26 agosto 2017

Comparado a Portugal, o Brasil é que virou piada




Enquanto o Brasil segue na contramão, Portugal oferece um bom contraponto para sairmos da crise.


Nenhuma alternativa à austeridade? Essa mentira já foi derrubada
Owen Jones
Leia abaixo trechos (em tradução para o Português) do artigo de Owen Jones, colunista do jornal britâncio The Guardian (No alternative to austerity? That lie has now been nailed).


Desde que os bancos mergulharam o mundo ocidental no caos econômico, nos disseram que apenas cortes de gastos oferecem salvação econômica.
[...]

A metáfora economicamente inculta do orçamento familiar foi empregada incansavelmente - se você não deve gastar mais se estiver endividado, então, por que a nação deveria? - para popularizar uma falácia ideologicamente motivada.

Mas agora,

graças a Portugal, sabemos o quanto falhou a experiência de austeridade aplicada em toda a Europa. 

Portugal foi uma das nações europeias mais atingidas pela crise econômica. Depois de um resgate por uma troika, incluindo o Fundo Monetário Internacional, os credores exigiram rigorosas medidas de austeridade que foram adotadas com entusiasmo pelo então governo conservador de Lisboa.

Os serviços públicos foram privatizados, houve aumento do IVA [imposto sobre o consumo], foi criada uma sobretaxa sobre os rendimentos, os gastos do setor público e as pensões foram reduzidas,  benefícios foram cortados e a jornada de trabalho foi ampliada.

Em um período de dois anos, os gastos com educação sofreram um corte devastador de 23%. Os serviços de saúde e a proteção social também sofreram. As consequências humanas foram terríveis. O desemprego atingiu um pico de 17,5% em 2013; Em 2012, houve um salto de 41% nas falências da empresa; E a pobreza aumentou.

A lógica era que isso tudo era necessário para curar a doença do excesso de gastos.

No final de 2015, esse experimento chegou ao fim. Um novo governo, socialista, com o apoio de partidos de esquerda mais radicais, assumiu o cargo.

O primeiro-ministro, Antônio Costa, prometeu "virar a página da austeridade". Ela havia feito o país retroceder três décadas, disse ele. 

Os opositores do governo predisseram um desastre - "economia vudu", apelidaram. Talvez um outro resgate financeiro seria acionado, levando à recessão e a cortes até mais acentuados.

Antes disso, havia um precedente: o [partido] Syriza havia sido eleito na Grécia apenas alguns meses antes, e as autoridades da zona do euro não estavam dispostas a permitir que essa experiência fosse bem-sucedida. Como Portugal poderia evitar sua própria tragédia grega?

A lógica econômica do novo governo português foi clara. Os cortes haviam suprimido a demanda: para uma recuperação genuína, a demanda teria que ser impulsionada.

O governo prometeu aumentar o salário mínimo, reverter os aumentos de impostos regressivos [ou seja, desfazer a lógica perversa atual de que quem ganha menos - os mais pobres e a classe média - paga mais, e os ricos pagam menos], devolver os salários e as pensões do setor público aos níveis anteriores à crise - os salários de muitos despencaram em 30% - e reintroduzir quatro feriados públicos cancelados. 

A proteção social às famílias mais pobres foi reforçada, enquanto uma taxa sobre bens de luxo foi imposta a casas no valor de mais de 600.000 Euros (£ 550.000).

O desastre prometido não se materializou. 

No outono de 2016 - um ano depois de assumir o poder - o governo poderia se orgulhar de um crescimento econômico sustentado e um salto de 13% no investimento das empresas. E este ano, os números mostraram que o déficit diminuiu mais da metade, para 2,1% - menor do que em qualquer momento desde o retorno da democracia, há quatro décadas.

Na verdade, esta é a primeira vez que Portugal alcançou as metas fiscais da zona do Euro. Enquanto isso, a economia cresceu por 13 trimestres consecutivos.

Durante os anos de cortes de gastos, as organizações de caridade alertaram sobre uma "emergência social". Agora, o governo português pode se apresentar como um modelo para o resto do continente.

"A Europa escolheu a linha de austeridade e teve resultados muito pior", declarou o ministro da economia, Manuel Caldeira Cabral. "O que estamos mostrando é que, com uma política que reúne renda às pessoas de forma moderada, as pessoas ganham mais confiança e retornam investimentos".

Portugal aumentou o investimento público, reduziu o déficit, reduziu o desemprego e trouxe crescimento econômico sustentado. Nos disseram que isso era impossível e francamente delirante. 
[...]
O sucesso de Portugal é inspirador e frustrante. Toda essa miséria humana na Europa - e para que? E a Grécia, onde mais da metade dos jovens caiu no desalento do desemprego, onde os serviços de saúde foram dizimados, onde a mortalidade infantil e o suicídio aumentaram? E a Espanha, onde centenas de milhares foram expulsos de suas casas? E a França, onde a insegurança econômica alimentou o surgimento da extrema direita?

Portugal e Grã-Bretanha também oferecem lições para a social-democracia. Após o colapso dos banqueiros, os partidos social-democratas abraçaram a austeridade. O resultado? Colapso político. Na Espanha, o apoio aos socialistas caiu de 44% para os 20 baixos, enquanto o radical esquerdo de Podemos comeu em seu voto. Na Grécia, o Pasok quase desapareceu como força política. Na França, os socialistas alcançaram pouco mais de 6% na primeira rodada das eleições presidenciais deste ano. E na Holanda, este ano, o Partido Trabalhista caiu de um quarto das votações para menos de 6%.


Em contrapartida, os dois partidos social-democratas que romperam com a austeridade - em Portugal e Grã-Bretanha - agora estão melhores do que quase todos os seus homólogos europeus. Na verdade, as pesquisas mostram os socialistas de Portugal agora a 10 pontos de distância à frente do partido de direita do país.

A austeridade da Europa tem sido justificada com o mantra "não há alternativa", destinada a empurrar a população para a submissão: temos que ser adultos e viver no mundo real, afinal.

Portugal oferece uma forte reprimenda. A esquerda da Europa deve usar a experiência portuguesa para remodelar a União Européia e se contrapor à austeridade em toda a zona do euro. Na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista pode se sentir mais encorajado ao romper com a ordem econômica dos conservadores.

Ao longo da década perdida da Europa, milhões de nós consideramos que haveria uma alternativa. Agora temos a prova.





Leia também:
Portugal está superando crise econômica sem recorrer a fórmulas de austeridade, diz Economist (matéria da BBC).








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No alternative to austerity? That lie has now been nailed



By Owen Jones*, The Guardian.


Ever since the banks plunged the western world into economic chaos, we have been told that only cuts offer economic salvation. When the Conservatives and the Lib Dems formed their austerity coalition in 2010, they told the electorate – in apocalyptic tones – that without George Osborne’s scalpel, Britain would go the way of Greece. The economically illiterate metaphor of a household budget was relentlessly deployed – you shouldn’t spend more if you’re personally in debt, so why should the nation? – to popularise an ideologically driven fallacy.

But now, thanks to Portugal, we know how flawed the austerity experiment enforced across Europe was. Portugal was one of the European nations hardest hit by the economic crisis. After a bailout by a troika including the International Monetary Fund, creditors demanded stringent austerity measures that were enthusiastically implemented by Lisbon’s then conservative government. Utilities were privatised, VAT raised, a surtax imposed on incomes, public sector pay and pensions slashed and benefits cut, and the working day was extended.

In a two-year period, education spending suffered a devastating 23% cut. Health services and social security suffered too. The human consequences were dire. Unemployment peaked at 17.5% in 2013; in 2012, there was a 41% jump in company bankruptcies; and poverty increased. 


All this was necessary to cure the overspending disease, went the logic.
At the end of 2015, this experiment came to an end. A new socialist government – with the support of more radical leftwing parties – assumed office.

The prime minister, António Costa, pledged to “turn the page on austerity”: it had sent the country back three decades, he said. 

The government’s opponents predicted disaster – “voodoo economics”, they called it. Perhaps another bailout would be triggered, leading to recession and even steeper cuts.

[...]

The economic rationale of the new Portuguese government was clear. Cuts suppressed demand: for a genuine recovery, demand had to be boosted.

The government pledged to increase the minimum wage, reverse regressive tax increases, return public sector wages and pensions to their pre-crisis levels – the salaries of many had plummeted by 30% – and reintroduce four cancelled public holidays. Social security for poorer families was increased, while a luxury charge was imposed on homes worth over €600,000 (£550,000).

The promised disaster did not materialise.

By the autumn of 2016 – a year after taking power – the government could boast of sustained economic growth, and a 13% jump in corporate investment. And this year, figures showed the deficit had more than halved, to 2.1% – lower than at any time since the return of democracy four decades ago.

Indeed, this is the first time Portugal has ever met eurozone fiscal rules. Meanwhile, the economy has now grown for 13 successive quarters.
Throughout Europe’s lost decade, millions of us held that there was indeed an alternative. Now we have the proof.




Read the full article at The Guardian.













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24 agosto 2017

A fórmula do semipresidencialismo





O Brasil alterou ou confirmou seu sistema político algumas vezes, por meio de constituintes ou de propostas submetidas à consulta popular, como o plebiscito de 1993 e o referendo de 1963. 

Atualmente, se discute semipresidencialismo como sobremesa dos almoços e jantares no Palácio do Jaburu que reúnem Temer, Gilmar Mendes e os chefes dos partidos - inclusive Aécio, que é a prova viva, muito viva mesmo, da amnésia ética que o país atravessa.

Enquanto eles discutem a fórmula do semipresidencialismo, já temos clareza do que isso significará, pois sabemos bem qual a origem desse plano: é o "grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo". "Grande acordo" é a locução eufemística de golpe usada pelos que se locupletam às claras e às escuras, já faz algum tempo.

O semipresidencialismo que se quer é feito com alguns ingredientes básicos. O principal deles é o "semi":


  • Um congresso semirepresentativo da maioria do povo brasileiro;
  • Semipartidos que são, em sua maioria, meros despachantes dos interesses de corporações empresariais. Depois de uma pausa, os semipartidos estão prontos a ressuscitar o financiamento empresarial de campanha, outro sintoma de como essa amnésia que nos acomete é grave;
  • Semigovernos serão escolhidos a partir de acordos com os semipartidos do semicongresso. Esses semigovernos serão "semi" porque poderão ser varridos ao sabor das oscilações de humor do mercado;
  • Na retaguarda, para que tudo dê certo - sabe-se para quem -, um semijudiciário sem pudores quanto a conflito de interesses, partidarização e comercialização de decisões. O "s" de STF, TSE e STJ não se refere mais a algo supremo ou superior, mas simplesmente a "semi";
  • Órgãos de semicontrole continuarão seu semicombate à corrupção. Sua cruzada contra os infiéis agora será cruzada de pernas. Ao invés de operações, flertes. Tucanos continuarão soltos. Seus processos, se algum ainda restará, continuarão dormindo tranquilamente em alguma gaveta, apenas aguardando a data de prescrição dos crimes de seus distintos autores que, então, poderão posar de inocentes ou, melhor dizendo, semi-inocentes;
  • Uma mídia semi-isenta e "semifake" empacota tudo para a viagem, ao gosto não do freguês, mas dos patrocinadores.

Com tudo pela metade, a mediocridade estará mais que sacramentada, por inteiro.

O que fazer diante de tudo isso?
Quem sabe, a gente semifinge que está em uma semidemocracia e que as coisas estão semimelhorando a cada dia que passa. 



* Antonio Lassance é cientista político.


















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21 agosto 2017

O principal déficit na política macroeconômica é o déficit de bom senso


"... o governo deveria focar suas ações em metas factíveis e gradualistas de gasto, como acontece nas principais economias do mundo. 

Na ausência de bom senso por parte da equipe econômica, caberia ao Congresso interromper a insensatez, mas nesta semana a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou um projeto de lei tornando crime a mudança da meta fiscal no segundo semestre do ano. 

Os autores dessa proeza se esqueceram de proibir, também, a ocorrência de recessões, secas, enchentes, queda de preços de commodities e outros fatores exógenos que afetam a política fiscal." 



Nelson Barbosa, Doutor em economia pela New School for Social Research, foi ministro da Fazenda e do Planejamento (governo Dilma), no artigo "Quando o ajuste fiscal vira austericídio?", Folha, 18/08/2017.










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16 agosto 2017

O Nazismo é de extrema direita (Michel Gherman)


Em textos, posts ou vídeos, a narrativa de uma conspiração esquerdista me faz pensar que estamos diante de um novo surto de extrema direita. O que seria trágico para todos os democratas e liberais, sejam de direita ou de esquerda.


Michel Gherman, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e coordenador do Centro de Estudos Judaicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

Fonte: http://internacional.estadao.com.br/blogs/gustavo-chacra/o-nazismo-e-de-extrema-direita-texto-de-michel-gherman/



Tenho acompanhado debates e discussões sobre a natureza política do nazismo. Com alguma preocupação tenho visto pessoas compartilharem informações segundo as quais o nazismo seria um movimento de esquerda, uma vertente do socialismo, uma forma de marxismo. Eu realmente não pensava que um artigo como esse seria necessário. No início achava que o debate não passava de uma discussão de gente ideologicamente comprometida, um debate sem importância nas redes sociais. Pois bem, não era isso.


Em tempos de “fake News”, versões falseadas de história também devem ser combatidas, sob o risco de se tornarem versões oficiais.

Pessoas que defendem a tese de que o nazismo era de esquerda o fazem baseado em dois argumentos principais, o primeiro deles seria de que o próprio nome do partido de Adolf Hitler continha o termo “socialismo”, o que segundo eles seria uma prova para apontar a identificação do movimento com o marxismo. O segundo argumento seria o de que um certo estatismo nazista aproximaria o nazismo da esquerda política.

Iniciaremos com o primeiro argumento:

A ideia de que o nome de um partido explicitaria, de forma direta e absoluta sua identidade é um exagero e um equivoco. Assim fosse, alguns partidos brasileiros seriam bastante diferentes do que são. O PDS seria um partido de esquerda. O atual PTB estaria, de fato, preocupado com o legado trabalhista e o PPS estaria na extrema esquerda do espectro político. 

Basear a natureza de uma agremiação política apenas em seus títulos remete a um nominalismo banal e irrelevante. Infantiliza o debate e transforma tudo em uma discussão rasa e baixa. Além de demonstrar profundo desconhecimento histórico mesmo.


Me explico:
O Partido Nacional-Socialista dos trabalhadores Alemães, havia sido criado a partir do Partido dos Trabalhadores Alemães, fundado por Anton Drexler. Esse partido desde sempre fora anti –comunista e antissemita e tentava combater o marxismo e os levantes comunistas na Alemanha. Em 1920, Adolf Hitler toma a liderança do partido e o transforma em Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.

Sua intenção era criar um partidos de massas, radicalmente antissemita e anti-comunista. Hitler e os nazistas eram nacionalistas extremistas. Acreditavam na construção de um Estado alemão baseado na raça ariana. Assim, quaisquer perspectivas de classes ou internacionalistas eram consideradas posições inimigas e deviam ser derrotadas. Dessa forma, Hitler percebe o socialismo, o marxismo e o judaísmo como inimigos. Os dois primeiros por falar em luta de classe e internacionalismo, o segundo por ser, segundo ele, cosmopolita.

Não há dúvida, o nacional–socialismo se consolida como movimento de extrema direita, anti-marxista e antissemita.

Agora sobre o segundo ponto, a pretensa aproximação com o socialismo pela perspectiva estatista do Nazismo.

Para além de ser antissemita e anti-comunista, o nazismo sempre fora anti-liberal. Assim, ele não acreditava em políticas universalistas e descentralizadas. O Estado Nazista, contrário a luta de classes, se aproximava de grandes empresas, tinha um discurso anti especulativo e tinha como objetivo a expansão racial, militar e territorial.

Mais uma vez, ao contrário de perspectivas social-democratas, socialistas ou marxistas, a centralização estatal não tinha intenções distributivas, não pretendia combater a desigualdade econômica ou diferenças sociais. Ao contrário, a razão de existência do Estado era manter as diferenças, diferenças raciais. Estabelecer um estado racialmente hegemônico, escravizar e eliminar raças inferiores. Combater e exterminar a oposição que falava em classes sociais.

O nazismo, ao contrário do socialismo, não intencionava a abolição da propriedade privada e nem a coletivização dos meios de produção. O nazismo gostaria de garantir a arianização da economia, buscava ter alianças com grandes empresas verdadeiramente alemães e buscava construir um estado corporativo. 

O nazismo constituía-se assim, como modelo de capitalismo excludente e estatal. Nada mais distante do que qualquer posição à esquerda.

Mas não se enganem, nada mais distante, também, de qualquer posição de direita liberal. O nazismo era um movimento de extrema–direita, o que em sua natureza é distinto da direita liberal e democrática.

Por fim, gostaria de afirmar o vínculo do nazismo com teorias conspirativas da história. O complô judaico-marxista era constantemente denunciado por Adolf Hitler em discursos e textos. Não havia, nesse sentido, espaço para o livre pensar.

Todos estavam vinculados a alguma conspiração e deviam ser delatados ao Estado. Assim, não havia espaço para uma esquerda liberal, para a social democracia, para o socialismo não marxista. Ser de esquerda era, segundo as teses nazistas, ser vinculado ao complô judaico-bolchevique. Ser marxista era ser parte da conspiração judaico-comunista.

Devo dizer que o que mais me preocupa nessa onda que tenta vincular o nazismo a esquerda é que percebo esta mesma tentativa. A ideia de conspiração também está presente hoje. Em textos, posts ou vídeos, a narrativa de uma conspiração esquerdista me faz pensar que estamos diante de um novo surto de extrema direita. O que seria trágico para todos os democratas e liberais, sejam de direita ou de esquerda.











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02 agosto 2017

Podres poderes: pesquisas mostram como o Estado brasileiro tem se mantido como um negócio de pai para filho


  • Seis em cada 10 parlamentares têm parentes na política;
  • 17 ministros do presidente Michel Temer são provenientes de clãs políticos;
  • 16 dos 26 prefeitos de capitais eleitos em 2016 são de conhecidas famílias de políticos;
  • No Supremo Tribunal Federal, 8 dos 11 ministros têm parentes influentes na área do Direito;
  • Metade dos 14 integrantes da força-tarefa da Lava Jato também tem familiares que são ou foram procuradores, juízes ou desembargadores.


Esses e outros dados coligidos são oriundos de pesquisas coordenadas pelo professor doutor em ciência política, Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

Oliveira é um dos maiores especialistas em evidenciar o peso dos laços de família, para não dizer dos tentáculos familiares, nos mais diversos ramos do Estado brasileiro. É autor de Estado, classe dominante e parentesco no Paraná (Blumenau: Nova Letra, 2015. 386 páginas). (Leia a resenha de Luciana Walter a respeito). 

No livro, mostra como as relações de poder tomam a forma de teia, misturando e confundindo o público e o privado e enredando as organizações do Estado e suas instituições em um jogo de cartas marcadas. 

Assim como Renato Perissinotto e Adriano Codato, Oliveira é parte do projeto que transformou a Federal do Paraná no maior centro de estudos sobre genealogia das elites do país. São também do Observatório das Elites Políticas e Sociais do Brasil.

Antes disso, em O Silêncio dos Vencedores (2001), Oliveira mostrava como o Paraná havia se tornado um dos estados mais caracteristicamente dominados por um grupo pequeno de famílias que se reproduzem no poder. 

Em A Teia do Nepotismo (2011), traçou como a rede de relações familiares se associa à criação de privilégios, formas de patronagem e clientelismo político. Dessa forma, não apenas o governo ou a política, mas o Estado inteiro acaba viciando o sistema - que deveria existir e ser efetivo - de controles públicos entre os poderes. 

A conclusão sobre o risco institucional de conluio entre os Poderes é muito coincidente com as da tese de doutorado de Luciana Zaffalon (Fundação Getúlio Vargas, 2017), Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional

Zaffalon analisa o caso de São Paulo e demonstra como se anulou o contrapeso que deveria existir contra abusos de parte a parte. Na medida em que grupos de amigos e familiares se encastelam em pontos distintos do aparelho do Estado, longe de se vigiarem mutuamente, preferem - como disse Sérgio Machado a Jucá - o "grande acordo".

Essas relações tão próximas, mais estritamente familiares, no caso do Paraná, facilmente descambam para serem hipocritamente defendidas como se fossem os interesses maiores da República. Não passam da mais rasteira promiscuidade de valores ideológicos e fisiológicos conservadores. O alto comando do Estado, longe de afirmar, na política, a soberania popular, e na burocracia, o mérito profissionalna verdade tem alimentado uma classe com pretensões a casta.

Oliveira recentemente organizou, no 18º Congresso Brasileiro de Sociologia (julho de 2017, Brasília), um grupo de trabalho (GT 33) intitulado Família, Instituições e Poder. Em sua 2ª Sessão, foi apresentado o trabalho Prosopografia Familiar da Operação "Lava Jato" e do Ministério Temer. O nome prosopografia se refere ao método de construção de biografias coletivas. Serve à análise da trajetória pessoal e das relações com o exercício do poder e com a acumulação de riqueza por parte de coletividades como, por exemplo, famílias.  (Sobre o tema: Almeida, 2011).

Uma das histórias contadas pelo grupo de estudiosos foi relatada por Fernando Horta no artigo As Dinastias do Poder e a Luta de Classes (GGN, 2017). É bastante elucidativa e diz respeito a dois dos maiores superstars da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro e o procurador - que é também comentarista de Facebook - Carlos Fernando dos Santos Lima.

Diz Horta: 

Um ponto interessante, levantado pelos pesquisadores, é o fato de que não apenas Moro e Yousseff estiveram presentes no processo do Banestado (2003-2004), em que as lideranças do PSDB, PP e do PFL (atual DEM) estavam envolvidas em crimes de corrupção e financeiros. Os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima, Januário Paludo e Orlando Martello Junior, que fazem parte da Lava a Jato também estavam naquele processo. E, pasmem, os policiais federais Marcio Anselmo e Érika Mialik também. [...]

O caso do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima é ainda mais constrangedor. Carlos é filho do deputado estadual da ARENA, Osvaldo Santos. Deputado, promotor e presidente da assembleia em 73, apoiador da ditadura militar. Segundo os pesquisadores, Carlos foi casado com Vera Márcia que é “ex-funcionária” do Banco Banestado. E que atuava no banco, nas mesmas agências investigadas pela ação do Banestado, nas mesmas funções investigadas durante todo o período que seu esposo fazia as investigações. Depois, Vera Márcia, ainda casada com o procurador foi transferida para a Agência da Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu, apenas a agência com maior suspeita de fraudes e ilicitudes.

Sobre Moro, os pesquisadores levantam a já conhecida e estranha formação acadêmica “a Jato”, mas se detêm em sua esposa. Rosângela Wolff de Quadros “fez parte do escritório de advocacia Zucolotto Associados, em Maringá (...) que defende várias empresas petrolíferas estrangeiras”. Afora todas as relações da genealogia de Rosângela com a elite estatal paranaense, os pesquisadores levantam que Rosângela Moro é prima do prefeito Rafael Greca de Macedo e – agora vem a pérola de ironia histórica – “ambos descendem do Capitão Manoel Ribeiro de Macedo, preso pelo primeiro Presidente da Província do Paraná por acusações de corrupção e desvio de bens públicos em instalações estatais”. Para os que não lembram, Greca é o prefeito que tem nojo do cheiro de pobre.

Tanto Moro quanto Rosângela Wolff têm parentes desembargadores no Paraná, afora as relações com Flávio Arns e Marlus Arns, que atuaram como advogados de réus da Lava a Jato. Os pesquisadores falam da “lucrativa indústria advocatícia da Lava a Jato” em que Moro prende e conhecidos dele e de sua esposa são contratados para tentar soltar os réus. A preços módicos, claro.


Se Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e tribunais de contas se veem capturados por patriarcas, matriarcas e seus filhotes, os pesos e contrapesos são substituídos, como diz o bordão consagrado no STF, pelo escárnio e pelo cinismo. E ainda existe muita gente boa que achava que estávamos sendo salvos por heróis, e não patrocinando um festim de vilões.








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