- Seis em cada 10 parlamentares têm parentes na política;
- 17 ministros do presidente Michel Temer são provenientes de clãs políticos;
- 16 dos 26 prefeitos de capitais eleitos em 2016 são de conhecidas famílias de políticos;
- No Supremo Tribunal Federal, 8 dos 11 ministros têm parentes influentes na área do Direito;
- Metade dos 14 integrantes da força-tarefa da Lava Jato também tem familiares que são ou foram procuradores, juízes ou desembargadores.
Esses e outros dados coligidos são oriundos de pesquisas coordenadas pelo professor doutor em ciência política, Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Oliveira é um dos maiores especialistas em evidenciar o peso dos laços de família, para não dizer dos tentáculos familiares, nos mais diversos ramos do Estado brasileiro. É autor de Estado, classe dominante e parentesco no Paraná (Blumenau: Nova Letra, 2015. 386 páginas). (Leia a resenha de Luciana Walter a respeito).
No livro, mostra como as relações de poder tomam a forma de teia, misturando e confundindo o público e o privado e enredando as organizações do Estado e suas instituições em um jogo de cartas marcadas.
Assim como Renato Perissinotto e Adriano Codato, Oliveira é parte do projeto que transformou a Federal do Paraná no maior centro de estudos sobre genealogia das elites do país. São também do Observatório das Elites Políticas e Sociais do Brasil.
Antes disso, em O Silêncio dos Vencedores (2001), Oliveira mostrava como o Paraná havia se tornado um dos estados mais caracteristicamente dominados por um grupo pequeno de famílias que se reproduzem no poder.
Em A Teia do Nepotismo (2011), traçou como a rede de relações familiares se associa à criação de privilégios, formas de patronagem e clientelismo político. Dessa forma, não apenas o governo ou a política, mas o Estado inteiro acaba viciando o sistema - que deveria existir e ser efetivo - de controles públicos entre os poderes.
A conclusão sobre o risco institucional de conluio entre os Poderes é muito coincidente com as da tese de doutorado de Luciana Zaffalon (Fundação Getúlio Vargas, 2017), Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional.
Zaffalon analisa o caso de São Paulo e demonstra como se anulou o contrapeso que deveria existir contra abusos de parte a parte. Na medida em que grupos de amigos e familiares se encastelam em pontos distintos do aparelho do Estado, longe de se vigiarem mutuamente, preferem - como disse Sérgio Machado a Jucá - o "grande acordo".
Essas relações tão próximas, mais estritamente familiares, no caso do Paraná, facilmente descambam para serem hipocritamente defendidas como se fossem os interesses maiores da República. Não passam da mais rasteira promiscuidade de valores ideológicos e fisiológicos conservadores. O alto comando do Estado, longe de afirmar, na política, a soberania popular, e na burocracia, o mérito profissional, na verdade tem alimentado uma classe com pretensões a casta.
Oliveira recentemente organizou, no 18º Congresso Brasileiro de Sociologia (julho de 2017, Brasília), um grupo de trabalho (GT 33) intitulado Família, Instituições e Poder. Em sua 2ª Sessão, foi apresentado o trabalho Prosopografia Familiar da Operação "Lava Jato" e do Ministério Temer. O nome prosopografia se refere ao método de construção de biografias coletivas. Serve à análise da trajetória pessoal e das relações com o exercício do poder e com a acumulação de riqueza por parte de coletividades como, por exemplo, famílias. (Sobre o tema: Almeida, 2011).
Uma das histórias contadas pelo grupo de estudiosos foi relatada por Fernando Horta no artigo As Dinastias do Poder e a Luta de Classes (GGN, 2017). É bastante elucidativa e diz respeito a dois dos maiores superstars da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro e o procurador - que é também comentarista de Facebook - Carlos Fernando dos Santos Lima.
Diz Horta:
Um ponto interessante, levantado pelos pesquisadores, é o fato de que não apenas Moro e Yousseff estiveram presentes no processo do Banestado (2003-2004), em que as lideranças do PSDB, PP e do PFL (atual DEM) estavam envolvidas em crimes de corrupção e financeiros. Os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima, Januário Paludo e Orlando Martello Junior, que fazem parte da Lava a Jato também estavam naquele processo. E, pasmem, os policiais federais Marcio Anselmo e Érika Mialik também. [...]
O caso do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima é ainda mais constrangedor. Carlos é filho do deputado estadual da ARENA, Osvaldo Santos. Deputado, promotor e presidente da assembleia em 73, apoiador da ditadura militar. Segundo os pesquisadores, Carlos foi casado com Vera Márcia que é “ex-funcionária” do Banco Banestado. E que atuava no banco, nas mesmas agências investigadas pela ação do Banestado, nas mesmas funções investigadas durante todo o período que seu esposo fazia as investigações. Depois, Vera Márcia, ainda casada com o procurador foi transferida para a Agência da Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu, apenas a agência com maior suspeita de fraudes e ilicitudes.
Sobre Moro, os pesquisadores levantam a já conhecida e estranha formação acadêmica “a Jato”, mas se detêm em sua esposa. Rosângela Wolff de Quadros “fez parte do escritório de advocacia Zucolotto Associados, em Maringá (...) que defende várias empresas petrolíferas estrangeiras”. Afora todas as relações da genealogia de Rosângela com a elite estatal paranaense, os pesquisadores levantam que Rosângela Moro é prima do prefeito Rafael Greca de Macedo e – agora vem a pérola de ironia histórica – “ambos descendem do Capitão Manoel Ribeiro de Macedo, preso pelo primeiro Presidente da Província do Paraná por acusações de corrupção e desvio de bens públicos em instalações estatais”. Para os que não lembram, Greca é o prefeito que tem nojo do cheiro de pobre.
Tanto Moro quanto Rosângela Wolff têm parentes desembargadores no Paraná, afora as relações com Flávio Arns e Marlus Arns, que atuaram como advogados de réus da Lava a Jato. Os pesquisadores falam da “lucrativa indústria advocatícia da Lava a Jato” em que Moro prende e conhecidos dele e de sua esposa são contratados para tentar soltar os réus. A preços módicos, claro.
Se Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e tribunais de contas se veem capturados por patriarcas, matriarcas e seus filhotes, os pesos e contrapesos são substituídos, como diz o bordão consagrado no STF, pelo escárnio e pelo cinismo. E ainda existe muita gente boa que achava que estávamos sendo salvos por heróis, e não patrocinando um festim de vilões.
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