Em textos, posts ou vídeos, a narrativa de uma conspiração esquerdista me faz pensar que estamos diante de um novo surto de extrema direita. O que seria trágico para todos os democratas e liberais, sejam de direita ou de esquerda.
Fonte: http://internacional.estadao.com.br/blogs/gustavo-chacra/o-nazismo-e-de-extrema-direita-texto-de-michel-gherman/
Tenho acompanhado debates e discussões sobre a natureza política do nazismo. Com alguma preocupação tenho visto pessoas compartilharem informações segundo as quais o nazismo seria um movimento de esquerda, uma vertente do socialismo, uma forma de marxismo. Eu realmente não pensava que um artigo como esse seria necessário. No início achava que o debate não passava de uma discussão de gente ideologicamente comprometida, um debate sem importância nas redes sociais. Pois bem, não era isso.
Em tempos de “fake News”, versões falseadas de história também devem ser combatidas, sob o risco de se tornarem versões oficiais.
Pessoas que defendem a tese de que o nazismo era de esquerda o fazem baseado em dois argumentos principais, o primeiro deles seria de que o próprio nome do partido de Adolf Hitler continha o termo “socialismo”, o que segundo eles seria uma prova para apontar a identificação do movimento com o marxismo. O segundo argumento seria o de que um certo estatismo nazista aproximaria o nazismo da esquerda política.
Iniciaremos com o primeiro argumento:
A ideia de que o nome de um partido explicitaria, de forma direta e absoluta sua identidade é um exagero e um equivoco. Assim fosse, alguns partidos brasileiros seriam bastante diferentes do que são. O PDS seria um partido de esquerda. O atual PTB estaria, de fato, preocupado com o legado trabalhista e o PPS estaria na extrema esquerda do espectro político.
Basear a natureza de uma agremiação política apenas em seus títulos remete a um nominalismo banal e irrelevante. Infantiliza o debate e transforma tudo em uma discussão rasa e baixa. Além de demonstrar profundo desconhecimento histórico mesmo.
Me explico:
O Partido Nacional-Socialista dos trabalhadores Alemães, havia sido criado a partir do Partido dos Trabalhadores Alemães, fundado por Anton Drexler. Esse partido desde sempre fora anti –comunista e antissemita e tentava combater o marxismo e os levantes comunistas na Alemanha. Em 1920, Adolf Hitler toma a liderança do partido e o transforma em Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.
Sua intenção era criar um partidos de massas, radicalmente antissemita e anti-comunista. Hitler e os nazistas eram nacionalistas extremistas. Acreditavam na construção de um Estado alemão baseado na raça ariana. Assim, quaisquer perspectivas de classes ou internacionalistas eram consideradas posições inimigas e deviam ser derrotadas. Dessa forma, Hitler percebe o socialismo, o marxismo e o judaísmo como inimigos. Os dois primeiros por falar em luta de classe e internacionalismo, o segundo por ser, segundo ele, cosmopolita.
Não há dúvida, o nacional–socialismo se consolida como movimento de extrema direita, anti-marxista e antissemita.
Agora sobre o segundo ponto, a pretensa aproximação com o socialismo pela perspectiva estatista do Nazismo.
Para além de ser antissemita e anti-comunista, o nazismo sempre fora anti-liberal. Assim, ele não acreditava em políticas universalistas e descentralizadas. O Estado Nazista, contrário a luta de classes, se aproximava de grandes empresas, tinha um discurso anti especulativo e tinha como objetivo a expansão racial, militar e territorial.
Mais uma vez, ao contrário de perspectivas social-democratas, socialistas ou marxistas, a centralização estatal não tinha intenções distributivas, não pretendia combater a desigualdade econômica ou diferenças sociais. Ao contrário, a razão de existência do Estado era manter as diferenças, diferenças raciais. Estabelecer um estado racialmente hegemônico, escravizar e eliminar raças inferiores. Combater e exterminar a oposição que falava em classes sociais.
O nazismo, ao contrário do socialismo, não intencionava a abolição da propriedade privada e nem a coletivização dos meios de produção. O nazismo gostaria de garantir a arianização da economia, buscava ter alianças com grandes empresas verdadeiramente alemães e buscava construir um estado corporativo.
O nazismo constituía-se assim, como modelo de capitalismo excludente e estatal. Nada mais distante do que qualquer posição à esquerda.
Mas não se enganem, nada mais distante, também, de qualquer posição de direita liberal. O nazismo era um movimento de extrema–direita, o que em sua natureza é distinto da direita liberal e democrática.
Por fim, gostaria de afirmar o vínculo do nazismo com teorias conspirativas da história. O complô judaico-marxista era constantemente denunciado por Adolf Hitler em discursos e textos. Não havia, nesse sentido, espaço para o livre pensar.
Todos estavam vinculados a alguma conspiração e deviam ser delatados ao Estado. Assim, não havia espaço para uma esquerda liberal, para a social democracia, para o socialismo não marxista. Ser de esquerda era, segundo as teses nazistas, ser vinculado ao complô judaico-bolchevique. Ser marxista era ser parte da conspiração judaico-comunista.
Devo dizer que o que mais me preocupa nessa onda que tenta vincular o nazismo a esquerda é que percebo esta mesma tentativa. A ideia de conspiração também está presente hoje. Em textos, posts ou vídeos, a narrativa de uma conspiração esquerdista me faz pensar que estamos diante de um novo surto de extrema direita. O que seria trágico para todos os democratas e liberais, sejam de direita ou de esquerda.
O Brasil precisa de uma opinião pública melhor informada, atenta e democrática.
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