eleitorado popular daria à UDN melhores condições para enfrentar o pleito.
Nos últimos dias de 1949, algumas peças decisivas do quebra-cabeças se encaixaram. Pela primeira vez, Ademar de Barros foi ao encontro de Getúlio em São Borja. Cautelosamente, retornou do Rio Grande do Sul proclamando que “Vargas não é nem será candidato”. Em fins de janeiro de 1950, Salgado Filho expôs no Congresso as instruções que recebera de São Borja para entrar em negociações com o PSD. Ao mesmo tempo, Cirilo Júnior dirigiu à UDN, em nome do PSD, um convite para que aquele partido integrasse uma comissão visando à elaboração de um programa comum. Em fevereiro, João Neves escreveu a Vargas: “Ademar é ainda a esperança dos teus adversários. O que eles temem é a união de vocês: a vitória que eles esperam repousa só e só no conflito entre ambos vocês.”
Em março, depois que seu nome foi proposto pelo PR para reativar a “fórmula mineira”, Mílton Campos contrapropôs a candidatura apartidária de Afonso Pena Júnior, filho do antigo presidente da República. Para aceitar a proposta do PR (na qual, como se viu, Dutra estava interessado), Mílton Campos deveria passar o governo a seu vice-governador, o pessedista José Ribeiro Pena. Ora, deixar a máquina do governo com o PSD, durante a campanha eleitoral, seria suicídio político. Além do mais, a UDN, que tendia majoritariamente para o nome do brigadeiro, não adotaria o do governador mineiro.
Afonso Pena Júnior aceitou a indicação de Mílton Campos, mas, como fosse mais próximo da UDN do que da neutralidade, acabou tendo seu nome recusado pelo PSD mineiro. A partir de então (abril de 1950), o Acordo Interpartidário se desmantelou. A insistência do PSD mineiro em indicar um nome próprio para a presidência da República decorreu da convicção de Benedito Valadares de que isso iria reunificar o partido, que se dividira em 1947, dando a vitória a Mílton Campos. Quando setores do PSD gaúcho propuseram finalmente o nome de Cristiano Machado, que era do PSD independente mineiro (a facção que se aliara à UDN em 1947), Valadares exultou. Cristiano não fora um bom nome quando podia funcionar como ponte entre o PSD e a UDN, mas agora que a UDN já tinha candidato significava a possibilidade de reunificação do PSD: Valadares sabia que Cristiano perderia, mas sabia também que o governo do estado voltaria às mãos do PSD, mais precisamente às mãos da facção pessedista derrotada em 1947, o que de fato aconteceu com a vitória de Juscelino Kubitschek.
Da conversa entre Getúlio e Ademar resultaria, entretanto, ainda em meados de março de 1950, uma nova reunião. Na estância dos Santos Reis, Vargas recebeu Erlindo Salzano, representante de Ademar, e Danton Coelho, do PTB. Formulou-se um acordo secreto, assinado pelos dois últimos, em que se deliberava “formar a união dos srs. Ademar de Barros e Getúlio Vargas, isto é, estabelecer uma frente chefiada pelos dois líderes acima referidos” já que, “considerando as dificuldades que a desincompatibilização do Sr. Ademar de Barros criará à frente e as fatais conseqüências de grave caráter no cenário político-administrativo nacional, esse líder admitiu a inviabilidade de sua candidatura no momento atual”. O acordo declarava finalmente aceitar como candidato mais conveniente da citada frente “o sr. Getúlio Vargas”. No dia 2 de abril, desfazendo as últimas esperanças dos adversários de Vargas, Ademar não deixou o governo paulista para se desincompatibilizar.
Em 19 de abril, o aniversário de Getúlio foi comemorado na estância de João Goulart, que aproveitou a ocasião para lançar a candidatura do ex-presidente. Vargas respondeu que estava disposto a se sacrificar pela causa dos trabalhadores: “Levai-me convosco.” Nem tudo, porém, estava resolvido. Getúlio não chegou a assumir formalmente sua candidatura nem a defini-la em termos partidários. Na véspera, o diretório nacional da UDN indicara o nome de Eduardo Gomes à convenção do partido, mas o PSD ainda não se tinha pronunciado.
Em 9 de maio, Getúlio e Ademar se encontraram novamente e, “como chefes do PTB e do PSP”, dirigiram-se à nação a fim de “anunciar a nossa aliança para uma ação conjunta no cenário político do país, notadamente no que diz respeito à solução do problema sucessório”. A nota conjunta justificava o sentido da aliança, que, “fruto da atual conjuntura histórica do Brasil, inspira-se nos anseios do povo, que exige renovação imediata de mentalidade e hábitos políticos. Só os profissionais da política ignoram que uma nova concepção de governo não pode ser levada a efeito sem uma reforma de base”. A nota anunciava ainda a divulgação próxima de um programa de governo, não fazia referência à exclusão de outros partidos e não apontava nomes para a sucessão.
No dia 12, a convenção nacional da UDN homologou por unanimidade a candidatura de Eduardo Gomes. Três dias depois, a direção pessedista indicou a de Cristiano Machado à convenção nacional pessedista. Salgado Filho ainda fora a Itu consultar Vargas sobre a possibilidade de apoio ao candidato pessedista. Foi um dos derradeiros passos do intrincado balé. Depois que Vargas declarou preferir, entre Cirilo Júnior, paulista, e Ovídio de Abreu, mineiro, este último, para compor uma chapa PSD-PTB, tendo Salgado Filho como candidato à vice-presidência, a ala dita “ortodoxa” do PSD gaúcho propôs, num passe de mágica, o nome de Cristiano Machado, que, para surpresa geral, foi aceito pela direção do partido governista e por Dutra. O presidente da República, pessoalmente, pensara em Bias Fortes, o candidato pessedista ao governo mineiro que ele mesmo ajudara a derrotar em 1947, e, alternativamente, em seu ministro da Justiça, Adroaldo Mesquita da Costa.
Em 16 de maio teve lugar o episódio que funcionou como derradeiro critério de avaliação para Vargas colocar sua candidatura na rua. A chapa nacionalista encabeçada pelos generais Newton Estillac Leal e Júlio Horta Barbosa derrotou, nas eleições para a diretoria do Clube Militar, a chapa conservadora liderada pelos generais Osvaldo Cordeiro de Farias e Emílio Ribas Júnior. No fim do mês, inutilmente, o ministro Canrobert desaconselhou a candidatura de Vargas.
Maria Celina D’Araújo arrolou, além dos nomes de Getúlio e Eduardo Gomes, 21 nomes de candidatos que passaram pelo cenário da sucessão presidencial no teatro do Acordo Interpartidário. Sua conclusão é de que a incapacidade dos grandes partidos conservadores de encontrar uma solução comum e a atuação de Ademar “constituíram os elementos fundamentais para o surgimento e a vitória da candidatura Vargas”. Nesse sentido, não agride a realidade dos fatos afirmar que Getúlio, de certa forma, limitou-se a explorar os erros alheios e a reconhecer a inevitabilidade e a importância da aliança com Ademar de Barros.
A campanha eleitoral de 1950
A formalização das candidaturas teve lugar ao longo do mês de junho de 1950. No dia 3, enquanto Dutra garantia que daria posse a quem fosse eleito, a convenção nacional do PL aprovava a candidatura de Eduardo Gomes. No dia 6, o diretório nacional do PTB resolveu encaminhar à convenção nacional do partido o nome de Vargas. Imediatamente, Getúlio escreveu a Salgado Filho propondo um reexame da situação sucessória. Levava até o fim a sua diplomática postura de interessado numa solução de conciliação.
Em 9 de junho, porém, a convenção nacional do PSD homologou a candidatura de Cristiano Machado. Uma semana depois, em 15 de junho, enquanto João Neves da Fontoura anunciava seu apoio à candidatura Vargas, esta era lançada por Ademar de Barros em ato espetacular nas escadarias do palácio do Ipiranga, em São Paulo. A candidatura de Vargas foi homologada em convenção nacional do PTB no dia seguinte.
Em julho foram lançadas as candidaturas à vice-presidência na chapa de Cristiano Machado. Eram duas, para tentar ampliar o espectro de alianças do candidato oficial: a do paulista Altino Arantes, pelo PR, e a de Vitorino Freire, pelo partido que ele criara no Maranhão, o Partido Social Trabalhista (PST). Até setembro ainda haveria especulações em torno de uma possível candidatura do general Góis Monteiro em chapa com Getúlio. Góis Monteiro, então senador pelo PSD, acabou apoiando a candidatura de Eduardo Gomes.
No fim de julho, o Partido de Representação Popular (PRP), nova legenda dos integralistas, deu seu apoio a Eduardo Gomes, e Odilon Braga, da UDN mineira, foi indicado para ser seu companheiro de chapa. O brigadeiro era um candidato marcado pela derrota, e sua segunda candidatura consolidou a vocação da UDN de partido “colecionador de derrotas”, na expressão de Afonso Arinos de Melo Franco. No afã de mobilizar o que fosse possível contra Getúlio, não se furtou a participar de comícios eleitorais na companhia de Plínio Salgado. Em relação a 1945, aparecia com sinal trocado, perdendo o apoio de ponderáveis contingentes de intelectuais e jovens que haviam votado na UDN como símbolo de luta contra o Estado Novo.
Vargas, por seu turno, receberia os votos de boa parte do eleitorado comunista, embora a direção do PCB tenha feito campanha pelo voto em branco. A presença do eleitorado comunista na votação de Getúlio ficaria evidenciada particularmente pelos resultados do pleito em São Paulo e no Distrito Federal.
Em 6 de agosto, Ademar foi a Natal para o lançamento da candidatura de seu correligionário João Café Filho, deputado pelo Rio Grande do Norte, à vice-presidência, na chapa de Getúlio (o PTB não lançou candidato para esse cargo). Café Filho, antigo opositor do Estado Novo, chegou a declarar, num momento de especial privação de lucidez: “O ex-ditador tem receio de que eu tenha mais votos como vice do que ele como presidente.”
A campanha eleitoral do ex-presidente foi aberta no dia 9 de agosto de 1950 em Porto Alegre e encerrada 53 dias depois, no dia 30 de setembro, em São Borja. De Porto Alegre, Vargas subiu para São Paulo. Do Rio de Janeiro foi para o interior mineiro (Pirapora) e daí para o interior do Maranhão (Carolina). Percorreu o Norte e veio descendo o Nordeste, detendo-se na Bahia, onde falou em quatro cidades. Do Espírito Santo veio para o estado do Rio de Janeiro, onde também falou em quatro cidades. Minas, Goiás e Mato Grosso foram os estados que visitou a seguir, descendo por São Paulo para percorrer, finalmente, o Sul. Naturalmente, abordou em cada cidade o tema localmente mais importante: nacionalismo e borracha na Amazônia, nacionalismo, petróleo, cacau e aproveitamento do rio São Francisco na Bahia, siderurgia em Volta Redonda e situação da lavoura canavieira em Campos, no estado do Rio, problemas da seca no Ceará, do café no Paraná, da pecuária no Mato Grosso, e assim por diante.
Foi uma campanha estafante e arriscada, porque Vargas viajou muito por perdidas estradas enlameadas ou poeirentas, ou em pequenos aviões que, em outros casos (como o de dois candidatos a governador), tiveram acidentes com vítimas fatais. Mas foi uma campanha eficaz. Getúlio, à época com 67 anos de idade, esteve em todos os 20 estados e no Distrito Federal. Pronunciou um total de 80 discursos. Além de todas as capitais estaduais e do Rio de Janeiro, esteve em 54 cidades, dedicando especial atenção ao Rio Grande do Sul (21 cidades), a São Paulo (13) e a Minas Gerais (7) — num total de 41 cidades desses três estados. O Relatório sobre a campanha eleitoral de 1950 elaborado por Mônica Medrado da Costa aponta duas grandes bandeiras desfraldadas por Vargas na corrida final para a presidência: a questão nacional e os programas de reforma social. “A questão nacional aparece, sobretudo, nos debates em torno da criação da Companhia Vale do Rio Doce, da Fábrica Nacional de Motores e da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, entendidas por Getúlio como os três grandes marcos na luta pela independência econômica do país. Também o tema da nacionalização dos recursos naturais e das riquezas do subsolo constitui (... ) um ponto essencial no chamado projeto político nacionalista de Vargas”, que “não chega a pôr em risco a participação dos capitais estrangeiros em determinados setores da economia nacional. Embora procure limitar a ingerência das grandes empresas internacionais nos assuntos internos, sua proposta política não se confunde com a idéia de uma reformulação mais sensível na ordem econômica”.
As reformas sociais foram associadas, durante a campanha, à continuidade dos “ideais de renovação que foram as forças motrizes do movimento de 1930” (discurso em São Paulo, 10 de agosto). Getúlio tinha em vista a extensão das leis trabalhistas ao campo, o que significava “manter e ampliar as conquistas alcançadas pacificamente, sem o apelo à luta de classes, em favor dos que trabalham e produzem” (mesmo discurso).
Mais do que a recusa da luta de classes, pregou a colaboração de classes: “O capital e o trabalho não são adversários e sim forças que se devem unir para o bem comum” (Recife, 27 de agosto). Entretanto, seria necessário superar o liberalismo clássico: “O que existe, defendida intransigentemente pelos velhos partidos, com novos rótulos, é a democracia política, baseada em leis que lhe asseguram o gozo de privilégios para oprimir e explorar o trabalho alheio. O trabalhismo brasileiro surgiu, assim, como uma afirmação contra a máquina montada em nome da liberdade política, com sacrifício da igualdade social” (São Paulo, 10 de agosto).
No mesmo discurso feito em São Paulo, Vargas descreveu o que seria, então, a democracia social: uma democracia “que se define na prática efetiva do bem comum, na conciliação humana entre o capital e o trabalho, no amparo aos que lutam pela vida, na assistência à saúde e ao bem-estar do povo, sob todos os seus aspectos, na socialização dos benefícios que a civilização trouxe ao mundo e — principalmente — na conservação do nosso estilo de vida, que é o da fraternidade, pela máxima cristã do amai-vos uns aos outros”. Tocou, entretanto, num ponto sensível: “O direito da propriedade da terra ficará, assim, subordinado ao bem-estar e ao progresso social.”
Democracia social, insista-se, nada teria a ver com luta de classes: “Nem a ditadura do proletariado, nem a ditadura das elites. O que a sociedade moderna aspira é o trabalhismo, ou seja, a harmonia entre as classes, a democracia com base no trabalho e no bem-estar do povo” (Araçatuba, SP, 12 de setembro). E “a ação trabalhista poderá ser a meia-estação entre o capitalismo e o socialismo” (Porto Alegre, 9 de agosto). “O Partido Trabalhista Brasileiro é uma força orgânica e construtiva, a serviço dos legítimos interesses do povo. Nele não cabem nem pendores extremistas, nem inclinações reacionárias. Sua finalidade não é dividir, mas harmonizar, pois não visa à revolução social e sim à paz e à harmonia da coletividade, dentro de uma concepção mais justa e mais humana dos direitos do indivíduo” (Carazinho, RS, 21 de setembro).
Finalmente, a retórica do chamado populismo não podia estar ausente: “Não sou candidato estritamente partidário. O meu nome emergiu da vontade popular. Atendo ao chamado de todas as classes, do povo em geral, mas principalmente dos humildes, dos pobres, dos desempregados” (Recife, 27 de agosto).
“Governei com o povo e com os trabalhadores e deles recebi o prêmio maior que um homem público poderia ambicionar: o reconhecimento singelo, mas leal e expressivo, do carinho do povo.” Referindo-se à sua passagem pelo Senado, declarou: “Criaram em torno a mim um ambiente irrespirável.
Eu era o ex-ditador, o conspirador incorrigível, o inimigo da democracia, uma ameaça constante ao regime. Os ataques pessoais mais virulentos, as mentiras mais impudentes, as injúrias, a chacota, o ridículo, tudo procuraram lançar sobre mim os escribas oficiais e oficiosos. (...) Eu era o culpado de tudo o que havia de mal, do que estava ocorrendo e do que pudesse vir a ocorrer, para os eternos gozadores da hora que passa. Várias espécies de espionagens rondavam minha residência ou acompanhavam meus passos. Pretendidos amigos de outros tempos esquivavam-se de mim, para não se comprometerem. (...) Meus telefonemas censurados, minha correspondência controlada, meus amigos que ocupavam cargos públicos exonerados, removidos, perseguidos. (...) Mas o sentimento do povo, desse grande povo sofredor e anônimo, continuava fiel a mim. Seus sofrimentos começaram a agravar-se e eu, também um perseguido, sofria com ele, sem que nada pudesse fazer, porque meu interesse por alguém faria recair sobre ele, mais forte, a ira dos poderosos. (...) Nada havia a fazer no momento, senão o que a lei me permitia. Solicitei licença e retirei-me. (...) E o povo me foi buscar no meu retiro. Não pude resistir aos apelos vivos, constantes e quase imperativos.” Depois de lembrar sua frase de 1949 (“É preciso apenas viver para poder esperar”), exortava: “É chegada a hora. Levanta-te e anda, povo brasileiro. Ergue-te contra os que traíram tua fé e faltaram às promessas que te fizeram. E anda, marcha para as urnas de 3 de outubro, a fim de escolher para o governo os homens de tua confiança. (...) Se for eleito a 3 de outubro, no ato da posse o povo subirá comigo as escadas do Catete. E comigo ficará no governo” (Rio de Janeiro, estádio do Vasco da Gama, 12 de agosto).
Em julho, antes de iniciar a campanha, Getúlio Vargas havia concedido à Folha da Noite, de São Paulo, declarações que resumiam os pontos básicos de sua pregação e que, antevendo as resistências à sua política, articulavam-se com sombrias — e impressionantemente atiladas — previsões sobre as conseqüências de sua vitória, que tinha como certa: “Conheço meu povo e tenho confiança nele. Tenho plena certeza de que serei eleito, mas sei também que, pela segunda vez, não chegarei ao fim do meu governo. Terei de lutar. Até onde resistirei? Se não me matarem, até que ponto meus nervos poderão agüentar? Uma coisa lhes digo: não poderei tolerar humilhações.”
“Tenho 67 anos e pouco me resta da vida. Quero consagrar esse tempo ao serviço do povo e do Brasil. Quero, ao morrer, deixar um nome digno e respeitado. Não me interessa levar para o túmulo uma renegada memória. Procurarei, por isso mesmo, desmanchar alguns erros de minha administração e empenhar-me-ei a fundo em fazer um governo eminentemente nacionalista. O Brasil ainda não conquistou a sua independência econômica e, nesse sentido, farei tudo para consegui-lo. Cuidarei de valorizar o café, de resolver o problema da eletricidade e, sobretudo, de atacar a exploração das forças internacionais. Elas poderão, ainda, arrancar-nos alguma coisa, mas com muita dificuldade. Por isso mesmo, serei combatido sem tréguas. Eles, os grupos internacionais, não me atacarão de frente, porque não se arriscam a ferir os sentimentos de honra e civismo de nosso povo. Usarão outra tática, mais eficaz. Unir-se-ão com os descontentes daqui de dentro, os eternos inimigos do povo humilde, os que não desejam a valorização do homem assalariado, nem as leis trabalhistas, menos ainda a legislação sobre os lucros extraordinários. Subvencionarão brasileiros inescrupulosos, seduzirão ingênuos inocentes. E, em nome de um falso idealismo e de uma falsa moralização, dizendo atacar sórdido ambiente corrupto que eles mesmos, de longa data, vêm criando, procurarão, atingindo minha pessoa e o meu governo, evitar a libertação nacional. Terei de lutar. Se não me matarem...”
A vitória nas urnas
Em 3 de outubro de 1950, Getúlio recebeu 3.849.040 votos (48,7% do total), enquanto Eduardo Gomes ficou com 2.342.384 votos (29,6%), Cristiano Machado amargou um pálido terceiro lugar, com 1.697.193 votos (21,5%) e João Mangabeira, que também concorreu na legenda do Partido Socialista Brasileiro (PSB), recebeu menos de dez mil votos.
O abandono de Cristiano pelo PSD criou uma nova acepção para o vocábulo “cristianizar”. Até em Minas Gerais ele ficou em terceiro lugar, com 32,2% dos votos, porcentagem semelhante às de seus contendores (o vencedor nesse estado foi Eduardo Gomes, com 23.000 votos a mais que Getúlio, diferença correspondente a menos de 2% do total de votantes). O PSD, entretanto, teve em Minas 38% das legendas para deputados federais (e o PTB apenas 13%). O mesmo fenômeno se repetiu em muitos estados, sendo exemplos expressivos os do Rio de Janeiro (Cristiano Machado, 8,5%; legendas do PSD, 34%) e do Distrito Federal (Cristiano, 5%; legendas do PSD, 13,5%.).
Getúlio venceu em 18 das 24 unidades da Federação então existentes, perdendo apenas, além de Minas Gerais, no Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e territórios do Acre e do Amapá. Em São Paulo, Vargas recolheu quase 1/4 de sua votação nacional (mais de 900.000 votos), abiscoitando nada menos que 64% dos votos dados aos candidatos, embora o PSP e o PTB somados não tenham passado dos 47% das legendas para a Câmara dos Deputados (o candidato da coligação PSP-PTB ao governo do estado, Lucas Nogueira Garcez, foi eleito com pouco mais de 670.000 votos, mesma porcentagem de 47% em relação aos outros candidatos, Hugo Borghi e Francisco Prestes Maia), os votos de Getúlio em São Paulo representaram quase três vezes a votação de Eduardo Gomes e seis vezes a de Cristiano Machado. No Distrito Federal, dada a fraqueza congênita do PSD, o apoio da máquina ademariana se fez sentir mais ainda, em termos relativos, dando a Vargas, em associação com a forte influência petebista, mais que o dobro (378.000) dos votos do candidato udenista (169.000), e nada menos que 12 vezes os do candidato pessedista (29.000).
Outras vitórias expressivas de Vargas foram obtidas no Rio Grande do Sul (346.000 votos, quase 140.000 a mais que o segundo colocado, Cristiano), na Bahia (306.000 votos, quase o dobro dos que foram dados a Eduardo Gomes, segundo colocado), no Paraná, onde seus quase 170.000 votos esmagaram os outros candidatos, e em Santa Catarina (110.000), onde o candidato udenista chegou perto (101.000), mas o pessedista, desamparado por Nereu Ramos, ficou com pouco mais da metade (59.000). Mais da metade dos votos de Vargas foi conseguida em São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Nessas quatro unidades ele teve mais de um milhão de votos de vantagem sobre Eduardo Gomes (1.500.000 em todo o país) e quase 1.270.000 de votos mais que Cristiano Machado (2.150.000 de diferença em todo o país). No Brasil inteiro, apenas 145 mil votos foram anulados e 211.000 eleitores votaram em branco para a presidência da República.
No número de votos em branco, quase 1.050.000, reside uma das diferenças entre as eleições para a presidência e para a vice-presidência. O eleito, Café Filho, teve pouco mais de 2.500.000 votos, contra pouco mais de 2.300.000 dados a Odilon Braga, o companheiro de chapa de Eduardo Gomes. Os dois candidatos que compuseram a chapa de Cristiano Machado, Altino Arantes e Vitorino Freire, tiveram respectivamente 1.600.000 e quinhentos mil votos. Café Filho ganhou em sete estados e dois territórios, e, assim como Getúlio, foi o primeiro colocado em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Da mesma forma que Vargas, perdeu em Minas Gerais.
As eleições para os governos dos 20 estados marcaram um grande avanço quantitativo e qualitativo do PSD, que, sozinho ou liderando diferentes coligações, ganhou em 11 deles (inclusive Minas Gerais, com Juscelino Kubitschek, e Bahia). Com as vitórias do PSP em São Paulo (coligado com o PTB) e no Rio Grande do Norte (coligado com o PSD), e mais a vitória do petebista Ernesto Dornelles no Rio Grande do Sul, restaram à UDN cinco estados. Alagoas, Mato Grosso, Pará em coligação com o PSP e outros partidos, Santa Catarina e, único resultado expressivo, Paraná. Finalmente, o PST elegeu o governador maranhense. Na maior parte dos casos, essas eleições foram decididas por pequenas margens de vantagem. Cresceu também, nas eleições de outubro de 1950, a votação do PTB para a Câmara dos Deputados: 1.262.000 votos, que lhe permitiram eleger representantes em 14 estados.
Em 1º de junho de 1950, o jornalista Carlos Lacerda escrevera na Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, de sua propriedade: “O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”
Não houve revolução para impedir a posse de Vargas e sim conspiração contra seu governo, que chegaria ao desenlace conhecido quatro anos depois. O que fez a UDN foi tentar embargar sua vitória, argüindo, por iniciativa do deputado baiano Aliomar Baleeiro, a tese da maioria absoluta. Uma leitura capciosa da definição dada pela Constituição para a maioria necessária à eleição do presidente da República foi o ponto de partida da tentativa de chicana.
Em 18 de janeiro de 1951, porém, contrariando as expectativas udenistas, o TSE, encerrada a revisão dos resultados do pleito, proclamou Getúlio Vargas e Café Filho como os candidatos legalmente eleitos. Os militares acataram a decisão da Justiça. Dutra, embora se houvesse esquivado de um pronunciamento sobre a questão da maioria absoluta, nada fez para impedir a transmissão da presidência a Getúlio.
Antes de passar o governo, Dutra encontrou-se com o presidente eleito na casa de Góis Monteiro (que iria ocupar a chefia do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) no novo governo) e expressou sua insatisfação com a escolha dos futuros ministros da Guerra (Estillac Leal) e da Aeronáutica (Nero Moura). Este foi um dos tantos pontos de atrito que se interpuseram entre os dois governos.
Novamente no governo
Getúlio reassumiu a presidência consagrado por grande apoio popular que se manifestou espontaneamente no carnaval com o sucesso da marcha Retrato do velho, composta em sua homenagem. A marchinha de Haroldo Lobo e Marino Pinto dizia em seus versos. “Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar / O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar.” Esse sentimento popular pró-Vargas causou perplexidade entre os udenistas e, em alguns casos, verdadeira repulsa pelo fenômeno do populismo. Em dezembro de 1950, escrevendo sob o impacto da derrota udenista, a revista Anhembi, dirigida pelo escritor e jornalista Paulo Duarte, comentava em editorial: “No dia 3 de outubro, no Rio de Janeiro, era meio milhão de miseráveis, analfabetos, mendigos famintos e andrajosos, espíritos recalcados e justamente ressentidos, indivíduos tornados pelo abandono homens boçais, maus e vingativos, que desceram os morros embalados pela cantiga da demagogia berrada de janelas e automóveis, para votar na única esperança que lhes restava: naquele que se proclamava o pai dos pobres, o messias-charlatão.”
Na verdade, como escreveu Francisco Weffort, a vitória de Getúlio demonstrava a “incapacidade dos partidos dominantes (um dos quais ele próprio havia fundado) para substituí-lo na direção do Estado e, ao mesmo tempo, o reafirmava como o principal chefe político da Revolução de 1930”. Sua volta ao poder ocorreu, porém, em circunstâncias mais complexas. Como resumiu Thomas Skidmore, “agora Vargas enfrentava um centro desconfiado, implacável oposição da direita, e um Exército neutro, na melhor das hipóteses”. Além do fantasma populista, o apelo nacionalista de Getúlio era um tema controvertido para as elites que detinham de fato o poder, isto tanto em relação aos militares quanto à burguesia industrial. No Brasil, o temor ao nacionalismo refletia claramente a redefinição do quadro internacional, a intensificação da guerra fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, os dois centros do poder mundial após 1945.
O alinhamento com os Estados Unidos e o anticomunismo interno haviam levado o governo Dutra ao rompimento de relações diplomáticas com a União Soviética em 1947. Nos anos seguintes, a posição nacionalista, representada por oficiais como o general Estillac Leal, passou a ser identificada com os postulados do comunismo pelos partidos conservadores e um setor ponderável das forças armadas. A preocupação com a chamada segurança nacional começou a se corporificar em doutrina pelos militares que fundaram a Escola Superior de Guerra (ESG) em 1948. O conflito de posições tornou-se mais agudo com a eclosão da guerra da Coréia (1950-1953). Iniciado no dia 25 de junho de 1950 esse conflito dominou as relações internacionais no início daquela década. Em 7 de julho, o Conselho de Segurança da ONU foi levado a votar pelo estabelecimento de um “comando unificado” na Coréia do Sul, sob a chefia dos Estados Unidos, condenando a invasão do paralelo 38 pelas tropas da Coréia do Norte, aliada da União Soviética. Em dezembro de 1950, a Revista do Clube Militar, dirigida por um major nacionalista, publicou um artigo criticando a posição dos Estados Unidos na guerra e defendendo a neutralidade brasileira, o que provocou a imediata reação de oficiais anticomunistas, com cartas a jornais, manifestos e declarações. O protesto ocasionou a suspensão da revista por vários meses, assim como transferências punitivas e prisões de oficiais nacionalistas.
Antes de tomar posse, Getúlio começou a equacionar os problemas de sua futura política externa. Logo após a eleição, escolheu João Neves da Fontoura para o Ministério das Relações Exteriores e incumbiu-o de iniciar os estudos necessários para definir a posição do Brasil na IV Reunião Consultiva dos Chanceleres Americanos, marcada para março de 1951, em Washington. Convocada pelo presidente Truman, a reunião tinha por objetivo principal coordenar o apoio latino-americano à intervenção dos Estados Unidos na Coréia.
Getúlio foi diplomado presidente da República e Café Filho, vice-presidente, em 27 de janeiro de 1951, em sessão especial convocada pelo presidente do TSE.
O presidente eleito instalou-se no Hotel das Paineiras na localidade carioca do Silvestre, onde iniciou entendimentos com os novos governadores e com as correntes políticas que haviam apoiado sua candidatura, tendo em vista não só a formação do futuro ministério, como ainda a composição da maioria parlamentar no Congresso. Apesar de ter sido bastante expressiva a derrota de seu candidato, Cristiano Machado, o PSD continuava a manter indiscutível domínio em relação às bancadas dos demais partidos na Câmara e no Senado. Por outro lado, a despeito da vitória de Vargas, o PTB e o PSP não conquistaram posições legislativas suficientes para garantir o apoio parlamentar ao governo, sobretudo diante da expectativa de uma oposição constante, áspera e irredutível da UDN. A presença do PSD foi, portanto, indispensável nas negociações do Hotel das Paineiras. No mesmo dia da diplomação dos eleitos perante a Justiça Eleitoral, o conselho nacional do PSD, em nota assinada pelo presidente Carlos Cirilo Júnior, “considerando os altos interesses nacionais”, decidiu prestar colaboração política e administrativa ao novo governo.
Em 31 de janeiro de 1951, Getúlio assumiu a presidência da República e Café Filho a vice-presidência, perante o Congresso Nacional. Dutra transmitiu o poder a seu antecessor e sucessor com um discurso seco, no qual nem sequer se referiu nominalmente a Vargas. Logo após a solenidade de posse, Vargas discursou na escadaria do palácio Tiradentes, perante uma multidão entusiástica, dedicando a vitória de sua candidatura ao povo brasileiro: “Eleito a 3 de outubro como o candidato do povo, aspiro e espero governar como o presidente do povo.” Manifestou seu respeito pelos partidos e candidatos adversários, elogiou o procedimento do governo, das forças armadas e do Poder Judicário durante o processo eleitoral, mas não poupou críticas aos que tentaram vetar sua candidatura: “Como falsos pastores, pretendiam assumir uma espécie de curatela da opinião popular porque ainda não estávamos amadurecidos e preparados para os prélios cívicos e os embates ideológicos que fortalecem e vivificam o exercício e a prática da democracia.” Em seguida, qualificou-os como “profissionais da desordem”, “conspiradores impenitentes” e “inimigos da paz social”, ao se referir à tentativa de impedir sua posse. Mais adiante, Getúlio prevenia-se contra os tempos duros que o aguardavam: “Não venho semear ilusões, nem deveis esperar de mim os prodígios e os milagres de um messianismo retardatário. Não vos aceno com a idade da plenitude e da abundância como um fabricante de sortilégios.” No final, Getúlio prometeu fazer de seu governo “a própria imagem refletida da Pátria”, tendo em vista “o desenvolvimento de sua vida social no sentido da cooperação e da harmonia das classes e dos interesses”.
O “ministério da experiência”
O presidente Getúlio Vargas no Palácio do Catete, em 1951
Enquanto negociava a constituição de seu ministério, Vargas chegou a pensar em um governo de “união nacional”, embora essa expressão não tenha figurado em seus pronunciamentos. Era seu desejo incorporar a UDN nas responsabilidades que ia assumir. Danton Coelho, que consolidou sua reaproximação com Ademar de Barros, tentou esse apoio junto a Odilon Braga. Não foi bem-sucedido. Odilon informou-o de que seu partido já havia deliberado adotar uma posição de independência em relação ao futuro governo.
No dia da posse, Vargas divulgou a composição de seu ministério. O gabinete escolhido por Getúlio refletia as diversas alianças de sua campanha eleitoral e um esforço político de conciliação. O PSD recebeu a maioria das pastas, com João Neves da Fontoura no Exterior, Horácio Lafer (representante de um poderoso grupo econômico paulista) na Fazenda, Francisco Negrão de Lima na Justiça (por influência do governador Juscelino Kubitschek) e Ernesto Simões Filho na Educação e Saúde. O PSP de Ademar de Barros recebeu o Ministério da Viação e Obras Públicas, entregue a Álvaro Pereira de Sousa Lima. Ademar também influiu na escolha do presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jafet, o maior contribuinte da campanha eleitoral de Getúlio. O PTB, partido de Vargas, recebeu apenas um ministério, o do Trabalho, entregue a Danton Coelho. Para a Agricultura, foi escolhido João Cleofas, líder da UDN em Pernambuco. Durante a campanha, Getúlio fizera um acordo de apoio eleitoral mútuo com João Cleofas, candidato ao governo pernambucano contra Agamenon Magalhães, do PSD. Derrotado nas urnas pelo candidato pessedista, Cleofas aceitou o convite de Getúlio apesar da pressão exercida pela direção nacional da UDN.
A nomeação de Estillac Leal para o Ministério da Guerra teve o claro sentido de prestigiar a ala nacionalista do Exército. A escolha de Estillac foi a que causou maiores polêmicas nos círculos militares. A nomeação do coronel-aviador Nero Moura para a Aeronáutica também foi questionada, devido às suas ligações pessoais com o presidente, do qual fora piloto particular. Para a Marinha, foi nomeado o almirante Renato Guillobel.
Lourival Fontes, ex-diretor do DIP, foi escolhido como chefe do Gabinete Civil da Presidência, recebendo o general Ciro do Espírito Santo Cardoso a chefia do Gabinete Militar. Getúlio designou ainda o general Ciro Rio Pardense de Resende para o Departamento Federal de Segurança Pública. O general Ângelo Mendes de Morais foi conservado na prefeitura do Distrito Federal até março de 1951, quando foi enviada mensagem ao Senado propondo a indicação do engenheiro João Carlos Vital, que tomou posse naquele mês.
Provavelmente com o intuito de atenuar a surpresa causada pela predominância conservadora do ministério, Getúlio qualificou-o inicialmente de “ministério da experiência”, dando a entender que seria substituído, caso os objetivos do governo não fossem atingidos. Ainda dentro dessa estratégia, Vargas indicou seu ex-ministro da Educação, Gustavo Capanema, para o cargo de líder da maioria na Câmara, constituída pelo PSD, PTB e PSP, devido à sua reconhecida habilidade política e ao seu bom relacionamento com figuras destacadas da UDN, como Afonso Arinos de Melo Franco, líder da minoria.
Logo após a posse do governo, Getúlio decidiu criar um órgão de assessoramento e planejamento econômico, diretamente ligado à Secretaria da Presidência. A chefia da Assessoria Econômica foi entregue a Rômulo de Almeida, a convite do próprio Vargas, e sua equipe integrada por técnicos de posições nacionalistas, entre os quais Jesus Soares Pereira, João Neiva de Figueiredo, Inácio Rangel, Cleanto de Paiva Leite e Tomás Pompeu Acióli Borges. “A criação dessa assessoria”, escreve Maria Celina D’Araújo, “constituía um fato inédito no Brasil (...). Atuando discretamente, sem qualquer alarde político, a assessoria econômica torna-se na prática o órgão que dita ao governo uma atuação econômica planejada dentro de uma perspectiva nacionalista.”
Em 18 de fevereiro, para comemorar o início do governo, foi realizada uma grande “festa” no novo estádio do Maracanã com a presença de artistas e astros do futebol e a participação de 120.000 pessoas, segundo Foster Dulles. Em rápido pronunciamento, Getúlio afirmou que o governo procuraria “antes de tudo frear o alto custo de vida, estabelecendo um justo preço para os gêneros de primeira necessidade e detendo com medidas enérgicas o avanço inflacionista”. Encerrando o discurso com a clássica saudação “trabalhadores do Brasil”, Vargas declarou não ser “mais do que o representante, porta-voz das massas trabalhadoras”. Recorrendo à mesma imagem, lançou um apelo para a ação em comum no pronunciamento de 1º de maio, no estádio do Vasco da Gama: “Preciso de vós, trabalhadores do Brasil. (...) Chegou, por isso mesmo, a hora do governo apelar para os trabalhadores e dizer-lhes: uni-vos todos nos vossos sindicatos como forças livres e organizadas. O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza defensiva, o vosso instrumento de ação política.” Na oportunidade, Getúlio prometeu a elevação do salário mínimo em 50%, a extensão dos benefícios da legislação trabalhista ao trabalhador rural e outras medidas de assistência à classe trabalhadora. Em junho, Samuel Wainer fundou o jornal Última Hora, que se tornou o órgão por excelência de defesa do governo, quando todos os grandes jornais colocavam-se na oposição.
Logo no início do seu mandato, Getúlio assumiu uma atitude ostensivamente crítica em relação à obra administrativa do ex-presidente Dutra. Vargas responsabilizou diretamente o governo de seu antecessor pelas crescentes dificuldades financeiras do país que, conforme declarou em março, “excederam todas as expectativas”. Getúlio não se limitou aos ataques verbais. Em fevereiro de 1951, determinou a abertura de um inquérito no Banco do Brasil para apurar irregularidades que teriam sido praticadas de novembro de 1945 a janeiro de 1951, abrangendo, portanto, o período dos governos José Linhares e Dutra. A comissão incumbida da devassa, composta de 18 membros, foi presidida por um amigo pessoal de Vargas, o procurador Miguel Teixeira de Oliveira. Durante quase um ano a comissão investigou supostas irregularidades em torno da concessão de créditos e licenciamento para importações pela Carteira de Exportação e Importação (Cexim) do Banco do Brasil. A comissão entregou seu relatório ao presidente do Banco, Ricardo Jafet, em dezembro de 1951. O documento que apontava negócios considerados ilícitos e nomes de pessoas envolvidas foi conservado em sigilo. Houve também tentativas de devassa no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, dirigido ao tempo de Dutra pelo deputado Armando Falcão, do PSD cearense. O novo diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil, coronel Eurico de Sousa Gomes, manifestou-se diversas vezes sobre a crítica situação da principal ferrovia brasileira, com seus equipamentos desgastados, a via permanente danificada e os trechos eletrificados inteiramente sem conservação. Os jornais comentaram que as denúncias formuladas pelo coronel Sousa Gomes tinham por finalidade comprometer o engenheiro Jurandir Pires Ferreira, pessedista carioca que dirigia a Central nos últimos meses do governo anterior. As condições de encampação da antiga São Paulo Railway — posteriormente Estrada de Ferro Santos-Jundiaí — foram igualmente questionadas, provocando na Câmara protestos do deputado Clóvis Pestana, do PSD gaúcho, que, na ocasião das negociações para a encampação, era ministro da Viação e Obras Públicas do governo Dutra.
Em março de 1951, na abertura da sessão legislativa, Getúlio enviou mensagem ao Congresso apresentando as diretrizes gerais do seu programa governamental. Nesse trecho, Getúlio revelava um dos aspectos principais de sua orientação: “A elevação dos níveis de vida, num país como o Brasil, depende assim muito menos da justa distribuição de riqueza e do produto nacional, do que do desenvolvimento econômico. A grande verdade é que temos pouco que dividir.” Grosso modo, Vargas preconizava para o Brasil uma política de desenvolvimento com vistas ao aumento da produção de bens de consumo, alargamento do mercado interno, aumento da renda nacional e maior intervenção do Estado na economia como meio de garantir a expansão industrial. Em outro trecho, Getúlio destacava a interdependência dos países na nova ordem econômica internacional: “O Brasil encara como um imperativo inadiável o seu desenvolvimento econômico intensivo, em perfeita harmonia com os demais países americanos. Esse desenvolvimento não depende apenas da política econômica e financeira interna, que venha a ser firmada pelo governo. (...) O sucesso ou insucesso de qualquer política depende, em primeiro lugar, de sua perfeita inserção nas tendências e correlações regionais e mundiais que em grande parte predeterminam as conseqüências da ação dos governos.”
Na verdade, Getúlio defrontava-se com alguns dilemas econômico-financeiros importantes. Como escreveu Otávio Ianni, “ele precisava enfrentar, de alguma forma, problemas tais como: a inflação, o desequilíbrio na balança de pagamentos, a necessidade de importar máquinas e equipamentos, a insuficiência de energia e transportes, a insuficiência de oferta de gêneros alimentícios para as populações dos centros urbanos em rápida expansão”.
A infra-estrutura econômica do país se mostrava deficiente e um obstáculo à expansão industrial, principalmente no que diz respeito aos setores de energia e transporte, que, quando muito, estavam habilitados a servir a uma economia de produtos primários. Outro ponto de estrangulamento era o balanço de pagamentos. Quase 1/3 das compras no exterior tinha que ser consumido em gêneros alimentícios e combustíveis, sendo o trigo e o petróleo os mais importantes. Tornava-se necessário o estabelecimento de uma estratégia de investimentos que viesse eliminar da pauta de importações produtos semi-elaborados, como laminados de aço e metais não-ferrosos e principalmente combustíveis e automotores, que absorviam parte das divisas brasileiras, limitando a capacidade do país de importar equipamentos.
Na prática, Getúlio adotou uma política econômica bifurcada entre o que Skidmore denomina “ortodoxia e nacionalismo”. De um lado, a Assessoria Econômica, chefiada por Rômulo de Almeida, tentou formular uma política de desenvolvimento industrial com forte participação do Estado e do capital privado nacional. A Assessoria foi a principal responsável pela elaboração do programa energético, recebendo, entre outras tarefas prioritárias, a de estudar o problema do petróleo. De outro lado, o grupo representado pelo ministro da Fazenda, Horácio Lafer, e o ministro das Relações Exteriores, João Neves, buscou influenciar as decisões do governo na direção de uma maior participação do capital estrangeiro, como meio de o Brasil ultrapassar o seu estágio de subdesenvolvimento.
Assim que assumiu a pasta da Fazenda, Lafer tomou algumas medidas para controlar o surto inflacionário. O governo obteve do Congresso autorização para congelar preços e punir especuladores de gêneros alimentícios, e Lafer chegou, inclusive, a instruir os bancos para que recusassem financiamento aos comerciantes que especulassem com a inflação. O governo decidiu, ainda em 1951, criar um órgão executivo para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo popular. Foi assim instituída em dezembro a Comissão Federal de Abastecimento e Preços (Cofap), com autonomia administrativa no Ministério do Trabalho.
Lafer arquitetou uma política econômica que justificava a intervenção do Estado nos setores em que a iniciativa privada se mostrasse desinteressada, ao mesmo tempo em que procurou atrair investimentos estrangeiros, sobretudo norte-americanos, para os projetos de desenvolvimento. Em dezembro de 1950, antes da posse do governo Vargas, os Estados Unidos concordaram formalmente com a organização de uma comissão mista Brasil-Estados Unidos para o desenvolvimento econômico. Em 31 de janeiro de 1951, na mesma data de sua posse, Getúlio manteve conversações com o embaixador norte-americano Herschell Johnson e com Nelson Rockfeller, demonstrando o desejo de acelerar os entendimentos para a instalação da comissão mista. O principal defensor de uma política de aliança global com os Estados Unidos foi o ministro João Neves da Fontoura. Em fevereiro de 1951, Neves e Lafer reuniram-se no Rio com o secretário assistente norte-americano Edward Miller, estabelecendo entendimentos preliminares para uma política de “cooperação recíproca”. Segundo o relato de João Neves acerca das conversações, o governo dos Estados Unidos parecia efetivamente interessado em dar uma ajuda de grande escala ao Brasil. O BIRD e o Eximbank estavam prontos assegurou João Neves — a abrir um crédito no valor de 250 milhões de dólares para o financiamento de um programa de industrialização e obras públicas. O governo brasileiro, por sua vez, se comprometeu em facilitar a remessa de matérias-primas estratégicas para os Estados Unidos.
Em março, João Neves partiu para Washington a fim de participar da IV Reunião de Chanceleres Americanos, bem como preparar a instalação da comissão mista. Durante a reunião, os Estados Unidos enfatizaram o seu programa de defesa para o qual requeriam prioridade, em face da emergência internacional marcada pelo conflito coreano. A delegação brasileira apresentou um raciocínio inverso, explicando que “os países latino-americanos temiam principalmente a agressão interna e que para preveni-la era indispensável elevar o padrão de vida das respectivas populações”. A reunião de Washington acabou não estabelecendo formas concretas de cooperação militar entre os países americanos, devido à resistência da Argentina, México e Guatemala aos planos norte-americanos. A declaração de Washington apenas recomendou que “cada República americana deveria (...) contribuir para a defesa do hemisfério ocidental e para os esforços de segurança coletiva das Nações Unidas”.
Em 5 de abril, às vésperas do encerramento da conferência, o secretário de Estado Dean Acheson revelou a João Neves o interesse dos Estados Unidos em contar com a participação militar brasileira na guerra da Coréia. No dia 9, o próprio presidente Truman escreveu a Vargas, solicitando formalmente o envio de uma divisão de infantaria brasileira para combater na Coréia. “Muitas tropas americanas”, explicou Truman, “foram empenhadas em rude combate contra os agressores na Coréia nos últimos nove meses e têm grande necessidade de repouso, o que só será possível quando houver tropas capazes de substituí-las.” O pedido de tropas ocorreu, justamente, quando se desenvolviam as negociações bilaterais sobre a assistência econômica. Nessas circunstâncias, Getúlio procurou tirar proveito da situação aumentando as exigências brasileiras quanto às bases das negociações. Em troca de apoio político e eventualmente militar do Brasil aos Estados Unidos, João Neves pleiteou às autoridades norte-americanas, além da construção de fábricas de material bélico, a aprovação de um crédito de trezentos milhões de dólares, considerado por Getúlio como quantia mínima para o início da recuperação econômica brasileira. Por outro lado, João Neves propôs uma série de ajustes sobre minerais estratégicos, entre os quais o fornecimento de até quinhentas mil toneladas anuais de manganês e o estabelecimento de um acordo sobre areias monazíticas.
De abril a junho de 1951, Getúlio evitou qualquer decisão sobre a questão coreana, limitando-se a sondar a opinião da cúpula civil e militar do país. Houve uma importante resistência dentro e fora do governo à solicitação dos Estados Unidos. De modo geral, a opinião pública reagiu desfavoravelmente à possibilidade da participação brasileira no conflito coreano. Em 27 de junho, o secretário-geral da ONU enviou nota ao Itamarati requisitando tropas para a Coréia, o que motivou a convocação de uma reunião extraordinária do Conselho de Segurança Nacional. Por determinação do Conselho o general Góis Monteiro, chefe do EMFA, ficou encarregado de elaborar estudos junto aos ministros militares visando à revisão dos planos de defesa interna, à participação do Brasil na defesa do continente americano e à formação de uma grande unidade a ser colocada à disposição da ONU, com emprego inicial provavelmente na Europa. Góis Monteiro também foi encarregado das negociações com o governo norte-americano.
João Neves chegou a redigir uma comunicação ao embaixador Herschell Johnson, informando a decisão brasileira em participar militarmente contra “a agressão totalitária na Coréia”. Segundo Maria Celina D’Araújo, Getúlio suprimiu essa afirmação categórica, salientando a necessidade de maiores entendimentos sobre o assunto em vista da situação militar “notoriamente deficiente” do Brasil.
No início de julho, antes de viajar para Washington, Góis Monteiro recebeu instruções precisas de Getúlio para negociar os termos da colaboração brasileira. “O Brasil necessita de auxílio americano para a solução dos problemas básicos de transporte, industrialização e produção de energia; e os Estados Unidos necessitam de apoio militar brasileiro, passivo e ativo, na luta travada contra a URSS e o grupo de potências satélites.” Daí a conclusão: “O Brasil não pode, por impossibilidade material, contribuir para o esforço coletivo, sem que os Estados Unidos lhe forneçam os elementos básicos para ele sair das dificuldades que entravam o seu desenvolvimento econômico.” Em Washington, Góis Monteiro concordou em iniciar entendimentos para a assinatura de um acordo militar, nos moldes da convenção de 1942, cujas prioridades seriam a defesa interna, a defesa do continente e a preparação de forças à disposição da ONU para serem empregadas na Coréia ou onde fosse necessário. Apesar da insistência norte-americana, os dois países não chegariam a um entendimento sobre o último ponto (a Colômbia acabou sendo o único país latino-americano a enviar um contingente militar para a Coréia). Segundo o depoimento de Góis Monteiro, “apesar do bom acolhimento que recebi, da parte sobretudo dos militares norte-americanos, (...) as prevenções em relação ao novo governo do Brasil eram grandes”.
Paralelamente a essas negociações, alguns jornais noticiaram que dois ministros tinham feito declarações de voto contra a remessa de tropas brasileiras para a Coréia na reunião do Conselho de Segurança Nacional: o general Estillac Leal, ministro da Guerra, e Danton Coelho, ministro do Trabalho. A imprensa oposicionista que, desde o início do governo, vinha movendo violenta campanha contra Estillac, redobrou seus ataques. O ministro da Guerra era acusado de acolher oficiais comunistas em seu gabinete e de estimular a orientação nacionalista da Revista do Clube Militar. A posição de Estillac tornou-se ainda mais delicada quando o general Euclides Zenóbio da Costa, veterano da campanha da Itália e, na época, comandante da Zona Militar Leste e da 1ª Região Militar, passou a denunciar através da imprensa o perigo de infiltração comunista nas forças armadas, especialmente no Exército. Como observou Maria Celina D’Araújo, as primeiras dissensões ministeriais ocorreriam exatamente nas esferas do PTB e da ala nacionalista militar, tidas como os principais pontos de sustentação do governo.
Em 15 de setembro, o ministro do Trabalho, Danton Coelho, renunciou ao cargo, alegando não concordar com os esforços de Vargas para promover uma conciliação com as forças oposicionistas, especialmente a UDN. Na verdade, a demissão de Danton foi provocada, sobretudo, pela disputa de liderança no interior do PTB. Presidente do partido até junho de 1951, Danton vinha sendo hostilizado em São Paulo pela deputada Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio, interessada em assumir o controle do diretório estadual com o sacrifício de antigos petebistas. A situação era ainda mais complexa em virtude do conflito entre Danton Coelho e Ademar de Barros, que pretendia assumir o comando das forças trabalhistas de São Paulo. Segundo Regina Sampaio, houve inclusive o “esboço de uma tentativa de fusão entre o PTB e o PSP — idéia que teria partido de Ademar”. A crise resultou na destituição do diretório petebista de São Paulo e na nomeação de uma comissão de reestruturação, presidida pelo deputado Eusébio Rocha.
Danton Coelho foi substituído no Ministério do Trabalho por José de Segadas Viana, que em outubro tornou-se também presidente da recém-criada Comissão Nacional do Bem-Estar Social, encarregada de buscar soluções para os problemas de nutrição, habitação e assistência social à população.
No mês de setembro, Getúlio esteve prestes a decretar a intervenção federal no Maranhão, em virtude de um grave conflito político local que se transformou em verdadeira revolta popular. Segundo a notícia publicada pelo jornal Última Hora no dia 20 de setembro, a oposição se organizara militarmente e estava decidida a impedir a posse do governador Eugênio de Barros, eleito pelo Partido Social Trabalhista (PST), liderado no estado pelo senador Vitorino Freire. “Foi lançado ontem”, informava Última Hora, “manifesto de rebelião de 12 mil maranhenses, movimento que se denomina Exército de Libertação do Sertão.” Na cidade de São Luís, houve violentos distúrbios e uma greve geral de trabalhadores. No dia 24, o ministro da Justiça, Negrão de Lima, desembarcou na capital maranhense, ocupada militarmente por tropas do batalhão local, comandado pelo general Edgardino Pinto. Apesar das manifestações populares e de alguns tiroteios, Negrão de Lima pronunciou-se contra a intervenção federal. As tropas militares abandonaram as ruas de São Luís e os oposicionistas (que de fato não eram 12.000 em armas, mas duzentos) acabaram aceitando discutir com Eugênio de Barros bases para um acordo de governo.
Ainda em setembro, o ministro Horácio Lafer apresentou um plano de desenvolvimento a ser implementado com a cooperação financeira dos Estados Unidos. O Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, que ficou conhecido como Plano Lafer, continha projetos relativos à criação de novas fontes de energia elétrica, à criação e à ampliação de indústrias de base e à introdução de novas técnicas na agricultura. Previa também a modernização da rede de transportes ferroviários e rodoviários, a construção de armazéns e frigoríficos, a criação e ampliação dos serviços portuários. Todos esses projetos deveriam ser levados ao exame da comissão mista Brasil-Estados Unidos, instalada oficialmente em 19 de julho no Rio de Janeiro. A comissão mista era chefiada do lado norte-americano por Merwin Bohan e, do lado brasileiro, por Ari Frederico Torres. A equipe brasileira incluía, entre outros membros, os engenheiros Glycon de Paiva e Lucas Lopes (posteriormente, ministro da Fazenda no governo do presidente Juscelino Kubitschek) e o economista Roberto Campos (mais tarde, ministro do Planejamento no governo do presidente Humberto Castelo Branco).
Enquanto o novo plano era submetido à comissão mista, Horácio Lafer foi aos Estados Unidos. Lá, manteve contatos com autoridades financeiras norte-americanas que lhe teriam garantido que as agências financiadoras assegurariam as despesas feitas pelo Brasil no exterior para a execução de cada um dos projetos aprovados pela comissão mista. Entretanto, ao regressar ao Brasil, Lafer declarou à imprensa que os Estados Unidos haviam concedido um crédito suplementar da ordem de 20 bilhões de cruzeiros. Lafer, como já fizera anteriormente João Neves, apresentou como certos financiamentos que não existiam. A concessão de créditos fixos ao Brasil não era cogitada pelos norte-americanos, que concordavam apenas em financiar projetos específicos. A manipulação dessa informação teria por objetivo, segundo Luciano Martins, “criar junto a Vargas uma imagem favorável” das perspectivas oferecidas pela política de “grande cooperação” com os Estados Unidos, defendida por uma facção do governo. Tudo indica que havia ainda um outro objetivo: obter do Congresso autorização necessária para mobilizar recursos internos.
Em 20 de novembro, o governo submeteu à aprovação do Congresso o Fundo de Reaparelhamento Econômico, destinado ao financiamento em moeda nacional do Plano Lafer. Tal como proposto pelo governo, o fundo seria constituído por um adicional de 15% ao imposto de renda devido pelos contribuintes. Depois de aprovado pelo Senado, o projeto enfrentou a oposição de alguns deputados do PTB e da UDN. Aliomar Baleeiro afirmou que em vez de taxar os “tubarões” ou distribuir serviço para a maioria da população, o governo iria sobretaxar os humildes. O deputado Fernando Lobo Carneiro, do Partido Republicano Trabalhista (PRT), criticou globalmente o Plano Lafer por estarem os projetos de reaparelhamento condicionados à aprovação dos técnicos norte-americanos da comissão mista, o que constituía, em seu entender, uma ameaça à própria soberania nacional. Apesar desses protestos, o Fundo de Reaparelhamento Econômico foi aprovado na Câmara e sancionado por lei em 26 de novembro de 1951.
Em dezembro de 1951, Vargas tomou uma série de iniciativas de importância decisiva para o futuro de seu governo. Para começar, afastou definitivamente a hipótese de uma intervenção na guerra da Coréia, noticiada por alguns jornais no início do mês. Segundo o Diário de Notícias, do Rio, o Departamento de Estado voltara a pedir a 30 países, entre os quais o Brasil, que enviassem contingentes para a Coréia. O general Góis Monteiro comunicou na época às autoridades norte-americanas a inconveniência de tal participação, alegando, além das dificuldades materiais, a falta de apoio popular para a iniciativa. Entretanto, ao mesmo tempo em que recusava uma participação direta no conflito asiático, Getúlio concordou com as pretensões dos Estados Unidos em relação aos minerais estratégicos. No caso dos minerais atômicos, essas pretensões colidiam com a lei de janeiro de 1951, que criou o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), e a presença do almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva na presidência desse órgão. A lei condicionava as exportações brasileiras de monazita à exigência de “compensações específicas”, como auxílio técnico e facilidades para a aquisição de equipamentos que desenvolvessem o Brasil no campo da energia nuclear. Em vista da oposição do almirante Álvaro Alberto à exportação de monazita sem que fossem atendidas tais exigências, o coronel Armando Dubois Ferreira, vice-presidente do CNPq, aproveitou-se de uma viagem do presidente do órgão aos Estados Unidos para realizar uma reunião extraordinária em janeiro de 1952, na qual foi aprovada a operação, omitindo-se as compensações específicas.
O projeto da Petrobras
Em 6 de dezembro, Vargas enviou ao Congresso projeto de lei para a criação da Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima, empresa de economia mista com controle majoritário exercido pela União, que teria por objeto “a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte do petróleo e seus derivados, inclusive de xisto betuminoso, bem como quaisquer atividades correlativas ou afins”. Além desse projeto, que ganhou o número 1.516, Getúlio encaminhou na mesma data outro projeto de lei, fixando recursos para o programa do petróleo e para o Fundo Rodoviário Nacional.
O projeto da Petrobras, que só seria aprovado quase dois anos mais tarde, levantou uma campanha acirrada pelo monopólio estatal do petróleo que dividiu as opiniões entre os intelectuais, militares, empresários e políticos. De fato, o projeto elaborado pela Assessoria Econômica de Vargas não estabelecia o monopólio estatal, contrariando, assim, uma das principais teses da campanha desencadeada pelos nacionalistas, durante o governo Dutra, que se tornou famosa pelo slogan “O petróleo é nosso”.
Jesus Soares Pereira, membro da assessoria e que teve uma participação proeminente na elaboração do projeto, apresentou o problema nos seguintes termos: “Se o projeto do Executivo não previa um monopólio de jure, a ser executado pela Petrobras, visava a um monopólio de facto, pois outra não poderia ser a conseqüência prática do programa traçado para a empresa.” Tratava-se em suma, segundo Soares, de “guardar armas para a batalha parlamentar em perspectiva”.
Entretanto, o projeto do Executivo permitia teoricamente que até 1/10 das ações da empresa holding ficasse em mãos de estrangeiros. Neste ponto, o projeto obedecia estritamente ao artigo 153 da Constituição vigente, que limitava a brasileiros natos a exploração dos bens de subsolo, mas estendia tal prerrogativa às empresas organizadas no país, o que dava margem à participação acionária de grupos estrangeiros.
Na mensagem que acompanhava o projeto, Getúlio procurou se antecipar às objeções que os nacionalistas poderiam levantar: “O real perigo a evitar seria o de que, através da participação do capital privado, agissem grupos monopolísticos de fonte estrangeira ou mesmo nacional.” Segundo Getúlio, “tal possibilidade foi no entanto, tecnicamente anulada no projeto”, devido às limitações impostas aos acionistas particulares na subscrição de ações com voto, na escolha de diretores e, em última instância, pela “esmagadora maioria dos poderes públicos no capital social”.
A “batalha parlamentar” pela criação da Petrobras iria durar exatamente 23 meses de permanente tensão e desgaste político para Getúlio. A polarização entre nacionalistas e entreguistas (designação dada pelos nacionalistas a todos aqueles que defendiam a participação estrangeira no desenvolvimento do país) talvez tenha sido responsável pelo isolamento de Vargas e pelo desfecho dramático de seu governo.
Vargas esperava conciliar todas as tendências com seu projeto da Petrobras, mas acabou enfrentando situações inesperadas. Os nacionalistas mais radicais simplesmente qualificaram o projeto de entreguista. Ainda em dezembro, o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN), dirigido pelo general Felicíssimo Cardoso, divulgou nota sobre a iniciativa governamental considerando-a como “a oportunidade esperada pelos trustes estrangeiros (...) para penetrar no domínio da exploração e da industrialização do petróleo nacional.” O ex-presidente Artur Bernardes, conhecido defensor do monopólio estatal, declarou que Getúlio havia sido “ilaqueado em sua boa-fé”, criticando indiretamente os membros da Assessoria Econômica. Mas a surpresa maior para Vargas foi a UDN, que até então defendera a ampla participação privada e do capital estrangeiro no setor petrolífero. Operando uma mudança de 180 graus, a direção do principal partido de oposição adotou uma perspectiva nacionalista e a favor do monopólio estatal.
Nacionalismo em questão
“Posto na defensiva”, escreveu Gabriel Cohn, “Vargas foi obrigado a desdobrar-se publicamente na defesa de sua imagem de porta-voz do nacionalismo.” Em discurso pronunciado em 31 de dezembro de 1951, Getúlio denunciou de forma violenta os expedientes utilizados pelas empresas estrangeiras para remeterem lucros para o exterior. Segundo Getúlio, no período de governo do general Dutra foram indevidamente remetidos para fora 950 milhões de cruzeiros a mais do que permitia a lei de remessa de lucros, adotada em 1946. A evasão de divisas teria sido possível por um regulamento baixado, ainda em 1946, pela Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, “onde se permitiu”, afirmou Getúlio, “que os juros, dividendos, lucros etc., do capital estrangeiro, que ultrapassem os 8% previstos na lei, também fossem considerados como ‘capital estrangeiro’ e somados a este último, para fins de registro e cálculo de juros posteriores”.
Logo no início de 1952, em 3 de janeiro, Vargas emitiu um decreto que impunha um limite de 10% para as remessas de lucros. A reação norte-americana foi imediata, chegando o subsecretário de Estado Edward Miller a ameaçar a suspensão de todos os financiamentos ao Brasil. Segundo Thomas Skidmore, o decreto de janeiro “permaneceu, em grande parte, letra morta”, pois “a entidade monetária (Sumoc — Superintendência da Moeda e do Crédito) recebeu poderes para aplicar esse limite, apenas quando julgasse necessário, diante da pressão do balanço de pagamentos”.
Vargas também decretou a elevação do salário mínimo, fixando o seu nível mais alto, no Rio e em São Paulo, em 1.200 cruzeiros, o que correspondeu a um aumento de aproximadamente 300% em relação ao nível anterior de 380 cruzeiros. Ao assinar a nova Lei do Salário Mínimo, em 24 de dezembro de 1951, Getúlio criticou o governo Dutra por ter congelado o salário, deixando-o no mesmo nível que “assegurei aos trabalhadores há mais de oito anos”. Fez também um apelo aos trabalhadores para manterem sua confiança no governo: “Não precisais de greves ou apelos a recursos extremos; nem vos deixeis levar por agitadores e perturbadores da ordem, que vos engodam com ideologias que encobrem ambições de outra natureza.” Como escreveu Paul Singer “o governo continuou a opor-se a que o controle dos sindicatos passasse, de forma irrestrita, às bases sindicais, mas as medidas restritivas foram sendo aplicadas com cada vez menos rigor”. No governo Dutra, centenas de sindicatos tinham sofrido a intervenção do Ministério do Trabalho e, além disso, nas eleições sindicais de 1950, houve a exigência de apresentação de um atestado de ideologia, o que impediu a participação de várias chapas de oposição. Vargas suprimiu essa exigência e no discurso de 1º de maio de 1952 criticou a própria máquina burocrática do Ministério do Trabalho que, “em não poucas ocasiões, dificultou a sindicalização, afastando dos sindicatos os dirigentes sinceros, para prestigiar os que lhe servem de instrumento, mas que nunca representaram a opinião da classe”. Getúlio também defendeu, cautelosamente, “a participação direta do proletariado na orientação da máquina governamental. Às vezes, tento ir mais longe, pois compreendo que o governo deve ir mais longe. Procuro um contato mais íntimo convosco, com os vossos líderes, com os intérpretes de vossas necessidades e aspirações: quisera ouvi-los na solução dos grandes problemas nacionais. E não apenas ouvi-los: quisera atendê-los e vê-los pesar decisivamente na balança das grandes decisões políticas”.
Na verdade, Getúlio defrontava-se com problemas em várias frentes, tanto internas quanto externas ao país. Em fevereiro de 1952, o ex-ministro Danton Coelho ampliou a cisão do PTB, quando apoiou uma convenção da União dos Ferroviários do Brasil, visando à criação da Frente Trabalhista Brasileira, da qual seria o presidente. “Essa convenção”, segundo Maria Celina D’Araújo, “foi marcada por denúncias tanto dos compromissos políticos elitistas assumidos pelo governo, em detrimento de sua proposta de cunho popular, como da descaracterização trabalhista do PTB.” Na verdade, Danton Coelho tinha sido precisamente um dos responsáveis pela tentativa de aproximação do governo com a UDN mineira no final de 1951. Nessa época, Vargas deixou aberta a possibilidade de conceder um ministério à UDN, provavelmente o da Educação. Havia, efetivamente, um grupo de parlamentares udenistas sensíveis à possibilidade de aproximação com o governo. Eram conhecidos como os “chapas brancas”, quase todos oriundos do Nordeste. No extremo oposto, o grupo liderado pelos deputados Olavo Bilac Pinto (que assumiu a presidência do partido em 1952), Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso e José Bonifácio Lafayette de Andrada, entre outros, colocava-se em oposição frontal e sistemática ao governo. Esse grupo, denominado pela imprensa como a “banda de música” da UDN, destacou-se por críticas violentas ao projeto da Petrobras, pelo combate à política econômico-financeira do governo e pelas denúncias sobre a alegada corrupção existente em órgãos governamentais como o Banco do Brasil. Em 1952, o grupo obteve uma cópia do inquérito do Banco do Brasil, conseguindo, por meio de habeas-corpus concedido pelo STF, sua publicação no Diário do Congresso Nacional.
No plano externo, o governo enfrentou dificuldades crescentes para o financiamento de seu programa econômico. A posição do governo Truman em relação ao governo brasileiro sofreu uma brusca reorientação após o discurso presidencial de 31 de dezembro de 1951. A revista Time publicou em fevereiro um artigo bastante desfavorável a Vargas, indicativo da opinião predominante em Washington: “Em seu primeiro ano de governo, o presidente Vargas não fez praticamente nada. (...) Na semana passada, alguns brasileiros achavam que ele só está à espera do momento apropriado para se transformar novamente em ditador.”
Em 13 de fevereiro, Vargas enviou ao Congresso projeto de lei para a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Aprovado o projeto, o BNDE foi fundado em 20 de junho, tornando-se responsável pela administração do Fundo de Reaparelhamento Econômico e pelo financiamento em cruzeiros dos projetos aprovados pela comissão mista. Seu primeiro superintendente foi José Soares Maciel Filho, nomeado por indicação expressa de Getúlio.
Em março de 1952, quando o projeto da Petrobras já suscitava polêmica em todo o país, a posição de Getúlio junto aos setores nacionalistas tornou-se ainda mais vulnerável com a assinatura do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos.
O acordo foi assinado no Rio em 15 de março por João Neves e o embaixador Herschell Johnson. Declarava entre outros itens que o governo norte-americano se comprometia a fornecer equipamentos, materiais e serviços ao Brasil, o qual, por seu lado, deveria fornecer materiais básicos e estratégicos, especialmente urânio e areias monazíticas. Para essa finalidade, tinha sido criada em fevereiro a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (CEME), sob a presidência de João Neves. O general Estillac Leal teve uma participação secundária nas negociações para o acordo, que correram praticamente por conta de Góis Monteiro e, especialmente, João Neves. Mas era de se esperar uma forte oposição do ministro da Guerra à ratificação do acordo pelo Congresso.
As eleições de 1952 para o Clube Militar
Nessa época, a situação dentro do Exército era de plena efervescência política em virtude da campanha da Petrobras, das eleições para o Clube Militar, previstas para maio, e das notórias divergências entre os generais Estillac Leal e Zenóbio da Costa. A corrente de Zenóbio, que tinha o anticomunismo como preocupação principal, pretendia substituir a influência da facção militar nacionalista, tanto quanto a corrente conservadora liderada pelo general Osvaldo Cordeiro de Farias, candidato derrotado às últimas eleições do Clube Militar.
Vargas procurou atalhar a crise militar, exonerando os dois chefes militares divergentes. Em 18 de março, o general Zenóbio da Costa foi afastado do comando da Zona Militar Leste. A queda de Estillac Leal ocorreu no dia 25. O desfecho da crise atingiu, portanto, os dois chefes militares que em novembro de 1950 se pronunciaram abertamente em favor da posse de Getúlio na presidência.
O general Ciro do Espírito Santo Cardoso assumiu o lugar de Estillac no Ministério da Guerra, transmitindo a chefia do Gabinete Militar ao general Aguinaldo Caiado de Castro. No final de março, o general Estillac declarou aos jornais a razão de sua demissão: “No momento presente, quando nos fazem prever possíveis concursos externos e intensamente procuram fazer ressuscitar planos Cohens, considero minha personalidade como deslocada do seio do atual governo.” Naquela semana um destacado opositor do nacionalismo, o general Canrobert Pereira da Costa, tinha declarado enfaticamente: “A mão comunista está em todos os cantos e é preciso cortá-la. Sou favorável a que o governo tome drásticas medidas contra a infiltração comunista para que possamos voltar a trabalhar em paz.”
Nessas circunstâncias, o general Estillac Leal decidiu jogar uma cartada decisiva, aceitando o lançamento de sua candidatura à reeleição do Clube Militar. “Cumpre definirmos pelo nacionalismo, em honesta definição de posições, combatendo o entreguismo nos seus mais variados aspectos”, afirmou Estillac ao aceitar sua candidatura. A Cruzada Democrática, movimento organizado sob a orientação do general Cordeiro de Farias, lançou a chapa encabeçada pelos generais Alcides Etchegoyen e Nélson de Melo. Em seu manifesto, datado de março de 1952, a Cruzada Democrática defendia a “bandeira do nacionalismo sadio”, sob a qual, entretanto, esclarecia: “Não se podem ocultar outras bandeiras repudiadas por nosso patriotismo e nossa índole democrática.” Condenava a participação do Clube Militar em atividades que “afetem a ordem e a segurança interna” ou que “possam ser exploradas num sentido político-partidário” e, por essa razão, considerava indispensável que a entidade abandonasse a discussão de qualquer tema de natureza política.
A campanha da Cruzada Democrática foi ostensivamente apoiada pela imprensa oposicionista. O movimento contou com o apoio do novo ministro da Guerra e de todos os militares com posições de comando importantes nas forças armadas. Durante a campanha, foi instaurada uma série de inquéritos policiais militares nas forças armadas para apurar as atividades “subversivas” dos oficiais mais envolvidos com a linha nacionalista da diretoria do clube. “Transferia-se a luta para um terreno sem fronteiras”, escreveu Hélio Silva, “uma luta vale-tudo, em que cada grupo usava dos recursos a seu dispor (...) Foram feitas transferências e prisões de elementos ligados ao grupo nacionalista (...) Os depoimentos dos presos políticos revelam torturas, atestando a implantação do terrorismo (...) Oficiais do Exército encarregados de missões eleitorais eram detidos em trânsito e despojados do voto em prejuízo da chapa nacionalista.”
O pleito realizou-se em 21 de maio. Etchegoyen e Nélson de Melo obtiveram 8.288 votos contra 4.489 dados à chapa Estillac-Horta Barbosa. A derrota da chapa nacionalista era indiretamente, mas sem subterfúgios, a derrota do esquema militar de Vargas. Como observou Maria Celina D’Araújo, a vitória da Cruzada Democrática fortaleceu ainda mais as ligações entre os grupos militares e civis de oposição.
Nesse contexto, Vargas tentou novamente atrair a UDN para o governo. Um dos elementos consultados, o brigadeiro Eduardo Gomes, considerou inadiável a substituição do ministro da Aeronáutica, Nero Moura. A resposta de Vargas foi imediata, segundo a autora citada. Em agosto, por intermédio de Danton Coelho, “oferece-lhe esse ministério, coloca à disposição da UDN as pastas do Exterior e da Fazenda e entrega a Juarez Távora a direção da Petrobras”.
A tentativa de acordo com a UDN produziu um resultado oposto. Exatamente nesse momento, a UDN “reforçou sua campanha oposicionista, recorrendo a denúncias de corrupção administrativa, à necessidade de se conter a desordem social, inclusive através da intervenção militar, e ainda alertando que o legado ditatorial de Vargas não o qualificava para permanecer na chefia da nação”.
A criação da Petrobras
Em maio de 1952, o projeto da Petrobras foi enviado ao plenário da Câmara dos Deputados, após ser examinado pelas comissões técnicas parlamentares. Das seis comissões, apenas duas (a de Finanças e a de Economia) o aceitaram sem restrições. A Comissão de Constituição e Justiça deu-lhe parecer favorável, apresentando porém um total de 23 emendas.
Também se encontrava em discussão outro projeto, apresentado em janeiro a título de substitutivo pelo deputado Eusébio Rocha, do PTB de São Paulo. O substitutivo de Eusébio Rocha mantinha a fórmula da empresa mista para a Petrobras, mas propunha um rígido monopólio estatal, reduzindo ao mínimo os direitos dos acionistas privados e vedando a participação de capitais estrangeiros. Em março, o substitutivo foi aprovado pela Comissão de Segurança Nacional, presidida por Artur Bernardes. Nessa mesma época, Eusébio Rocha declarou na Câmara que o presidente se manifestara plenamente favorável ao seu substitutivo.
Em 10 de maio, a direção da UDN assumiu a defesa do monopólio estatal, ingressando ativamente na luta contra o projeto da Petrobras. A surpreendente posição da UDN teve uma clara dimensão política, admitida inclusive por seus próprios deputados. “Para nós”, declarou o deputado Aliomar Baleeiro, “o problema é essencialmente político.” Posteriormente, Baleeiro definiu melhor a posição do partido: “Afirmamos, os deputados da UDN, que de boa-fé qualquer pessoa pode sustentar a conveniência da entrega do petróleo aos trustes, conforme as circunstâncias, claro. Fora outro o governo e tivéssemos uma fórmula nítida diante dos olhos, sim, porque não seria eu que tivesse medo dos gringos. No caso concreto, porém, nas circunstâncias atuais, diante da inexistência dessa fórmula definida, leal, a melhor solução é o Estado.”
Em 12 de maio, o líder da maioria, Gustavo Capanema, apresentou — a pedido de Getúlio — um requerimento de urgência para discussão e votação do projeto da Petrobras na Câmara. O requerimento foi aceito, apesar da grande oposição da UDN, do PSB e de outras agremiações menores. Entretanto, a aceleração dos debates veio apenas demonstrar as diminutas possibilidades de aprovação do projeto governamental na Câmara.
Em 6 de junho, o deputado Bilac Pinto, presidente da UDN, apresentou um substitutivo em favor do monopólio estatal do petróleo, prevendo a criação de uma Empresa Nacional do Petróleo (Enape). O projeto foi subscrito por representantes de todos os partidos maiores, inclusive Eusébio Rocha e Artur Bernardes.
Paralelamente aos debates na Câmara, a UNE e o CEDPEN lançaram novamente a palavra de ordem “O petróleo é nosso”, conseguindo mobilizar o apoio da opinião pública em favor do monopólio estatal, através de uma intensa campanha em todo o país. A campanha ganhou um indisfarçável sentido de contestação a Vargas, denunciado como “aliado do imperialismo” por comunistas, militares nacionalistas e até mesmo dirigentes do PTB.
Getúlio também procurou mobilizar a opinião pública em seu favor, lançando suspeitas sobre a posição assumida pelos udenistas e os comunistas. Em 23 de junho, em discurso pronunciado em Candeias, um dos centros de produção de petróleo da Bahia, Vargas atacou de frente os seus adversários: “É justificável a sinceridade dos que encaminham as suas preferências para outras formas jurídicas, como incompreensível a atitude tendenciosa dos que pretendem servir-se de um problema nacional para fazer jogo de oposição. Não os incluo entre os conhecidos advogados dos monopólios econômicos estrangeiros, nem entre os arautos dum falso nacionalismo que mal encobre uma filiação ideológica, visando novos imperialismos. Não é de espantar, pois, que se levantem agora uns e outros, com o objetivo de torpedear e paralisar a atual proposta governamental — os primeiros porque não têm ponta de acesso na nova organização e os últimos porque, para eles, só interessa que o petróleo seja nosso, mas... debaixo da terra.”
O governo distribuiu amplamente nos meios sindicais um folheto em defesa do projeto da Petrobras, ao mesmo tempo em que medidas repressivas eram tomadas contra a campanha pelo monopólio estatal. Em junho, a polícia reprimiu a tiros um comício realizado na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro. O incidente de maiores implicações políticas ocorreu em julho, quando a polícia tentou impedir a realização da III Convenção Nacional de Defesa Nacional de Petróleo, convocada pelo CEDPEN. O encontro foi proibido porque deveria coincidir com a visita do secretário de Estado norte-americano Dean Acheson ao Rio de Janeiro, ou, como explicou o diretor da Divisão da Polícia Política, porque poderia “parecer um acinte às autoridades e ao governo, bem como ao ilustre hóspede”. Sob os protestos da oposição parlamentar, o deputado Gustavo Capanema explicou que tinha havido um mal-entendido, pois não se cogitara da proibição. O CEDPEN realizou a convenção na data prevista e novamente condenou o projeto governamental, qualificando-o de “impatriótico e lesivo aos interesses do povo brasileiro”.
Nesta altura dos acontecimentos, diante da situação criada pela campanha nacionalista, Vargas optou finalmente pelo monopólio estatal, autorizando o início das negociações interpartidárias no Congresso. O primeiro passo foi o compronissso assumido por Capanema, em nome da maioria governamental, de apoiar a emenda proposta pelo deputado Lúcio Bittencourt, do PTB de Minas Gerais, vedando a participação de acionistas estrangeiros na Petrobras.
Em 2 de setembro de 1952, o projeto da Petrobras foi aprovado em primeira discussão na Câmara, com mais de 150 emendas, entre as quais a de Lúcio Bittencourt. Remetido ao Senado demorou mais um ano para ser submetido à apreciação final do Congresso, enfrentando resistência exatamente oposta à da Câmara.
Vargas trabalhou ativamente por uma ação combinada entre a Assessoria Econômica e os senadores favoráveis ao monopólio estatal. Na defesa do projeto da Petrobras, tal como fora enviado pela Câmara, destacaram-se desde o primeiro momento os senadores Landulfo Alves, do PTB da Bahia, Kerginaldo Cavalcanti, do PSP do Rio Grande do Norte, Domingos Velasco, do PSB de Goiás, e Alberto Pasqualini, do PTB do Rio Grande do Sul.
“O presidente”, relatou Jesus Soares Pereira em seu depoimento, “recomendou-me que procurasse catequizar o senador Pasqualini. Queria que fosse ele o relator do projeto na Comissão de Economia. E a propósito fez as seguintes observações: ‘Estamos em divergências políticas em questões específicas do partido no Rio Grande do Sul. Mas trata-se de um homem de primeiríssima ordem. Sua adesão ao projeto seria muito valiosa. Procure-o, mas trate-o com cuidado, pois é um italiano muito desconfiado’.” Pasqualini foi efetivamente o relator da Comissão de Economia, onde defendeu o projeto do governo em estreito contato com a assessoria.
A ação do governo, segundo Gabriel Cohn, visou principalmente “conter os representantes mais agressivos dos interesses voltados para a participação do setor privado na exploração do petróleo”. Um desses representantes, o senador Oton Mäder, da UDN do Paraná, chegou a apresentar emenda ao projeto no sentido de favorecer a participação dos grupos privados, tanto nacionais como estrangeiros. A emenda foi apoiada pelo senador Assis Chateaubriand, do PSP da Paraíba, e recebeu parecer favorável da Comissão de Transportes, Comunicações e Obras Públicas, presidida pelo senador Napoleão Alencastro Guimarães, do PTB do Distrito Federal, que desde o início havia-se situado numa linha divergente em relação ao seu próprio partido. Em favor dessa iniciativa, o presidente da Confederação Nacional do Comércio, Brasílio Machado Neto, mobilizou as associações comerciais de vários estados do país.
Em junho de 1953, o projeto retornou à Câmara com 32 emendas, algumas das quais permitindo o completo controle da Petrobras pelos interesses privados não só nacionais como estrangeiros. Todas, porém, foram derrubadas na Câmara. Em 21 de setembro, o projeto foi aprovado em sua redação definitiva.
Em 3 de outubro de 1953, Vargas sancionou a Lei nº 2.004 que criava a Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A.), empresa de propriedade e controle totalmente nacionais, com participação majoritária da União, encarregada de explorar, em caráter monopolista, diretamente ou por suas subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, menos a distribuição. Além de intensificar as atividades de exploração e produção de óleo cru, a Petrobras deveria também encarregar-se da administração das refinarias governamentais: uma em funcionamento, a refinaria de Mataripe, na Bahia, e outra em construção, a refinaria de Cubatão, em São Paulo, inaugurada em abril de 1955 e mais tarde denominada refinaria Presidente Bernardes.
O primeiro presidente da Petrobras, designado por Vargas em maio de 1954, seria o então coronel Juraci Magalhães que, apesar de ligado à UDN, já dera provas de colaboração com sua administração ao exercer a presidência da Cia. Vale do Rio Doce de 1951 a 1952.
Do ponto de vista dos interesses nacionais, a criação da Petrobras foi seguramente uma vitória. Símbolo do nacionalismo econômico e político de uma determinada época da história brasileira, a Petrobras iria ampliar extraordinariamente o campo de suas atividades nas décadas seguintes, tornando-se uma das maiores empresas do Brasil e do mundo.
Fórmulas para o desenvolvimento econômico
Além da Petrobras, o governo Vargas desenvolveu uma série de projetos e planos em outras áreas básicas para a continuidade da expansão industrial e agrícola. O Plano do Carvão Nacional, enviado ao Congresso em agosto de 1951, previa aplicações no total de 735 milhões de cruzeiros, 257 num período de quatro anos, para a transformação dos processos de mineração e beneficiamento do carvão, construção de portos e melhoria de ferrovias. O Plano do Carvão Nacional visava solucionar a crescente demanda desse combustível sólido, provocada pela expansão de numerosas indústrias, como a usina siderúrgica de Volta Redonda. Além disso, o início da eletrificação das ferrovias em escala apreciável estimulava também o uso do carvão para a produção de energia termelétrica. O Plano do Carvão Nacional só entrou em vigência em junho de 1953, após permanecer quase dois anos em tramitação no Congresso.
A Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) foi instituída em janeiro de 1953, como órgão diretamente ligado à Presidência da República e dotado de autonomia administrativa. Os setores abrangidos pelo plano incluíam desde os de viação, energia e crédito até pesquisas geográficas naturais, tecnológicas e sociais, defesa contra inundação, política demográfica e divulgação econômica e comercial. A SPVEA seria transformada em 1966 na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
O Banco do Nordeste do Brasil foi fundado em 1952 com a tríplice finalidade de banco comercial, banco promotor de investimentos e banco assistencial. Seu primeiro presidente foi Rômulo de Almeida, chefe da Assessoria Econômica de Vargas. Por outro lado, a Carteira de Crédito Cooperativo do Banco do Brasil foi transformada em agosto de 1951 no Banco Nacional de Crédito Cooperativo, com o objetivo de aumentar o incentivo à cultura de subsistência desenvolvida por pequenos e médios produtores. Subordinada ao Banco do Brasil, foi criada a Carteira de Colonização, com o objetivo de apoiar a colonização por iniciativa particular. Já no final do governo Vargas, em janeiro de 1954, foi criado o Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), tendo, entre outras incumbências, a tarefa de revitalizar os núcleos de colonização existentes no país. A direção do INIC foi entregue ao PRP de Plínio Salgado, que congregava os remanescentes do integralismo.
A Comissão Nacional de Política Agrária, instalada em janeiro de 1952, sob a presidência do ministro João Cleofas, foi encarregada de propor possíveis modificações na estrutura agrária. Vargas chegou a enviar ao Congresso o projeto de lei de desapropriação por interesse social, cumprindo promessa realizada na campanha presidencial. “A questão, aparentemente simples”, diz Aspásia de Alcântara Camargo, “dependia da deliberação do Congresso que deveria determinar os casos possíveis de aplicação do artigo 147 da Constituição, segundo o princípio de que ‘a lei poderá promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos.” Ainda segundo a mesma autora, “o projeto permaneceu esquecido na Câmara até a sua reativação, em agosto de 1962, quando foi celeremente aprovado por pressão de Goulart”. A Comissão Nacional de Política Agrária apresentou também o projeto de criação da Companhia Nacional de Seguro Agrícola, aprovado pelo Congresso em 1952.
O Serviço Social Rural (SSR), proposto por Vargas ao Congresso em junho de 1951, visava fornecer serviços sociais, assistência técnica, meios de aprendizagem e promoção de cooperativas ao homem do campo. O projeto sofreu um atribulado e lento percurso no Congresso, sendo aprovado apenas em 1955.
Na elaboração de quase todos esses projetos, a Assessoria Econômica de Vargas teve uma participação fundamental. Foi também, por sua iniciativa, criada uma subcomissão de jipes, tratores e caminhões, tendo em vista o planejamento da indústria automobilística. Ainda no período do governo Vargas, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) iniciou a produção de tratores agrícolas.
A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952 foi um importante marco da participação do governo nas atividades econômicas. Como já vimos, o BNDE foi fundado no sentido de prover o financiamento do programa de crescimento e modernização da infra-estrutura do país, recomendado pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.
Os trabalhos dessa comissão resultaram na elaboração de um diagnóstico global da economia brasileira e, principalmente, no detalhamento de 41 projetos para financiamento envolvendo um dispêndio previsto de 22 bilhões de cruzeiros antigos, dos quais pouco mais de 1/3 corresponderia a despesas em moeda estrangeira (387.300.000 dólares). Apenas dois eram projetos industriais, cabendo a ênfase a transportes ferroviários (13 bilhões de cruzeiros) e energia elétrica (7,2 bilhões de cruzeiros).
Em 1951, Vargas fora informado de que havia conseguido um crédito de quinhentos milhões de dólares, o que não correspondia à realidade das negociações mantidas pelo ministro João Neves em Washington. A informação fornecida por João Neves fora inexata. O Banco Mundial nunca acertou com as autoridades brasileiras, nem nessa, nem em outras ocasiões, um crédito fixo para um conjunto de projetos. Fixou, isto sim, a possibilidade de financiamento de projetos específicos, mediante a aprovação da comissão mista.
Dos quinhentos milhões de dólares prometidos, o governo Vargas recebeu apenas 63 milhões do Banco Mundial. A implementação do plano de Reaparelhamento Econômico (Plano Lafer) encontrou assim sérios obstáculos.
Na sua última mensagem ao Congresso, em 1954, Vargas apresentou um balanço de sua obra administrativa, incluindo os projetos da comissão mista, financiados pelo BNDE. A Estrada de Ferro Central do Brasil e a Viação Férrea do Rio Grande do Sul tinham recebido empréstimos (aproximadamente 20 milhões de dólares do Banco Mundial e 698 milhões de cruzeiros do BNDE) para a execução integral de seus programas de obras e reequipamento (que incluíam entre outros itens a compra de 2.265 vagões de aço para a Central do Brasil, a aquisição de 483 vagões de carga e 25 locomotivas para a Viação Férrea do Rio Grande do Sul e a construção de 177 km do prolongamento Caí-Passo Fundo). O governo também autorizou o BNDE a emprestar 894 milhões de cruzeiros à Rede de Viação Paraná-Santa Catarina e à Estrada de Ferro de Goiás para cobrirem as despesas, em moeda nacional, necessárias à execução, também completa, de seus projetos de melhoria.
No setor ferroviário, o principal objetivo do governo foi o reequipamento da rede existente no país. A ampliação das ligações ferroviárias foi de pequena monta. No setor rodoviário, o principal empreendimento foi a construção de 270 km da estrada Fernão Dias, ligando São Paulo a Belo Horizonte, com 586 km de extensão total. De 1951 a 1954, a rede rodoviária federal cresceu em média 600 km ao ano.
No setor do transporte marítimo, a insuficiência de navios nacionais obrigou o governo a permitir, em mais de uma ocasião, a participação de navios estrangeiros na navegação de cabotagem (em tese, nacionalizada) para que fosse suprido o abastecimento dos diversos pontos consumidores. Por outro lado, o governo desenvolveu um amplo programa de reequipamento do transporte fluvial. Foi encomendada a construção, na Holanda, de 12 embarcações para os Serviços de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará (SNAAPP). O Serviço de Navegação da Bacia do Prata em 1953 teve duplicada a sua frota, que passou de 11 para 22 embarcações.
No setor energético, a capacidade instalada de energia elétrica passou, em todo o país, de 1.883 para 2.805 megawatts, no período 1950-1954 (aumento de 67%). O governo obteve empréstimo das agências internacionais para quatro dos nove projetos de energia elétrica, elaborados pela comissão mista. Com isso, assegurou a construção das usinas de Salto Grande (SP), Itutinga (MG), Piratininga (SP) e mais oito usinas constantes do Plano de Eletrificação do Rio Grande do Sul. Além disso, praticamente concluiu as obras de construção da usina de Paulo Afonso a cargo da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco. A usina foi inaugurada em dezembro de 1954, iniciando o fornecimento de energia às capitais de Pernambuco e da Bahia.
A mensagem ao Congresso de 10 de abril de 1954, que propunha o Plano Nacional de Eletrificação e a criação da Eletrobrás, foi o coroamento final dos esforços despendidos pelo governo Vargas na área energética. Ainda em 1951, os estudos da comissão mista destacaram o déficit energético brasileiro em termos globais, agravado pela composição regional da produção e do consumo. Esse déficit provocaria séria crise na indústria paulista em 1952 e 1953, devido à falta de energia elétrica. A indústria de energia elétrica, compreendendo as atividades de geração, transmissão e distribuição, era regida no Brasil pelo regime de concessões, encontrando-se praticamente entregue à exploração de capitais privados estrangeiros. As empresas concessionárias não se dispunham a investir na ampliação da capacidade geradora, devido à política tarifária do governo que limitava sua margem de lucros.
A pedido de Vargas, a Assessoria Econômica elaborou quatro projetos de lei visando equacionar o problema da energia elétrica. O primeiro referia-se à criação do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE), o segundo, ao rateio da receita obtida com esse imposto, o terceiro, ao Plano Nacional de Eletrificação. O quarto projeto de lei criava a Eletrobrás, empresa de economia mista, com capital inicial fixado em três bilhões de cruzeiros, destinada a gerir de imediato os empreendimentos de natureza industrial controlados pelo governo, como era o caso da CHESF e as empresas geradoras de energia elétrica de Manaus e Belém. A Eletrobrás se constituiria como uma empresa holding de dois sistemas de empresas regionais, as subsidiárias, nas quais detinha a maioria do capital, previstas para as áreas de pequeno poder econômico, e as associadas, operando nas regiões mais ricas, onde os governos estaduais deteriam a maioria do capital.
O projeto da Eletrobrás, enviado juntamente com os demais ao Congresso, foi imediatamente combatido por parlamentares e empresários como uma interferência indébita e desnecessária do Estado no setor energético. Diante dos diferentes grupos de pressão, Vargas não conseguiu ver aprovado o seu projeto. Em 1961, o projeto foi aprovado, após sofrer várias emendas, dando origem à Centrais Elétricas Brasileiras S.A., conhecida pela sigla com que havia sido originalmente proposta: Eletrobrás.
A política econômico-financeira do governo Vargas obedeceu à estratégia do desenvolvimento industrial, a despeito das dificuldades cambiais, da inflação e do agravamento das tensões sociais e políticas que marcaram os anos de 1952 a 1954. “Os bancos oficiais”, escreveu Carlos Lessa, “expandiram fortemente suas operações, adotando uma política de crédito fácil. Nestas condições as empresas expandiram seus planos de crescimento e nesses anos (1951-1952) registram-se as mais altas taxas de investimento dos dois decênios (22,4% do Produto Interno Bruto).”
A política cambial também foi um instrumento básico para promover a industrialização. Vargas manteve os controles cambiais estabelecidos em 1947 pela administração Dutra. Nos primeiros dois anos de seu governo, conservou o câmbio de 18,50 cruzeiros por dólar e o sistema de licenciamento de importações. “Teoricamente”, diz Werner Baer, “podia-se importar qualquer tipo de mercadoria, mas os interessados deviam inscrever-se nas listas de espera por categorias, estabelecidas de acordo com um sistema de prioridades fixadas pela Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil (Cexim). Tal como no governo Dutra, certos bens como combustíveis, gêneros alimentícios básicos, cimento, papel e maquinaria tinham prioridade no licenciamento.”
Com a mesma preocupação de assegurar o desenvolvimento da industrialização e proporcionar divisas à importação de equipamentos, o governo Vargas empenhou-se em manter a alta cotação internacional do café, através da permanente garantia de compra e do estabelecimento de preços mínimos. Em dezembro de 1952, foi criado o Instituto Brasileiro do Café (IBC), destinado a exercer efetivamente toda a política econômica do produto.
Getúlio herdara do governo Dutra um saldo positivo na balança comercial de 425 milhões de dólares, mas, já em 1951, o excedente foi de apenas 67 milhões devido a um grande aumento nas importações e à alta dos preços internacionais, resultante da Guerra da Coréia. Em 1952, a balança comercial acusou um déficit de 286 milhões de dólares (o maior até então registrado), em virtude do crescimento contínuo das importações e da queda dos preços dos principais produtos de exportação, com exceção do café. O algodão, por exemplo, que vinha ocupando o segundo lugar na pauta de exportações, teve uma queda de 80% nas vendas para o exterior, em conseqüência da recessão da indústria têxtil mundial de 1952. Além disso, a manutenção da taxa cambial a um nível artificialmente baixo desestimulava a exportação de vários produtos — os chamados gravosos — porque o preço internacional convertido em cruzeiros era inferior ao preço de oferta doméstico.
Para financiar as importações adicionais, o governo Vargas foi obrigado a acumular atrasados comerciais que chegaram, no início de 1953, a setecentos milhões de dólares. O governo também financiou os excedentes de algodão, sisal, lã e outros produtos, o que exigiu maior volume de crédito interno. No caso do algodão, toda a safra de 1951-1952 foi adquirida a preços comerciais pelo Banco do Brasil, por iniciativa de seu presidente Ricardo Jafet. O ministro da Fazenda, Horácio Lafer, criticou publicamente a operação em si mesma, desvantajosa para o banco.
Lafer procurou sempre que possível limitar a expansão do crédito, a fim de controlar o surto inflacionário, mas enfrentou o cerrado antagonismo de Jafet. De fato, o programa de crédito fácil do Banco do Brasil concorreu para acentuar a pressão inflacionária: em 1952, a inflação foi de 11,6%. Os gêneros alimentícios, principalmente os de maior consumo, apresentaram as taxas mais elevadas de crescimento: o preço do arroz aumentou em 44%, o feijão, em 35%, a farinha de mandioca, 84%, o leite, 21%, para citar apenas os mais importantes. Em 1953 a taxa de inflação saltou para 21,4%, atingindo proporções recordes em 1954: 23,6% (dados da revista Conjuntura Econômica de janeiro de 1955).
A escalada oposicionista e a questão social
O ano de 1953 foi marcado por uma crescente tensão política e social e dificuldades inesperadas para o governo Vargas. O Brasil sentiu imediatamente os reflexos da mudança de governo nos Estados Unidos, em janeiro de 1953. Até então, Getúlio havia apostado nas negociações com os norte-americanos, dos quais esperava obter financiamentos para a implantação de indústrias de base. Entretanto, os planos de cooperação econômica foram praticamente abandonados pelo governo do presidente Dwight Eisenhower. Com a ascensão dos republicanos ao poder, “terminava para a política externa norte-americana a época de financiamentos de governo a governo, que começara com a segunda grande guerra e que se conservara parcialmente até o período da guerra fria”. Além disso, a política para a América Latina, conduzida pelo secretário de Estado John Foster Dulles, caracterizou-se pelo reforço do anticomunismo e pelo combate aos movimentos nacionalistas. Desse modo, em julho de 1953, o governo de Washington tornou claro o seu desejo de acabar com a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e, em 1954, o BIRD e o Eximbank suspenderam os financiamentos programados. Além da política petrolífera adotada, também a sustentação do preço do café pelo Brasil foi considerada determinante da decisão norte-americana.
Vargas também adotara uma política cautelosa em relação às reivindicações populares. Em janeiro de 1953 sancionou uma nova lei de segurança nacional, a “Lei sobre os crimes contra o Estado e a ordem política e social”, pela qual eram passíveis de punição aqueles que “convocam ou realizam comício ou reunião pública a céu aberto, em lugar não autorizado pela polícia”. Entretanto, a inflação e, conseqüentemente, a elevação acelerada do custo de vida eram motivos suficientes para que as organizações operárias não permanecessem imobilizadas. Em janeiro de 1953, irrompeu no Rio a primeira de uma série de greves de trabalhadores: os operários têxteis exigiram um aumento salarial de 60%. Com a mediação do governo, conseguiram 42% de aumento. De imediato, as associações comerciais e industriais manifestaram sua preocupação com a política econômica e a liberdade de ação concedida aos sindicatos.
Ainda em janeiro, Vargas adotou uma política cambial mais flexível para incentivar a exportação de certos produtos e atrair investimentos estrangeiros. Getúlio foi também persuadido pelo ministro Horácio Lafer a demitir o presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jafet. Para o seu lugar, foi nomeado interinamente o coronel Anápio Gomes.
A nova lei cambial estabeleceu um mercado livre de câmbio, através do qual era permitida a remessa de lucros para o exterior, sendo complementada pela Instrução nº 48 da Sumoc, que criou taxas distintas para os produtos que não encontravam colocação no exterior. Mesmo assim, todas as atividades econômicas sofreram os efeitos negativos da crise cambial que se estendeu por todo o primeiro semestre de 1953. O governo viu-se novamente obrigado a adquirir, através do Tesouro Nacional, os estoques de produtos invendáveis a fim de atenuar os efeitos adversos da crise cambial sobre as economias regionais mais duramente atingidas (Norte, Nordeste e Sul).
Em março de 1953, com o agravamento da estiagem no Nordeste, Vargas anunciou planos para remover suas conseqüências, referindo-se à necessidade da reforma agrária e frisando que “o interesse público reclama a desapropriação dos amplos latifúndios do sertão nordestino”. Em 8 de abril, em discurso pronunciado em Petrópolis, na instalação do quinto período de sessões da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), Vargas referiu-se novamente à reforma agrária, afirmando que vários estudos dessa comissão correspondiam às preocupações do seu governo.
Teoricamente, Getúlio ainda contava, no início de 1953, com o apoio dos três partidos que integravam a maioria parlamentar: o PSD, o PTB e o PSP. Na prática, porém, alguns segmentos do PSD e o PSP de Ademar de Barros retraíam-se na sustentação do governo. Além disso, como observou Thomas Skidmore, “Vargas pouco havia feito, durante os dois primeiros anos na presidência, para expandir ou fortalecer o PTB como instrumento político”.
O próprio Vargas criticou a estrutura político-partidária do país na mensagem enviada ao Congresso em 15 de março de 1953: “De modo geral, os quadros políticos não se manifestam suficientemente sensíveis às necessidades da estrutura econômica do país e às novas tendências populares.” O ministro Negrão de Lima tinha ido ainda mais longe ao denunciar em fevereiro “a bancarrota das elites do país”. A imprensa oposicionista e a UDN reagiram vigorosamente a essa declaração, denunciando uma suposta manobra continuísta de Vargas.
Na verdade, o governo de Getúlio estava rapidamente perdendo suas bases populares. Prova disto foi a surpreendente vitória de Jânio Quadros nas eleições para a prefeitura de São Paulo, em março de 1953. A campanha eleitoral mobilizou intensamente a população da capital paulista, pela primeira vez chamada às urnas para escolher diretamente o seu prefeito. Jânio Quadros, na época deputado estadual, foi apoiado apenas por dois pequenos partidos (o PDC e o PSB) e por uma facção do PTB, liderada pelo general Porfírio da Paz, candidato a vice-prefeito, e os deputados José Artur da Frota Moreira e Ivete Vargas. O candidato oficial do PTB era o professor Francisco Cardoso, apoiado pelo governador Lucas Garcez e uma ampla coligação partidária que incluía o PSP, o PSD e a UDN.
Jânio Quadros empolgou o eleitorado com sua retórica moralista, expressa no slogan “O tostão contra o milhão”, prometendo castigar os corruptos e todos os responsáveis pela crise. Jânio surgiu como líder populista de grande poder carismático e obteve uma vitória esmagadora nas eleições de 22 de março, juntamente com seu companheiro de chapa.
A vitória de Jânio para prefeito, galvanizando as simpatias não só da alta burguesia e da classe média paulistana, mas também de um contingente considerável do operariado, representou um sério desgaste para o governo federal.
Março de 1953 marcou também a eclosão de uma grande greve de trabalhadores em São Paulo, que causou profundo impacto na política nacional. No dia 10, após uma assembléia geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Têxtil, oito mil operários da categoria, aproveitando o período mais aceso da luta eleitoral pela prefeitura, realizaram ampla passeata pelas ruas do centro da capital. Os operários reivindicavam aumento de 60% sobre os salários de janeiro de 1952 e estavam dispostos a encontrar uma solução negociada com empresários e autoridades, como deixou claro, em seu discurso, o tecelão Antônio Chamorro, vinculado ao PCB, que se destacaria como principal líder do movimento. Diante da negativa dos patrões, os têxteis decidiram decretar a greve geral, iniciada em 23 de março, um dia após a eleição de Jânio para prefeito. No dia 26, os metalúrgicos da capital também pararam, em solidariedade aos têxteis e exigindo o cumprimento de acordos já estabelecidos com os patrões. Nos dias seguintes, o movimento obteve a adesão dos marceneiros, vidreiros e gráficos, espalhando-se para outras cidades do interior, especialmente Santos e Sorocaba, e da Grande São Paulo.
A Delegacia Regional do Trabalho apressou-se em invocar a ilegalidade da greve, apelando para os termos do Decreto nº 9.070, de 1946. Os líderes operários do movimento, sob influência dos comunistas, decidiram passar à ofensiva, declarando que o decreto era inconstitucional. O PCB, que seguiu uma linha de firme oposição a Vargas, procurou dirigir a insatisfação operária contra o governo. No dia 31, os grevistas tentaram realizar uma grande manifestação na praça da Sé, sem a autorização dos dirigentes sindicais. A repressão foi violenta, resultando em centenas de prisões.
Em 8 de abril, contrariando as orientações de Vargas, o ministro do Trabalho, Segadas Viana, ameaçou enquadrar os grevistas na Lei de Segurança Nacional, devido à incapacidade demonstrada pela estrutura sindical de controlar os trabalhadores. No dia 10, quando se decidiu pela formação do Comitê Intersindical de Greve, composto de um representante de cada sindicato, havia em todo o estado de São Paulo perto de trezentos mil trabalhadores inteiramente parados.
No livro Greve de massa e crise política, o sociólogo José Álvaro Moisés fez um estudo pormenorizado da greve e suas repercussões políticas. Dele retiramos os seguintes trechos: “Toda a política nacional girava, agora, de alguma maneira, em torno do conflito (...) O Estado de S. Paulo (1/4/53) apelava para as classes conservadoras para que agissem antes que fosse tarde demais, e renovava a sua acusação contra Vargas, de que era ele quem estava por trás da greve, através do PTB, com o intuito de produzir um clima de desordem que poderia favorecer um golpe continuísta. A Delegacia Regional do Trabalho, cuja orientação estava ligada ao PSD, fez uma tentativa de resolver as diferenças. Propôs um aumento de 23 por cento (...) mas a proposta não foi aceita, pelos empregadores, que ofereciam somente 20 por cento, nem pelos trabalhadores, que ainda pressionavam por 60 por cento (...) Vargas, de sua parte, manobrava em todas as direções. Ao encontrar-se com o governador de São Paulo, manifestou a intenção de esclarecer o papel do PTB, do qual era o líder, no momento. Vargas também anunciou oficialmente seu desejo de aumentar o salário mínimo independentemente.”
Finalmente, depois de várias tentativas de conciliação, os grevistas concordaram com a proposta da Justiça do Trabalho de um reajustamento de 32%, recebendo garantias de que todos os líderes sindicais presos seriam libertados, e de pagamento normal dos dias em que estiveram parados. O movimento terminou em 26 de abril, quando a última categoria em greve — a dos gráficos — decidiu retornar ao trabalho.
Em 1º de maio, enquanto Vargas pronunciava um discurso cauteloso para trabalhadores, em Volta Redonda, a UDN, reunida em convenção nacional no Rio de Janeiro, prometia intensificar sua oposição ao governo. Data dessa mesma época a criação do Clube da Lanterna, reunindo civis e militares, radicalmente antigetulistas e anticomunistas, inspirados na liderança do jornalista Carlos Lacerda, diretor da Tribuna da Imprensa.
O inquérito do jornal Última Hora
Na área da imprensa, Última Hora era o único jornal importante do país que tinha uma orientação favorável a Vargas. Fundado em 1951 por Samuel Wainer, Última Hora tornara-se o porta-voz da política de Vargas junto à opinião pública. O depoimento de Lourival Fontes, chefe do Gabinete Civil de Getúlio, trouxe à luz alguns bilhetes de seu arquivo contendo instruções do presidente, os quais comprovam a importância do jornal como veículo de divulgação do situacionismo. Num desses bilhetes, Getúlio recomendava, por exemplo: “Dizer ao Wainer que o número do jornal dele, que li hoje, só tratava de esporte. Nada havia para alentar ao povo e ao Congresso, bem como as informações sobre entrada de gêneros, aumento de transportes etc., a fim de desfazer a campanha adversária de que o governo está parado. E argumentar com o que está sendo feito. O programa deste ano é o equilíbrio orçamentário, sem o qual não poderá haver o barateamento da vida.”
O jornal, de cunho popular, mas ostentando aspecto técnico fortemente renovador, rapidamente passou a competir em tiragem com os maiores veículos de comunicação do Rio e de São Paulo. Conseqüentemente, acrescido do fato de ser o único grande jornal getulista do país, Última Hora logo polarizou a represália da oposição. Os primeiros passos nesse sentido foram dados por Carlos Lacerda, através da Tribuna da Imprensa, e Assis Chateaubriand, proprietário da cadeia de jornais Diários Associados. Lacerda começou por afirmar que Samuel Wainer era estrangeiro, e que, portanto, não poderia possuir ou dirigir qualquer órgão de imprensa no país. Em 1952, a campanha não chegou a alcançar maior repercussão. O projeto da Petrobras, o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos e as atitudes políticas do general Estillac Leal figuravam na dianteira como alvos dos ataques da imprensa udenista.
Em março de 1953, no entanto, o Acordo Militar foi ratificado pelo Congresso, sem grandes alterações, graças aos entendimentos entre Gustavo Capanema, líder da maioria, e Afonso Arinos de Melo Franco, líder da minoria. O general Estillac Leal perdera sua antiga expressão política no Exército. O projeto da Petrobras ainda estava na dependência de apreciações no Senado, onde a grande maioria era eminentemente conservadora. Era chegada a oportunidade de fechar o cerco em torno de Última Hora.
A estratégia da oposição consistiu em demonstrar, através de uma ampla campanha de rádio e jornais, que a empresa de Wainer fora constituída por intermédio de crédito fornecido pelo Banco do Brasil, por interferência de Vargas e seus familiares. Última Hora foi acusado de ter conseguido ilicitamente um financiamento de quase 250 milhões de cruzeiros antigos. Em face disso, Lourival Fontes foi incumbido de convocar Gustavo Capanema para formar uma comissão parlamentar de inquérito com a finalidade de apurar os débitos da imprensa escrita e falada com os organismos oficiais de crédito. A CPI foi composta em abril de 1953, sob a presidência do deputado Carlos Castilho Cabral, do PSP, sendo integrada por Ulisses Guimarães, do PSD, Anésio Frota Aguiar, do PTB, Aliomar Baleeiro e Guilherme Machado, ambos da UDN. Logo na fase inicial de seus trabalhos, a maioria governamental perdeu o controle da CPI. Ulisses Guimarães desinteressou-se pelo problema e deixou de comparecer às reuniões. Castilho Cabral e Frota Aguiar foram de imediato envolvidos pelos objetivos da UDN. Em poucos dias, a comissão passou a concentrar-se exclusivamente na devassa das transações de Última Hora. Paralelamente à CPI, Carlos Lacerda prosseguiu em seus ataques à Última Hora, dispondo além de seu jornal, da Rádio Globo e da Rede Tupi de Televisão, conseguindo transformar o assunto num verdadeiro desafio ao governo.
Em 29 de junho, o deputado Aliomar Baleeiro pediu o cancelamento do registro de Última Hora, alegando que Samuel Wainer havia sido favorecido por Vargas e seus familiares em suas transações com o Banco do Brasil. Em julho, Wainer depôs perante a CPI, recusando-se a indicar os nomes de seus financiadores iniciais, embora todos já soubessem que além dos nomes de Válter Moreira Sales, Ricardo Jafet e Euvaldo Lodi, iria surgir o do conde Francisco Matarazzo, que contribuíra para a fundação da Última Hora de São Paulo. Além disso, Wainer acusou o escritório de advocacia Momsen de prestar orientação aos representantes da UDN em sua campanha contra Última Hora. O escritório Momsen prestava assistência jurídica às principais empresas norte-americanas que operavam no Brasil, como a Standard Oil Company. A recusa de Wainer em revelar à comissão os nomes de seus financiadores iniciais foi considerada ofensiva ao Congresso. Em 19 de julho, ele foi punido com 15 dias de prisão, sendo solto dez dias mais tarde mediante habeas-corpus.
A estratégia da oposição era menos destruir Última Hora do que encontrar elementos para envolver Getúlio em crime de favorecimento e abrir, assim, a possibilidade de um impeachment do seu governo. Em novembro de 1953, a CPI encerrou seus trabalhos, concluindo que os financiamentos do Banco do Brasil às empresas do grupo Samuel Wainer “além de excessivos em relação às garantias dadas, realizaram-se à margem das condições normais, violando dispositivos legais, estatutários e regulamentares”. A oposição não encontrou provas que atestassem qualquer intervenção de Vargas nos supostos favorecimentos desfrutados por Wainer, ficando desse modo afastada a possibilidade de impeachment. Mas, como escreveu Thomas Skidmore, o caso Última Hora “forneceu aos antigetulistas uma oportunidade de explorar os receios da classe média sobre a ‘imoralidade’ e a ‘corrupção’ existentes no governo, receios que eram partilhados pelas classes armadas”. No início de 1954, Vargas declarou a Samuel Wainer que os interesses do governo impunham a execução imediata das dívidas de Última Hora, então já em atraso no Banco do Brasil. Ameaçada de fechamento, Última Hora conseguiu sobreviver graças a empréstimos obtidos junto ao conde Francisco Matarazzo, Ricardo Jafet e Ernesto Simões Filho, ex-ministro da Educação e proprietário do jornal A Tarde, da Bahia.
A mudança do ministério
Em junho de 1953, Vargas decidiu reorientar a política do governo, reorganizando o ministério a fim de enfrentar as múltiplas pressões que se avolumavam. As crescentes dificuldades econômicas, o agravamento das tensões sociais e a oposição constante e cada vez mais forte da UDN e da imprensa foram determinantes na reforma ministerial. Todos os ministros civis foram substituídos, com exceção de João Cleofas.
A reforma ministerial começou em 15 de junho com a nomeação de João Goulart para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. João Goulart, com 35 anos, era o presidente nacional do PTB, amigo de Vargas e um de seus elementos de confiança nos meios sindicais. No dia 16, Osvaldo Aranha, simpatizante da UDN, mas amigo de Getúlio de longa data, assumiu o Ministério da Fazenda. Para o Ministério da Viação e Obras Públicas, foi nomeado José Américo de Almeida, governador da Paraíba, rompido com a UDN local desde 1950, embora no plano nacional continuasse ligado ao partido que ajudara a fundar e do qual fora presidente. Para a pasta da Educação e Saúde, foi nomeado o deputado Antônio Balbino, uma das novas expressões mais destacadas do PSD baiano. Em 26 de junho, Tancredo Neves, do PSD mineiro, foi nomeado ministro da Justiça. Finalmente, em 1º de julho, Vicente Rao, simpatizante udenista, foi nomeado ministro das Relações Exteriores.
Em 25 de julho, o Ministério da Educação e Saúde foi desdobrado em duas pastas, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o Ministério da Saúde. De agosto a dezembro de 1953, cumulativamente com a chefia do MEC, Antônio Balbino ocupou interinamente o Ministério da Saúde, transferindo então o último cargo ao primeiro titular da pasta, Miguel Couto Filho.
O novo ministério incluía três antigos colaboradores de Getúlio, homens com larga experiência política e administrativa. Osvaldo Aranha tinha sido o mais próximo conselheiro de Vargas durante quase todo o período de 1930 a 1945. José Américo e Vicente Rao tinham sido ministros de Getúlio no período que antecedeu o golpe de 1937. Já os ministros João Goulart, Tancredo Neves e Antônio Balbino, embora relacionados com elementos do governo e com o próprio presidente, estavam no início de suas carreiras políticas. Do ponto de vista partidário, o novo ministério mantinha a combinação básica PSD-PTB, excluindo o PSP de Ademar de Barros. Naquela altura, embora o partido continuasse integrando a maioria governamental no Congresso, a imprensa ademarista já investia decididamente contra Vargas, como mostrou Regina Sampaio em seu livro Ademar de Barros e o PSP.
Com as mudanças ministeriais de junho de 1953, a nova estratégia do governo caracterizou-se no plano econômico, pela ênfase no combate à inflação, consubstanciada no programa de estabilização elaborado por Osvaldo Aranha e, no plano político, pela aproximação com a classe trabalhadora, levada a cabo por João Goulart.
A designação de Goulart e sua ação junto aos sindicatos concorreram, sem dúvida, para uma recuperação lenta, mas constante, do prestígio de Vargas, no meio onde sempre foi mais intensa sua presença política. Entretanto, a incorporação de Osvaldo Aranha e José Américo que, tanto em 1945 como em 1950, participaram da campanha presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes, e a presença de Vicente Rao, homem de posição eminentemente conservadora, não atenuaram de modo algum as animosidades da UDN contra o governo. Em vez disso, a campanha da oposição tornou-se ainda mais agressiva, tanto na imprensa como no Congresso, visando em particular ao ministro João Goulart
Ao assumir o Ministério do Trabalho, Goulart tomou posição claramente favorável à greve nacional dos marítimos, deflagrada em 16 de junho. A greve paralisou os portos, estaleiros e navios mercantes de todo o país. Em 26 de junho foi suspensa, tendo sido aceitas todas as reivindicações: pagamento do abono de emergência, melhoria da alimentação a bordo, semana inglesa e cumprimento da jornada de oito horas de trabalho. Goulart também afastou o presidente da Federação dos Trabalhadores em Transportes Marítimos, apontado pelos grevistas como pelego e corrupto. Em 29 de junho, compareceu à sede do sindicato dos operários navais do Rio de Janeiro, prometendo envidar todos os esforços “para prestigiar os autênticos líderes” e frisando que “as portas do meu gabinete estão abertas a todos os representantes, de fato, da classe trabalhadora”. Disse ainda: “O Brasil precisa de líderes operários. Precisa, outrossim, dessa unidade demonstrada na greve dos marítimos, tão indispensável ao desenvolvimento do sindicalismo brasileiro.”
As palavras de Goulart alarmaram os industriais, eleitores de classe média e militares conservadores. A oposição logo interpretou sua designação para o Ministério do Trabalho como parte de um plano de Vargas para implantar um regime sindicalista, tal como o estabelecido na Argentina pelo presidente Juan Domingo Perón.
Goulart deu início à organização de sindicatos rurais, tratou de garantir a participação de dirigentes sindicais na comissão que estudava o reajuste do salário mínimo e tentou, nesse caso, sem êxito, atribuir aos sindicatos a função de fiscalizar a aplicação de certas medidas governamentais como o tabelamento dos preços.
O ministro tornou-se uma presença constante nas assembléias sindicais, evitando várias greves e forçando os empregadores a concessões. Em outubro de 1953, os marítimos tentaram uma segunda greve nacional para obrigar o cumprimento do acordo estabelecido em junho. Dessa vez, o movimento foi reprimido. Goulart tirou uma licença temporária do ministério, para viajar aos estados do Norte e Nordeste.
Já em julho de 1953, o jornal O Estado de S. Paulo denunciava a ameaça de implantação de uma ditadura do tipo peronista no Brasil: “Acha-se à frente dessa campanha o atual ministro do Trabalho, Sr. João Goulart. Mas o que há de mais perigoso nisso tudo é a deliberação assentada pelos que detêm as posições de mando no setor trabalhista do país, de apelar franca e desabusadamente para a colaboração das forças comunistas.” Depois de uma série de considerações, o jornal concluía: “Medimos perfeitamente a gravidade da denúncia que aqui fazemos à nação. Não hesitamos, entretanto, em assumir essa atitude por conhecermos perfeitamente bem de que são capazes os homens que se põem às ordens do Sr. presidente da República.” Em outubro, o mesmo jornal revelou a existência de um memorial assinado por 16 generais formulando graves acusações ao ministro do Trabalho.
Vargas não diminuiu seu apoio a Goulart. Ainda em outubro, adiou uma projetada visita à Bahia, o que foi interpretado como um sinal de prestígio de Goulart que, nessa época, encontrava-se em conflito com o governador daquele estado, Régis Pacheco.
Em 3 de outubro, Vargas sancionou a lei de criação da Petrobras, instituindo o monopólio estatal do petróleo. Na mesma data, lembrou em discurso sua vitória nas eleições presidenciais de outubro de 1950 e o aniversário da eclosão da Revolução de 1930 “que veio renovar a nossa vida pública e iniciar a redenção das massas trabalhadoras, através da legislação social”. Criticou os “interesses facciosos” da oposição, desdenhando os ataques ao governo: “Obstinaram-se em ferir o governo que procurava dar remédio aos males da nação. Mas o Brasil já se cansou desses flibusteiros de uma política viciosa e superada, que antes rondavam à porta dos quartéis e hoje assentam suas vãs esperanças nas agitações demagógicas.” Em 12 de outubro, Vargas fez um de seus pronunciamentos mais polêmicos em matéria de política externa. Em discurso sobre o Dia das Américas, na embaixada da Espanha, fez um apelo à “luta contra o imperialismo ideológico”, ao defender a independência dos territórios americanos sob domínio colonial. Tratava-se aparentemente de um apelo isolado, num ano marcado por poucos acontecimentos dignos de nota nas relações do Brasil com os países latino-americanos. Em agosto, o Brasil recebera a visita do presidente Manuel Odria, do Peru, e em setembro, a visita de Anastasio Somosa, da Nicarágua. Mais tarde, porém, o pronunciamento do Dia das Américas seria considerado por Afonso Arinos como uma manifestação de “franco apoio aos desígnios da hispanidad ditatorial, ou seja, do eixo Franco-Perón”.
A partir de outubro de 1953, o governo colocou em prática um plano de estabilização econômico-financeira, concebido pelo ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, com a colaboração do novo presidente do Banco do Brasil, Marcos de Sousa Dantas. O chamado “Plano Aranha”, instituiu uma profunda reforma no sistema cambial como primeira etapa de um conjunto de medidas no setor das finanças públicas e, posteriormente, no de moeda e crédito. O sistema de licenciamento das exportações foi extinto pela Instrução 70 da Sumoc, de 9 de outubro. Pelo novo sistema qualquer pessoa poderia adquirir divisas em leilões de câmbio, no qual se classificavam as importações em cinco categorias, de acordo com seu grau de essencialidade e a possibilidade de produção interna. O sistema de licenciamento tinha-se tornado um grave problema administrativo para Vargas, devido à prática de corrupção e suborno, levada ao conhecimento público pela UDN. As denúncias de corrupção envolveram altos funcionários da Cexim, inclusive Coriolano de Góis, afastado da presidência do órgão no início de 1953. A própria Cexim foi extinta em dezembro de 1953 e substituída pela Carteira de Exportação e Importação (Cacex) do Banco do Brasil.
A nova política cambial, segundo a economista Maria da Conceição Tavares, “não só permitiu comprimir o quantum de importações ao nível da capacidade para importar existente nesse ano (1953), como tornou relativamente mais atraente a produção interna de uma série de produtos industriais básicos e matérias-primas, cujo preço de importação em moeda nacional passou a subir consideravelmente por ficar sujeito ao pagamento de crescentes ágios cambiais”. Esses ágios, arrecadados dos importadores, permitiram não só o pagamento de subsídios aos exportadores, como se tornaram uma importante fonte de receita para o governo. Era precisamente em sua influência sobre o setor financeiro que o novo sistema cambial se integrava na política econômica do governo.
Vargas também pretendeu aumentar a receita do governo com o projeto de lei de lucros extraordinários. O projeto, submetido ao Congresso em 20 de novembro de 1953, propunha alterações na legislação do imposto de renda, instituindo a taxação adicional dos lucros apurados pelas firmas e sociedades em geral.
A reforma cambial produziu imediatamente efeitos positivos no intercâmbio comercial com o exterior. No último trimestre de 1953, houve grande incremento de exportação, tornando possível a ocorrência de um saldo favorável na balança comercial. Nessa mesma época, porém, as relações do Brasil com os Estados Unidos tornaram-se tensas em decorrência de várias ações do governo brasileiro, principalmente a criação da Petrobras e a sustentação do preço do café. No início de 1954, as exportações de café começaram a declinar devido à retração do mercado norte-americano. A crise da balança comercial ressurgiu com toda intensidade.
Em 21 de dezembro de 1953, na instalação da Conferência dos Estados da Bacia do Paraná-Uruguai, em Curitiba, Getúlio marcou incisivamente sua posição nacionalista ao denunciar as remessas de lucros excessivos feitas pelas empresas estrangeiras: “Até certo ponto, estou sendo sabotado por interesses contrários de empresas privadas que já ganharam muito mais no Brasil; que têm em cruzeiros duzentas vezes o capital que empregaram em dólares e continuam transformando os nossos cruzeiros em dólares para emigrá-los para o estrangeiro a título de dividendos: em vez de os dólares produzirem cruzeiros, os cruzeiros é que estão produzindo dólares e emigrando.” Em 31 de janeiro de 1954, Vargas retomou a acusação, acrescentando novos dados e atribuindo as dificuldades econômicas do país à transferência maciça de dólares para o exterior: “Mandei cotejar declarações feitas pelos exportadores ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos com as declarações feitas aos nossos consulados. Num quadro de balanço de dezoito meses consecutivos, foi registrado um aumento de valores, nas faturas, de 150 milhões de dólares. Se considerarmos que o sistema era generalizado, nos é fácil concluir que, representando o nosso comércio com os Estados Unidos 55 por cento do total, tivemos um mínimo de desvios cambiais de 250 milhões de dólares em dezoito meses. Isso representava cerca de 14 milhões de dólares por mês, em várias moedas.” Concluindo: “Reduzido assim o valor da moeda, apresentava-se como reflexo natural a elevação de preços, conseqüência e não causa de um fenômeno que escapava ao nosso controle.”
O fecho das referências às iniciativas governamentais em 1953 inclui finalmente a menção ao projeto de reforma administrativa, enviado ao Congresso em 31 de agosto. O projeto previa a extinção de vários órgãos considerados anacrônicos e a criação de três novos ministérios: o da Indústria e Comércio, o das Minas e Energia e o dos Serviços Sociais, que teria a seu encargo a execução dos assuntos referentes à previdência e assistência social. O projeto acabou sendo relegado a um segundo plano pelo Congresso. Os três ministérios propostos por Getúlio seriam criados mais tarde, cada um a seu tempo: os ministérios da Indústria e Comércio e das Minas e Energia em 1961 e o da Previdência e Assistência Social em 1974.
O Manifesto dos coronéis
A partir de 1953, Vargas ressentiu-se cada vez mais de um apoio político-partidário organizado para enfrentar a oposição aguerrida da UDN. De um lado, Getúlio buscou recuperar suas bases de apoio popular, atribuindo aos sindicatos uma função básica em sua proposta de governo. De outro lado, partidos como o PSD e o PSP consolidaram sua independência de compromissos em relação a Getúlio. No final de 1953, as dificuldades de Vargas tornaram-se ainda mais complexas, devido à proximidade das eleições parlamentares de outubro de 1954, que poderiam influir decisivamente sobre os rumos da sucessão presidencial de 1955. Nesse contexto, a exclusão do getulismo tornou-se o objetivo prioritário não só da UDN, mas também de outras forças políticas.
Em novembro de 1953, ultrapassado, pelo menos no seu momento mais crítico, o caso Última Hora, Vargas experimentou nova baixa em seu sistema político com o virtual rompimento do governador de Pernambuco, Etelvino Lins. Eleito em novembro de 1952 para completar o mandato do governador Agamenon Magalhães, falecido em agosto daquele ano, Etelvino Lins passou a defender e articular a união dos partidos de centro, tendo em vista a sucessão presidencial de 1955. A ação do governador pernambucano que passou a ser conhecida no meio político sob a denominação de “esquema Etelvino” constituía em síntese a tentativa de reeditar o Acordo Interpartidário de 1948, ostentando, porém, uma feição bem mais ampla. Etelvino sugeria para a presidência da República a candidatura do general Juarez Távora, de vinculação claramente udenista, sob o argumento de que a crise brasileira desaconselhava, para a sucessão de Vargas, uma solução que não fosse militar. Para a vice-presidência, como companheiro de chapa de Juarez, o governador pernambucano contemplava o seu próprio partido, o PSD, introduzindo no centro das conversações o nome do governador de Minas, Juscelino Kubitschek. Desta forma, o PSD, majoritário no Congresso e exercendo o governo em vários grandes estados, teria de se acomodar com a vice-presidência. O PTB era posto de lado nas conversações. O PSD e o PTB, as duas maiores correntes políticas que apoiavam Vargas, não se dispuseram obviamente a absorver o esquema etelvinista. Demolir a fórmula defendida pelo governador pernambucano foi uma das tarefas políticas que o ministro Tancredo Neves desempenhou com paciente eficácia e determinação.
Em 1º de janeiro de 1954, já em plena campanha para as eleições ao governo de São Paulo, Ademar de Barros admitiu publicamente seu afastamento em relação a Getúlio, acusando o presidente de haver rompido os compromissos da frente populista de 1950. Logo em seguida, a bancada do PSP desligou-se da maioria governamental, assumindo posição de independência em relação ao governo.
No início de 1954, devido aos rumores de que o ministro João Goulart proporia um aumento de 100% para o salário mínimo, um novo ponto de atrito foi criado entre o governo e a oposição. A proposta de Goulart contava com forte apoio sindical e das comissões locais de salário mínimo, cuja composição havia sido mudada pelo próprio ministro do Trabalho. Além disso, Goulart apoiou a reivindicação de aumento salarial dos bancários, contrapondo-se aos empregadores. Além dos bancários, outras categorias ameaçaram paralisar suas atividades, tais como os marítimos e os portuários do Rio de Janeiro. Nas minas de Morro Velho (MG), os mineiros ameaçaram deflagrar nova greve, semelhante à que paralisara cerca de cinco mil trabalhadores em Nova Lima, no final de 1953. Nos dois primeiros meses de 1954, várias categorias entraram efetivamente em greve, sobretudo no Distrito Federal.
No final de janeiro de 1954, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou a existência de um movimento de protesto no interior do Exército, reivindicando melhores salários. Com efeito, no dia 8 de fevereiro, um longo memorial assinado por 42 coronéis e 39 tenentes-coronéis foi encaminhado ao ministro da Guerra, general Ciro do Espírito Santo Cardoso, em protesto contra a exigüidade dos recursos destinados ao Exército e a proposta governamental de elevação do salário mínimo em 100%. Entre os signatários do documento, figuravam os coronéis Amauri Kruel, Jurandir de Bizarria Mamede, Siseno Sarmento e os tenentes-coronéis Golberi do Couto e Silva, Sílvio Coelho da Frota, Válter de Meneses Pais, Ednardo Dávila Melo e Euler Bentes Monteiro. Esses oficiais eram ligados à Cruzada Democrática, agrupamento da ala militar conservadora que dirigia o Clube Militar desde as eleições de 1952.
O documento, que passou a ser conhecido por Manifesto dos coronéis, só foi publicado na íntegra em 20 de fevereiro, mas alguns trechos logo apareceram nos jornais. O manifesto acusava o governo de haver negligenciado as necessidades do Exército, deixando, por exemplo, de reequipar unidades e mantendo-se indiferente às necessidades de reajuste dos salários. Para os coronéis, a crise vivida pelo Exército acabara dividindo a oficialidade, o que poderia ser fatal para o Brasil, pois “com o comunismo solerte sempre à espreita, seriam os próprios quadros institucionais da Nação ameaçados, talvez, de subversão violenta”. Na sua parte final, o documento abordava a questão do aumento do salário mínimo, referindo-se especificamente à rápida desagregação das diferenças salariais. Se a majoração do salário mínimo em 100% fosse realmente concedida, afirmava o manifesto, um trabalhador não qualificado passaria a ganhar praticamente o mesmo que alguém com formação universitária. Os coronéis viam esse dado como uma “aberrante subversão de todos os valores profissionais, descartando qualquer possibilidade de recrutamento para o Exército dos seus quadros inferiores”. No Distrito Federal, o salário mínimo passaria a 2.400 cruzeiros antigos por mês, remuneração equivalente a de um segundo-tenente do Exército.
O Manifesto dos coronéis produziu resultados críticos imediatos. Quando o general Ciro do Espírito Santo Cardoso apresentou o documento ao presidente, em 18 de fevereiro, a reação de Vargas foi de surpresa e irritação. Getúlio repreendeu seu ministro da Guerra por não tê-lo informado sobre a insatisfação da oficialidade do Exército. Teria, então, comentado: “Mas, afinal, o senhor, ao invés de me ajudar, está me criando dificuldades.” No dia seguinte, o general Espírito Santo Cardoso foi afastado do Ministério da Guerra. Seu substituto foi o general Zenóbio da Costa.
João Goulart foi destituído da pasta do Trabalho em 22 de fevereiro, no dia em que apresentou sua exposição de motivos, propondo um aumento de 100% para o salário mínimo, aplicável principalmente aos trabalhadores do comércio e indústria urbanos. Embora o Manifesto dos coronéis não mencionasse expressamente Goulart, Getúlio já fora advertido várias vezes por militares de que era imprescindível destituí-lo caso desejasse melhorar suas relações com a oficialidade. Goulart foi substituído interinamente por Hugo de Farias, funcionário do Ministério do Trabalho.
Apesar de ter cedido às pressões para a saída de Goulart, Vargas demonstrou claramente sua intenção de levar adiante a aproximação entre o governo e as classes trabalhadoras. Em 21 de fevereiro, véspera da destituição de Jango, o presidente participou de um comício de trabalhadores em Volta Redonda (onde inaugurou no mesmo dia o segundo alto-forno da Companhia Siderúrgica Nacional), assegurando o compromisso do governo em “velar pelos vossos interesses”. Declarou ainda: “O combate sem quartel que dou aos opressores e exploradores só tem equivalência na luta sem tréguas com que defendo os desfavorecidos e os espoliados.” Nas semanas seguintes, Vargas evitou cautelosamente qualquer menção ao problema do aumento do salário mínimo.
Com a saída de Goulart, o presidente tornou-se novamente o alvo preferencial da campanha oposicionista. Os líderes da UDN, encorajados pelo Manifesto dos coronéis, consolidaram suas ligações com os militares antigetulistas. A trama para a deposição de Vargas começou a ganhar consistência.
Em março de 1954, a oposição encontrou um novo tema para sua campanha contra Vargas. O jornalista Carlos Lacerda revelou, pela Tribuna da Imprensa, uma conferência pronunciada reservadamente pelo general Perón na Escola Superior de Guerra da Argentina sobre as negociações que mantivera com Vargas para o estabelecimento de uma aliança entre os governos da Argentina, do Brasil e do Chile, a fim de combater a influência dos Estados Unidos no hemisfério sul. Segundo a denúncia, Vargas tinha enviado o jornalista Geraldo Rocha a Buenos Aires, no início de 1953, com a função de explicar ao presidente argentino que seria impossível cumprir o acordo devido à situação interna brasileira.
A notícia sobre o chamado Pacto ABC foi imediatamente desmentida pela embaixada argentina no Brasil. Entretanto, o documento mencionado por Lacerda era realmente autêntico. Perón pronunciara a conferência em dezembro de 1953.
Em 4 de abril, o ex-ministro João Neves confirmou, em entrevista à imprensa, o plano secreto entre Vargas e Perón para a formação do bloco ABC. João Neves tinha-se incompatibilizado com Getúlio no final de sua permanência no Itamarati, e, desde então, aproximara-se de seus opositores, inclusive Carlos Lacerda. Segundo João Neves, o Acordo ABC havia sido negociado por Batista Luzardo, embaixador em Buenos Aires, diretamente com Perón. Apesar dos desmentidos oficiais e da falta de provas, o pronunciamento de João Neves foi intensamente explorado pela imprensa e a oposição numa tentativa de provar que Vargas pretendia implantar uma república sindicalista nos moldes peronistas. As passíveis negociações entre Vargas e Perón serviram de base ao pedido de impeachment contra Getúlio, que seria encaminhado ao Congresso no mês seguinte.
Ainda em abril, a maioria dos governadores pessedistas tomou uma resolução contrária ao esquema etelvinista. Reunidos em Belo Horizonte, em 22, para o encontro dos governadores dos estados da bacia do Paraná-Uruguai, que contou com a participação de Vargas, eles consideraram inoportuno o lançamento de candidaturas presidenciais antes das eleições de outubro de 1954, ao contrário do que propunha Etelvino Lins. A crise política nacional exigia, porém, uma ação mais eficaz por parte do governo. Um dos porta-vozes mais extremados da oposição, o deputado Aliomar Baleeiro, em discurso proferido na Câmara em 22 de março, admitira o golpe de Estado como solução válida para o afastamento de Vargas. A saída golpista ganhou numerosos adeptos, entre civis e militares, depois que Getúlio anunciou, em célebre discurso, sua decisão sobre o aumento do salário mínimo.
Em 1º de maio de 1954, em discurso pronunciado em Petrópolis, Vargas anunciou que o aumento do salário mínimo seria de 100%, elogiou João Goulart, “incansável amigo e defensor dos trabalhadores”, e terminou com um vigoroso apelo à mobilização das massas trabalhadoras: “A minha tarefa está terminando e a vossa apenas começa. O que já obtivestes ainda não é tudo. Resta ainda conquistar a plenitude dos direitos que vos são devidos e a satisfação das reivindicações impostas pelas necessidades (...) Há um direito de que ninguém vos pode privar, o direito do voto. E pelo voto podeis não só defender os vossos interesses como influir nos próprios destinos da nação. Como cidadãos, a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Constituí a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo.”
Getúlio não poderia empregar linguagem mais radical para justificar sua decisão. Essa radicalização era extremamente arriscada para Vargas, pois industriais, classe média, militares, os “grupos marginalizados”, como escreveu Thomas Skidmore, “estavam em melhor posição para mobilizar a oposição do que os trabalhadores para mobilizar o apoio ao governo.
A reação contra o decreto presidencial surgiu imediatamente. A UDN, a imprensa oposicionista e entidades patronais de todo o país protestaram em uníssono contra as medidas governamentais que incluíam, além do aumento de 100% do salário mínimo, a elevação da contribuição dos empregadores para os institutos de previdência. Foram impetradas ações judiciais contra as medidas governamentais. Em 7 de julho, o STF, presidido por José Linhares, decidiu pela constitucionalidade da nova lei do salário mínimo.
A partir de maio, a conspiração para a derrubada do governo tornou-se uma realidade. O núcleo da conspiração era formado por oficiais da Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, políticos udenistas e jornalistas como Carlos Lacerda.
Em 19 de maio, por inspiração de Lacerda, foi fundada no Rio de Janeiro a Aliança Popular contra o Roubo e o Golpe, reunindo sob uma única legenda os partidos de oposição para a campanha às eleições de 3 de outubro, que renovariam a Câmara, 2/3 do Senado, diversos governos estaduais, além de prefeitos e vereadores municipais.
Em 21 de maio, o esquema militar de Vargas, a cargo do ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, sofreu um novo impacto negativo. A chapa da Cruzada Democrática, encabeçada pelos generais Canrobert Pereira da Costa e Juarez Távora, venceu as eleições para a diretoria do Clube Militar, derrotando o general Lamartine Pais Leme, apoiado por Zenóbio e elementos remanescentes da diretoria de Estillac Leal.
No dia seguinte, uma nova oportunidade se apresentou à oposição. O jornalista Nestor Moreira, de A Noite, foi espancado até a morte no 2º Distrito Policial do Rio de Janeiro. Embora o crime não tivesse fundamento político, os partidos de oposição organizaram grande passeata para o enterro do repórter. Na Câmara, o líder udenista Afonso Arinos afirmou que o jornalista tinha-se tornado um símbolo: “É um espetáculo que não pode deixar de chamar a atenção não só das oposições, se não também dos que estão na defesa do governo. Este é que não pode se acumpliciar com a tradição de violência na polícia.”
Em junho, Vargas enfrentou o teste de impeachment, encaminhado ao Congresso por Afonso Arinos, líder da UDN e da oposição parlamentar (UDN-PL-PR-PDC). Para justificar o pedido, a oposição alegou, fundamentalmente, razões de ordem política e pessoal contra Vargas — corrupção, conivência com atos criminosos e imoralidade. Em 16 de junho, a moção de impedimento foi derrotada por 136 votos contra 35. Afonso Arinos revelou posteriormente que agira sob a instância do brigadeiro Eduardo Gomes, que considerava o pedido de impedimento como “necessário à consolidação de certa frente militar avançada”.
Enquanto isso, Getúlio permanecia entretido na rotina administrativa do governo. Em abril, presidiu à instalação da Petrobras, no Rio de Janeiro, e enviou a mensagem ao Congresso, propondo a criação da Eletrobrás. Foi obrigado a realizar novas mudanças no ministério. João Cleofas e Antônio Balbino se desincompatibilizaram de suas funções para concorrer às eleições de outubro. Vargas nomeou para o Ministério da Agricultura Apolônio Sales, que já exercera o mesmo cargo no período final do Estado Novo. Para o MEC, foi nomeado o professor Edgar Santos. No Ministério da Saúde, Miguel Couto Filho foi substituído por Mário Pinotti.
Em julho, depois que o STF decidiu pela constitucionalidade do decreto do salário mínimo, muitos empregadores alegaram não poder arcar com os seus custos. Desencadearam-se, então, movimentos grevistas e ameaças de greve por todo o país. Essa reação parecia confirmar a previsão feita pelo diretório regional da UDN paulista, em maio de 1954: “A pretexto da concessão de um salário mínimo, que ninguém honestamente se lembraria de negar, mas que deve ser fixado com justiça e alta eqüidade, a luta de classes está sendo preparada e vai ser desfechada pelo Sr. presidente da República. O momento, que ninguém se iluda, é pré-revolucionário e a revolução está sendo dirigida pelo Catete.”
Em 1º de agosto, Getúlio reapareceu em público. Compareceu ao Grande Prêmio Brasil, no Jóquei Clube, onde foi recebido com uma prolongada vaia.
A crise de agosto e o suicídio
Em meio à crise que se avolumava e ameaçava chegar às portas do Catete, Getúlio Vargas parecia alheado do vendaval, como que protegido por uma fé no seu destino ou uma fatalidade muito fora de seu temperamento. Getúlio estava com 72 anos e parecia realmente envelhecido e cansado. No dia 1º de maio, o presidente se dirigira aos trabalhadores em termos vigorosos e promissores, mas nesse período crucial não mobilizava as diversas forças que poderiam apoiá-lo ou sustentá-lo em nome da legalidade indiscutível de seu governo. Essa situação era vista com grande preocupação pelos amigos mais próximos do presidente. Ainda em maio, seu ex-secretário, Luís Vergara, verificou com espanto o grau avançado da conspiração entre os oficiais da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, e apressou-se em levar a informação ao presidente. Vergara ficou ainda mais surpreso quando Getúlio respondeu que sua informação apenas confirmava o que já sabia por outras fontes.
O país atravessava uma crise de dimensões históricas, quando um acontecimento imprevisto tornou extraordinariamente grave a posição de Getúlio, selando definitivamente a aliança entre civis e militares para sua deposição.
Nos primeiros minutos do dia 5 de agosto, o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado quando chegava à sua residência, na rua Toneleros, no Rio de Janeiro, em companhia de seu filho Sérgio e do major-aviador Rubens Florentino Vaz. O major Vaz, integrante de um grupo de oficiais da Aeronáutica que dava proteção ao jornalista durante a campanha eleitoral, teve morte instantânea, ao passo que Lacerda escapou com um ferimento no pé. No tiroteio também foi ferido o guarda municipal Sálvio Romero, que tentou interceptar a fuga do agressor.
Getúlio recebeu em cheio o impacto produzido pelo atentado. Diz-se que teria comentado: “Esta bala não era dirigida a Lacerda, mas a mim.”
O crime teve ampla repercussão no país, sendo imediatamente atribuído pela oposição a pessoas ligadas ao governo. Lacerda não hesitou em lançar imediatamente a culpa sobre o presidente. No mesmo dia do atentado publicou artigo na Tribuna da Imprensa, declarando: “Perante Deus, acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá audácia para atos como o desta noite. Este homem chama-se Getúlio Vargas.”
Na madrugada do dia 5, enquanto Lacerda era atendido no Hospital Miguel Couto, o motorista de táxi Nélson Raimundo de Sousa apresentou-se à polícia, informando que o autor do crime fugira em seu carro. Iniciava-se, assim, o processo de identificação dos envolvidos no atentado.
Somente pela manhã a notícia do atentado chegou a Getúlio, que convocou Lourival Fontes a fim de se inteirar dos pormenores. O chefe do Gabinete Civil nada mais sabia além do que fora publicado pelos jornais. Advertiu, entretanto, que seus adversários provavelmente iriam envolver Lutero Vargas no acontecimento, em virtude de sua desavença pessoal com Lacerda. Candidato à Câmara nas eleições de outubro, Lutero tinha apresentado queixa-crime contra o jornalista pela autoria de um artigo ofensivo à sua pessoa. Lourival Fontes também aconselhou Getúlio a nomear um novo chefe de polícia, a fim de tornar patente o interesse do governo no esclarecimento do episódio. Getúlio prometeu pensar no caso, ao que o chefe do Gabinete Civil teria respondido: “Mas presidente pense depressa...” Depois dessa conversa, Vargas convocou ao seu gabinete Gregório Fortunato, chefe de sua guarda pessoal desde 1950. Indagado se havia algum homem da guarda envolvido no crime ou se ele próprio nele não estaria envolvido, Gregório declarou peremptoriamente: “Tenho a guarda nas mãos; mas não acredito numa traição dessas.”
Em 6 de agosto, Vargas fez divulgar, através do ministro da Justiça, Tancredo Neves, um comunicado assumindo “perante o país, especialmente a Aeronáutica, o compromisso de quem se empenha, com o maior rigor, em apurar todas as responsabilidades pela deplorável ocorrência”. Para acompanhar o inquérito, a cargo da polícia civil, foram designados pelo ministro da Justiça e da Aeronáutica o promotor público João Batista Cordeiro Guerra e o coronel-aviador João Adil de Oliveira.
No final da tarde, o major Vaz foi sepultado no cemitério São João Batista perante uma assistência de cinco mil pessoas. Dutra, o brigadeiro Eduardo Gomes, diretor das Rotas Aéreas da FAB, onde servira o major Vaz, e centenas de oficiais acompanharam o enterro. À noite, cerca de seiscentos oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, atendendo a uma convocação do brigadeiro Inácio de Loiola Daher, presidente do Clube de Aeronáutica, realizaram no Rio a primeira manifestação militar de protesto contra o crime.
Começava a se delinear um sério conflito entre as forças armadas e a Presidência da República, agravado no dia 7 pelo depoimento de Nélson Raimundo, na Polícia Militar, incriminando um membro da guarda pessoal de Getúlio, Climério Euribes de Almeida.
Em 8 de agosto, informado sobre o envolvimento de Climério no atentado, Getúlio decidiu dissolver sua guarda pessoal de 83 homens. Também ordenou ao chefe do Gabinete Militar, general Caiado de Castro, que franqueasse o palácio do Catete às autoridades que ali quisessem realizar diligências. Pela manhã, Caiado pedira a Gregório Fortunato que mandasse Climério apresentar-se ao Catete. Em vez disso, Gregório entregou 50 mil cruzeiros ao secretário da guarda, João Valente de Sousa, instruindo-o a remeter a quantia a Climério para que este pudesse fugir. À noite, já convencido da participação de Gregório no atentado, Getúlio determinou que ele permanecesse detido no palácio.
Em 9 de agosto, no quarto dia de agitadas sessões na Câmara, o deputado Aliomar Baleeiro pediu pela primeira vez em plenário o afastamento de Vargas da presidência, sendo imediatamente apoiado por Afonso Arinos, líder da minoria. Afonso Arinos ressalvou que se tratava de uma opinião pessoal, pois não tinha ouvido nem sua bancada nem seus “companheiros civis e militares que comungam conosco a mesma orientação e o mesmo pensamento”.
Mas Getúlio estava decidido a não renunciar. Ainda no dia 9, quando o ministro José Américo foi ao Catete para propor que o presidente cedesse, Getúlio insistiu em “dignificar o mandato que recebera do povo”.
Em 10 de agosto, numa reunião no Clube da Aeronáutica, com a presença de Eduardo Gomes, vários brigadeiros e oficiais da FAB, foi exigida a deposição de Getúlio. Ao final da assembléia, Eduardo Gomes foi aclamado “chefe incontestável da Aeronáutica”. Ainda no dia 10, segundo o relato documentado de Francisco Zenha Machado em Os últimos dias do governo Vargas realizou-se “uma reunião secreta de altos chefes militares na qual ficou decidido que Eduardo Gomes, o general Juarez Távora, comandante da Escola Superior de Guerra, o almirante Renato Guillobel, ministro da Marinha, o general Álvaro Fiúza de Castro, chefe do Estado-Maior do Exército, e o brigadeiro Ivan Carpenter Ferreira, chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, conferenciariam com o general Zenóbio e lhe sugeririam que retirasse seu apoio ao presidente, solicitando-lhe que renunciasse”.
No dia seguinte, o ministro da Guerra recebeu os quatro chefes militares, rejeitando a proposta. Zenóbio assegurou apoio ao presidente, comprovando, assim a divergência de opiniões existente dentro da oficialidade. Na noite do mesmo dia, 11 de agosto, os altos comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica reuniram-se no Rio, ficando acertado que os três ramos das forças armadas deveriam se manter coesos frente aos acontecimentos. Ainda no dia 11, houve manifestações de hostilidade ao governo no centro da capital, após a realização da missa de sétimo dia pelo major Vaz. Durante o protesto, vários oradores exigiram a renúncia de Vargas, enquanto cartazes de propaganda eleitoral de Lutero Vargas foram arrancados e destruídos.
Em 12 de agosto, Getúlio viajou a Belo Horizonte para inaugurar a usina siderúrgica Mannesmann, sendo recebido pelo governador Juscelino Kubitschek. Enquanto isso, no Rio, o ministro Nero Moura autorizou a instauração de um inquérito policial militar, presidido pelo próprio coronel Adil. Após a abertura do IPM, os interrogatórios e depoimentos passaram a ser realizados na Base Aérea do Galeão, que ganhou na imprensa a denominação de “República do Galeão”, pela amplitude dos poderes de que passou a dispor.
Em seu discurso em Belo Horizonte, Vargas respondeu às exigências de renúncia, afirmando o propósito de cumprir até o fim o mandato presidencial e declarando-se alheio às “mentiras e calúnias” a ele dirigidas. Assegurou que manteria “as garantias constitucionais” e que procederia às eleições de outubro “num clima de ordem e tranqüilidade”. Manifestou sua confiança nas “reações saudáveis da opinião pública e no sentimento de patriotismo e disciplina das nossas forças armadas”. Por fim, como observou Skidmore, enfatizou o aspecto que muitos oficiais, inclusive o ministro da Guerra, ainda consideravam primordial: a legalidade de sua posição como presidente. “No governo”, disse Vargas, “represento o princípio da legalidade constitucional que me cabe preservar e defender. Dela não me separarei e advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem que saberei resistir a todas e quaisquer tentativas de perturbação da paz e da tranqüilidade pública.” O pronunciamento perdeu ressonância com os novos desdobramentos do inquérito sobre o atentado.
Em 13 de agosto, soldados da Aeronáutica prenderam Alcino João do Nascimento e o conduziram ao Galeão. Na base já se encontrava detido João Valente de Sousa, secretário da guarda pessoal de Getúlio. Em seu depoimento, Alcino confessou que matara o major Vaz e ferira Lacerda e o guarda municipal. Afirmou também que fora contratado por Climério para assassinar o jornalista e que José Antônio Soares, sócio e compadre de Climério, servira de intermediário entre os dois. Alcino acrescentou que ouvira uma conversa entre Climério e Soares, na qual o nome de Lutero Vargas era citado como mandante final da eliminação de Lacerda. Também interrogado, Valente confessou ter recebido ordens de Gregório para fazer chegar às mãos de Climério 50.000 cruzeiros destinados à sua fuga.
Lutero Vargas — que não tinha qualquer implicação no atentado — apresentou-se no mesmo dia à base do Galeão, renunciando à sua imunidade parlamentar e declarando-se pronto a prestar qualquer informação que fosse de utilidade.
Com a confirmação do envolvimento da guarda pessoal do presidente, a oposição intensificou sua campanha contra Getúlio. Na tarde do dia 13, Afonso Arinos, em discurso na Câmara, reiterou seu apelo para que o presidente renunciasse: “Entendo que esta é a solução jurídica. Entendo que é a solução que afastará as possibilidades de subversão, anarquia e golpe.” E, dirigindo-se a Vargas, afirmou: “Tenha a coragem de perceber que seu governo é hoje um estuário de lama e um estuário de sangue; observe que os porões de seu palácio chegaram a ser um vasculhadouro da sociedade; verifique que os desvãos de sua guarda pessoal são como subsolos de uma sociedade em podridão.” Alguns dias depois, começou a circular uma frase atribuída a Vargas que se tornou famosa: “Tenho a impressão de me encontrar sobre um mar de lama.” A bancada udenista na Câmara passou a exigir diariamente a renúncia de Vargas, ao mesmo tempo em que, em plena campanha eleitoral, a UDN utilizava seus comícios para mobilizar a população contra o governo. Era auxiliada nessa tarefa pelos violentos editoriais da Tribuna da Imprensa, assinados por Lacerda, e de quase todos os jornais do país.
Paralelamente, sucediam-se na área militar as reuniões da alta oficialidade das três armas, aumentando as pressões sobre Vargas.
Em 16 de agosto, devido ao clima de oposição ao governo reinante entre os oficiais seus subordinados, o ministro da Aeronáutica renunciou. Nero Moura foi substituído pelo brigadeiro Epaminondas Gomes dos Santos, partidário incondicional de Getúlio e igualmente contrário a seu afastamento.
Vargas perdia gradativamente suas bases de sustentação. Em 17 de agosto, Gustavo Capanema, líder da maioria na Câmara, ainda fez um discurso em sua defesa, rebatendo as acusações que procuravam envolver o presidente e seus familiares na trama do atentado da rua Toneleros e criticando acerbadamente a UDN. Considerou a renúncia de Vargas como “uma exigência não do povo, mas de um partido político” e acusou Carlos Lacerda de instigar as forças armadas ao golpe contra o presidente.
Na madrugada do dia 18, Climério Euribes de Almeida foi detido após intensa perseguição policial. Levado para a Base Aérea do Galeão, Climério confessou ter sido contratado por Gregório Fortunato — preso em 15 de agosto — para eliminar Carlos Lacerda.
Na tarde daquele mesmo dia, um grupo de oficiais da Aeronáutica, liderado pelo coronel Adil, retirou do palácio do Catete o arquivo particular de Gregório, contendo várias cartas e outros documentos. O exame desse material revelou uma série de transações, irregulares promovidas por Gregório e que envolviam, entre outras personalidades, Manuel Vargas, filho do presidente. Essas revelações abalaram ainda mais a imagem do governo Vargas, que perdeu credibilidade mesmo junto aos militares do Exército liderados pelo ministro da Guerra, que até aquele momento se opunham à renúncia do presidente. No Congresso, a bancada majoritária, formada pelo PSD e o PTB, ficou praticamente inerme. A renúncia de Vargas passou a ser vista como desejável ou inevitável pelas forças dominantes do país.
Em 20 de agosto, o vice-presidente Café Filho — que se mantinha numa posição reservada — levou aos chefes militares uma fórmula para resolver o impasse político-institucional. Café Filho já discutira o assunto sigilosamente com Carlos Lacerda num encontro realizado em 11 de agosto no Hotel Serrador, no Rio. Agora, transmitia a Zenóbio da Costa uma sugestão para que, pelas autoridades militares, fosse pleiteada a renúncia do presidente simultaneamente com a sua. Na tarde do dia 20, o alto comando das forças armadas reuniu-se para examinar a proposta, decidindo pela sua rejeição.
No dia 21, as unidades do Exército no Rio entraram em prontidão, e a Aeronáutica e a Marinha determinaram o “estado de alerta”. À tarde, Café Filho propôs pessoalmente a Vargas a renúncia simultânea de ambos, com a posse interina de Carlos Luz, presidente da Câmara, o qual convocaria o Congresso para eleger um novo presidente em 30 dias. Vargas declarou que não estava disposto a renunciar, mas concordou em dar uma resposta definitiva mais tarde.
Em 22 de agosto, os brigadeiros lotados no Rio, em reunião no Clube de Aeronáutica, aprovaram a proposta de Eduardo Gomes de exigir a renúncia do presidente e escolheram o marechal Mascarenhas de Morais, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, para transmitir essa decisão a Getúlio. À noite, Mascarenhas levou a nota da Aeronáutica ao conhecimento do presidente. “Não posso concordar com isso, marechal”, disse Vargas. “Querem me escorraçar daqui como se eu fosse um criminoso. Não pratiquei nenhum crime. Portanto, não aceito essa imposição.” Para tornar mais clara sua determinação, declarou por fim: “Daqui só saio morto. Estou muito velho para ser desmoralizado e já não tenho razões para temer a morte.”
A atitude dos brigadeiros logo chegou ao conhecimento dos generais e almirantes. A alta oficialidade da Marinha, reunida no dia 23, decidiu apoiar a exigência da Aeronáutica.
Faltava o pronunciamento do Exército. Na tarde de 23 de agosto, começou a circular sigilosamente um manifesto assinado por 30 generais, entre os quais Canrobert Pereira da Costa, Juarez Távora, Álvaro Fiúza de Castro, Ângelo Mendes de Morais, Alcides Etchegoyen, Peri Bevilacqua, Humberto de Alencar Castelo Branco, José Machado Lopes e Henrique Lott, endossando a opinião dos brigadeiros. Em seu trecho final, o documento conhecido como Manifesto dos generais dizia o seguinte: “Os abaixo-assinados, oficiais-generais do Exército, conscientes dos seus deveres e responsabilidades perante a nação, ... e solidarizando-se com o pensamento de seus camaradas da Aeronáutica e da Marinha, declaram julgar... como melhor caminho para tranqüilizar o povo e manter unidas as forças armadas a renúncia do atual presidente da República, processando-se sua substituição de acordo com os preceitos constitucionais.”
O quadro se completou naquele mesmo dia 23 com o virtual rompimento de Café Filho com Getúlio, anunciado em discurso no Senado. No início da noite, enquanto o Manifesto dos generais circulava sigilosamente, Vargas pediu a Lourival Fontes que marcasse uma visita oficial ao Amapá e ao Pará para quatro dias depois. Afirmou também a necessidade de ser lançado um manifesto à nação.
O Manifesto dos generais foi transmitido ao ministro da Guerra às 11 horas da noite, obtendo imediatamente o resultado esperado pelos seus autores: abalar a última linha de sustentação militar do presidente, representada por Zenóbio da Costa. Em seu gabinete, pressionado por oficiais antigetulistas, Zenóbio cedeu à idéia de uma licença de Vargas, sugerida pelo marechal Mascarenhas de Morais como solução de compromisso. Em seguida, chamou ao telefone o general Caiado de Castro, no Catete, pedindo-lhe que informasse ao presidente que a situação era muito grave.
À meia-noite de 23 de agosto, Zenóbio e Mascarenhas de Morais, chegaram ao palácio do Catete, sendo recebidos por Getúlio. O ministro da Guerra informou sobre a situação no Exército, agravada pelo Manifesto dos generais, dizendo que só um pequeno número deles era favorável à sua manutenção no governo.
Getúlio mais uma vez se recusou a renunciar. Descartou também a hipótese da licença, mas decidiu discutir imediatamente o assunto com o ministério naquela madrugada de 24 de agosto. Em seguida, enquanto um ajudante-de-ordens convocava pelo telefone os ministros que não se encontravam no palácio, Getúlio pediu que João Goulart subisse aos seus aposentos. Ali entregou a Jango — que deveria partir naquela madrugada para Porto Alegre — um envelope com a seguinte recomendação: “Toma, Jango. Guarda esta carta para ler em casa e leva amanhã para o Rio Grande do Sul.” Seu ex-ministro tomou a carta e guardou-a sem a ler.
Às três horas da madrugada, a reunião ministerial começou com a presença de todos os membros do gabinete, à exceção de Vicente Rao, que se encontrava em São Paulo. Participaram também da reunião familiares do presidente, Alzira, Lutero e Manuel Vargas, o governador Ernâni Amaral Peixoto, seu irmão, o deputado Augusto Amaral Peixoto, e o ex-ministro Danton Coelho.
Getúlio pediu a opinião de cada ministro sobre a melhor fórmula para solucionar a crise. Zenóbio da Costa declarou que poderia resistir, mas que isso “custaria sangue, muito sangue”, e o resultado seria incerto. Segundo Zenóbio, dos 80 generais que serviam no Rio, 37 já haviam assinado o manifesto de apoio aos brigadeiros, virtualmente sublevados. O ministro da Marinha, Renato Guillobel, interveio em seguida: “A Marinha não pensa em levantar-se, nem em depor o presidente, mas já se manifestou ao lado da Aeronáutica.” O brigadeiro Epaminondas admitiu que a situação na Aeronáutica era incontrolável. José Américo falou após a exposição dos ministros militares, exortando o presidente a que “afugentasse com um grande gesto os espectros que nos rondam, sombrios e ameaçadores”, e admitindo expressamente “a renúncia que deveria ser acompanhada de um manifesto à nação, expondo seus motivos”. Apolônio Sales disse que a decisão pertencia ao presidente e que o acompanharia até o fim, disposição repetida por Hugo de Faria. Mário Pinotti e Edgar Santos manifestaram sua solidariedade ao presidente, declarando-se dispostos a acatar a decisão que ele viesse a tomar. Tancredo Neves tentou levantar o ânimo da reunião, defendendo enfaticamente a permanência de Vargas no governo e pedindo aos ministros militares que dessem uma demonstração mais vigorosa de colaboração com o governo.
A essa altura, Getúlio recomendou que “os pronunciamentos fossem mais conclusivos”, a fim de que ele pudesse “tomar uma resolução que representasse, em suma, o pensamento do ministério”. José Américo reiterou seu ponto de vista. Zenóbio da Costa declarou que não hesitaria em prender os generais sublevados e colocar as tropas na rua se recebesse ordens nesse sentido mas repetiu que inevitavelmente haveria derramamento de sangue. Alzira Vargas do Amaral Peixoto interrompeu resolutamente o ministro para declarar que os assinantes do manifesto eram apenas 13, todos generais sem comando e, por isso, incapazes de se rebelar. Alzira fez um apelo à resistência, sendo apoiada por Manuel Vargas, Danton Coelho e pelo general Caiado de Castro. Nesse ponto, o governador Amaral Peixoto, que se ausentara da sala por alguns instantes, voltou à reunião e sugeriu a solução da licença, como conciliatória, no que foi secundado por José Américo. Tancredo Neves fez uma contraproposta, afirmando que o povo deveria ser consultado através do Parlamento.
Osvaldo Aranha falou em último lugar dizendo que no seu ponto de vista só havia três soluções para o caso: “A primeira seria resistência pessoal, ao preço da própria vida e à qual eu obviamente me declarava desde logo solidário; a segunda, exatamente aquela que o presidente desejava evitar, seria um balanço nas forças fiéis para rechaçar militarmente qualquer tentativa contra a Constituição; e afinal restava a solução de renúncia, mas esta seria uma decisão de foro íntimo...”
A essa altura, com os ânimos exaltados, Zenóbio da Costa retirou-se da reunião, declarando que iria organizar a resistência, pôr as tropas na rua e prender os rebeldes. Getúlio, que até então ouvira a todos em absoluto silêncio, tomou a palavra e declarou: “Já que o ministério não chega a nenhuma conclusão, eu vou decidir. Determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se conseguirem, eu apresentarei o meu pedido de licença. No caso contrário, os revoltosos encontrarão aqui dentro do palácio o meu cadáver.” E retirou-se da sala. Zenóbio foi alcançado por Aranha ainda nas escadas e informado da decisão de Vargas.
Depois da saída de Getúlio, os ministros e demais participantes da reunião julgaram conveniente redigir um comunicado anunciando ao povo a decisão adotada. Às 4:45h da madrugada, o país foi informado da resolução do presidente: “Deliberou o presidente Vargas, com integral solidariedade dos seus ministros, entrar em licença, passando o governo a seu substituto legal, desde que seja mantida a ordem, respeitados os poderes constituídos e honrados os compromissos solenemente assumidos perante a nação pelos oficiais-generais das nossas forças armadas. Em caso contrário persistiria inabalável no seu propósito de defender suas prerrogativas constitucionais com o sacrifício, se necessário, de sua própria vida.”
Encerrada a reunião ministerial, alguns ministros, amigos e familiares do presidente permaneceram no palácio em vigília. Zenóbio, Guillobel e Epaminondas retiraram-se para seus ministérios a fim de comunicar a seus oficiais a decisão. Nos jardins do Catete, trincheiras com sacos de areia davam ao palácio o aspecto de uma praça de guerra. Armas automáticas e metralhadoras foram distribuídas aos funcionários. Em seu quarto, o presidente repousava. Em outro ponto da cidade, na sua residência em Copacabana, Café Filho recebia as primeiras congratulações de amigos, líderes políticos e jornalistas.
Vargas teve um sono curto. Às seis horas da manhã, dois militares chegaram ao palácio para informar que Benjamim Vargas estava intimado a comparecer imediatamente à Base Aérea do Galeão a fim de depor perante a comissão que investigava o atentado da rua Toneleros. Benjamim negou-se a cumprir a ordem sem consultar seu irmão. Getúlio ordenou a Benjamim que permanecesse no palácio. “Se quiserem o teu depoimento”, afirmou. “que venham aqui.” Alzira também procurou o pai para informar que alguns oficiais do Exército pediam autorização, para agir em seu nome e prender Juarez Távora e Eduardo Comes. Vargas argumentou que a medida seria inútil àquela altura dos acontecimentos. E retirou-se para seu quarto, onde permaneceu à espera da resposta a seu pedido de licença. Alguns amigos do presidente ainda estavam convencidos de que ele deixaria o governo pelo tempo necessário às investigações do crime da rua Toneleros. Mas, como todos sabiam que a crise era anterior ao crime, poderiam supor que não voltaria.
Às 6:30h da manhã, Zenóbio encontrou-se com os generais oposicionistas no Ministério da Guerra, sendo convencido por estes de que o afastamento do presidente teria de ser definitivo. As primeiras notícias de que os generais se haviam decidido por um ultimato final a Vargas — agora apoiado pelo próprio ministro da Guerra — chegaram ao Catete às sete horas. Benjamim Vargas comunicou ao irmão a decisão dos militares, que significava na prática sua deposição.
Getúlio pediu ao irmão que verificasse a fonte de informação. Às 7:45h, pediu a seu camareiro que chamasse novamente Benjamim. Vinte minutos depois, Benjamim ainda não tinha voltado e Getúlio saiu do quarto, vestido apenas com um pijama, dirigindo-se para seu gabinete de trabalho. Quando retornou ao quarto, um dos mordomos do palácio notou que Vargas segurava algo pesado e volumoso no bolso do casaco do pijama. No quarto, permaneceu sozinho, após ordenar ao camareiro que o deixasse descansar mais um pouco. Às 8:30h, aproximadamente, ouviu-se o estampido. Sua família e seus ajudantes correram para o aposento, mas já o encontraram agonizante.
O presidente Getúlio Vargas tinha disparado um tiro de revólver contra o coração, pondo fim à vida. Sem demonstrar a menor hesitação, Vargas cumprira a advertência feita a seus inimigos: “Se me quiserem depor, só encontrarão o meu cadáver.”
[Ao lado, o pijama que Vargas usava quando suicidou-se. Em frente, o revólver e a bala que o matou. Exposição no Palácio do Catete].
A carta-testamento
Ao lado de seu corpo, numa mesinha de cabeceira, havia a cópia de uma carta com sua assinatura. O documento foi lido em voz alta por Osvaldo Aranha para um grupo de pessoas que se encontrava no palácio do Catete e em seguida transmitido por telefone para a Rádio Nacional. Antes das nove horas da manhã, a mensagem começou a ser irradiada para todo o país.
A Carta-Testamento, dirigida ao povo brasileiro, dizia textualmente:
“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, insultam; não me combatem caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram o meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”
O impacto provocado pelo suicídio de Getúlio e pela imediata divulgação da Carta-Testamento foi imenso. Manifestações populares sucederam-se em todo o país, sobretudo nas grandes cidades. No centro do Rio de Janeiro ocorreram numerosos comícios denunciando o envolvimento norte-americano na morte de Vargas, bem como as responsabilidades da UDN e de toda a oposição. Grupos de centenas de pessoas, armadas de pedaços de madeira e dando vivas ao ex-presidente, percorreram as ruas da cidade, rasgando cartazes de propaganda eleitoral dos candidatos antigetulistas.
As sedes dos jornais O Globo e Tribuna da Imprensa e da Rádio Globo foram atacadas por populares, e dois caminhões de entrega de O Globo foram incendiados. O ataque à embaixada dos Estados Unidos e ao prédio da Standard Oil foi rechaçado à bala por soldados, saindo feridos dois populares. Os edifícios da Light & Power e da Companhia Telefônica também foram atacados.
Em São Paulo, milhares de operários entraram em greve de protesto e promoveram manifestações de rua no centro da cidade. Cerca de 20.000 pessoas tentaram depredar o edifício onde estavam instalados os jornais dos Diários Associados, sendo impedidas por policiais. Em Porto Alegre, populares queimaram as sedes de dois jornais antivarguistas — O Estado do Rio Grande do Sul e o Diário de Notícias — e da Rádio Farroupilha, depredando ainda um banco e o consulado dos Estados Unidos. Em Belo Horizonte e Recife também ocorreram manifestações.
O novo presidente, Café Filho, assumiu o poder na manhã de 24 de agosto, logo após o suicídio de Vargas, prestando juramento no palácio das Laranjeiras, praticamente vazio. “Naquelas primeiras horas”, escreveu Afonso Arinos, “houve um governo sem poder, no palácio das Laranjeiras, e um poder sem governo, nos ministérios militares.”
No palácio do Catete, transformado em câmara ardente, milhares de pessoas foram ver Getúlio pela última vez. Na manhã de 25 de agosto, o corpo de Getúlio Vargas foi levado ao aeroporto Santos Dumont, em cortejo que reuniu a maior multidão da história do Rio, sendo trasladado para São Borja. Durante o cortejo, houve novos incidentes de rua e uma tentativa de depredação das instalações da Aeronáutica, rechaçada a tiros pelos soldados da Força Aérea. Nesse mesmo dia, o presidente Café Filho instalou seu governo no palácio do Catete, dando posse ao novo ministério.
Em 26 de agosto, Getúlio Vargas foi sepultado no túmulo de sua família em São Borja. João Goulart, Tancredo Neves e, por fim, Osvaldo Aranha proferiram emocionados discursos de despedida ao ex-presidente.
O suicídio de Vargas marcou profundamente a vida política nacional. Após meses de pressão sobre Getúlio, a oposição — tornada governo com a posse de Café Filho — viu-se obrigada a recuar frente às dimensões da reação popular. Na opinião de Thomas Skidmore, “durante a sua campanha, os antigetulistas tinham concentrado o fogo do ataque na pessoa de Getúlio. Através do seu ato final de sacrifício, Getúlio neutralizou as vantagens políticas e psicológicas que seus oponentes haviam acumulado”.
A UDN esperava alcançar uma grande vitória nas eleições de outubro de 1954, capaz de lhe permitir — acreditavam os mais otimistas — até mesmo o controle do Congresso. No entanto, as circunstâncias que envolveram a morte de Vargas modificaram o quadro político e a UDN acabou sendo a principal derrotada no pleito, perdendo dez das 84 cadeiras que detinha na Câmara.
Os acontecimentos de 24 de agosto também influenciaram decisivamente o comportamento do PCB. Até o suicídio de Vargas, os comunistas faziam cerradas críticas ao seu governo, acusando-o de submeter-se aos interesses dos Estados Unidos e de recorrer à violência e ao terror contra o povo brasileiro. O PCB mudou radicalmente de atitude após a morte de Getúlio e a divulgação da carta-testamento. Na edição de 25 de agosto de 1954 o jornal comunista Imprensa Popular acusou o “imperialismo norte-americano” de responsável pela morte de Vargas e o governo de Café Filho de ser formado “por agentes furiosos dos monopólios de Wall Street”.
A morte de Vargas, acompanhada da demonstração imediata de seu imenso prestígio, deu novo alento à aliança entre o PSD e o PTB, “a despeito das divergências ideológicas entre seus membros e das tendências de mudança a longo prazo em suas respectivas bases sociais”, como escreveu Maria do Carmo Campelo de Sousa.
A carta-testamento foi imediatamente incorporada ao programa do PTB, que se tornou, por excelência, o depositário da herança política de Vargas.
Apesar de toda a controvérsia sobre a autoria da Carta-Testamento, há razões suficientes para se acreditar na sua autenticidade. Várias pessoas, entre as quais Osvaldo Aranha, Amaral Peixoto, Tancredo Neves, o brigadeiro Epaminondas Gomes dos Santos, declararam ter visto o presidente ler, assinar e guardar cuidadosamente um papel que devia ser a carta. Outro dado fora de discussão é a participação — maior ou menor — na elaboração do documento do jornalista José Soares Maciel Filho, o redator favorito dos discursos de Getúlio. Segundo o depoimento de Lutero Vargas, o jornalista Maciel Filho confirmou que fora realmente ele quem batera à máquina, a pedido de Getúlio, a Carta-Testamento, cujo rascunho lhe fora entregue por seu pai. “Entretanto”, acrescentou Lutero, “afirmou-nos ele que jamais pensou que aquele documento redigido pelo presidente fosse seu testamento político.”
Com essa carta, Vargas transformou seu nome em bandeira do nacionalismo e do trabalhismo nascente, consolidando seu próprio mito. Apesar das mudanças ocorridas no Brasil após 1954 e, sobretudo, a partir de 1964 com a queda de João Goulart, principal herdeiro político de Vargas, seu legado permaneceria, durante muitos anos, como uma das bases da vida política nacional. O ressurgimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), bem como a criação do Partido Democrático Trabalhista (PDT), após a extinção do bipartidarismo em 1979, demonstraram que as idéias do trabalhismo implantado por Vargas ainda encontram ressonância na sociedade brasileira. Nas eleições de 1982 que marcaram o início de um processo de liberalização do regime, o nome de Getúlio voltou a ser pronunciado nos comícios de campanha, dele se valendo até mesmo o presidente João Batista Figueiredo, filho de um antigo opositor de Vargas, o coronel Euclides Figueiredo.
Vários parentes de Getúlio Vargas e elementos ligados à sua família tiveram uma atuação de certo relevo na vida política e administrativa do país. Entre seus filhos, Lutero Sarmanho Vargas foi um dos fundadores do PTB, deputado federal pelo Distrito Federal de 1951 a 1959, deputado à Assembléia Constituinte da Guanabara em 1961, embaixador do Brasil em Honduras em 1962 e no México em 1963. Dedicou-se à profissão de médico ortopedista, após encerrar a carreira política. Alzira Sarmanho Vargas foi auxiliar-de-gabinete da Presidência da República de 1937 a 1945. Pelo seu casamento com Ernâni Amaral Peixoto, passou a assinar-se Alzira Vargas do Amaral Peixoto. A partir da morte de sua mãe (1968), tornou-se presidente da Casa do Pequeno Jornaleiro. Manuel Antônio (Maneco) Sarmanho Vargas foi prefeito de Porto Alegre de 1958 a 1960. Agrônomo, morou sempre no Rio Grande do Sul, dedicando-se à pecuária.
Válder de Lima Sarmanho, irmão de Darci Vargas, foi membro do Gabinete Civil da Presidência da República de 1930 a 1939, embaixador do Brasil no Uruguai de 1958 a 1963, e no Peru, de 1963 a 1964. Ernesto Dornelles, primo de Getúlio, foi interventor no Rio Grande do Sul de 1943 a 1945, deputado constituinte em 1946, senador pelo Rio Grande do Sul de 1946 a 1951, governador do estado de 1951 a 1955 e ministro da Agricultura em 1956. Manuel do Nascimento Vargas Neto, filho de Viriato, irmão mais velho de Getúlio, foi jornalista e escritor e deputado federal pelo Distrito Federal de 1946 a 1951. Serafim Dornelles Vargas, também filho de Viriato, foi general da arma de cavalaria e prefeito de São Borja. Cândida Ivete Vargas Martins, conhecida como Ivete Vargas, neta de Viriato, foi deputada por São Paulo de 1951 a 1969 e presidente a partir de 1981 do novo PTB, pelo qual foi deputada federal por São Paulo em 1983. Iara Lopes Vargas, sobrinha de Espártaco Vargas, outro irmão de Getúlio, foi deputada estadual na Guanabara de 1967 a 1971, e em 1982 elegeu-se deputada estadual no Rio de Janeiro na legenda do PDT.
Ernâni Amaral Peixoto foi interventor no Rio de Janeiro de 1937 a 1945, presidente do Partido Social Democrático de 1952 até sua extinção em 1965, governador do Rio de Janeiro de 1951 a 1955, embaixador do Brasil em Washington de 1957 a 1959, ministro da Viação de 1959 a 1961, ministro extraordinário da Reforma Administrativa em 1963, deputado federal de 1963 a 1971 e senador a partir desse último ano até 1987. Celina Vargas do Amaral Peixoto, filha de Alzira e Ernâni Amaral Peixoto, tornou-se chefe do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas desde sua criação em 1973 até 1990, diretora do Arquivo Nacional, de 1980 a 1990, e superintendente e depois diretora-geral da FGV de 1990 a 1997. Foi casada com Wellington Moreira Franco, deputado federal pelo Rio de Janeiro de 1975 a 1977, governador do Rio de Janeiro de 1987 a 1991 e novamente deputado federal de 1995 a 1999.
A obra publicada de Getúlio Vargas é constituída por discursos e mensagens, reunidos em A nova política do Brasil (1938-1947, 11v.), A política trabalhista do Brasil (1950), A campanha presidencial (1951), O governo trabalhista do Brasil (1952-1969, 4v.) e A política nacionalista do petróleo no Brasil (1964).
Getúlio Vargas foi biografado por dezenas de autores, entre os quais: André Carrazoni, Getúlio Vargas (1939), Paul Frischauer, Presidente Vargas (1943), Barros Vidal, Um destino a serviço do Brasil (1945), Alzira Vargas do Amaral Peixoto, Getúlio Vargas, meu pai (1960), Luís Vergara, Fui secretário de Getúlio Vargas (1960), Afonso Henriques, Ascensão e queda de Getúlio Vargas (1966, 3v.), Richard Bourne, Getúlio Vargas of Brasil, 1883-1954; Sphinx of the pampas (1974), Carlos Heitor Cony, Quem matou Vargas (1974), John W. Foster Dulles, Getúlio Vargas, biografia política (1974), Maria Lúcia Teixeira Werneck Viana, Getúlio Vargas (1974), Raimundo Magalhães Júnior, Getúlio (1976), José Nilo Tavares, Conciliação e radicalização política no Brasil, ensaios de história política (1982) e Paulo Brandi, Vargas: da vida para a história (1983).
A época de Vargas ocupa um lugar destacado nas obras sobre a história brasileira contemporânea em seus mais diversos aspectos políticos, econômicos e sociais, cabendo ressaltar os autores cujos trabalhos têm por marco específico o seu período de governo, como, por exemplo: Hélio Silva, O ciclo de Vargas (1964-1978, 15v.); Edgar Carone, A segunda República 1930-1937 (1937), A República nova 1930-1937 (1976), O Estado Novo 1937-1945 (1976) e A terceira República 1937-1945 (1976); John Wirth, A política de desenvolvimento na era Vargas (1973); Robert M. Levine, O regime de Vargas: os anos críticos, 1934-1938 (1980) e Maria Celina Soares D’Araújo, O segundo governo Vargas: 1951-1954; Democracia, partidos e crise política. Como obras de referência bibliográfica, cumpre citar os trabalhos de Ana Lígia Silva Medeiros e Mônica Hirst, Bibliografia histórica, 1930-1945 (1983) e de Ana Lígia Silva Medeiros e Maria Celina Soares D’Araújo, Vargas e os anos cinqüenta (1983).
Na música popular e na literatura de cordel, Getúlio foi certamente a personalidade política que maior número de composições inspirou. Sua vida também foi retratada no teatro por Dias Gomes e Ferreira Gullar, Dr. Getúlio, sua vida e sua glória (1968). No cinema, contam-se os filmes produzidos por Ana Carolina, Getúlio Vargas, e Jorge Illeli, O mundo em que Getúlio viveu.
Leia mais sobre a filmografia de Getúlio Vargas.
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Seu nome foi dado a três municípios brasileiros. No Rio Grande do Sul, o município de Getúlio Vargas foi criado em 1934 quando o distrito de Erechim foi desmembrado do município de mesmo nome. Em Santa Catarina, o distrito de Nova Breslau, pertencente ao município de Ibirama, passou a ter a denominação de Getúlio Vargas em 1938 e de Presidente Getúlio em 1944. Em 1953, foi elevado à categoria de município com a denominação de Presidente Getúlio. No Maranhão, o município de Presidente Vargas foi criado em 1954 com o desmembramento do distrito de Paranaidji do município de Carolina.
O arquivo particular de Getúlio Vargas encontra-se depositado no Cpdoc, seus diários pessoais foram publicados pelas pesquisadoras Maria Celina D’Araújo, Regina da Luz Moreira e Ângela de Castro Gomes, sob o título Getúlio Vargas: diário (1995, 2v.).
Fonte de pesquisa:
A trajetória de Vargas é traçada em detalhe no texto de Paulo Brandi:
A trajetória de Vargas é traçada em detalhe no texto de Paulo Brandi:
Paulo Brandi. Getúlio Dornelles Vargas. CPDOC | FGV, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, 1996.
O mesmo autor está na coletânea "Getúlio Vargas e seu tempo"
Fonte de pesquisa:
Organizadores: Raul Mendes Silva,
Paulo Brandi Cachapuz e Sérgio Lamarão
LIVRO: GETÚLIO VARGAS E
SEU TEMPO
Rio de Janeiro, 2004, grande formato, ilustrado,
409 págs.
Patrocínio: BNDES
A publicação Getúlio
Vargas e seu tempo foi desenvolvida com o apoio institucional do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por uma equipe
de historiadores, cientistas sociais, economistas e profissionais de outras
formações. Obra coletiva, de caráter sobretudo didático,
representa uma das contribuições do BNDES para o debate
em torno da chamada Era Vargas, tema particularmente atual neste ano em
que se comemora o cinqüentenário do desaparecimento da principal
personalidade política do Brasil no século XX. Entre seus
colaboradores circulam todas as tendências, tratando-se de uma obra
absolutamente plural.
Fontes de pesquisa:
LASSANCE, Antonio. Pelas mãos dos presidentes: construção do Estado e desenvolvimento em uma perspectiva comparada das presidências de Campos Salles e Getúlio Vargas. Tese de Doutorado em Ciência Política. Brasília: Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, 2013.
LASSANCE, Antonio. Pelas mãos dos presidentes: construção do Estado e desenvolvimento em uma perspectiva comparada das presidências de Campos Salles e Getúlio Vargas. Tese de Doutorado em Ciência Política. Brasília: Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, 2013.
LASSANCE, Antonio. Revolução nas políticas públicas: a institucionalização das mudanças na economia, de 1930 a 1945. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 33, n. 71, p. 511-538, jul. 2020. ISSN 2178-1494. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/eh/v33n71/2178-1494-eh-33-71-511.pdf>; <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/81468/78255>. Acesso em: 05 Set. 2020.
Fonte de pesquisa:
Pesquise mais sobre a Era Vargas no Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc)
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