30 março 2015

Extrema direita cresce, envenena debate político e coloca em xeque avanços democráticos e dos direitos humanos

Quem acha o golpismo pequeno e o extremismo minúsculo se esquece de que eles jamais precisaram de maioria para prevalecer.







O desrespeito ao voto, ao devido processo legal e aos direitos humanos não é algo normal, não é nada democrático e está longe de ser inofensivo. Merece o mais ferrenho combate com as armas da crítica, antes que essa seja ameaçada pela crítica das armas.



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16 março 2015

Golpismo sim, senhor

Manifestações do dia 15: uma marcha golpista, antidemocrática, hipócrita, financiada empresarialmente, comandada pelos partidos que perderam as eleições e coalhada de gente irritada que quer apenas desabafar, mas não faz a menor ideia dos interesses que estão por trás do convite que receberam para protestar.



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12 março 2015

Um bando criminoso tem tirado o sono de pessoas inocentes e mal informadas






um boato, que se espalha pela milésima vez, é de que o governo está preparando um confisco do dinheiro que as pessoas guardam em bancos.

Ao contrário do que houve no Plano Collor, não há mais como fazer confisco da poupança ou de conta corrente. A Constituição brasileira proíbe expressamente a prática.


Uma emenda constitucional, aprovada em ​​2001, aboliu definitivamente a única maneira possível de se realizar confiscos.

O artigo 62 da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, proíbe a edição de Medida Provisória pelo Governo Federal “que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”.

Confira:

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32, DE 11 DE SETEMBRO DE 2001

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III – reservada a lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.





​Fonte: Constituição Federal http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm


​Leia, confira, informe-se e denuncie  para a Polícia Federal quem espalha boatos que constituem crimes contra a organização do trabalho, o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira (Art. 109, inciso VI).







 
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11 março 2015

Mostra 'Múltiplo Leminski' exibe artefatos materiais e imateriais do poeta em seu processo criativo


 
Mais de 330 mil pessoas já viram a mostra que, além de objetos pessoais e manuscritos, traz gravações com a voz de Leminski. 

O sucesso da exposição demonstra também como o gosto pela poesia pode estar mais forte do que nunca entre os brasileiros, a ponto de as listas de "best sellers" estarem cada vez mais frequentadas por poetas.


Leminski teve sua obra completa editada recentemente pela Companhia das Letras.


Além de poesia concreta, Leminski era apaixonado por haikais.
 
O poeta, nascido em Curitiba em 1944, morreu em 1989.
 
Matéria do Estadão traz detalhes sobre a mostra. Leia.
 
 
M. de memória

Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.
 
 







 
MdeMaluTAPC
 
 
 

04 março 2015

Presidência Juscelino Kubitschek (1956-1961)



Juscelino KUBITSCHEK
Deputado Federal MG 1935-1937; constituinte 1946; dep. fed. MG 1946-1950; governador MG 1951-1955; presidente da República 1956-1961; senador GO 1961-1964.

Fonte: CPDoc FGV.

Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em Diamantina (MG) no dia 12 de setembro de 1902, filho de João César de Oliveira e de Júlia Kubitschek.
Seu pai, após experimentar o garimpo, foi delegado de polícia e fiscal de rendas do município, embora tenha-se dedicado, primordialmente, à profissão de caixeiro-viajante.
Sua mãe, professora primária desde 1898, lecionava no distrito de Palha, percorrendo a pé, diariamente, extensa distância. Entre seus ascendentes que ocuparam posição política de relevo, destaca-se seu tio-avô João Nepomuceno Kubitschek, senador constituinte estadual em Minas em 1891 e vice-presidente do estado de 1894 a 1898, durante a presidência estadual de Crispim Jacques Bias Fortes.
Após a morte prematura de seu pai por tuberculose, sua mãe, recusando qualquer auxílio familiar para a educação dos dois filhos — Maria da Conceição, conhecida por Naná, e Juscelino, cujo apelido era Nonô —, pediu transferência para o município de Grupiara, obtendo permissão para residir na própria escola em que passaria a lecionar. Ali, tendo a mãe como professora, Juscelino concluiu o curso primário. A seguir, por não haver ginásio em Diamantina e por não possuir recursos para estudar em Belo Horizonte, obteve redução nas taxas de matrícula e ingressou no seminário diocesano daquela cidade, em 1914. Durante o período em que ali permaneceu, foi coroinha na igreja de Nossa Senhora da Luz. Com 15 anos incompletos, concluiu o curso de humanidades, abandonando então o seminário, já que não sentia vocação para o sacerdócio. Diante da precária situação financeira de sua mãe e estando decidido a cursar a Faculdade de Medicina, preparou-se sozinho para ir a Belo Horizonte e prestar ali os exames preparatórios. Entretanto, em conseqüência da gripe espanhola, em 1918 foram instituídos, em caráter de emergência os “exames por decreto”. Por essa medida, o estudante matriculado em qualquer colégio do país poderia requerer o certificado e prestar quatro exames de uma só vez. Aproveitando a oportunidade, Juscelino cumpriu as exigências e prestou esses exames em Diamantina. Embora bem-sucedido, restavam-lhe ainda oito provas para ingressar no curso superior. Em 1919, a Repartição Geral dos Telégrafos abriu concurso para o cargo de telegrafista. Tendo Juscelino demonstrado interesse em concorrer a uma vaga, sua mãe vendeu a única jóia que possuía e custeou sua viagem a Belo Horizonte. Embora tenha sido bem classificado, Juscelino foi obrigado a praticar o código Morse durante algum tempo antes de ser nomeado para o cargo. Iniciou então em Diamantina esse aprendizado e ainda em dezembro de 1919 prestou mais dois exames preparatórios no Ginásio Mineiro, em Belo Horizonte, nos quais foi aprovado. Um ano depois, mudou-se para a capital mineira, passando a viver de uma pequena mesada que a mãe lhe enviava. Concluiu o treinamento de código Morse e prestou mais quatro exames preparatórios, sendo porém reprovado em geometria. Nomeado finalmente, em maio de 1921, telegrafista-auxiliar, decidiu ingressar em um curso preparatório. Nessa época conheceu Júlio Soares, então estudante de medicina que mais tarde casaria com sua irmã Naná e exerceria grande influência em sua vida. Em dezembro completou os exames preparatórios no ginásio de Barbacena e, um mês depois, após prestar exame vestibular, matriculou-se na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. Para garantir seu sustento, Juscelino manteve o emprego de telegrafista durante os seis anos de curso. Um de seus colegas de ofício era José Maria Alkmin, com quem estabeleceu uma amizade que se iria estreitar ao longo dos anos. No exercício da medicina Diplomando-se em dezembro de 1927, Juscelino foi convidado por Júlio Soares para ser seu assistente na Clínica Cirúrgica da Santa Casa de Misericórdia, em Belo Horizonte, e também para ser sócio de seu consultório particular. Permanecendo vinculado à Faculdade de Medicina como assistente da cadeira de física médica, regida pelo professor Baeta Viana, acrescentou ainda a essas atividades, pouco mais tarde, a de médico da Caixa Beneficente da Imprensa Oficial, cargo para o qual foi nomeado por interferência de Alkmin, subdiretor do órgão durante o governo de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1926-1930). Juscelino apoiou o movimento da Aliança Liberal, que lançou a chapa Getúlio Vargas-João Pessoa à sucessão presidencial disputada em março de 1930. Nesse pleito saiu-se porém vitoriosa a chapa situacionista, composta por Júlio Prestes e Vital Soares. Em abril daquele ano, reunindo as economias feitas no exercício da medicina, Juscelino seguiu para Paris com o objetivo de especializar-se em urologia. Fez o curso do professor Maurice Chevassu no hospital Cochin e, aproveitando a ocasião, visitou alguns países europeus, bem como do Oriente Médio. Encontrava-se ainda no exterior quando eclodiu a Revolução de 3 de Outubro de 1930. Ao regressar, em fins de novembro, Getúlio Vargas, em decorrência da vitória do movimento, já havia assumido a chefia do Governo Provisório da República. Olegário Maciel, graças à participação de Minas, fora o único governante estadual eleito antes da revolução mantido no poder. Além de reassumir seus empregos em Belo Horizonte, Juscelino montou seu próprio consultório. Em 1931, por intermédio de seu futuro concunhado, Gabriel Passos, na época secretário particular de Olegário, foi nomeado para integrar o corpo de médicos do Hospital Militar da Força Pública do estado, ficando a seu cargo organizar o Serviço de Laboratório e Pesquisas. Quando esse departamento foi instituído, passou a chefiar o Serviço de Urologia, no posto de capitão-médico. Em 30 de dezembro de 1931, casou-se com Sara Gomes de Lemos, pertencente a família de grande prestígio no estado. Seu sogro, Jaime Gomes de Sousa Lemos, vinculado ao Partido Republicano Mineiro (PRM), representara Minas na Câmara Federal de 1912 a 1922. Sara era ainda prima de Francisco Negrão de Lima, que viria a ser ministro da Justiça de 1951 a 1953, prefeito do Distrito Federal de 1956 a 1958, ministro das Relações Exteriores de 1958 a 1959 e governador da Guanabara de 1965 a 1971, e de Otacílio Negrão de Lima, que ocuparia o Ministério do Trabalho em 1946 e seria deputado federal de 1955 a 1959. Em decorrência da intensificação dos conflitos entre as oligarquias paulistas e o governo federal, eclodiu a Revolução Constitucionalista em São Paulo em 9 de julho de 1932. Durante os primeiros dias da conflagração, o governo mineiro permaneceu indeciso, hesitando em ordenar a mobilização da Força Pública. Em 15 de julho, Olegário Maciel definiu a posição de Minas, manifestando apoio ao Governo Provisório. No dia seguinte, as tropas mineiras foram enviadas para o sul do estado a fim de conter o avanço das forças paulistas na região. Enquanto médico do Hospital Militar, Juscelino embarcou junto com o 1º Batalhão da Força Pública, sob o comando do tenente-coronel Francisco de Campos Brandão, com destino à Zona do Túnel (nome dado à região ao sul de Minas na serra da Mantiqueira, fronteira com São Paulo, onde fora constituído um túnel ferroviário). Em Passa Quatro (MG) recebeu ordens para instalar um hospital de sangue, devido ao grande número de baixas ocorridas. Era o único médico do pequeno hospital, que funcionava em condições precárias, por falta de recursos. Nessa ocasião, estabeleceu amizade com Benedito Valadares, que exercia a função de delegado federal na região. Diante de pressão crescente das forças legalistas, na noite de 12 para 13 de setembro os rebeldes abandonaram o palco de luta no setor do Túnel. Juscelino foi então incumbido de transferir os feridos de Passa Quatro para Guaxupé e Varginha (MG), cidades que dispunham de maiores recursos médicos. Após executar essa tarefa, obteve permissão para retornar a Belo Horizonte. O movimento revolucionário, porém, só foi sufocado em 2 de outubro, com a capitulação dos paulistas. Com o falecimento súbito de Olegário Maciel em 5 de setembro de 1933, agitou-se o cenário político mineiro para a escolha de seu sucessor. Os principais concorrentes eram Gustavo Capanema, que assumiu interinamente o cargo, e Virgílio de Melo Franco. Em 12 de dezembro, Vargas deu uma solução inesperada ao caso, nomeando Benedito Valadares interventor federal. Este, ao tomar posse no dia seguinte, convidou Juscelino para exercer a chefia de seu Gabinete Civil. Aceitando o convite, Juscelino abandonou a atividade médica, inclusive a tese que vinha elaborando para concorrer a uma cátedra na Faculdade de Medicina. O ingresso na política No exercício da chefia do Gabinete Civil de Valadares, Juscelino tornou-se uma espécie de “advogado” das causas de seu município natal. Com a ajuda de Israel Pinheiro, então secretário da Viação e Obras Públicas do estado, conseguiu verba extra para construir uma ponte que ligaria Diamantina à cidade de Rio Vermelho, centro comercial da região. Esta foi a primeira obra pública executada por sua iniciativa. Em abril de 1934, por influência de Valadares, filiou-se ao Partido Progressista de Minas Gerais (PP), então chefiado por Antônio Carlos, com o objetivo de concorrer ao cargo de deputado federal nas eleições de outubro seguinte. O PP, organização situacionista fundada em fevereiro de 1933 para concorrer às eleições daquele ano à Assembléia Nacional Constituinte (ANC), tivera como principais orientadores até então Olegário Maciel e Benedito Valadares. Em setembro de 1934, Juscelino foi indicado por Antônio Carlos para ocupar a secretaria do partido. Realizadas as eleições em 14 de outubro, Juscelino obteve o maior número de votos dados a um candidato à Câmara Federal por Minas Gerais. Abandonando então o Gabinete Civil do governo mineiro, iniciou o mandato em maio do ano seguinte. Por outro lado, as eleições federais coincidiram com os pleitos para as assembléias constituintes estaduais, as quais elegeriam governadores e senadores. Contando com o apoio unânime dos deputados do PP, que constituíam a maioria, Benedito Valadares foi eleito governador constitucional do estado. Deputado federal — 1935-1937 Ante a necessidade de permanecer no Rio de Janeiro, então capital da República, Juscelino licenciou-se do cargo que ocupava no Hospital Militar, bem como as funções que exercia na Santa Casa de Misericórdia em Belo Horizonte. Por solicitação de Valadares, na madrugada de 27 de novembro de 1935, quando eclodiu no Rio de Janeiro o levante comunista articulado pela Aliança Nacional Libertadora, Juscelino ordenou ao coronel João de Mendonça Lima, diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil, que fosse retido em Minas o expresso que deveria partir às seis horas para a capital federal. O objetivo de Valadares era aproveitar o comboio, como de fato o fez, para enviar tropas mineiras para reforçar a guarnição federal na repressão ao movimento. O levante foi sufocado naquele mesmo dia. Interessado em conquistar a chefia política de Diamantina e, tendo em vista as eleições municipais de 1936, Juscelino desenvolveu naquele município ampla campanha em favor dos candidatos a vereador do PP, bem como da candidatura de Joubert Guerra à prefeitura. Além de percorrer os 15 distritos do município, utilizou, como estratégia para angariar votos, visitas pessoais a inúmeros eleitores da cidade. Conseguindo eleger por seu partido 11 dos 15 vereadores distritais, e garantir assim o cargo de prefeito a Joubert Guerra, conquistou a chefia política do município. Em fins de fevereiro de 1937, em meio aos debates sobre a sucessão presidencial a ser disputada em janeiro do ano seguinte, Juscelino foi incumbido por Valadares de comunicar a José Américo de Almeida que Minas apoiaria sua candidatura à presidência da República. Durante o encontro, Juscelino decidiu, por iniciativa própria, apelar ao político paraibano para que este assegurasse desde logo seu apoio ao futuro candidato do governo à sucessão mineira, já que as eleições estaduais se realizariam quase imediatamente após a posse do presidente a ser eleito. Embora na ocasião José Américo tenha rejeitado a proposta, argumentando que preferia manter uma posição de neutralidade em relação às sucessões estaduais, no dia seguinte declarou a Juscelino que estava disposto a acatá-la. Em 25 de maio de 1937 foi lançada oficialmente a candidatura de José Américo, para concorrer com a de Armando de Sales Oliveira, governador de São Paulo, que fora indicado pelo Partido Constitucionalista e tinha caráter de oposição ao governo federal. Entretanto, discordando das idéias apregoadas por José Américo durante sua campanha e percebendo o anseio de Vargas em permanecer no poder, Valadares decidiu, em setembro, retirar o apoio dado àquela candidatura. Endossando as idéias continuístas do presidente, que contava com o apoio dos altos escalões militares, Valadares participou das articulações golpistas para a mudança do regime e a reforma constitucional que garantiriam a Vargas permanecer no poder. Segundo seu próprio depoimento, ao perceber as intenções do governador mineiro, Juscelino, a quem repudiava a idéia do golpe que provocaria a derrocada das instituições democráticas, procurou inutilmente demovê-lo daquele propósito. Em princípios de novembro, ao tomar ciência que o golpe seria deflagrado no dia 15 daquele mês, Juscelino tratou de reiniciar suas atividades médicas, retornando a seu consultório, que havia emprestado a um colega, Célio de Oliveira. Diante da agitação reinante no cenário político, Vargas, com o apoio das forças armadas, antecipou o golpe para o dia 10 de novembro. Fechando nesse dia o Congresso Nacional, instituiu o Estado Novo e assumiu poderes ditatoriais. Juscelino perdeu seu mandato na Câmara e Valadares, como a grande maioria dos governadores, permaneceu na chefia do Executivo mineiro na condição de interventor. Retorno à medicina Ainda no dia 10 de novembro, Juscelino reassumiu as funções de chefe do Serviço de Urologia do Hospital Militar em Belo Horizonte. Segundo declarações posteriores, as divergências que tivera com Valadares não haviam sido de caráter pessoal, mas de natureza política. Assim, conservando a chefia política de Diamantina, agia junto ao interventor para conseguir verbas extras para o município. Considerando ter perdido a destreza nas operações após três anos de afastamento da profissão, Juscelino praticou à noite, durante três meses, técnicas de cirurgia com cadáveres no anfiteatro anatômico da Faculdade de Medicina. Em fins de 1938, foi promovido a tenente-coronel da Força Pública e, simultaneamente, nomeado chefe do Serviço de Cirurgia do Hospital Militar. Conforme afirma em suas memórias, adquiriu a partir dessa época grande prestígio no exercício da medicina, conseguindo reunir considerável patrimônio. Em fevereiro de 1940, foi convidado por Valadares para assumir o cargo de prefeito de Belo Horizonte. Durante a entrevista, negou-se a aceitar a nomeação, por não desejar, mais uma vez, afastar-se da medicina. Entretanto, segundo suas memórias, dois meses depois do convite inicial, ou seja, no dia 15 de abril de 1940, tomou conhecimento de que Valadares mandara publicar no Minas Gerais, órgão oficial do estado, o decreto de sua nomeação para a prefeitura da capital. Considerando o fato consumado, Juscelino tomou posse no cargo no dia seguinte, em substituição a José Osvaldo de Araújo. Prefeito de Belo Horizonte Embora ocupando o cargo de prefeito, Juscelino permaneceu na chefia do Serviço de Cirurgia do Hospital Militar, onde continuou a operar todas as manhãs, e assumiu ainda a chefia do Serviço de Urologia da Santa Casa de Misericórdia. Além dessas atividades, proporcionava, pessoalmente, assistência médica a numerosas famílias pobres. Só abandonaria o exercício da medicina no início de 1945, quando passou a dedicar-se exclusivamente à vida política. Segundo seu depoimento, Juscelino adotou como norma em sua administração dois princípios básicos: comparecer diariamente a todas as frentes de trabalho que fossem abertas e proceder à formação dos “comitês de bairro” para debater com os moradores os problemas locais. Semanalmente visitava um desses comitês. Preocupado em remodelar a cidade de Belo Horizonte, Juscelino promoveu também o asfaltamento de suas principais vias públicas, como as avenidas Afonso Pena e do Contorno. Abriu grandes avenidas que, ligando a avenida do Contorno à área suburbana, formariam as radiais, ou “bocas”, permitindo o acesso ao sistema rodoviário estadual. Dedicou-se às obras de infra-estrutura da cidade, removendo e ampliando as redes de esgoto e abastecimento de água. Ampliou o bairro de Lurdes e criou o de Sion, o bairro-modelo de Cidade Jardim e o bairro dos Industriários, conjunto residencial destinado às classes trabalhadoras. Construiu o conjunto arquitetônico de Pampulha, que passou a constituir um dos principais pontos de atração turística da cidade, erigindo ali uma capela em homenagem a São Francisco com projeto de Oscar Niemeyer e pinturas e afrescos de Cândido Portinari. A pequena igreja, por sua arquitetura e decoração arrojada, suscitou indignação por parte do arcebispo dom Antônio Cabral. Os críticos da obra acusavam também o arquiteto e o pintor de comunistas e, portanto, inaceitáveis para a edificação de um templo católico. A luta que Juscelino travou para o seu reconhecimento iria prolongar-se por 17 anos. Somente em abril de 1959, após a designação de dom José de Resende Costa para arcebispo de Belo Horizonte é que o problema seria resolvido, com a doação do templo à Mitra Arquidiocesana. Ainda por iniciativa de Juscelino, a Fazenda Velha — última construção que restava do Curral del Rei, local onde foi erguida Belo Horizonte — foi tombada como patrimônio histórico, sendo ali instalado um museu. Finalmente, em sua administração foi fundada a Escola de Arquitetura e a de Belas Artes que, mais tarde, seriam integradas à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em abril de 1941 Juscelino foi convidado para ocupar a presidência da Sociedade da Cultura Inglesa de Belo Horizonte. No exercício desse cargo, proferiu inúmeros discursos em favor da causa dos países aliados envolvidos na Europa na Segunda Guerra Mundial. Depois que, pressionado pela oposição civil e militar ao Estado Novo, Vargas assinou em 28 de fevereiro de 1945 o Ato Adicional prevendo a realização de eleições gerais, Juscelino passou, ao lado de Benedito Valadares, a mobilizar a opinião pública de Belo Horizonte em favor do governo com o objetivo de vencer as eleições. Estas seriam afinal marcadas para o dia 2 de dezembro daquele ano. Diante da indicação pelos setores oposicionistas da candidatura Eduardo Gomes à presidência da República, Benedito Valadares, com o apoio de Vargas e políticos favoráveis ao governo, como Juscelino, passou a patrocinar o lançamento da candidatura do ministro da Guerra, o general Eurico Dutra, para disputar as eleições. Em março de 1945, quando os agrupamentos que dariam origem aos novos partidos políticos já se organizavam, Juscelino participou ativamente dos trabalhos de criação do Partido Social Democrático (PSD), que seria formado principalmente em torno dos interventores, com o apoio de Vargas. A convenção para o lançamento do PSD em Minas se realizou em 8 de abril, quando foi aprovada a indicação de Dutra como candidato do partido às eleições presidenciais. Escolhido primeiro-secretário da seção mineira do PSD, foi encarregado de instalar em Belo Horizonte a sede regional do partido e proceder às filiações. Dando início a esta última incumbência, reuniu em seu gabinete os presidentes dos “comitês de bairro” que, na sua quase totalidade, protestaram irrestrita solidariedade, prontificando-se a ingressar de imediato no PSD. Juscelino passou a visitar com maior freqüência os bairros, entrando de casa em casa para doutrinar pessoalmente os eleitores. A primeira convenção nacional do PSD, realizada em 17 de julho de 1945, homologou a candidatura de Eurico Dutra. No dia 8 de outubro, com a presença deste, reuniu-se em Belo Horizonte a comissão executiva do PSD mineiro, com o objetivo de indicar os candidatos do partido à ANC. Dentre os concorrentes às cadeiras de deputado federal, foi lançado o nome de Juscelino Kubitschek. Este, convertendo os antigos “comitês de bairro” em seções do PSD, intensificou o processo de filiação partidária, conseguindo alistar imenso número de eleitores. Com a deposição de Vargas pelas forças armadas em 29 de outubro, assumiu o poder o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro José Linhares. Uma de suas primeiras medidas foi substituir os interventores por representantes do Poder Judiciário e afastar os antigos prefeitos. Valadares foi então substituído pelo presidente do Tribunal de Justiça de Minas, Nísio Batista de Oliveira, e Juscelino, pelo engenheiro João Gusmán Júnior. José Linhares tratou também de baixar um decreto, estabelecendo que as eleições estaduais não se processariam juntamente com as federais, mas somente após ser promulgada a nova Constituição. De volta à Câmara — 1946-1950 O resultado do pleito de 2 de dezembro de 1945 conferiu ampla vitória ao PSD tanto em nível estadual como nacional. O partido conseguiu eleger 26 senadores contra dez da União Democrática Nacional (UDN) e dois da coligação UDN-Partido Republicano (PR), além de 151 deputados federais, contra 80 da UDN, e três da coligação UDN-PR. Dutra conquistou a presidência da República, derrotando por larga margem de votos o candidato udenista Eduardo Gomes. Juscelino Kubitschek foi o segundo candidato mais votado em seu estado, iniciando o mandato ao se instalar a Constituinte em 5 de fevereiro de 1946. Receoso de que Dutra, ao assumir o mandato, nomeasse um de seus adversários políticos para a prefeitura de Belo Horizonte, Juscelino conseguiu convencer o presidente eleito a nomear para o cargo o engenheiro Pedro Laborne Tavares que, enquanto diretor de obras da prefeitura de Belo Horizonte, havia sido um de seus mais eficientes colaboradores. Promulgada a nova Carta em 18 de setembro de 1946, a Assembléia Constituinte foi transformada em Congresso ordinário, permanecendo Juscelino no exercício de seu mandato na Câmara Federal. Fixadas as eleições para os governos estaduais no dia 19 de janeiro do ano seguinte, alguns líderes pessedistas que formavam a chamada “ala liberal” passaram a articular a candidatura do ministro da Justiça, Carlos Luz, à chefia do Executivo mineiro. Entretanto, após diversas reuniões, a “ala ortodoxa” do PSD, da qual Juscelino fazia parte, sob a liderança de Valadares, decidiu indicar José Francisco Bias Fortes, o que ocasionou uma cisão no seio da comissão executiva. Em meio a essa situação, os líderes dos antigos “comitês de bairro” iniciaram uma campanha em favor da candidatura de Juscelino, espalhando cartazes por toda Belo Horizonte com a frase: “Queremos Juscelino.” Diante do movimento que se avolumava, Juscelino convocou uma reunião com aqueles líderes, convencendo-os da impossibilidade de concorrer ao governo do estado em virtude do compromisso que havia firmado em relação à candidatura Bias Fortes. A fragmentação ocorrida no seio do PSD propiciou a vitória do candidato udenista Mílton Campos, que contou com o apoio dos pessedistas dissidentes. No dia 24 de janeiro de 1947, antes mesmo da publicação oficial dos resultados das eleições, Valadares foi substituído na presidência do PSD por Nereu Ramos, o qual havia sido eleito pela Constituinte vice-presidente da República. A partir de março de 1947, Juscelino desencadeou franca oposição ao governo de seu estado. No exercício de seu mandato na Câmara Federal, participou da Comissão Permanente de Transporte e Comunicação. De maio a julho de 1948, viajou aos Estados Unidos e Canadá. Segundo suas memórias, essa viagem teria exercido grande influência em suas concepções políticoadministrativas, por convencê-lo de que o Brasil só atingiria um pleno desenvolvimento através de uma industrialização intensa e diversificada. Ao regressar, dedicou-se, com êxito, a tarefa de unificação do PSD em Minas, exortando os dissidentes à coesão no seio do partido para que tivessem início as conversações sobre as sucessões presidencial e estadual a serem disputadas em 3 de outubro de 1950. Em meados de 1949, diante das divergências quanto à sucessão presidencial, os políticos mineiros decidiram tentar estabelecer uma reconciliação partidária. Gabriel Passos representando a UDN, Mário Brant o PR e Juscelino Kubitschek o PSD, elaboraram um manifesto que foi entregue a Dutra, consubstanciando um esquema de união de todos os partidos nacionais para a escolha do candidato à presidência. O chamado “acordo mineiro”, do qual participaram todos os partidos em Minas, com exceção do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mostrou-se inviável, dele resultando inclusive a renúncia de Nereu Ramos — que insistia em impor sua candidatura — à presidência nacional do PSD. O partido passou então a ser presidido por Benedito Valadares. Optando pela tese da candidatura partidária, a UDN lançou oficialmente, em 18 de abril de 1950, a candidatura de Eduardo Gomes. No dia 15 de maio, a comissão executiva do PSD nacional indicou Cristiano Machado como candidato do partido, lançando oficialmente essa candidatura em início de junho. Oficializado o congraçamento do PSD no plano federal, as discussões passaram a girar em torno da escolha do candidato do partido para o governo de Minas. Existiam aí duas correntes: a que apoiava Juscelino e a que se inclinava por Bias Fortes. Em 10 de junho, a comissão executiva do PSD mineiro promoveu três reuniões para a escolha do candidato ao governo do estado. Após acirrada disputa, Euvaldo Lodi, coordenador da candidatura Bias Fortes, propôs com sucesso que naquele dia fosse designada uma subcomissão de cinco membros, que, após discutir o assunto no Rio, submeteria seu veredicto à comissão executiva estadual. Acolhida a sugestão, Benedito Valadares foi escolhido presidente dessa subcomissão, da qual também faziam parte Fernando de Melo Viana, Euvaldo Lodi, Ovídio de Abreu e Israel Pinheiro. Juscelino e Bias Fortes firmaram então compromisso de acatar qualquer que fosse a resolução, a fim de evitar dissidência no seio do PSD. Embora Bias Fortes contasse com o apoio do presidente Dutra e do general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, Juscelino, além de encontrar-se em situação de maior vantagem no seio da subcomissão, conseguiu, por intermédio do senador Artur Bernardes Filho, o apoio do PR à sua candidatura. Alegando a necessidade de ser preservada a unidade do PSD, bem como o fortalecimento da candidatura Cristiano Machado, Góis Monteiro apelou a Bias Fortes e a Juscelino para que concordassem em devolver à comissão executiva do partido o poder de escolher o candidato. Com a concordância dos dois, em meados de julho foi extinta a subcomissão. A reunião da comissão executiva do PSD ocorreu em 20 de julho, tendo Kubitschek sido escolhido por 13 votos contra dez dados a Bias Fortes. Nesse mesmo dia a UDN realizou sua convenção, escolhendo Gabriel Passos, concunhado de Juscelino, como candidato do partido ao governo do estado. A candidatura de Juscelino foi finalmente homologada em 30 de julho, durante a convenção do PSD mineiro. Ainda em julho o PTB lançou a candidatura Getúlio Vargas à presidência da República. Contando com apenas dois meses para desenvolver sua campanha, Juscelino decidiu realizar concentrações nos centros-chave de cada região do estado particularmente no chamado Triângulo Mineiro, no sul e oeste de Minas, e na Zona da Mata, visitando ao todo, 168 municípios. Por inspiração de Pedro Calmon, então reitor da Universidade do Brasil, adotou o slogan “Binômio energia e transportes”, que sintetizava seus objetivos administrativos. Além do PR, Juscelino passou a contar com o apoio do Partido Trabalhista Nacional (PTN), do Partido Social Progressista (PSP), do Partido Social Trabalhista (PST) e do Partido Operário Trabalhista (POT). Em meados de agosto, Juscelino entrevistou-se com Vargas e este, enquanto presidente nacional do PTB, declarou estar disposto a apoiar sua candidatura. Juscelino porém, segundo suas memórias, declinou desse apoio, alegando que, caso o aceitasse, ficaria em posição moral insustentável, pois, enquanto secretário-geral da comissão executiva do PSD, estava amplamente comprometido com o candidato de seu partido, Cristiano Machado. Rogou entretanto ao expresidente, no que seria prontamente atendido, que este não interferisse na questão da sucessão estadual, dando ampla liberdade de voto aos trabalhistas mineiros. Por outro lado, a candidatura Vargas esvaziou de certa forma a de Cristiano Machado, pois ponderáveis setores do PSD desviaram o voto para o ex-presidente, num movimento que ficou conhecido como “cristianização”. Nas eleições de 3 de outubro, Getúlio Vargas elegeu-se presidente da República, derrotando por larga margem de votos Cristiano Machado e Eduardo Gomes. Juscelino Kubitschek conquistou o governo mineiro, obtendo 714.364 votos, contra 544.086 dados a Gabriel Passos. Em 2 de janeiro de 1951, em entrevista com Juscelino, Vargas declarou sua intenção de governar acima dos partidos, mas em estreita cooperação com os governadores. Desse modo, não iria proceder à “antiga política dos governadores, mas a uma política com os governadores”. Em 31 daquele mês, Vargas e Juscelino tomaram posse nos cargos para os quais haviam sido eleitos.

No governo de Minas 1951-1955 Ao formar seu secretariado, Juscelino recrutou José Maria Alkmin para a Secretaria de Finanças, Pedro Braga para a do Interior, Tristão da Cunha para a da Agricultura, José Esteves Rodrigues para a da Viação e Obras Públicas, Mário Ladeira para a da Saúde e Odilon Braga para a de Educação. Por sua indicação, Vargas nomeou para a pasta da Justiça Francisco Negrão de Lima. Como a base de sua administração seria o binômio energia e transporte, Juscelino escolheu também de imediato os responsáveis por esses setores: Lucas Lopes, que já havia exercido a diretoria da Comissão do Vale do São Francisco, ficou encarregado do item energia enquanto o engenheiro Celso Murta foi nomeado para a diretoria do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem. Tendo como meta prioritária retirar Minas da posição de estado agropastoril e lançá-la na fase da industrialização, a despeito de uma situação financeira precária marcada por uma dívida volumosa, Juscelino desdobrou o plano inicial em duas etapas: a) eletrificação e estradas, e b) industrialização. O plano relativo à energia elétrica, em linhas gerais, previa o estímulo à iniciativa privada e através de uma política tarifária de incentivo a novas inversões o estabelecimento de um fundo de eletrificação. Em meados de 1951, Juscelino designou técnicos para elaborar o projeto de construção da usina de Salto Grande, no rio Santo Antônio, providenciou o início das obras da usina de Itutinga, que iria abastecer as regiões do oeste e do sul do estado, ordenou a construção da barragem de Cajuru, que ampliaria o potencial energético da capital, determinou o aumento da potencialidade da usina Pai Joaquim, em benefício de Uberaba, tomou medidas para a conclusão da usina de Governador Valadares e deu início ao projeto de construção da usina do Paredão, no Alto Paranaíba. Ainda nesse ano, teve início a construção da usina de Pandeiros, destinada a servir a área norte do estado, a qual só seria no entanto concluída quando Juscelino já exercia a presidência da República. Para a realização dessas obras, Juscelino incentivou a formação de companhias de economia mista de caráter regional — sociedades anônimas a serem posteriormente colocadas sob o controle de um organismo centralizador — a primeira das quais foi a do Médio Rio Doce. Surgiram, em seguida, a Companhia de Eletricidade do Alto Rio Grande e a Central Elétrica do Piauí. Quase simultaneamente, foi vinculada à formação do capital dessas companhias de economia mista uma quota da Taxa de Recuperação do Estado, pelo período de cinco anos. Partindo da organização das sociedades regionais e entrosando-as umas com as outras, Juscelino procedeu, em setembro de 1951, à formação de uma holding, as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), que permitiria, inclusive, a ampliação da área coberta pelo plano inicial. Como os gastos mínimos para a constituição da Cemig foram estimados em um bilhão de cruzeiros da época, ou seja, o total da receita do estado, Juscelino conseguiu os fundos necessários recorrendo aos empresários que, interessados em intensificar o processo de industrialização no estado, mostraram-se dispostos a cooperar no empreendimento. Para a execução desse programa, foram também de fundamental importância os financiamentos que Juscelino obteve junto ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Organizada a Cemig em curto espaço de tempo, Juscelino nomeou Lucas Lopes para presidente da Companhia. Durante o período de 1952 a 1956, a Cemig realizaria a implantação do sistema elétrico para o atendimento às indústrias e no período subseqüente, isto é, de 1956 a 1960, estenderia seus serviços às cidades e vilas do interior mineiro. Lançadas as bases da eletrificação do estado, Juscelino empenhou-se em promover a industrialização. Interessado em construir uma usina siderúrgica em Minas Gerais e diante da falta de recursos, tratou de atrair um grupo financeiro do exterior e, através de concessões de natureza fiscal, atraí-lo para o empreendimento. O grupo seria a Mannesmann — organização siderúrgica alemã —, que já mostrara interesse em investir capital no Brasil. A Mannesmann exigia no entanto uma garantia de suprimento energético tão elevada que, na época — outubro de 1951 —, representava praticamente a metade de todo o consumo do estado. Apesar de Lucas Lopes se manifestar contrário ao acordo devido a essa exigência, Juscelino decidiu, de imediato, assinar o contrato de instalação da siderúrgica. A usina seria construída na cidade industrial de Contagem, nos arredores de Belo Horizonte. Quanto ao item transportes, o programa rodoviário tinha por objetivo fazer a ligação entre as regiões do estado, as quais mantinham-se até então isoladas umas das outras. Com a garantia da parte da quota do Fundo Rodoviário Nacional correspondente a Minas Gerais, foi possível lançar inicialmente uma concorrência para obras no valor correspondente a 25 milhões de dólares, pagáveis em oito anos. Em seguida, Juscelino firmou com a Impex, de Paris, um convênio no total de 20 milhões de dólares, para a aquisição de equipamentos e maquinarias essenciais às obras. Além disso, graças ao bom relacionamento que mantinha com o governo Vargas, em 1952 o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) concedeu a Minas uma verba de 528 milhões de cruzeiros, quantia que representava mais de 1/4 da despesa total do estado em 1951. Durante seu mandato, Juscelino construiu 16 estradas-tronco, num total de 3.087km, que não só permitiram a integração das várias regiões de Minas, como facilitaram o acesso aos estados vizinhos. Cuidou também de criar e aparelhar tecnicamente o setor da viação aérea, objetivando a criação de uma rede aeroviária. Para centralizar essa tarefa instituiu, em 1951, o Departamento de Viação Aérea de Minas Gerais. Ao final de seu qüinqüênio, Minas já contava com 75 campos de pouso em condições de receber aviões de porte médio.

Em relação à agricultura, o governo Juscelino estabeleceu uma política de crédito aos agricultores, de forma a lhes facilitar a compra de equipamentos mecanizados e de implementos agrícolas. Além disso estabeleceu um sistema de empréstimos de tratores a baixo custo aos fazendeiros. As necessidades de fertilizantes conduziriam à fundação da Fertisa Fertilizantes de Minas Gerais S.A. — cujo objetivo era a fabricação de adubos, com o aproveitamento das jazidas de apatita de Arrasa e do potássio de Poços de Caldas. Em relação à pecuária, o estado desenvolveu um sistema de empréstimos de reprodutores de raça aos pecuaristas. Com o intuito de incrementar esse setor da economia, Juscelino criou, em dezembro de 1951, a Frigias Companhia de Frigoríficos de Minas Gerais, para a industrialização da carne e subprodutos dos rebanhos bovino e suíno, a qual só seria inaugurada em 1959, quando já ocupava a presidência da República. Além dessas realizações, Juscelino construiu 120 postos de saúde, 137 prédios escolares, 251 pontes, duas faculdades de medicina, uma de direito, uma de farmácia e odontologia, cinco conservatórios de música e uma escola de belas-artes. Em abril de 1954 ocorreu o arrombamento da represa de Pampulha, arrastando casas, pontes e ruas inteiras. Graças às providências tomadas pelo governo, os moradores das inúmeras casas e barracos situados à jusante da barragem foram evacuados a tempo. Aquele recanto paisagístico só seria reinaugurado em janeiro de 1958 durante o período de Juscelino na presidência da República. Na madrugada de 5 de agosto de 1954, foi assassinado na rua Toneleros, no Rio, o majoraviador Rubens Vaz, num atentado cujo alvo era o jornalista Carlos Lacerda, forte opositor de Vargas. O início do inquérito revelou o envolvimento no crime de membros da guarda pessoal do presidente, o que intensificou a crise por que passava o governo aumentando as pressões políticas e militares sobre Vargas, com o objetivo de levá-lo a abandonar o poder. Diante desses fatos, Juscelino, que havia convidado Vargas para a inauguração do conjunto Mannesmann, fixada para o dia 14 de agosto, achou conveniente adiar o evento, temeroso de que a ausência do presidente da capital da República pudesse agravar a situação política nacional. Vargas, porém, decidiu embarcar para a capital mineira no dia marcado. A chegada do presidente a Belo Horizonte ocorreu em clima de normalidade, em virtude das providências tomadas por Juscelino para evitar manifestações de repúdio planejadas pela UDN local e organizações estudantis, notadamente a dos alunos da Faculdade de Direito. Após as solenidades, Vargas recebeu no palácio da Liberdade inúmeros sindicalistas que lhe declararam sua solidariedade. Nos dias seguintes intensificaram-se as pressões sobre o governo e as soluções apontadas no meio político para contornar a crise giravam em torno de uma licença presidencial ou da renúncia. A questão foi porém encerrada com o suicídio de Vargas na manhã do dia 24. Nesse mesmo dia assumiu o poder o vice-presidente da República, João Café Filho. A candidatura à presidência Anunciando a necessidade de um congraçamento partidário, Café Filho, ao compor seu ministério, solicitou a presença de Juscelino no Rio para que este indicasse um titular para uma das pastas. Juscelino indicou Lucas Lopes, que foi então nomeado para o Ministério da Viação e Obras Públicas. Essa nomeação desagradou alguns líderes pessedistas, como Ernâni Amaral Peixoto, presidente do partido, Gustavo Capanema e José Maria Alkmin, que achavam que o PSR deveria negar qualquer colaboração ao novo governo devido à forte aproximação deste com os udenistas. Ainda em fins de agosto, Juscelino foi convocado por Nereu Ramos para uma reunião do PSD no Rio de Janeiro, à qual estaria presente o governador de Pernambuco, Etelvino Lins. Este, durante o encontro, expôs o seu ponto de vista, acatado por alguns líderes do partido, entre os quais Nereu Ramos, Benedito Valadares e o governador paulista, Lucas Nogueira Garcez, favorável a um adiamento das eleições legislativas fixadas para 3 de outubro próximo, rogando a Juscelino que concordasse com a idéia. Etelvino argumentava que, realizado sob o impacto do suicídio de Vargas, o pleito poderia levar a uma votação em massa nos candidatos do PTB, o que poderia gerar uma reação militar. Juscelino refutou com veemência essa sugestão, a qual seria dias depois, também repudiada por Café Filho, por considerá-la um atentado contra a instituições. Juscelino declarou ainda que, enquanto governador de Minas Gerais, lançaria mão de todo o poder que lhe conferia o cargo para impedir que o calendário eleitoral fosse alterado. As eleições foram realizadas na data prevista, apresentando um resultado que não alterou de forma significativa a composição do Congresso. O PSD e o PTB registraram pequenos avanços, passando respectivamente de 112 para 114 e de 51 para 56 cadeiras, enquanto a UDN perdeu dez cadeiras, reduzindo sua representação de 84 para 74 congressistas. Por aquela época já se tornara público que Juscelino pretendia concorrer no ano seguinte ao pleito presidencial. No dia 12 de outubro, Juscelino declarou em entrevista à imprensa que os debates sobre a questão sucessória deveriam ter início logo cabendo ao PSD encabeçar as discussões devido à sua vitória nas eleições daquele mês. Dias depois, aceitando o convite de Café Filho, seguiu para o Rio a fim de discutir essa questão. Durante o encontro, o presidente expôs com entusiasmo a tese levantada por Etelvino Lins de uma união interpartidária para a escolha de um candidato único à presidência. Juscelino, considerando que essa era a posição defendida pelos militares que gravitavam em torno do Catete com o objetivo de impedir sua candidatura, não se pronunciou. Ao expor em seguida a diversos líderes do PSD a proposta do presidente, embora declarasse estar disposto a acatar a resolução do partido qualquer que fosse ela, afirmou que, em sua opinião, os interesses partidários deveriam ser examinados com frieza, cabendo ao PSD apresentar o candidato de sua preferência. Alguns dias depois, Tancredo Neves, atendendo a solicitação feita por Osvaldo Aranha, seguiu para Belo Horizonte com a missão de entrar em entendimentos com Juscelino para a formação de uma aliança PTB-PSD de apoio à candidatura deste, procurando assim enfraquecer a posição dos udenistas e militares no processo sucessório. Apesar de acatar a idéia de imediato, Juscelino preferiu discuti-la primeiramente com seus companheiros de partido. Embora temerosos de que os diretorias de Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul não concordassem com uma candidatura que tivesse o apoio do PTB, os líderes pessedistas em reunião com Amaral Peixoto acataram a idéia da aliança, comunicando essa decisão a Osvaldo Aranha. Por essa época, Benedito Valadares, que aderira à tese do candidato único, entrou em divergência com seus correligionários, combatendo a candidatura Kubitschek. Em princípios de novembro, o PSD decidiu definitivamente indicar um candidato próprio. O nome de Juscelino se impunha, quase sem divergências, à consideração da liderança do partido. Entretanto, além da oposição dos udenistas e de certos setores militares, Juscelino teria de enfrentar o problema da sucessão estadual, pois se se candidatasse, seria obrigado a deixar o governo mineiro dez meses antes de expirar o mandato. Como seu substituto legal era o vice-governador Clóvis Salgado, do PR, temia-se que este fizesse uma aliança com a UDN, o que poderia provocar a derrota do PSD no estado. Consultado pelos pessedistas, o ex-presidente Artur Bernardes, líder máximo do PR, condicionou o apoio de seu partido à candidatura de Juscelino ao apoio do PSD a um candidato do PR ao governo do estado. Interessado na indicação de um pessedista para sucedê- lo no governo, Juscelino recorreu então ao senador Artur Bernardes Filho para que este intercedesse junto ao pai, alegando que não se decidiria a concorrer à presidência antes que aquele assunto fosse resolvido. Bernardes Filho prometeu discutir o problema, adiantando que, em solidariedade a Juscelino, renunciaria à sua cadeira no Senado caso o PR se mostrasse inflexível na gestão estadual. Poucos dias depois, em reunião com Clóvis Salgado, à qual estava presente Amaral Peixoto, Juscelino manifestou sua intenção de renunciar à sua candidatura se o PR não se decidisse a apoiá- lo. Diante dessa situação, Clóvis Salgado declarou a Juscelino que, caso seu partido indicasse candidato próprio, ele renunciaria ao cargo de vice-governador. Em decorrência dessa atitude e dos trabalhos desenvolvidos por Bernardes Filho, no dia 8 de novembro, a seção mineira do PR, reunida sua comissão executiva, comunicou à direção do PSD nacional que apoiaria o nome de Juscelino caso este fosse indicado pelo partido. A 19 de novembro, todos os diretórios municipais do PSD mineiro enviaram telegramas ao senador Benedito Valadares dando-lhe poderes para indicar o nome de Juscelino à direção nacional. A esses telegramas se juntaram memoriais de estudantes, trabalhadores e intelectuais mineiros. Ao mesmo tempo, idêntica mobilização se verificava no setor nacional do partido, com a maioria dos diretórios autorizando Amaral Peixoto a proceder àquela indicação. Em 24 de novembro, véspera da reunião do diretório nacional, Etelvino Lins reafirmou a Juscelino sua posição de não adotar uma solução partidária por sustentar a idéia de uma candidatura de união nacional. Argumentou ainda que, em conversa com o líder udenista Mílton Campos, havia proposto apresentar à UDN para apreciação uma lista tríplice composta por Juscelino, Gustavo Capanema, líder da maioria, e Lucas Lopes, ministro da Viação, havendo possibilidade de os udenistas entrarem em entendimento com o PSD. No dia seguinte, pouco antes da reunião, o diretório nacional do PSD recebeu cartas de Gustavo Capanema e de Lucas Lopes, nas quais ambos diziam não concordar com a indicação de seus nomes, deixando sem concorrência a candidatura Kubitschek, que foi então aprovada por 123 votos contra 36. Como era esperado, as seções pessedistas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pernambuco cindiram, opondo-se à candidatura Kubitschek em favor da proposta de Etelvino Lins. Estando o PTB já naquela época inclinado a estabelecer aliança com o PSD e indicar João Goulart para companheiro de chapa de Kubitschek, os dois políticos iniciaram entendimentos em princípios de dezembro. Aguardando a efetivação de várias alianças partidárias, os pessedistas acharam conveniente que a orientação geral da campanha não fosse feita na sede do PSD, fundando então um comitê nacional interpartidário, cuja direção foi entregue a Francisco Negrão de Lima. Com o intuito de evitar qualquer manobra por parte da oposição, Juscelino, sob o pretexto de agradecer aos diretórios estaduais a indicação de seu nome, realizou em duas etapas — fins de dezembro e princípios de janeiro — uma excursão aos estados que o haviam apoiado. Antes porém de executar esse programa, fez uma visita oficial aos ministros militares, a fim de lhes comunicar sua indicação e seu propósito de contribuir para a manutenção da ordem no país. Na ocasião declarou que, em sua opinião, uma luta eleitoral não poria em perigo a nação, pois a disputa através dos votos constituía a essência dos princípios democráticos. Em 31 de dezembro, Juarez Távora, chefe do Gabinete Militar da Presidência, entregou a Café Filho um documento em que as altas autoridades militares, pronunciando-se acerca da situação nacional, apelavam por uma colaboração interpartidária e declaravam que uma candidatura militar não encontraria respaldo nas forças armadas, as quais consideravam conveniente o lançamento de um candidato único e civil. Café Filho mostrou-se solidário ao manifesto dos militares. Kubitschek, no entanto, interpretou o documento — divulgado na íntegra em 27 de janeiro de 1955, através do programa radiofônico A Voz do Brasil — como uma demonstração clara da oposição dos militares à sua candidatura, proferindo, no dia seguinte, um discurso de repúdio que foi publicado pelo jornal Correio da Manhã. Os líderes do PSD, do PTB e do Partido Social Progressista (PSP) reagiram também ao documento, declarando que competia exclusivamente aos partidos apresentarem os candidatos aos cargos eletivos. Juscelino teve sua candidatura homologada pela convenção nacional do PSD, que se reuniu em 10 de fevereiro de 1955, recebendo 1.646 dos 1.925 votos dos convencionais. Na ocasião, os diretórios de Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, juntamente com 160 convencionais da Bahia e 26 do Distrito Federal, recusaram-se mais uma vez a aprovar essa candidatura, lançando quatro nomes alternativos: Etelvino Lins, Nereu Ramos, Carlos Luz e Lucas Lopes. Por essa época, os partidários da união nacional encontravam grandes dificuldades para lançarem um candidato de ressonância junto ao eleitorado. Os nomes mais cotados eram os do general Juarez Távora e de Etelvino Lins, este com o apoio dos pessedistas dissidentes. No dia 16 de fevereiro, o Partido Social Trabalhista (PST) apoiou oficialmente a candidatura de Juscelino. Após o lançamento oficial da candidatura de Juscelino, a movimentação contra as eleições e a favor da intervenção dos militares tornou-se mais evidente. Juscelino era tido como comprometido com as forças getulistas destronadas em agosto de 1954. A grande imprensa do Rio e de São Paulo, quase toda antigetulista, procurava convencer a opinião pública de que o país atravessava uma situação de extrema gravidade, que só tenderia a aumentar com a luta eleitoral. Em 6 de março, o Jornal do Comércio publicou um artigo que apregoava a conveniência de um golpe militar no país. O líder udenista Carlos Lacerda também voltou à carga nas páginas de seu jornal Tribuna da Imprensa, acusando Kubitschek de “condensador da canalhice nacional” e reivindicando uma “reforma da democracia brasileira para instaurar a legalidade legítima”. A fim de desfazer os rumores oposicionistas de que, havendo um só candidato à presidência, impunha-se uma reformulação do problema sucessório, Juscelino procurou o líder integralista Plínio Salgado, que já manifestara o desejo de se candidatar, convencendo-o a apressar as providências necessárias para o lançamento de seu nome. Assim, em 21 de março, Plínio Salgado teve sua candidatura lançada oficialmente pelo Partido de Representação Popular (PRP), do qual era presidente. Em 31 de março, Juscelino desincompatibilizou-se do governo de Minas Gerais.

A campanha que passou a desenvolver não era apenas em favor de sua candidatura, mas também em favor da de Bias Fortes à sucessão estadual. Bias encontrava grandes resistências, principalmente por parte de Benedito Valadares, que se colocava igualmente em oposição a Juscelino. No dia 1º de abril Jânio Quadros abandonou o governo de São Paulo a fim de também se desincompatibilizar para concorrer à sucessão presidencial, abdicando assim de apoiar uma candidatura de união nacional. Nesse dia, Juarez Távora aceitou a proposta de Afonso Arinos de Melo Franco, de ter lançada sua candidatura pela UDN, reconsiderando assim sua posição em defesa de uma candidatura civil.

Tomando conhecimento de que Juarez estaria disposto a concorrer às eleições mesmo que só contasse com o apoio do Partido Democrata Cristão (PDC), representantes do Partido Libertador (PL) e do PSD dissidente resolveram também apoiar a sua candidatura. Ainda no mesmo dia 1º, Jânio entrou em contato com Café Filho, afirmando estar disposto a abrir mão de sua candidatura em prol da de Juarez em troca da indicação do candidato à vicepresidência e de uma maior participação de São Paulo no governo federal. Interessado nessa proposta, Café Filho estabeleceu com Jânio as bases do acordo que ficou conhecido como “Acordo Jânio-Café”. Por ele, Café Filho comprometia-se a conceder a São Paulo a escolha dos titulares das pastas da Viação e Obras Públicas e da Fazenda, embora não abrisse mão da candidatura à vicepresidência, para a qual indicava seu amigo pessoal Bento Munhoz da Rocha, governador do Paraná. No dia 2, os três ministros militares e as altas patentes decidiram que, diante da impossibilidade de se chegar a uma solução de união nacional, estavam desobrigados dos compromissos assumidos anteriormente e passavam a apoiar a candidatura Juarez. Entretanto, o conhecimento das bases do Acordo Jânio-Café levou Juarez a desistir de sua candidatura, principalmente por ter o presidente indicado Munhoz da Rocha sem consulta prévia aos partidos. O acordo provocou ainda o descontentamento dos ministros da Fazenda, Eugênio Gudin, e da Viação e Obras Públicas, Rodrigo Otávio Jordão Ramos, bem como do presidente do Banco do Brasil, Clemente Mariani, os quais em sinal de protesto, abandonaram seus cargos. Já no dia 4 de abril, em comício pronunciado em Jataí (GO), Juscelino assumiu o compromisso de transferir a capital do país para o planalto Central caso fosse eleito. O programa de seu governo, organizado com o auxílio de uma equipe de técnicos, constituía o famoso Programa de Metas, que englobava todos os setores da economia. Às 30 metas básicas acrescentava-se a construção da nova capital, denominada “meta-síntese”. Em seus comícios, em vez de enumerar as realizações que efetuaria durante sua gestão, Juscelino anunciava a cifra correspondente a cada item de seu programa, em termos de alvos a serem atingidos. Embora no dia 5 de abril Juarez tenha reconsiderado sua atitude de renunciar à candidatura, recuou novamente horas depois. Diante das hesitações de Juarez, no dia 6 de abril os líderes da UDN e do PSD dissidente decidiram-se pelo lançamento da candidatura de Etelvino Lins, após exaustivos debates em torno de uma lista tríplice da qual faziam parte também Nereu Ramos e Carlos Luz. Em 10 de abril a comissão executiva do PSD indicou Bias Fortes como candidato do partido à sucessão mineira (essa escolha só seria homologada, no entanto, no dia 29 de maio). Diante do lançamento da candidatura Etelvino Lins, Juarez, em carta de 11 de abril ao diretório nacional do PDC, tornou a desautorizar qualquer articulação em torno de seu nome. No dia 13, o diretório nacional do PSD aceitou a indicação do PTB para que seu líder, João Goulart, figurasse na chapa de Juscelino como candidato à vice-presidente. A candidatura de ambos foi homologada pelo PTB cinco dias depois, durante a convenção nacional do partido. Nessa ocasião, foi lida uma carta de Luís Carlos Prestes na qual o líder do proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB), então denominado Partido Comunista do Brasil, propunha uma ação comum entre petebistas e comunistas. Por outro lado, no acordo entre pessedistas e petebistas, ficara combinado que, caso a chapa Kubitschek-Goulart saísse vitoriosa, o PTB indicaria dois nomes para compor o ministério. Se, por um lado, o lançamento da candidatura Goulart aumentou as possibilidades eleitorais da chapa devido à penetração do líder petebista junto aos meios sindicais e às massas populares, por outro, provocou imediata reação nos círculos antigetulistas que, considerando o ex-ministro do Trabalho o “herdeiro político de Vargas”, alegavam que a formação da aliança PSD-PTB colocava o país sob a ameaça do retorno ao “varguismo” e, portanto, ao “mar de lama”. A 26 de abril, reuniram-se a comissão executiva e o conselho nacional do Clube da Lanterna, organização civil liderada por Carlos Lacerda que reunia basicamente a direita udenista. O clube deu apoio a Etelvino Lins, já que o programa eleitoral deste, com o lema “Pão e vergonha”, baseava-se em princípios semelhantes aos seus. A convenção nacional da UDN realizou-se em 28 de abril e homologou a candidatura Etelvino Lins. Segundo suas declarações, Juarez Távora, receoso de que a chapa Juscelino-Goulart pudesse vir a detonar uma crise político-militar, decidiu finalmente combatê-la nas urnas, voltando a aceitar sua candidatura. Seu nome foi lançado pelo PDC em 11 de maio. Alguns dias mais tarde, ele próprio afirmou ter aceito sua candidatura porque “a de Etelvino Lins não ganhava substância e sua derrota implicaria um reexame da situação para uma solução extralegal”. Em 17 de maio, o PTB mineiro rompeu com Clóvis Salgado, substituto de Kubitschek no governo de Minas, em virtude da recusa do PR em apoiar João Goulart. Por outro lado, durante a convenção nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), realizada em 29 de maio, foi homologada a candidatura de Juarez, o mesmo ocorrendo quando da convenção nacional do PDC em 3 de junho. Um dos acontecimentos mais marcantes ocorridos no cenário político no mês de maio foi a tentativa de impugnação da candidatura Kubitschek pela UDN. Os parlamentares udenistas exigiram que Kubitschek apresentasse uma relação de bens à Câmara, procurando com isso provar publicamente que as acusações de corrupção contra Kubitschek eram procedentes. Quando a relação foi exibida, a UDN considerou-a ilegítima e propôs a formação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar os bens do candidato pessedista. A comissão chegou a ser constituída, mas o deputado Tarcilo Vieira de Melo, do PSD, levantando a preliminar da inconstitucionalidade da CPI, impediu que esta chegasse a funcionar. No dia 10 de junho, os pessedistas, reunidos em convenção nacional, ratificaram o nome de Goulart para concorrer às eleições ao lado de Juscelino, desfazendo assim qualquer possibilidade de rompimento da aliança PSD-PTB. Na ocasião foi discutida a possibilidade de intervenção no diretório pernambucano, diante da resistência deste em acatar as candidaturas propostas. Para compor chapa com Etelvino Lins, a UDN lançou em 13 de junho o nome de Mílton Campos para a vice-presidência. Ainda nesse mês, contudo, alguns fatos de natureza políticopartidária, vieram interferir na candidatura Etelvino Lins. No dia 20, a Tribuna da Imprensa publicou entrevista do presidente do diretório rio-grandense do PSD, Clóvis Pestana, onde este, embora reafirmasse seu apoio a Etelvino, informava que recebia um “telegrama-ultimatum” do diretório nacional do partido para que se definisse sobre a candidatura Kubitschek. No dia seguinte à publicação dessa entrevista, a convenção regional do PSD de Santa Catarina, presidida por Nereu Ramos, decidiu aceitar a aliança PSD-PTB para a sucessão estadual, deixando de se opor, no plano nacional, à chapa Kubitschek-Goulart, o que significava retirar o apoio dado anteriormente a Etelvino Lins. Assim, em decorrência das objeções suscitadas por sua indicação, Etelvino Lins acabou retirando sua candidatura no dia 22 de junho. Cinco dias depois, em entrevista a O Globo, Juarez enalteceu a decisão do ex-governador pernambucano e pediu o apoio da UDN e dos diretórios pessedistas dissidentes, no que seria atendido pouco depois, com exceção do diretório de Santa Catarina. Ainda em junho foi homologada a candidatura de Ademar de Barros, ex-governador de São Paulo e presidente nacional do PSP, tendo como candidato a vice o petebista dissidente Danton Coelho. Também nesse mês o PRP confirmou a candidatura de Plínio Salgado, sem contudo apresentar candidato a vice-presidente. No dia 8 de julho, o Partido Libertador (PL) decidiu apoiar oficialmente a chapa JuarezMílton Campos, o mesmo sucedendo dias depois com os pessedistas dissidentes. Em represália à disposição dos diretórios do Rio Grande do Sul e Pernambuco, o PSD nacional decretou em 15 de julho a intervenção no diretório pernambucano, de cuja presidência foi afastado José do Rego Maciel. O mesmo ocorreu no dia seguinte com o diretório gaúcho, com a destituição de Clóvis Pestana. Em 31 de julho, a convenção nacional da UDN homologou a chapa Juarez Távora-Mílton Campos. Encerrado o primeiro semestre de 1955, quatro chapas, com seus respectivos suportes partidários, estavam oficialmente lançadas e aptas para concorrer ao pleito de outubro: Juscelino Kubitschek-João Goulart, apoiados pelo PSD, PTB, PR, PTN, PST e pelo Partido Republicano Trabalhista (PRT); Juarez Távora-Mílton Campos, apoiados pela UDN, por dissidentes do PSD, pelo PDC, pelo PSB e pelo PL; Ademar de Barros-Danton Coelho, apoiados pelo PSP e por dissidentes do PTB, e Plínio Salgado, pelo PRP. No mês de agosto dois fatos contribuíram para agravar a crise sucessória. O primeiro consistiu no discurso pronunciado pelo general Canrobert Pereira da Costa no Clube Militar, no dia 5, por ocasião do primeiro aniversário da morte do major Rubens Vaz. Referindo-se ao regime de “falsidade democrática” e de “pseudolegalidade” em que vivia o país, Canrobert lamentou o insucesso da fórmula de união nacional. Divulgado o discurso pela imprensa, Kubitschek apressouse em declarar que considerava irreal aquela visão da situação política do país, e alguns parlamentares chegaram a pedir a Café Filho a prisão de Canrobert. O segundo evento, foi o Manifesto eleitoral do Partido Comunista do Brasil, publicado no dia 11 no diário comunista carioca Imprensa Popular. O documento expressava a posição oficial do partido de apoio à chapa Kubitschek-Goulart, devido ao compromisso de ambos os candidatos de “lutar contra o golpe em defesa da Constituição e das liberdades democráticas e pela melhoria das condições de vida do povo”. Conclamava também a população a se unir “para impedir... a implantação de uma ditadura militar fascista” no Brasil. Segundo o manifesto, a vitória da aliança PTB-PSD significaria a derrota dos generais golpistas. O documento comunista provocou grande irritação nos meios militares e o ministro da Guerra, general Henrique Lott, declarou-se publicamente preocupado com o fato de Kubitschek e Goulart aceitarem o apoio do PCB. Juscelino negou ter entrado em entendimentos secretos com os comunistas, observando porém que um eventual apoio ou oposição do PCB ao seu nome em nada alteraria suas idéias. Ainda em agosto, parlamentares udenistas, temendo que a ocorrência de fraudes no pleito presidencial viesse a beneficiar os candidatos da aliança PSD-PTB, propuseram a instituição de uma cédula oficial de votação, impressa pelo Estado e portadora dos nomes dos candidatos. As cédulas seriam distribuídas pela Justiça Eleitoral às mesas eleitorais que, por sua vez, as entregariam aos eleitores no momento de entrar na cabina. A proposta contou com o apoio do ministro da Justiça, José Eduardo do Prado Kelly. Embora o Senado tenha se manifestado a favor da medida, os líderes do PSD na Câmara se opuseram firmemente à sua adoção. No dia 16 de agosto, a maioria dos deputados votou contra o projeto. No dia seguinte o general Lott comunicou à Câmara que as forças armadas eram favoráveis à cédula oficial. Os partidários de Juscelino criticaram a iniciativa do ministro da Guerra, acusando-o de atentar contra a independência do Legislativo. Em artigo publicado na Tribuna da Imprensa em 19 de agosto, Carlos Lacerda propôs uma série de medidas para que a crise política fosse resolvida. Entre elas incluíam-se a instituição do parlamentarismo, cabendo a um chefe militar ocupar o primeiro gabinete, o adiamento das eleições presidenciais para ao menos 1º de janeiro de 1956, a dissolução do Congresso e a convocação, em fevereiro de 1956, de uma assembléia constituinte que votaria a nova Constituição a ser elaborada pelo gabinete e a promulgação de nova lei eleitoral. Em protesto, um grupo de oficiais do Exército lotados em guarnições do Norte e Nordeste do país publicou no dia 20, no Jornal do Comércio de Recife, o Manifesto de apoio à legalidade, repudiando as medidas defendidas por Lacerda e acusando os chefes militares ligados à UDN de tentarem “intranqüilizar a nação em proveito próprio”. Esses oficiais faziam parte ou eram simpatizantes do Movimento Militar Constitucionalista (MMC), articulado no seio do Exército no início de 1955 e com alguma penetração na Marinha e na Aeronáutica. O objetivo do movimento era garantir o pleito de 3 de outubro e a subseqüente posse dos candidatos eleitos. No final de agosto, a questão da cédula eleitoral foi resolvida, sendo acatada a solução proposta pelo ministro Edgar Costa, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Todos os candidatos seriam relacionados numa única cédula, que poderia ser impressa e distribuída tanto pelo governo como pelos partidos. No dia 27, foi votada e aprovada apesar da oposição da bancada udenista — a redação final do projeto da cédula única. Em meados de setembro um novo episódio veio tumultuar o cenário político. No dia 17, Lacerda publicou na Tribuna da Imprensa uma carta datada de 5 de agosto de 1953 e dirigida a Goulart, naquela época ministro do Trabalho. A carta, cujo suposto autor era o deputado argentino Antonio Jesus Brandi, relatava os entendimentos secretos que Goulart teria mantido com Juan Domingo Perón, então presidente da Argentina no sentido da implantação no Brasil de uma república sindicalista. Revelava também a existência de contrabando de armas argentinas para o país. Diante da gravidade dessas denúncias, o general Lott, atendendo à solicitação de parlamentares petebistas, ordenou a abertura de um inquérito policial militar (IPM), que foi chefiado pelo general Emílio Maurel Filho. Os primeiros resultados da sindicância efetuada em Buenos Aires, embora admitissem a autenticidade da denúncia, não chegaram a pesar em termos eleitorais, por terem sido divulgados no dia exato do pleito. Essa questão porém só seria devidamente esclarecida quando, ao final da sindicância, a carta foi declarada forjada. Ainda em setembro, o Congresso recusou o projeto da UDN de emenda constitucional que transferia a eleição presidencial para a Câmara dos Deputados caso o candidato eleito não tivesse alcançado a maioria absoluta nas urnas, ou seja, 50% dos votos mais um. A tese de maioria absoluta já havia sido derrotada cinco anos antes, quando a mesma UDN tentara impedir a posse de Getúlio Vargas. Garantidas pelas tropas do Exército, em 3 de outubro realizaram-se as eleições, cuja apuração foi concluída em meados do mês. Kubitschek obteve 3.077.411 votos (correspondentes a 36% do total), Juarez Távora 2.610.462 (30%), Ademar de Barros 2.222.725 (26%) e Plínio Salgado, o último colocado, apenas 714.379 votos (8% do total). Conquistando a vice-presidência, Goulart alcançou quase três milhões e seiscentos mil sufrágios, registrando uma diferença superior a duzentos mil votos sobre Mílton Campos. Danton Coelho obteve apenas um milhão e 140 mil votos. Em Minas, Bias Fortes foi eleito, derrotando o udenista Olavo Bilac Pinto. Logo após a divulgação dos resultados, a UDN e seus aliados deram início a uma batalha judiciária com o objetivo de anular as eleições e impedir a proclamação dos candidatos eleitos, alegando a ilegitimidade dos votos dados pelos comunistas, a ocorrência de corrupção eleitoral, principalmente em Minas Gerais, e, mais uma vez, a inexistência de maioria absoluta. A questão do voto comunista, que provocou maior discussão, era sustentada não apenas pela oposição parlamentar, como pelo ministro da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes, e pela Cruzada Brasileira Anticomunista, liderada pelo almirante Carlos Pena Boto. Entretanto, além da impossibilidade material de se distinguir os sufrágios dos comunistas no sistema de voto secreto, o próprio candidato da UDN declarara à imprensa antes do pleito, que não rejeitaria aqueles votos caso lhe fossem dados. Liderados por Lacerda, setores udenistas passaram a pregar abertamente a deflagração de um golpe militar. As teses udenistas encontravam apoio entre alguns chefes militares, notadamente os ministros Eduardo Gomes e Edmundo Jordão Amorim do Vale, da Marinha. Procurado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Gallotti, e por diversos líderes do PSD, o presidente Café Filho afirmou seu propósito de assegurar a posse dos candidatos legitimamente eleitos. Essa posição era defendida também pelo general Lott, o qual declarou-se repetidas vezes contrário a qualquer interferência das forças armadas no Judiciário. O Movimento de 11 de Novembro O discurso proferido pelo coronel Jurandir de Bizarria Mamede, em nome do Clube Militar, no dia 1º de novembro de 1955, quando do sepultamento do general Canrobert Pereira da Costa, incitando aos chefes militares a impedirem a posse de Kubitschek e Goulart, desencadeou grave crise político-militar. Entendendo que o coronel Mamede havia infringido os regulamentos militares, os quais proibiam qualquer manifestação política por parte dos oficiais, o general Lott decidiu aplicar-lhe a devida punição. Entretanto, como Mamede pertencia, então, aos quadros da Escola Superior de Guerra (ESG), estando portanto subordinado à Presidência da República, tornava-se mister fazê-lo retornar ao Ministério da Guerra. Na manhã do dia 3 de novembro, o presidente Café Filho adoeceu repentinamente, transmitindo cinco dias depois o governo ao seu sucessor legal, o presidente da Câmara, Carlos Luz. Este, embora deputado pelo PSD, defendia posições próximas às dos udenistas. Encontrando resistência por parte de Café Filho e de Carlos Luz quanto à adoção da penalidade ao coronel Mamede, no dia 10 de novembro Lott pediu demissão da pasta da Guerra, para a qual foi nomeado o general Álvaro Fiúza de Castro, que havia aderido ao movimento golpista. Entretanto, ainda na madrugada de 11 de novembro, Lott, com o decisivo apoio do general Odílio Denis, comandante da Zona Militar Leste (atual I Exército), liderou um movimento para afastar Carlos Luz da presidência, alegando que este mantinha ligações com a corrente “golpista” liderada por Carlos Lacerda. A capital federal foi então ocupada por tropas do Exército, levando Carlos Luz, Lacerda, e outras autoridades civis e militares a se abrigarem no Ministério da Marinha e a embarcarem naquela manhã, no cruzador Tamandaré com destino a Santos (SP). Ainda no dia 11 de novembro, o Congresso Nacional, em sessão especial, aprovou o impedimento de Carlos Luz por 228 votos contra 81, dando posse na presidência da República a Nereu Ramos, vice-presidente do Senado e elemento seguinte na ordem legal de sucessão. Nesse mesmo dia Lott reassumiu suas funções no Ministério da Guerra. O brigadeiro Vasco Alves Seco e o almirante-de-esquadra Antônio Alves Câmara foram designados para os ministérios da Aeronáutica e da Marinha. Diante da possibilidade de Café Filho reassumir o mandato após se recuperar, Lott promoveu uma reunião com os generais para discutir a questão. Na ocasião ficou decidido que não seria conveniente o retorno de Café Filho, devido às suspeitas de seu envolvimento nas articulações contra a posse de Juscelino Kubitschek. No dia 20, Lott foi à clínica em que se encontrava o presidente licenciado, transmitindo-lhe aquela decisão. Como Café Filho se mostrasse determinado a reassumir o cargo, no dia seguinte o ministro da Guerra ordenou que o palácio do Catete fosse cercado por tanques e tropas. Liberado nesse mesmo dia pelos médicos, Café Filho retornou à sua residência, a qual também fora cercada por forte aparato militar. Na madrugada de 22 de novembro, o Congresso aprovou o impedimento de Café Filho por 208 votos contra 109, confirmando Nereu Ramos como presidente legal até a posse de Juscelino, em janeiro do ano seguinte. No dia 23, a Câmara dos Deputados reuniu-se em sessão extraordinária para discutir a solicitação feita por Nereu Ramos de ser decretado o estado de sítio no país por 30 dias. Apesar da oposição udenista, a medida foi aprovada. No dia seguinte, foi aprovada pelo Senado. Em 7 de janeiro de 1956, quando Kubitschek se encontrava em visita aos Estados Unidos, o TSE proclamou os resultados oficiais das eleições presidenciais de 3 de outubro, que praticamente ratificavam os resultados divulgados pela imprensa e, conseqüentemente, a eleição de Juscelino e Jango. A viagem que Juscelino efetuou aos Estados Unidos e a algumas nações européias durante o mês de janeiro tinha por objetivo estabelecer contatos com os chefes de governo e despertar o interesse dos capitães da indústria e do comércio daqueles países em investir no Brasil, tendo em vista a política de desenvolvimento econômico que pretendia instaurar durante seu mandato.

Na presidência da República

Ao assumir a presidência da República em 31 de janeiro de 1956, Juscelino solicitou ao Congresso a abolição do estado de sítio, no que seria logo atendido. Interessado em conferir um cunho democrático à sua gestão, aboliria também no dia seguinte a censura à imprensa. Juscelino iniciou seu governo com um apoio parlamentar maciço, em decorrência da composição de forças efetuada entre o PSD e o PTB. Esses partidos, por sua vez, obtiveram fácil acesso ao poder através da participação nos cargos já garantidos na campanha eleitoral: ao PTB caberia o Ministério do Trabalho e o Ministério da Agricultura, e ao PSD, partido majoritário, caberiam os ministérios da Fazenda, das Relações Exteriores, da Justiça, da Viação e Obras Públicas. O ministério instituído por Juscelino logo após a cerimônia de posse foi composto pelos seguintes elementos: Parcifal Barroso, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio; Ernesto Dornelles, ministro da Agricultura; José Carlos Macedo Soares, ministro das Relações Exteriores; José Maria Alkmin, ministro da Fazenda; Lúcio Meira, ministro da Viação e Obras Públicas; Maurício Medeiros, ministro da Saúde; Nereu Ramos, ministro da Justiça; Clóvis Salgado, ministro da Educação e Cultura; almirante Antônio Alves Câmara, ministro da Marinha; general Henrique Lott, ministro da Guerra; e major-brigadeiro Vasco Alves Seco, ministro da Aeronáutica. A Chefia do Gabinete Civil coube a Álvaro Lins e a do Gabinete Militar ao general Nélson de Melo. Nessa composição, a hegemonia ao PSD mostrou-se flagrante: dos 24 ministros civis, 16 pertenciam ao PSD e apenas seis ao PTB. Controlando o Ministério do Trabalho, os sindicatos e institutos de previdência, o PTB poupava o governo de tomar medidas repressivas. Enquanto Kubitschek mantinha sob controle os líderes trabalhistas, João Goulart na vice-presidência permitia maior liberdade nos níveis mais baixos da estrutura sindical. Ao lado da composição partidária PSD-PTB que iria apoiar os atos do Executivo, principalmente nas questões orçamentárias, Juscelino contava com o suporte militar representado pelo grupo do 11 de Novembro, que garantia a necessária estabilidade ao governo. Outro recurso de que dispunha para implementar sua política econômica era o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Essa instituição, fundada em julho de 1955, foi praticamente transformada em órgão de assessoria, apoio e sustentação à política governamental. A ideologia apregoada pelos integrantes do ISEB, privilegiando o desenvolvimento econômico, convergia com as proposições de Kubitschek. Logo no início de seu governo Juscelino defrontou-se com séria oposição deflagrada por oficiais da Aeronáutica que, inconformados com sua posse, pregavam a sua deposição. Em 11 de fevereiro, o major Haroldo Veloso e o capitão José Chaves Lameirão tomaram um bimotor da Força Aérea Brasileira (FAB) e rumaram para Jacareacanga, base aérea localizada no Pará, apoderando-se durante o trajeto das bases de Aragarças (GO), Cachimbo (PA) e Santarém (PA). Alojados em Jacareacanga, receberam o apoio do major Paulo Vítor da Silva, que abandonou a base de Belém para solidarizar-se com os revoltosos. Em reunião com os ministros militares, Juscelino foi informado pelo brigadeiro Alves Seco que grande parte dos oficiais da Aeronáutica não se mostrava disposta a obedecer às ordens do governo. A situação agravou-se com a adesão de inúmeras guarnições da Aeronáutica, que, solidárias com os revoltosos, recusavam-se a cumprir ordens, considerando-se presas espontaneamente. Diante do tumulto reinante nas bases do Rio, Salvador, Fortaleza e Belém, Lott colocou forças do Exército de prontidão nas proximidades das mesmas. Juscelino, no entanto, decidiu combater os revoltosos por meio de uma expedição formada pelas três armas. Como a resistência fosse insignificante, no dia 23 de fevereiro o reduto rebelde já havia sido cercado por tropas governamentais. Veloso foi capturado pelas forças legalistas, enquanto Lameirão e Paulo Vítor conseguiram se refugiar na Bolívia. No dia 29 o levante já havia sido totalmente debelado. Uma vez encerrado o episódio, Juscelino enviou ao Congresso um projeto de lei concedendo anistia ampla e irrestrita a todos os civis e militares que tivessem participado de movimentos políticos ou militares no período de 10 de novembro de 1955 a 19 de março de 1956. Embora o projeto tenha sido aprovado em 6 de março, a Câmara dos Deputados negaria, em maio, a extensão da anistia aos comunistas. Por outro lado, descontente com a anistia concedida, o brigadeiro Alves Seco demitiu-se da pasta da Aeronáutica, para a qual foi nomeado em 20 de março o brigadeiro Henrique Fleiuss. Em 18 de abril, Juscelino assinou, no aeroporto de Anápolis (GO), a mensagem a ser enviada ao Congresso, juntamente com o projeto de lei propondo a transferência da capital da República para o planalto Central. Ainda em abril, enquanto se encontrava em Belo Horizonte, onde fora presidir a inauguração das novas instalações da Companhia Siderúrgica Mannesmann, eclodiu no Rio uma revolta estudantil em decorrência da elevação dos preços das passagens de bonde pela Light. De regresso ao Rio e disposto a sufocar de imediato a rebelião, Juscelino nomeou o comandante do I Exército, general Odílio Denis, governador militar da cidade. Nos dias 30 e 31 de abril, Denis tratou de isolar a União Nacional dos Estudantes (UNE), principal foco da revolta. Apesar do incidente com o deputado udenista Adauto Lúcio Cardoso, que foi atingido por golpes da polícia ao tentar quebrar o cerco da UNE, o que suscitou vivos protestos na Câmara e na imprensa, o movimento foi rapidamente debelado. No dia seguinte, Juscelino promoveu uma reunião de apaziguamento com os líderes estudantis. No mês de maio, Juscelino esteve em Campina Grande (PB) participando do Encontro dos Bispos do Nordeste, no qual foram discutidos os principais problemas da região. No discurso de encerramento, Juscelino lançou em linhas gerais o plano do que viria a ser, dois anos depois, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), configurando um amplo sistema cooperativo entre a União, os estados, os municípios e as empresas privadas, com a finalidade de promover, através da aplicação adequada de incentivos, o desenvolvimento daquela região. Em 21 de julho, Juscelino participou do encontro de presidentes americanos realizado no Panamá, quando foi assinada a Declaração de princípios da América. Deixando o Panamá no dia 24 de julho, empreendeu visitas ao Equador, Peru e Chile, tendo sido o primeiro presidente brasileiro a visitar aqueles países. Ainda em meados de 1956, tornavam-se cada vez mais violentos os ataques dirigidos contra o marechal Lott, que, desde o contragolpe de novembro do ano anterior, era considerado, pela oposição, o principal obstáculo a qualquer tentativa de desestabilização do governo. Em 10 de agosto, o deputado Raimundo Padilha denunciou na Câmara que o ministro da Guerra estaria oferecendo postos de comando no Exército a oficiais comunistas. Diante dos violentos ataques a Lott efetuados pela Tribuna da Imprensa sob a orientação de Lacerda, alguns oficiais decidiram, em 24 de agosto, apreender o jornal, cabendo ao general Augusto Magessi Pereira, chefe de polícia do Distrito Federal, a iniciativa de impedir sua circulação. Aproveitando esse incidente, em 1º de setembro, os comunistas associados ao ministro Parsifal Barroso, promoveram uma homenagem dos trabalhadores a Caxias e a Lott. O discurso de agradecimento do ministro, exaltando o regime democrático, propiciou violenta reação por parte dos udenistas. Dentre os partidos que apoiavam o governo, o PTB era o alvo mais visado pela oposição. No início de setembro, João Goulart foi acusado por Lacerda de envolvimento em transações comerciais ilícitas, referentes a exportações de pinho para a Argentina. Lacerda, por sua vez, foi acusado por petebistas e pessedistas de violar o código secreto do Itamarati por se haver apossado e divulgado um documento confidencial do Ministério das Relações Exteriores, o que constituía crime contra a segurança nacional. A licença que aqueles políticos então requereram para processar Lacerda, seria negada pelo Congresso em maio do ano seguinte. Como as atividades de Goulart se tornaram objeto de uma CPI, os trabalhistas passaram a apregoar a decretação de uma lei de imprensa destinada a coibir os abusos. Juscelino, aderindo à idéia, instruiu o ministro da Justiça Nereu Ramos, para que este elaborasse um anteprojeto de lei, a ser submetido à Associação Brasileira de Imprensa (ABI) para que os diretores dos órgãos de imprensa o examinassem e apresentassem sugestões. Embora o jornal O Globo tenha considerado razoável a atitude do governo, os órgãos da oposição radical, em particular a Tribuna da Imprensa e a revista Maquis, tomaram-na como antidemocrática. Assim, diante dos incessantes ataques, Augusto Magessi, que, enquanto chefe de polícia, era responsável pela censura à imprensa, resolveu, na noite de 8 para 9 de setembro, invadir a redação da Maquis, apreender toda a edição e prender todos os que se encontravam no local. Esse incidente levaria a um dos raros atritos ocorridos entre o Executivo e seu “dispositivo militar”: Juscelino, preocupado em manter a imagem democrática de seu governo, ao saber do acontecido, ordenou que fossem libertados os presos. Em decorrência, o general Magessi renunciou a seu cargo. Substituiu-o o coronel Felisberto Batista Teixeira, que, ao tomar posse, procedeu à imediata devolução da revista, em obediência à determinação judicial. A despeito da séria resistência por parte da UDN, em relação à transferência da capital do país, o projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional. Em 19 de setembro Juscelino sancionou a Lei nº 2.874, que fixava os limites do futuro Distrito Federal e autorizava o governo a instituir a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), cuja presidência foi entregue ao deputado federal Israel Pinheiro, do PSD de Minas Gerais. Em fins de setembro, Juscelino decidiu substituir o general Ernesto Dornelles no Ministério da Agricultura. Embora coubesse ao PTB indicar o titular dessa pasta, as divergências ocorridas no seio do partido levaram Juscelino a optar por Mário Meneghetti, cujo irmão, o governador gaúcho Ildo Meneghetti, vinha dando apoio ao governo. No dia 2 de outubro, acompanhado de pequena comitiva da qual faziam parte alguns técnicos do Conselho de Desenvolvimento, Juscelino embarcou para o planalto central a fim de conhecer o local estipulado para a construção de Brasília. Na ocasião ficou demarcado o núcleo pioneiro que serviria de apoio às obras, bem como o local onde seria erguido o palácio presidencial. Poucos dias depois daquela viagem, foi estabelecido o prazo de três anos e dez meses para a construção da nova capital. Com o objetivo de propiciar um alojamento para o presidente durante suas viagens de inspeção às obras, um grupo de amigos, através de financiamento obtido no Banco de Minas Gerais, empreendeu a construção de uma residência de madeira, que ficaria conhecida como “Catetinho”. Ainda em outubro de 1956, foi baixada portaria do Ministério da Viação relativa à censura ao rádio e à televisão, reavivando-se assim o projeto de lei de imprensa, o qual, entretanto, paralisado na Câmara, nunca seria aprovado. Tomando conhecimento de que uma grande homenagem iria ser prestada a Lott por líderes trabalhistas e integrantes da Frente de Novembro — movimento composto por civis e militares de oposição à organização lacerdista Clube da Lanterna — por ocasião do primeiro aniversário do Movimento do 11 de Novembro, com a entrega de uma espada de ouro ao ministro como símbolo da legalidade, Juscelino, além de alertar os ministros militares quanto à necessidade de preservação da ordem interna, enviou emissários a Lott no intuito de convencê-lo a não aceitar tal homenagem. Lott, no entanto, mostrou-se irredutível em seu propósito de participar da manifestação. Ante a atitude de alguns militares que compareceram à cerimônia, desobedecendo ordens de seus superiores, e ante o conseqüente agravamento da crise militar, em 21 de novembro Juscelino enviou uma mensagem aos ministros militares proibindo a todos os oficiais, da ativa ou da reserva, de fazerem qualquer pronunciamento político. No dia seguinte, em represália à determinação do governo, Juarez Távora concedeu entrevista à imprensa questionando a autoridade moral do presidente para impor aquela medida, em alusão ao Movimento do 11 de Novembro. Logo depois, Juscelino foi informado de que grande número de oficiais estava solidário com Juarez e que, se lhe fosse imposta alguma punição, uma grave crise eclodiria no Exército. No dia 23, o ministro Alves Câmara anunciou a Juscelino que o almirantado, naquela manhã, havia redigido um memorial advertindo o governo sobre a ameaça que os novembristas — acusados de associação com os comunistas — poderiam representar para o país. Considerando tal documento uma atitude de indisciplina, Juscelino rogou ao ministro que o destruísse de imediato, pois, caso contrário, ordenaria a prisão de todo o almirantado. Naquele mesmo dia, à tarde, o ministro informou que o documento inicial do almirantado havia sido modificado, esperando a aprovação do presidente. Este, não concordando com o novo texto, sugeriu que fosse redigido pelo governo e, depois, submetido à aprovação do almirantado. A nota elaborada pelo governo foi aceita pelos oficiais e, em seguida, enviada aos jornais. Com o objetivo de amenizar o quadro político, Juscelino decidiu, ainda no dia 23, extinguir os principais focos de agitação: decretou o fechamento da Frente de Novembro e do Clube da Lanterna, solicitando a Lott que providenciasse a prisão imediata do general Juarez Távora, em decorrência do discurso que este proferira na véspera. Diante do clima de tensão decorrente desses últimos acontecimentos, Lott anunciou, no mesmo dia 23, sua demissão da pasta da Guerra, sendo porém logo demovido desse intento pelo advogado Heráclito Sobral Pinto. Este último argumentou que a extinção das duas organizações, bem como sua permanência no ministério, constituíam medidas necessárias para a garantia da ordem. Em fins de 1956, atendendo a reivindicação da Marinha e da Aeronáutica, Juscelino autorizou a compra do porta-aviões Minas Gerais, fabricado na Inglaterra. O fato suscitou grave crise entre as duas armas, pois a Marinha, apesar dos fortes protestos da Aeronáutica, reivindicava controle da aviação embarcada no porta-aviões. A questão iria estender-se por governos posteriores, só sendo resolvida em agosto de 1964 pelo presidente Humberto Castelo Branco, que garantiu à Aeronáutica a posse das aeronaves embarcadas. Também no final de 1956, o recrudescimento no cenário mundial da chamada guerra fria e o interesse norte-americano em ampliar suas instalações defensivas contra a URSS fizeram com que o embaixador dos EUA no Brasil, Ellis Briggs, em nome de seu país, solicitasse permissão ao governo brasileiro, no sentido de ser instalada em Pernambuco uma estação de rastreamento de foguetes. Kubitschek submeteu o assunto aos ministros militares, os quais vetaram o local escolhido, sugerindo o território de Fernando de Noronha. Além disso, exigiram especificações sobre a natureza e o uso dos equipamentos a serem instalados, um esquema dos trabalhos a serem efetuados, bem como a presença de oficiais brasileiros em todos os setores da base. Embora Eisenhower tenha se oposto a essas exigências, alegando o caráter sigiloso das operações, o governo brasileiro insistiu em manter sua posição. Em 17 de dezembro foi assinado o acordo que tinha por base os termos e resoluções do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, de 1947, e do Acordo de Assistência Militar, de 1952. O governo norte-americano aquiesceu quanto à presença de oficiais brasileiros nos setores da base, reservando-se porém o direito de manter em segredo vários aspectos importantes do plano de operação. O Brasil recebeu pela concessão cerca de cem milhões de dólares em armamentos, muitos dos quais obsoletos.

Em março de 1957, em concurso organizado por Oscar Niemeyer, foi aprovado o planopiloto de autoria do urbanista Lúcio Costa para a construção de Brasília. Em maio de 1957, os agricultores de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, que, antes mesmo do governo Kubitschek, achavam-se descontentes com o chamado “confisco cambial” imposto à comercialização do café, passaram a reclamar de forma organizada contra aquela medida, que carreava grande parte dos recursos provenientes da lavoura cafeeira de modo a garantir as altas taxas de importação exigidas para a aceleração do processo de industrialização do país. Jânio Quadros, solidário com os agricultores, incentivou a decisão destes de promover a Marcha da Produção, movimento contestatório pela abolição do “confisco” que culminaria com o deslocamento de milhares de agricultores até as portas do Catete. Os udenistas, aproximando-se também dos agricultores, passaram a reivindicar a reforma cambial. Embora ciente de que a passeata estava marcada para o dia 18 de junho, Juscelino decidiu não ceder às exigências dos cafeicultores.

A Marcha da Produção não se realizou na data estipulada devido aos desentendimentos ocorridos entre seus líderes e também ao fato de ter o governador de São Paulo considerado prudente recuar naquela ocasião. O confisco cambial foi assim mantido. Em junho de 1957 o presidente de Portugal, Francisco Craveiro Lopes, visitou o Brasil, estabelecendo com Juscelino, na ocasião, o Tratado de Amizade e Consulta entre Brasil e Portugal. Em julho, o brigadeiro Henrique Fleiuss, em divergência com oficiais de sua arma, abandonou a pasta da Aeronáutica, que passou a ser ocupada pelo brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo. Em 1º de outubro, foi assinada a lei que fixava a data de 21 de abril de 1960 para a mudança da capital da República. Por essa época, Jânio Quadros manifestou desejo de renunciar ao governo de São Paulo, alegando motivos de saúde. Ponderando sobre as repercussões negativas que aquele ato poderia desencadear, Juscelino conseguiu demovê-lo da idéia. Autorizou também, na ocasião, a assinatura de vários contratos entre o governo paulista e o Departamento Nacional de Endemias Rurais, que o governador considerava de suma importância para o estado.

Ainda em 1957, depois de pleitear empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), conhecido como Banco Mundial, Alkmin propôs o reatamento das relações comerciais com a União Soviética, tendo em vista, sobretudo, o interesse na venda do café. Todavia, o ministro da Guerra, general Lott, opôs-se resolutamente à medida, alegando motivo de segurança nacional. Em 4 de novembro, Nereu Ramos, diante das dificuldades que encontrara para encaminhar uma revisão constitucional, abandonou a pasta da Justiça, na qual foi substituído no mesmo dia por Eurico de Aguiar Sales. Em 29 de março de 1958, foram assinadas as chamadas Notas Reversais, atualizando o Tratado de Roboré que, assinado em 1938 pela Bolívia e o Brasil, autorizava este último a explorar o petróleo boliviano. Na elaboração dessas notas, a posição acatada foi a do coronel Alexínio Bittencourt, presidente do Conselho Nacional do Petróleo, que defendia a exploração do petróleo boliviano por grupos privados nacionais com o apoio da Petrobras, contrapondo-se ao coronel Janari Nunes, presidente dessa empresa estatal, que exigia exclusividade na execução da tarefa. Ainda em relação às Notas Reversais, em novembro de 1958 o coronel Bittencourt viria a denunciar a gestão de Roberto Campos à frente do BNDE, por forçar as empresas brasileiras interessadas na exploração do petróleo boliviano a receberem financiamento da Pan-American Land Oil & Royalty Co., sob condições que implicavam sua completa desnacionalização. Instituída uma CPI para verificar o caso, ficariam comprovadas as denúncias contra Roberto Campos, que seria forçado a se demitir. O acordo de Roboré e as notas reversais foram muito combatidos pelas forças nacionalistas, que neles viam uma cunha contra o monopólio estatal. Eles nunca foram implementados, contudo, e o Brasil não chegou a explorar o petróleo boliviano. Ainda em março de 1958, uma terrível seca assolou o Nordeste. Juscelino logo instruiu Lúcio Meira no sentido de aproveitar o maior número possível de flagelados nas obras em execução na região, determinando também aos órgãos federais responsáveis pelo abastecimento de gêneros alimentícios que enviassem víveres para as zonas mais atingidas. Aproveitando a vinda dos governadores dos estados do Nordeste ao Rio em busca de auxílio do governo federal, Juscelino convocou uma reunião no palácio Rio Negro, em Petrópolis, à qual compareceram autoridades do clero e parlamentares nordestinos. Durante o encontro, Juscelino anunciou seu objetivo de criar uma comissão para coordenar o auxílio ao Nordeste, constituída pelos ministros da Fazenda, do Trabalho, da Saúde e da Viação e presidida por este último. Solicitou a Lúcio Meira pouco depois que seguisse para o Nordeste a fim de verificar quais as iniciativas que vinham sendo tomadas pelos governos estaduais. Devido ao estado de emergência configurado, Kubitschek seguiu, em 17 de abril, para o interior do Ceará, não só para avaliar a gravidade da situação, como para visitar as obras do açude de Araras, regressando três dias depois. Por essa época, já havia um grupo de trabalho composto por vários técnicos, entre os quais Israel Klabin, Luís Carlos Mancini e Celso Furtado, funcionando no BNDE com a incumbência de estudar as medidas a serem tomadas para solucionar os problemas do Nordeste. Considerando a necessidade da implantação da industrialização e da agricultura irrigada na região, o governo se propôs a criar a infra-estrutura necessária. A industrialização seria, no entanto, muito mais contemplada do que a agricultura. Ainda na segunda quinzena de abril de 1958, Ernâni Amaral Peixoto, embaixador do Brasil nos EUA, foi chamado a Washington para esclarecer a crescente tendência do Brasil em reatar as relações comerciais com a União Soviética e para lá escoar o excedente de café. Nessa época estava em jogo a decisão do FMI sobre um empréstimo do Export-Import Bank (Eximbank) pleiteado pelo governo Kubitschek para manter o fluxo das importações brasileiras, em decorrência da crise de divisas por que passava o país. Também em abril de 1958, o presidente da Argentina, Arturo Frondizzi, visitou o Brasil. Interessado em construir a rodovia Belém-Brasília, Juscelino procedeu, em 15 de maio, à formação de um órgão coordenador daquela obra, a Rodobrás, nomeando para supervisioná-la Bernardo Saião. Também em maio de 1958, Armando Falcão foi eleito líder da maioria na Câmara, substituindo Vieira de Melo. No dia 9 de junho, chegou ao Rio o subsecretário do governo norte-americano, Roy Rubottom, com o objetivo de transmitir a concordância de Eisenhower em auxiliar os países da América Latina através de um programa de desenvolvimento econômico multilateral, a Operação Pan-Americana (OPA), a qual fora proposta por Juscelino. Entre os assuntos que Rubottom discutiu com Kubitschek, destacaram-se os referentes às medidas de repressão ao comunismo a serem incrementadas. Em conferência pronunciada no Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), Kubitschek afirmou que a OPA, além de estabelecer a cooperação com os EUA em termos de auxílio técnico e financeiro aos países da América Latina, constituía uma estratégia de defesa do continente. Segundo Maria Vitória Benevides, como os militares, desde a assinatura do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos em 1952, contavam com a cooperação norte-americana para a obtenção de material bélico, não puderam manter uma posição nacionalista exaltada em relação àquele país. Além disso, no Grupo de Estudos Econômicos da OPA havia representantes do EMFA e dos ministérios militares. Ainda em junho, no dia 21, alegando, o desejo de se desincompatibilizar para concorrer às eleições legislativas de outubro próximo — mas na verdade desgastado pelas dificuldades em obter financiamentos no exterior Alkmin pediu demissão do Ministério da Fazenda. Substituiu-o quatro dias depois Lucas Lopes, que passou a presidência do BNDE a Roberto Campos. Como em junho esgotava-se o prazo previsto pela Lei Eleitoral para a desincompatibilização dos candidatos que iriam concorrer às eleições, ocorreram substituições em outras pastas do ministério. Parsifal Barroso passou a pasta do Trabalho a Fernando Nóbrega, Maurício Medeiros entregou a pasta da Saúde a Mário Pinotti e Eurico de Aguiar Sales transmitiu o Ministério da Justiça a Carlos Cirilo Júnior. Essa reformulação ministerial foi encarada por muitos analistas como o aniquilamento do chamado “governo de novembro”. Entre todas, era enfatizada a saída de Alkmin, o “general civil do Movimento do 11 de Novembro de 1955”, substituído por um técnico. Divergindo das diligências efetuadas em torno da OPA, Macedo Soares abandonou também em 4 de julho a pasta das Relações Exteriores, para a qual foi nomeado, ainda naquele dia, Francisco Negrão de Lima, até então prefeito do Distrito Federal. A coordenação da OPA foi entregue a Augusto Frederico Schmidt. Embora os resultados imediatos obtidos tenham sido praticamente nulos, a ideologia expressa nesse momento seria consagrada, mais tarde, ao ser implementada a Aliança para o Progresso. Nos primeiros dias de agosto de 1958, John Foster Dulles, secretário de Estado norteamericano, fez uma visita ao Brasil. Afora os protestos da UNE, não houve maiores manifestações populares, em virtude do reforçado esquema policial ordenado pelo governo. Nas conversações entre Dulles e Kubitschek, foi evidenciado que, embora o governo norte-americano desejasse proceder a reformulações na OPA, o interesse prioritário dos EUA era reprimir o comunismo. Para tanto, Dulles solicitou ao governo brasileiro a oficialização da presença da Central Intelligence Agency (CIA) no país. Com o falecimento do ministro da Marinha Antônio Alves Câmara em 14 de agosto de 1958, a pasta passou a ser ocupada, a partir do dia 19, pelo almirante Jorge do Paço Matoso Maia. Em outubro, em virtude da crescente deterioração dos preços do café, ressurgiu a idéia da Marcha da Produção. Jânio Quadros, ainda solidário com o movimento, veio ao Rio a fim de discutir o problema com Juscelino e Lucas Lopes, trazendo um documento reivindicatório dos agricultores. Como a situação financeira do país estivesse muito precária tendo em vista a questão do déficit orçamentário, a política cafeeira empreendida por Juscelino fora a de estimular a produção destinada à exportação, criando, para tanto, um grupo de trabalho no Conselho de Desenvolvimento. Lucas Lopes, por sua vez, fazia restrições à política vigente de retenção do café por considerá-la inflacionária. Entretanto, como a filosofia oficial era de proceder ao desenvolvimento acelerado, mesmo que este acarretasse o processo inflacionário, o governo propôs um preço mais baixo para a compra do produto. Por outro lado, tratou de aumentar o câmbio de custo para a importação de gasolina, trigo e outros produtos de primeira necessidade. Essa medida, tomada nos primeiros dias da administração Lucas Lopes, além de refletir de maneira negativa sobre o custo de vida, provocara agitação na lavoura cafeeira, notadamente entre os produtores do Paraná e São Paulo, os primeiros liderados pelo senador Nélson Maculan e os últimos por Jânio Quadros, de forma menos ostensiva. Como a situação se agravava a cada dia no setor agrícola, Juscelino enviou Lucas Lopes a São Paulo a fim de convencer Jânio da inconveniência de ser rearticulada a Marcha da Produção. As conversações com o governo de São Paulo não obtiveram êxito e Juscelino solicitou a Lott que tomasse as providências necessárias para impedir a manifestação. Segundo Maria Vitória Benevides, o governo susteve o movimento pela pronta intervenção do Exército, passando por cima das autoridades e polícias estaduais. Os resultados das eleições de outubro de 1958 não alteraram a composição das forças que compunham o cenário político. O PSD conservou a mesma bancada na Câmara e no Senado, a UDN, embora melhorando sua situação no Senado, manteve nível anterior na Câmara e o PTB caiu para o terceiro lugar na representação no Senado, mas equiparou-se à UDN na Câmara. Ainda em outubro, o jornal Diário de Notícias foi enquadrado na Lei de Defesa do Estado (de 18/12/1950), por haver publicado carta de brigadeiros em oposição ao ministro da Guerra. A medida recebeu amplo apoio do chefe de polícia, coronel Amauri Kruel. Segundo Juscelino, como os debates entre os integrantes do grupo de trabalho responsável pela política desenvolvimentista a ser implantada no Nordeste não progrediam com a devida rapidez, devido principalmente às interferências de Aluísio Alves, que fora eleito governador do Rio Grande do Norte, ele propôs, em fins de 1958, uma reunião com os governadores da região. Durante o encontro, expôs as linhas centrais da mensagem que enviara ao Congresso em fevereiro, sugerindo a criação de um órgão centralizador capaz de promover o desenvolvimento do Nordeste. Por essa época, um grupo de técnicos, por sugestão de Sete Câmara, já cogitava na utilização de incentivos fiscais para canalizar recursos para a região. Em abril do ano seguinte seria criado o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (Codeno), órgão que daria origem à Sudene, criada afinal em 15 de dezembro de 1959. Em novembro de 1958, em virtude de viagem empreendida pelo ministro Correia de Melo, Lott passou a ocupar, interinamente, a pasta da Aeronáutica, acumulando-a com a da Guerra. Durante a cerimônia de posse à qual deixaram de comparecer 12 brigadeiros, Ivo Borges manifestou franca oposição à Lott, sendo, por este motivo, demitido da Inspetoria Geral da FAB. Quatro dias mais tarde, por ocasião da formatura de uma turma da Escola de Comando da Escola Maior da Aeronáutica, ocorreu outra manifestação de indisciplina. Lott puniu igualmente os manifestantes. Em face da agitação que esses incidentes provocaram no seio das forças armadas, o general Osvaldo Cordeiro de Farias, em reunião com o presidente, salientou que a presença de Lott no Ministério da Guerra era incompatível com a política de pacificação apregoada pelo governo. Juscelino, no entanto, mostrou-se irredutível quanto à permanência de Lott naquela pasta. Em fins de 1958, contrária à transferência da capital da República, a UDN tomou iniciativas para adiar o evento. Carlos Lacerda requereu uma CPI que intimava os diretores da Novacap e todos os empreiteiros das obras a prestarem depoimento, alegando irregularidades na construção de Brasília. Ante a anunciada adesão do PTB, o qual sentia-se enfraquecido na composição parlamentar, Kubitschek advertiu Goulart de que o governo romperia com o partido caso este endossasse a proposta udenista. Goulart ordenou então a seus partidários que não assinassem o requerimento para a convocação da CPI, a qual não foi instalada na época por não ter obtido o apoio parlamentar necessário. Entretanto, as forças que apoiavam o governo comprometeram-se a adiar a CPI até a inauguração da nova capital. Em março de 1959 o Comitê dos 21 organização formada em janeiro por representantes dos países que aderiram à OPA — aprovou o sistema de quotas para a importação do café, imposto pelos EUA com o intuito de estabilizar os preços do produto, e a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na ocasião, o governo norte-americano prometeu apoiar a criação de um mercado comum latino-americano. Quanto ao cenário político, ainda em março de 1959, em meio aos debates acerca da sucessão presidencial a ser disputada em outubro do ano seguinte, Goulart sugeriu a Kubitschek a idéia do continuísmo, alegando que Lott, possível candidato do governo, não teria respaldo popular, e que Jânio Quadros, também provável candidato, colocaria sob ameaça, caso fosse eleito, o futuro do país. A proposta de uma emenda constitucional para permitir a reeleição do presidente, que já havia sido sugerida por alguns pessedistas, foi rejeitada por Juscelino. Em abril, sem contar ainda com qualquer apoio partidário, Jânio iniciou sua campanha à sucessão presidencial. Quanto a Lott, embora já houvesse solicitado transferência para a reserva desde janeiro, com o intuito de também concorrer às eleições, teve seu pedido indeferido por Juscelino, o qual considerava imprescindível o apoio militar conferido pelo ministro ao governo. Lott permaneceria assim à frente do ministério da Guerra por algum tempo mais. Em maio de 1959 realizou-se em Natal o II Encontro dos Bispos do Nordeste. Durante o evento, foi enfatizada a necessidade de se instalar a linha de transmissão energética da usina de Paulo Afonso, situada no rio São Francisco, até Natal, e de se construir a barragem de Boa Esperança no rio Parnaíba. Também em maio, o primeiro-ministro cubano Fidel Castro, que acabara de liderar a revolução vitoriosa em seu país, veio ao Brasil, visitando, na ocasião, as obras de construção de Brasília. No dia 17 de junho tornou-se público o rompimento de Juscelino com o FMI, provocado pela recusa do governo brasileiro em ceder às exigências do órgão para a concessão de financiamentos. A população do Rio, através de suas organizações de classe, compareceu em massa ao Catete, em atitude de solidariedade ao presidente, portando faixas e cartazes em favor do estabelecimento das relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética e a China Popular. Por outro lado, opondo-se à atitude firmada por Juscelino, Lucas Lopes exonerou-se do Ministério da Fazenda no dia 3 de julho. No dia seguinte foi nomeado para aquela pasta Sebastião Pais de Almeida, que até então ocupava a presidência do Banco do Brasil e foi substituído por Maurício Bicalho. Ainda em junho de 1959, por iniciativa da UDN, foi organizada na Câmara uma CPI para apurar os atos de corrupção que estariam sendo praticados por elementos do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), dirigido pelo general Amauri Kruel. A UDN, centralizando seus ataques em Kruel, desencadeou grave crise política. Em decorrência do incidente entre o deputado Geraldo de Meneses Cortes, líder da UDN, e Kruel, o qual, ao ser atingido por insultos, agrediu fisicamente o parlamentar, Lott, enquanto porta-voz do governo, solicitou ao general que se exonerasse do cargo. Com a demissão de Kruel, no mesmo mês a CPI foi desativada. Em julho, ainda em meio à celeuma decorrente da ruptura do governo com o FMI, Válter Moreira Sales foi nomeado embaixador do Brasil em Washington. Ernâni Amaral Peixoto, que exercia essas funções, assumiu no dia 28 o Ministério da Viação e Obras Públicas em substituição a Lúcio Meira. Este, por sua vez, com a exoneração de Roberto Campos da presidência do BNDE ainda naquele mês, passou a ocupar seu lugar. O poder da aliança PSD-PTB, que funcionava como bloco de apoio para a implementação do programa desenvolvimentista de Juscelino e possuía a variante PCB aliada ao PTB na área sindical, começou a ser seriamente ameaçado quando as correntes sindicais janistas passaram a se impor como força em âmbito nacional. No segundo semestre de 1959, formou-se o chamado Movimento Jan-Jan organizado para promover as candidaturas de Jânio e João (Jango) Goulart à presidência e à vice-presidência da República. Paralelamente, a aliança PSD-PTB passou a ser eclipsada pela atuação dos grupos interpartidários: a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e a Ação Democrática Parlamentar. O primeiro, criado em 1957, constituía um grupo de pressão com uma plataforma “nacionalista”, que condenava o imperialismo em geral e o capital estrangeiro em particular, principalmente em relação ao petróleo e à remessa de lucros. A Ação Democrática Parlamentar, segundo denúncias de alguns grupos, estaria sendo financiada pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), entidade criada em 1959 com ligações com a CIA (o que seria confirmado posteriormente) e reunia grupos ultraconservadores, incluindo a ala que permanecia “golpista” na UDN. Dentro do panorama sucessório, Jânio, em virtude do prestígio obtido em sua gestão no governo de São Paulo, era o candidato de maior cotação popular, apresentando-se de início desvinculado de qualquer compromisso partidário. O nome de Ademar de Barros, então prefeito de São Paulo, era também cogitado para a presidência da República. Embora a candidatura do marechal Lott fosse se consolidando no seio do PSD, o PTB omitia seu apoio alegando a fraqueza eleitoral do ministro. Por outro lado, mesmo com a dissidência chefiada por Fernando Ferrari, o PTB aspirava à reeleição de Goulart à vice-presidência. Pouco antes da candidatura Lott ser articulada, Juscelino cogitou em articular a do udenista Juraci Magalhães como forma de romper o rodízio PSD-PTB, mas logo recuou dessa idéia. Segundo Maria Vitória Benevides, Juscelino, ao manifestar-se favorável àquela candidatura, pretendia quebrar o combate sistemático da UDN contra seu governo, “prevendo sua própria situação política após o término do mandato e sua — tida como certa — reeleição em 1965”. Ainda em meados de 1959, durante a ausência de Goulart, que seguira para Genebra como chefe da delegação brasileira à Conferência Internacional do Trabalho, Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, assumindo interinamente a presidência do PTB, tentou promover, em associação com o Pacto de Unidade Intersindical, a mobilização dos trabalhadores e a deflagração de numerosas greves, reivindicando a retirada da candidatura Lott em prol de um candidato “popular e nacionalista”. Ao regressar da viagem, Goulart, em conversa com o presidente, prometeu apresentar em breve a definição de seu partido ante as candidaturas. Logo em seguida, sem comunicar a Juscelino embarcou para o Rio Grande do Sul a fim de discutir o assunto com Brizola. Paralelamente, ocorreu na praça da Sé, em São Paulo, o “Comício do Feijão”, manifestação de protesto contra a política econômica do governo, promovida pelo Pacto de Unidade Intersindical. Em reunião ministerial convocada por Juscelino foi elaborada uma nota esclarecendo a opinião pública sobre as agitações que perturbavam a ordem. Na ocasião, os ministros militares, o do Trabalho e o da Justiça foram incumbidos de coordenar um plano de prevenção e repressão dos movimentos contestatórios. Apesar da nota oficial omitir nomes, a imprensa identificou Goulart e Brizola como os principais conspiradores contra a ordem pública. Ao retornar do Rio Grande do Sul, Goulart refutou as acusações que lhe eram feitas, anunciando a adesão do PTB à candidatura Lott. Solicitou então um comunicado oficial em repúdio àquelas denúncias, comprometendo-se, em contrapartida, a fazer numerosas declarações a favor da legalidade. Assim, em fins de 1959, Lott impunha-se, no quadro sucessório, como candidato situacionista com o apoio do PSD, do PTB, do PR e a Frente Parlamentar Nacionalista. Porém, os diretórios petebistas de Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Pará e Santa Catarina cindiram com a direção nacional do partido. Durante a convenção da UDN, em 8 de novembro de 1959, Jânio foi lançado como candidato do partido às eleições presidenciais, obtendo 205 votos contra 85 dados a Juraci Magalhães. Entretanto, no dia 25 daquele mês, Jânio renunciou à sua candidatura. Esse fato, assim como a suspeita de uma conspiração de esquerda, a ser liderada por Brizola, desencadeou, em 3 de dezembro, nova revolta na Aeronáutica. Os rebeldes se apossaram de Aragarças — base aérea situada em Goiás sob a chefia do tenente-coronel João Paulo Moreira Burnier e do major Haroldo Veloso. Juscelino, ao tomar conhecimento dos fatos, convocou os ministros militares a fim de abafar de imediato aquele movimento. Os revoltosos, no entanto, ofereciam pouca resistência. Após desembarcarem em Aragarças, transferiram-se para Cachimbo e, em seguida, exilaram-se em Assunção, no Paraguai. A agitação iria arrefecer completamente dois dias depois, quando Jânio Quadros, reconsiderando a atitude tomada, aquiesceu em manter sua candidatura. O anteprojeto de lei para a criação da Sudene teve difícil tramitação no Congresso. Além da resistência quanto à nomeação de Celso Furtado para aquela superintendência por não constituir elemento representativo das oligarquias regionais, ocorreram tentativas de esfacelamento do plano, de forma a serem preservadas as tradicionais áreas de domínio político. Foi nesse sentido que Argemiro Figueiredo, relator da matéria no Senado, propôs com êxito que o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS) fosse desmembrado da Sudene. Apesar desses obstáculos, a lei que instituiu a Sudene foi sancionada por Juscelino em 15 de dezembro de 1959. Este órgão, dotado de recursos próprios e diretamente subordinado à Presidência, tinha por objetivo promover o desenvolvimento do Nordeste, sendo a industrialização da área uma das principais propostas para a absorção do amplo contingente de mão-de-obra nordestina em condição de desemprego. Para a instituição da Sudene foi instituído o sistema de incentivos fiscais, tendo em vista canalizar capitais para aquela região. Foi crescente a participação militar na vida nacional no período. A criação do Serviço Agropecuário (Seape), que visava incrementar a produção agrícola, foi iniciativa do Exército, sendo amplamente criticada pela oposição como medida “intervencionista”. Também nos cursos e seminários promovidos pelo ISEB, foi flagrante a presença de oficiais do EMFA. A Escola Superior de Guerra (ESG), de grande importância na época, foi ampliada com a criação dos cursos de imobilização nacional e de informação. Em janeiro de 1960, esteve no Brasil o presidente do México, Adolfo Lopez Mateos. Embora, a princípio, o México tenha sido o único país da América Latina a receber com reservas a OPA, reformulou sua posição após conversações entre Mateos e Kubitschek. Ainda em janeiro, em conversações efetuadas entre o comandante do I Exército, Odílio Denis, e Lott, ficou estabelecido que o ministro anteciparia sua saída da pasta da Guerra — o prazo para a desincompatibilização era abril de 1960 — a fim de que o primeiro, cuja permanência na ativa deveria se encerrar por aquela época, pudesse logo substituí-lo no cargo. Entretanto, como os petebistas, liderados por Brizola e Goulart, retardavam a realização da convenção do partido, visando assim pressionar o governo a aprovar alguns projetos de cunho trabalhista, Lott declarou, poucos dias depois, que só abandonaria a pasta que ocupava após o PTB homologar sua candidatura. Diante da agitação gerada pela decisão de Lott, bem como da resistência do governo em ceder às reivindicações feitas, o PTB fixou a convenção para 17 de janeiro. Durante a convenção o PTB homologou a candidatura de Goulart à vice-presidência para compor chapa com Lott. Embora anteriormente alguns líderes houvessem manifestado preferência na indicação de Osvaldo Aranha para aquele cargo, a questão deixou de ser debatida com o falecimento deste poucos dias depois (27/1/1960). No dia 12 do mês seguinte, Lott foi substituído no Ministério da Guerra por Denis, o qual nomeou Orlando Geisel para chefiar seu gabinete. Nos primeiros dias de fevereiro de 1960, em reunião com os governadores dos estados e territórios da região Norte, Juscelino anunciou o início da colonização das margens da rodovia Belém — Brasília e, propôs a construção da Brasllia — Acre, providenciando, em seguida, a criação de uma comissão no DNER para proceder a este empreendimento, o qual seria concluído em dezembro. Durante o encontro, Juscelino anunciou ter entrado em contatos com o Serviço de Proteção aos Índios, visando incrementar as culturas de seringais, castanhas e outras lavouras para promover a integração das tribos que habitavam a região. No dia 23 chegou ao Brasil o presidente Eisenhower que, em decorrência da vitória da Revolução Cubana (1/1/1959), procedia ao fortalecimento da política de aproximação dos EUA com a América Latina. Em meio às conversações, o presidente norte-americano questionou Kubitschek sobre o interesse do governo brasileiro em reatar, em novas bases, as relações com o FMI. Juscelino acatou a proposta e, após o regresso de Eisenhower, o embaixador Válter Moreira Sales seguiu para Washington a fim de reabrir as negociações com o FMI que, em maio, concederia volumoso empréstimo ao Brasil. Em decorrência da viagem feita à América Latina, Eisenhower consentiu com o plano de criação do Fundo de Progresso Social, que seria apresentado em setembro em Bogotá, na reunião do Comitê dos 21. Diante da tensão reinante no cenário político, reforçada pela insistência das Ligas Camponesas — movimento reivindicatório dos trabalhadores rurais sob a liderança de Francisco Julião — que insistiam na execução da reforma agrária, bem como pelas inúmeras greves que vinham sendo deflagradas, o governo, naquele início de ano, chegou a ameaçar a decretação do estado de sítio. Segundo as memórias de Juscelino, frente àquela situação Goulart chegou a aconselhá-lo a entregar o poder às forças armadas e alguns políticos voltaram a defender a idéia de continuísmo. Ambas as propostas foram rejeitadas pelo presidente, o qual em entrevista concedida ao jornalista Carlos Castelo Branco, em março, reafirmou seu interesse em deixar o governo ao fim do mandato, com a Constituição intocável. Em decorrência da luta partidária pelo controle político do estado da Guanabara, a ser implantado com a transferência da capital, Juscelino decidiu indicar para governador provisório o chefe do Gabinete Civil, José Sete Câmara, por considerá-lo apolítico. Ainda em março daquele ano, o Nordeste foi submetido novamente a uma situação dramática, pelo desabamento de fortes temporais que ameaçavam a população com enchentes e inundações. A situação atingiu o clímax quando o açude de Orós, que o governo vinha construindo no Ceará, ameaçou romper-se. Apesar das iniciativas tomadas, o açude foi arrombado no dia 26, ocasionando enormes danos à população local. Três dias depois Juscelino seguiu para o Ceará, a fim de tomar as devidas providências. Determinando o imediato reinício das obras de Orós, conseguiu que estas fossem concluídas um mês antes do final do mandato.

Em 21 de abril de 1960, Kubitschek declarou inaugurada a nova capital, Brasília. Durante a primeira reunião ministerial realizada no palácio do Planalto, assinou mensagem dirigida ao Congresso, propondo a criação da Universidade de Brasília, que seria implantada sob a liderança de Darci Ribeiro. Após a reunião, compareceu ao ato de instalação do Congresso — efetuado por João Goulart —, bem como ao do palácio da Justiça, completando, assim, na praça do mesmo nome, a inauguração dos Três Poderes. Por aquela época, Brasília contava com uma população fixa de cem mil habitantes. Em decorrência do grande fluxo migratório provocado por sua construção, a qual absorvera grande quantidade de mão-de-obra, surgiram atividades comerciais na periferia, constituindo o “Núcleo Bandeirante” ou “Cidade Livre”. Paralelamente ergueram-se, também, nas proximidades da capital, as cidades-satélites de Taguatinga e Sobradinho. Em 25 de abril, após a renúncia de Leandro Maciel, a UDN indicou Mílton Campos para compor chapa com Jânio Quadros. No dia 7 de maio tomou posse Israel Pinheiro, primeiro prefeito de Brasília. Também no começo desse mês, Juscelino tomou as primeiras providências para a ocupação da ilha do Bananal, situada na bacia do Araguaia, que, transformada em parque nacional, favorecia o estabelecimento de núcleos pioneiros para atividades agropecuárias. Para a execução do projeto, nomeou o coronel Nélio Cerqueira para a Fundação Brasil Central. Esta instituição fora criada em 1941 para cuidar da colonização da região central do país. O projeto para a ilha do Bananal não chegou a ser implantado. Segundo as memórias de Juscelino, em fins de julho, em virtude da insistência de Goulart em assumir a presidência — a despeito do impedimento decorrente de sua candidatura à vicepresidência — durante a visita que faria a Portugal, nomeou-o chefe da delegação brasileira à reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a ser realizada em Genebra na mesma época. Assim, em 4 de agosto, pouco antes de embarcar, Juscelino transmitiu o governo ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, segundo substituto legal. Dentre as resoluções tomadas por Juscelino em meados de 1960, tiveram destaque a lei de 22 de julho que criava o Ministério da Indústria e Comércio e de Minas e Energia, a lei orgânica da Previdência Social e o início das obras de pavimentação da rodovia Rio-Bahia. A CPI contra a Novacap, requerida na Câmara pela UDN e adiada para após a inauguração de Brasília, não chegou a se constituir, principalmente porque vários diretores da companhia pertenciam àquele partido. No dia 3 de outubro realizaram-se as eleições, na qual Jânio obteve esmagadora vitória, conquistando 48% dos 11 milhões e setecentos mil votos; João Goulart reelegeu-se vice-presidente da República. Ainda em novembro de 1960, foi deflagrada uma greve no Rio, articulada, segundo Juscelino, por elementos da esquerda, visando paralisar os transportes do país e pressionar o Congresso a votar o chamado “Plano de Paridade de Vencimentos” entre civis e militares. Considerando a greve ilegal, no dia 8 Juscelino incumbiu o ministro da Viação, Ernâni Amaral Peixoto, de intimar o pessoal das autarquias e serviços subordinados a retornar ao trabalho no dia seguinte, sob pena de demissão. Preocupado com o rumo dos acontecimentos, elaborou ainda uma mensagem, apresentada ao Congresso, solicitando a instauração do estado de sítio, caso fosse necessário. Essas medidas tomadas pelo governo impeliram as lideranças trabalhistas a encerrar a greve. Porém, logo depois, o Congresso aprovou suas reivindicações, que foram transformadas em lei no dia 23 do mesmo mês. Em fins de dezembro de 1960, partidários da UDN, PSD, PSP, PDC, PR, PL e PSB efetuaram uma mobilização pública em Goiás no sentido de ser concedida a Juscelino uma cadeira no Senado para que ali representasse o estado, após deixar a presidência. Como não havia vaga disponível, o senador Taciano Gomes de Melo decidiu renunciar, em 10 de janeiro de 1961, solucionando assim o impasse. Com a renúncia deste senador, tornou-se possível o lançamento da candidatura de Juscelino para o preenchimento da vaga nas eleições a serem realizadas em junho daquele ano. Logo após deixar o Senado, Taciano de Melo foi nomeado pelo presidente ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Em 31 de janeiro de 1961, Kubitschek transmitiu o poder a Jânio Quadros. Política econômica: medidas Durante a primeira reunião de seu ministério, realizada no dia 1º de fevereiro de 1956, Juscelino expôs seu plano de governo — o Programa de Metas — e instituiu o Conselho de Desenvolvimento, órgão controlador da economia, diretamente subordinado à Presidência, designando para integrá-lo os ministros de Estado, os chefes dos gabinetes Civil e Militar e os presidentes do Banco do Brasil (BB) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Tendo por objetivo promover o desenvolvimento através de uma industrialização acelerada e considerando que a entrada de capital estrangeiro no país era condição necessária a esse processo, o Programa de Metas abrangia os setores de energia (Metas um a cinco), transportes (seis a 12), alimentação (13 a 18), indústria de base (19 a 29) e educação (30). Na área de energia, as preocupações se concentravam na energia elétrica e nuclear, no carvão mineral e na produção e refino do petróleo; no setor de transporte, eram previstos o reequipamento e a construção de estradas de ferro, a pavimentação e construção de estradas de rodagem, a construção de portos e barragens e ainda o desenvolvimento da marinha mercante e dos transportes aéreos; no setor de alimentação, planejava-se a importação de trigo, a instalação de armazéns, silos, frigoríficos e matadouros, a produção de fertilizantes e a mecanização da agricultura; na área das indústrias de base, previa-se o aumento da produção de aço, alumínio e outros metais não-ferrosos, cimento, papel, celulose e borracha e tratava-se ainda da implantação das indústrias automobilística, naval, de maquinaria pesada e de equipamento elétrico. Por fim, como “meta-síntese”, figurava a construção de Brasília. Embora o governo de Washington tenha demonstrado pouco interesse pela política econômica de Juscelino, também no dia 1º de fevereiro, Richard Nixon, então vice-presidente dos EUA, que viera ao Brasil assistir à posse do novo presidente, aceitou a concessão de 35 milhões de dólares de empréstimo, em nome de seu governo, para a expansão da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. Sete dias depois, em decorrência dos convites que havia efetuado, Juscelino recebeu a visita do diretor da Daimler Benz, da Alemanha, com quem estabeleceu entendimentos para a implantação de uma fábrica de veículos automotores no país. No dia seguinte recebeu um grupo de industriais norte-americanos interessados em conhecer as possibilidades oferecidas pelo mercado nacional. Dias depois, entrou em acordo com os diretores da fábrica Fokker, Indústria Aeronáutica S.A., sobre a necessidade de serem ampliadas suas instalações no Galeão, tendo em vista a fabricação de aviões no Brasil. Ao início do mês de maio, Juscelino convocou uma reunião com os técnicos do Conselho de Desenvolvimento a fim de equacionar a meta do petróleo e dar início aos estudos para a construção da refinaria de Duque de Caxias, no estado do Rio. Também nessa reunião Juscelino instruiu os técnicos para que fosse formado um grupo de trabalho para a implantação da indústria automobilística no país, com 30 dias para apresentar estudos e sugestões. Ainda nesse mês, Juscelino visitou os empreendimentos da Petrobras no Recôncavo Baiano, inspecionando os trabalhos de ampliação da refinaria de Mataripe e inaugurando o oleoduto Catul-Mata-Candeias. Em junho Juscelino assinou o decreto de criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), cuja meta inicial era a fabricação de jipes e caminhões no país. O ministro Lúcio Meira foi nomeado diretor desse órgão. Em vista do desinteresse inicial dos EUA em investir na indústria automobilística brasileira, o governo contou a princípio basicamente com o capital inglês, francês e alemão. Convidado a participar do encontro dos presidentes a ser realizado em 21 de julho de 1956 no Panamá, Juscelino, descontente com o pouco crédito que os EUA concediam ao seu programa governamental, condicionou sua presença à execução de alguns projetos elaborados desde 1953 pela Comissão Mista Brasil — Estados Unidos. Em decorrência, o governo norte-americano liberou três daqueles projetos, uma semana antes da conferência: o da barragem de Três Marias (MG), o de reequipamento das ferrovias e o de dragagem e reaparelhamento dos portos, num total de 151 milhões de dólares. Diante da reação do governo norte-americano, Juscelino decidiu empreender a viagem. Durante o encontro, discursou sobre os problemas da América Latina, declarando ser imprescindível o auxílio financeiro dos EUA para superá-los e se garantir assim a segurança do continente ante a ameaça comunista. Diante da insistência do governo norte-americano numa revisão do monopólio estatal do petróleo para tornar possível a participação no setor de grupos nacionais ou estrangeiros, Juscelino, em conversações com o presidente Dwight Eisenhower, declarou que a exploração daquele produto seria efetuada exclusivamente pelo governo brasileiro, em conformidade com a legislação vigente. Em meados de 1956, no intuito de obter recursos para a formação de uma companhia siderúrgica piloto em Minas Gerais — a ser denominada Usiminas —, Juscelino procurou expandir a produção de aço do estado adquirindo na Europa equipamentos para a Companhia Aços Especiais Itabira (Acesita), que iriam triplicar sua produção. Apesar das dificuldades financeiras do país, Juscelino procurava um meio capaz de viabilizar a execução de seu projeto. Com a participação de um grupo de empresários japoneses que vinha naquela época estudar as possibilidades de aplicação de capitais na indústria siderúrgica brasileira, tornou-se possível a construção da Usiminas no vale Rio Doce. Em 15 de setembro tiveram início as obras da barragem de Três Marias, com financiamento dos governos brasileiro e norte-americano. Ainda no final de setembro, foi inaugurada a fábrica de caminhões da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo (SP). Interessado em implantar a indústria de construção naval no país, em 19 de outubro Juscelino encaminhou ao Congresso o projeto de lei que criava o Fundo e a Taxa de Marinha Mercante. Antes mesmo da aprovação do projeto — que só ocorreria em julho de 1958 —, instituiu uma comissão para efetuar os primeiros estudos, sob a presidência do ministro Lúcio Meira. Além dessa medida, Juscelino procedeu à ampliação das frotas de cabotagem de longo curso e de petroleiros, negociando a aquisição de navios norte-americanos, poloneses e finlandeses. Em 10 de novembro, com o objetivo de proceder à instalação de centrais nucleares, Juscelino constituiu a Comissão Nacional de Energia Nuclear, visando incentivar a formação de técnicos, a obtenção e industrialização de matérias-primas e a utilização dessa nova fonte de energia. Em 29 de novembro, sancionou a lei que abolia o imposto único sobre combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos e instituía impostos diferenciados para estes produtos, visando proporcionar ao governo recursos para a manutenção e ampliação do sistema rodoviário. Para implementar esse projeto, foram importadas máquinas e equipamentos no valor de 65 milhões de dólares. Tendo em vista os acordos firmados com os EUA durante o governo Café Filho referentes à energia atômica — o Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil e o Acordo de Cooperação para Uso Civil da Energia Atômica —, Juscelino, para a realização dos ajustes, negociou a troca do minério radiativo, a monazita, do Brasil, por trigo norte-americano. Entretanto, de acordo com suas memórias, o contrabando de monazita e o nãoaproveitamento das ultracentrífugas encomendadas na Alemanha constituíram obstáculos para que o país equacionasse o problema da energia nuclear. Em janeiro de 1957 foi criado o Conselho de Política Aduaneira (CPA), subordinado diretamente à Presidência da República, com poderes para aplicar tarifas de maneira flexível, de acordo com as necessidades do país no processo de substituição de importações. O CPA poderia reduzir em até 50% os impostos sobre maquinaria importada se não houvesse similar nacional. Em 1º de fevereiro de 1957, quando do primeiro aniversário do governo de Juscelino, foi inaugurada a rodovia BR-3 (Rio-Belo Horizonte), iniciada no princípio de sua gestão. Com o objetivo de efetuar a integração das regiões do país, Juscelino procedeu à construção de um amplo sistema rodoviário, um “cruzeiro de estradas” que teria Brasília como centro. Para a execução do projeto, incrementou a produção de cimento e instruiu Janari Nunes, presidente da Petrobras, no sentido de ser implantada no país uma fábrica de asfalto. Também no início de 1957, acirraram-se os debates em tomo da construção da hidrelétrica de Furnas. Em Minas, o governador Bias Fortes combatia o projeto por considerar um desperdício a construção simultânea no estado dessa usina e da de Três Marias, alegando também o fato de que Furnas iria favorecer primordialmente São Paulo. A usina de Três Marias não só iria beneficiar as condições de navegabilidade do rio São Francisco, como daria impulso ao desenvolvimento industrial de Minas. São Paulo, interessado na construção da usina de Paraguatuba, a ser instalada no estado, criticava também a execução de Furnas, principalmente em virtude da participação decisiva da Light — empresa canadense, concessionária dos serviços de distribuição de energia elétrica — na execução do projeto. O ponto nevrálgico da questão consistia porém no fato de que o custeio do empreendimento deveria ser dividido em três partes, cabendo a maior ao governo federal, e as outras duas aos dois estados, o que acarretaria considerável ônus para seus orçamentos. Apesar da forte resistência manifestada a princípio, os dois governadores, Bias Fortes e Jânio Quadros, acabaram por aceitar a participação de seus estados no empreendimento. Assim, no dia 28 de fevereiro de 1957 foi organizada a companhia de Furnas, cujo projeto era, na época, o maior do continente e o terceiro do mundo. A construção da usina teria início no ano seguinte. Em julho de 1957 a empresa norte-americana Ford providenciou a instalação de uma fábrica de caminhões no Brasil. Em princípios de outubro, o ministro da Fazenda José Maria Alkmin compareceu à reunião da junta de governadores do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), conhecido como Banco Mundial, realizada em Washington. Na ocasião, negociou empréstimos no valor de 59 milhões de dólares, adiantados pelo FMI e por bancos privados norte-americanos, a fim de aliviar as fortes pressões sobre o balanço de pagamentos. Naquele mesmo mês, o presidente do Instituto Brasileiro do Café (IBC), Paulo Guzzo, em encontro com representantes de outros países produtores de café, realizado no México, sugeriu a formulação de um acordo com vistas à estabilização do preço do produto. O ano de 1957 terminou com o elevado déficit de 286 milhões de dólares no balanço de pagamentos, causado principalmente pela situação desfavorável do café e o aumento das importações de máquinas e equipamentos. Em janeiro de 1958 foi inaugurada em Olinda (PE) a indústria de fertilizantes Fosforita, que, embora fruto da iniciativa privada, teve decisivo apoio do governo. No dia 29 do mesmo mês teve início às margens da rodovia Rio-Petrópolis, a construção da refinaria Duque de Caxias, que só seria concluída após o governo Kubitschek. Também em janeiro de 1958 realizou-se no Rio a Conferência Internacional do Café, que reuniu representantes de quase todos os países do mundo. Na ocasião, o Brasil propôs que os países produtores e consumidores se unissem num acordo visando a estabilidade do preço do produto, decidindo criar, com o apoio dos representantes dos países latino-americanos, a Organização Internacional do Café (OIC). A oposição dos EUA e da Bélgica e o fracasso dos entendimentos com os países africanos, entretanto, impediram na época a concretização dessa idéia. Os países latinoamericanos aceitaram então a proposta norte-americana de um acordo regional, o Convênio LatinoAmericano do Café, que seria assinado em setembro daquele ano. A OIC só seria criada mais tarde, em 1963, após prolongadas negociações patrocinadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em 28 de abril de 1958 teve lugar o desfile da Bandeira Automobilística Brasileira, no qual foi apresentado o primeiro automóvel fabricado no Brasil, o Sedan-Turismo DKW-Vemag, com 50% das peças de fabricação nacional. Em junho, com a vinda ao Rio do secretário do governo norte-americano Roy Rubottom e a criação da OPA, Juscelino solicitou imediatamente auxílio financeiro dos EUA, para reparar os prejuízos resultantes da baixa do preço do café no mercado internacional. O governo norteamericano, apesar das primeiras resistências, concordou em conceder novo empréstimo ao Brasil. Por outro lado, durante todo o primeiro semestre de 1958, Alkmin tentou obter novos financiamentos do Eximbank e de bancos privados norte-americanos com pagamentos a prazo exíguo, do tipo swap, no valor de duzentos milhões de dólares, além da liberação de uma nova quantia de 37,5 milhões de dólares através do FMI. Esse fundo, entretanto, condicionou a ajuda à execução de medidas que, a seu ver, regularizariam a situação financeira do Brasil. Após prolongadas negociações, Alkmin obteve o empréstimo solicitado mediante o compromisso de realizar as reformas exigidas pelo FMI. Estas, no entanto, criaram sérios obstáculos à aprovação do empréstimo norte-americano de duzentos milhões de dólares. As dificuldades na obtenção de financiamentos externos e o aumento da inflação ao longo do semestre expuseram Alkmin a críticas generalizadas, provocando sua substituição no Ministério da Fazenda por Lucas Lopes. No intuito de atender às exigências do FMI, Lucas Lopes elaborou o Plano de Estabilização Monetária (PEM), que estabelecia uma rigorosa política antiinflacionária. Embora considerasse relevante a adoção dessa política ante a delicada situação financeira do país, Juscelino mostrou-se intransigente em relação à liberação das verbas destinadas ao Programa de Metas. Para o presidente, o índice inflacionário da época, de 13,5 % ao ano, era irrisório diante das obras que vinha realizando no setor básico da economia, bem como da taxa de crescimento econômico do país, a qual se mantinha na base de 7% ao ano. Durante sua visita ao Brasil nos primeiros dias de agosto de 1958, o secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles, reafirmando a posição de seu governo em relação à exploração do petróleo brasileiro, negou a possibilidade de qualquer financiamento ou endosso do Eximbank para empreendimentos no setor, o que suscitou enérgica reação de desagrado por parte de Juscelino. A visita de Dulles trouxe, no entanto, algumas vantagens para o governo brasileiro, pois os EUA, considerando os princípios da OPA, admitiram a criação de uma entidade que posteriormente, em 1959, constituiria o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A idéia de um mercado comum latino-americano, que se concretizaria na Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), começou também a tomar forma. Ainda como resultado das negociações, o Eximbank, juntamente com um grupo de bancos particulares norte-americanos, concedeu volumosos créditos ao Brasil, com amortização, a partir de 1962, em até cinco anos. Em 14 de novembro de 1958 foi inaugurada a ligação rodoviária Brasília-Santos. Quanto à meta de construção naval, em 13 de dezembro foi lançada a pedra fundamental dos estaleiros da empresa japonesa Ishikawajima e, em fevereiro do ano seguinte, foram inauguradas nas proximidades de Angra dos Reis (RJ) as instalações do estaleiro que congregava capitais e técnicos nacionais e holandeses. Em março de 1959 tiveram início a construção da Cosipa em Piaçagüera, próximo ao município de Cubatão (SP), e as obras da Usiminas, situada às margens do rio Piracicaba, perto da confluência com o rio Doce, em Minas Gerais. Em 31 de dezembro, Juscelino autorizou a Comissão Nacional de Energia Nuclear a tomar providências para a instalação de uma central térmica núcleo-elétrica na bacia do rio Mambucata, no estado do Rio, na área onde seriam mais tarde efetivamente instaladas usinas nucleares. Em janeiro de 1960, lançou em Poços de Caldas a pedra fundamental da usina de beneficiamento de urânio, empreendimento a cargo da Comissão Nacional de Energia Atômica. A instalação dessa usina foi possível graças a um acordo de financiamento com bancos franceses. Em fevereiro de 1960, a Caravana da Integração Nacional, composta de quatro colunas de veículos de fabricação nacional, que haviam partido dos extremos do país, encontram-se em Brasília, demonstrando o grande número de estradas construídas. Em outubro foram concluídas as rodovias São Paulo-Cuiabá e a Fernão Dias, que liga Belo Horizonte a São Paulo. Em novembro foi montado o primeiro trator fabricado no país, por iniciativa da empresa americana Ford. De acordo com os planos da GEIA, a fabricação de tratores representava a última etapa da indústria automobilística. Política econômica: balanço Ao assumir a presidência, Juscelino herdou a difícil situação econômico-financeira dos governos Vargas e Café Filho. A superprodução do café, os déficits do Tesouro e perda do poder de compra das exportações formavam na época, segundo Carlos Lessa, um “quadro impressionante de desequilíbrios econômicos”. Embora a economia acusasse instabilidade e crescente inflação, o que ameaçava a execução do Programa de Metas, o ministro da Fazenda, José Maria Alkmin, propôs-se basicamente a impedir que os desequilíbrios tomassem vulto a ponto de comprometer o êxito do programa desenvolvimentista de Kubitschek. Na época, reinava um clima de expectativa em torno da propalada reforma cambial, que havia sido apresentada pelo ministro da Fazenda de Café Filho, José Maria Whitaker, em setembro de 1955 e fora elaborada juntamente com Edward Bernstein, representante do FMI no Brasil. A decisão quanto à aprovação da reforma julgada inoportuna na época fora transferida para o governo Kubitschek. A reforma pretendia estabelecer o regime de câmbio livre em substituição ao sistema múltiplo de câmbio que fora instituído em 1953 durante o governo Vargas. Suas principais conseqüências seriam a desvalorização do cruzeiro e a supressão do confisco cambial, mecanismo que propiciava ao governo recursos adicionais para comprar os excedentes de café e subsidiar as importações de petróleo, trigo, papel e outros produtos básicos. Alkmin opôs-se à reforma cambial e ao abandono da política de defesa do café, entrando em divergência com Lucas Lopes, presidente do BNDE, e Roberto Campos, diretor-superintendente da mesma entidade. Em 17 de março de 1956, após várias reuniões com seus assessores econômicos, Kubitschek, com o grupo de Alkmin, rejeitou a reforma. Assim, a política cambial continuou sem grandes modificações, tornando-se um dos instrumentos básicos da nova política de desenvolvimento industrial. Com a Instrução nº 127, de 1956, os equipamentos destinados a setores básicos da economia, como os da produção de veículos e da indústria naval, passaram a figurar juntamente com o petróleo, o papel e o trigo, entre os produtos de importação fortemente subsidiados. Por outro lado, Alkmin manteve o confisco cambial sobre o café, procurando manter fixas, durante o maior período de tempo possível, as bonificações pagas aos exportadores, mas garantindo, em compensação, a compra de toda a produção cafeeira nacional. A política monetária instaurada procurava simultaneamente assegurar o crédito à expansão dos investimentos públicos e atenuar as conseqüências mais perturbadoras da inflação. O principal instrumento de combate à inflação foi a Instrução nº 135 da Sumoc, de 19 de julho de 1956, que restringiu o crédito bancário ao setor privado. Segundo Peláez e Suzigan, a substancial inflação verificada ao fim do primeiro ano de governo foi acompanhada por uma queda drástica da taxa de crescimento da renda real, provocada basicamente pelo fraco desempenho do setor agrícola. Em compensação, houve uma sensível recuperação da produção industrial e um recorde nas exportações de café, a preços satisfatórios. Entretanto, no início de 1957, surgiram os primeiros sinais de crise nos preços daquele produto, agravando-se a situação no ano seguinte. A cotação do café em Nova Iorque baixou de 60 a 85 pontos e as vendas desse produto aos Estados Unidos caíram 19%, atingindo a menor cifra desde 1953. Além dos problemas relacionados com a oferta do produto no mercado internacional, a situação interna do café agravara-se pelo fato de que os produtores, incentivados pelos altos preços de 1951 a 1954, haviam expandido enormemente a produção. Para atender às exigências da política cafeeira, o Instituto Brasileiro do Café (IBC) recebeu aproximadamente 250 milhões de cruzeiros do governo, o que causou grande impacto na economia do país. Através de uma política agressiva de vendas do produto, em 1959 ocorreria uma expansão de cinco milhões de sacas, resultando daí um aumento de cerca de 55 milhões de dólares no ingresso de divisas provenientes do café. O Programa de Metas de Juscelino, destinado sobretudo a promover o desenvolvimento através de uma industrialização acelerada, teve um grande número de metas consideravelmente ultrapassado em relação aos objetivos previamente estipulados. Para a implementação desse programa foram criados grupos de trabalho subordinados ao Conselho de Desenvolvimento. Segundo Carlos Lessa, a consecução dos objetivos propostos pelo plano efetuou-se, graças a quatro peças básicas: a primeira consistiria no estímulo à entrada de capital estrangeiro, a segunda na ampliação da participação direta do setor público na formação interna do capital, a terceira na canalização de recursos privados para as áreas consideradas estratégicas e a quarta no tratamento do problema da estabilidade permitindo uma alta taxa de inflação — cerca de 20% ao ano. Além dos estímulos permitidos pela legislação que favorecia a entrada de capital estrangeiro, o governo dispunha de outra importante fonte para angariar recursos. Através do BNDE assegurava o acesso a créditos do exterior aos empresários, que assumiam a co-responsabilidade pela liquidação do débito.

Segundo Carlos Lessa, uma das sérias conseqüências da política de capital estrangeiro do Plano de Metas foi ter possibilitado que uma parcela do excedente gerado internamente na economia fosse apropriado pelas empresas que gozavam dos benefícios legais através do subsídio implícito nas liquidações de créditos externos. O governo atuou naquele período como um instrumento deliberado e efetivo do desenvolvimento, o que ficou evidenciado pela intervenção contínua do Estado como orientador dos investimentos através do planejamento. De acordo com os dados fornecidos pela FGV, a participação do governo na formação bruta do capital fixo, excluindo-se as empresas estatais, cresceu de 25,6% no quatriênio 1953-1956 para 37,1% nos quatro anos do Plano de Metas. Se incluídas as empresas estatais, essa participação se elevaria a 47,8% no período 1957-1960. Quanto à política creditícia, a participação do setor público nos saldos de empréstimos ao final do ano elevou-se de 15,3% no triênio 1954-1956 para 19,5% no triênio subseqüente. Nesse período cresceu igualmente a participação do Banco do Brasil no total das operações bancárias, outorgando aproximadamente metade do total de empréstimos ao setor privado, no final dos anos 1950. Segundo M. Vitória Benevides, se a taxa de inflação atingida no período provocou, por um lado, distorções na estrutura de investimentos, por outro lado, funcionou como “inflação de lucros, como técnica de poupança forçada, ou melhor, técnica de confisco cambial”. Entre os fatores inflacionários mais importantes, destacaram-se os gastos com o ritmo acelerado das obras, principalmente da construção de Brasília; o declínio dos preços dos produtos de exportação, a partir de 1955; a superprodução de café, que levava o governo a financiar os estoques invendáveis; os empréstimos ao setor privado através do Banco do Brasil, e o excesso de despesas públicas, sobretudo com reivindicações salariais sancionadas pelo Congresso em nível superior à possibilidade de crescimento da receita. Para Juscelino, era necessário no entanto aceitar o ônus da inflação já que esta poderia ser corrigida a longo prazo. A grande entrada de capital estrangeiro foi, no entanto, a principal fonte de oposição à política econômica de Juscelino, notadamente por parte da esquerda. De um lado, o mecanismo de proteção às manufaturas de origem nacional obrigava as empresas norte-americanas a investir diretamente no Brasil, a fim de não perderem o mercado. Do outro, o governo concedia isenções e privilégios, como a Instrução nº 113 da Sumoc — em vigor desde a administração Café Filho —, permitindo que aquelas empresas importassem bens de produção, sem cobertura cambial, enquanto negava o mesmo direito às brasileiras. Entre 1955 e 1961 entraram no país 2.180 milhões de dólares e menos de 5% foram destinados a áreas fora das prioridades do governo. E, em 1958, o setor de meios de produção já contribuía com 55,5% para o conjunto da produção industrial brasileira, superando o de bens de consumo. Entretanto, o processo de industrialização acelerou a desnacionalização da indústria, a transferência dos centros de decisão para fora do país. Os empresários nacionais, a fim de gozarem das mesmas vantagens que os estrangeiros, a eles se associavam, ampliando-lhes o poder de barganha frente ao governo. Como a participação inicial do capital norte-americano para a execução do Plano de Metas era irrisória, o processo de aceleração industrial encontrou viabilidade na entrada de capitais europeus e japoneses. Entretanto, a entrada destes capitais, notadamente do alemão, fortaleceu no Brasil a área de resistência aos Estados Unidos, ao mesmo tempo que impeliu este país a incrementar os investimentos na indústria brasileira para manter e consolidar sua hegemonia. Assim, das 1.353 firmas registradas como brasileiras em 1958, mas com participação direta de capitais estrangeiros, 552 eram norte-americanas, sem contar aquelas onde este capital participava através de investidores de outra nacionalidade. Apesar do vertiginoso crescimento industrial, os empregos neste setor cresceram 29% no decênio 1950-1960, taxa inferior à da expansão demográfica que foi de 37,2%. Além disso, o tipo de industrialização processada tendeu a favorecer, em termos de oportunidades de emprego e incrementos salariais, a restrita faixa qualificada da população urbana. O complexo Plano de Estabilização Monetária (PEM) — elaborado por Lucas Lopes com o auxílio de técnicos do BNDE em outubro de 1958 —, dividido em duas partes, uma de “transição e reajustamento”, a ser executada até o fim de 1959, e a outra, de “estabilização”, a ser cumprida em 1960, envolvia sérias providências corretivas nos setores da moeda, do crédito, das finanças públicas e salários e do balanço de pagamentos. Diante da difícil situação financeira do país, ao ser discutido no Congresso, o plano sofreu inúmeros cortes e modificações, reduzindo-se, no dizer de Juscelino, a uma simples “lei de aumento de impostos”. É que os dispositivos conservados iriam causar grande impacto no sentido da elevação do custo de vida, o que levava o governo a um impasse difícil de ser resolvido: aumentar os impostos por um lado e mostrar-se, por outro, sensível às reivindicações salariais. A solução encontrada foi a sustentação do plano, com as emendas introduzidas e a simultânea concessão de um “abono de emergência” ao funcionalismo civil e militar da União. Enquanto aguardava a decisão do Congresso, Lucas Lopes, com o objetivo de minorar os efeitos da crise financeira, tomou medidas corretivas, comprimindo as despesas, controlando com rigor a política de liberação de verbas, sustando a execução de obras consideradas adiáveis e alterando substancialmente o nível das taxas de câmbio. Em represália ao pouco interesse demonstrado pelos EUA em empreender um programa de assistência ao Brasil e aos outros países da América Latina, em 25 de novembro de 1958, Juscelino manifestou-se publicamente pelo reatamento das relações comerciais com a União Soviética e outros países socialistas, sob aplausos de líderes sindicais que compareceram ao Catete. Segundo declarações feitas por ele próprio na ESG no dia seguinte, o interesse do Brasil em negociar primordialmente com a União Soviética estava no tipo de auxílio que este país vinha prestando, de modo a atrair a simpatia dos países subdesenvolvidos através da concessão de vultosos empréstimos, a juros baixos, amortizáveis em mercadorias do país devedor, o que contornava o problema de divisas e oferecia, muitas vezes, a possibilidade de escoamento para produtos agrícolas de difícil colocação no mercado internacional. Em 1959, quando o PEM entrou em execução, determinando uma vertiginosa elevação dos preços, ocorreu forte reação popular em oposição às medidas implementadas. Entretanto, como essa política de estabilização foi considerada insatisfatória pelo FMI, Lucas Lopes seguiu para os EUA, assumindo o compromisso, junto às autoridades daquele órgão, de ampliar as medidas corretivas do PEM. Elaborou, assim, um novo esquema de exportação, cujos itens principais seriam a fixação de preços não muito altos para o café e o lançamento no câmbio livre de todas as importações. Juscelino, preocupado com o efeito das medidas sobre o custo de vida, embora concordasse em princípio com a liberação das importações, não permitiu a suspensão do câmbio especial para a gasolina e o trigo. Embora o FMI aceitasse a contraproposta do Brasil, os jornais ligados a esse organismo desencadearam uma campanha de descrédito contra a economia brasileira. Tendo Lucas Lopes adoecido repentinamente, Juscelino decidiu conduzir as negociações com o FMI. As medidas impostas ao Brasil para a concessão do stand-by credit e mais outros empréstimos no valor de trezentos milhões de dólares mostravam-se por demais exacerbadas. Assim, ao se iniciar o mês de junho de 1959, Juscelino teve que optar por uma atitude a ser assumida pelo governo: ou submeteria o país às condições exigidas pelo FMI — câmbio livre para as importações, incentivos ao comércio exterior e extinção dos subsídios às aquisições de petróleo, trigo, papel e fertilizantes — ou romperia com aquela entidade. Decidido a dar prosseguimento ao programa desenvolvimentista, optou pela ruptura com o FMI. Segundo Celso Lafer, o Plano de Metas, representou uma parcela oscilante entre 4% e 6% do produto nacional bruto. Entre 1958 e 1961, apenas 40% dos investimentos dependeram do orçamento da União e mais da metade desse total provinha de fundos especiais ou de recursos oriundos de vinculações constitucionais, tratando-se, pois, de despesas com previsão da receita. Os gastos na construção de Brasília foram estimados por Celso Lafer em torno de 250 ou trezentos bilhões de cruzeiros, a preços de 1961, correspondendo a 2,3% do PNB. Segundo Carlos Lessa, a conclusão do Programa de Metas de certa forma coincidia com a finalização do longo processo de diversificação industrial atravessado pela economia brasileira no contato do modelo de desenvolvimento por substituição de importações. A média anual das emissões de papel-moeda, como percentagem do produto interno bruto, foi, naquele qüinqüênio, de 1,99%. A proporção, entre as emissões e a despesa orçamentária aprovada desceu em média de 23,5% entre 1950 e 1955 para 15,8% entre 1956 e 1960. Finalmente, de acordo com as estatísticas da FGV, o crescimento econômico de 1957 a 1960 chegou em média a quase 7,8% ao ano. Incluindo o ano de 1961, a média dos cinco anos subiu para 8,3% ao ano, cumulativos, indicando a forte aceleração do processo de crescimento econômico por que passou o país. Senador por Goiás Nas eleições extraordinárias realizadas em 4 de junho de 1961, Juscelino elegeu-se senador por Goiás na legenda do PSD, obtendo 146.366 votos contra 26.800 dados a seu adversário Wagner Estelita Campos, que concorrera pelo PDC. Quando da renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, concedeu total apoio à posse do substituto legal, o vice-presidente João Goulart, a qual, no entanto, foi vetada pelos ministros militares. Refutando a implantação do regime parlamentarista no país como fórmula conciliatória para garantir a ascensão de Goulart ao poder, votou contra este projeto durante a sessão realizada no Senado no dia 2 de setembro. Acatada pela maioria dos parlamentares, a medida foi porém aprovada naquele dia, constituindo a Emenda Constitucional nº 4, que possibilitou a posse de Goulart na presidência cinco dias depois. Como a emenda previa a realização de um plebiscito para abril de 1965, quando seria decidida a permanência ou não daquele regime, Juscelino passou a defender a antecipação da consulta, desenvolvendo ainda uma campanha pelo retorno ao presidencialismo, a qual contou com amplo apoio popular. Em meados de setembro de 1962, o Congresso aprovou a antecipação do plebiscito que, realizado em 6 de janeiro do ano seguinte, decidiu, por expressiva margem de votos, pelo restabelecimento do presidencialismo. Em meio ao processo de radicalização política, com o intensificado avanço do movimento em favor das reformas de base, setores civis e militares conservadores passaram a articular um golpe contra o governo Goulart.

Paralelamente, os partidos políticos definiam-se quanto à sucessão presidencial a ser disputada em outubro de 1965: o PSP homologou, em fevereiro de 1964, a candidatura de Ademar de Barros e o PSD, em março, a de Juscelino Kubitschek, enquanto a candidatura de Carlos Lacerda, governador da Guanabara, vinha sendo articulada pela UDN. Entre os militares, os nomes mais cotados eram os dos generais Humberto Castelo Branco, Eurico Dutra e Amauri Kruel.



Em 31 de março de 1964, eclodiu o movimento militar que depôs Goulart, com o deslocamento das tropas comandadas pelo general Olímpio Mourão Filho sediadas em Juiz de Fora (MG), em direção ao Rio de Janeiro. Juscelino, que horas antes rechaçara o convite de Alkmin para aderir ao movimento em Minas, lançou porém, no mesmo dia, uma nota afirmando que “a legalidade está onde estão a disciplina e a hierarquia. Não há legalidade sem forças armadas íntegras e respeitadas em seus fundamentos... Ainda é tempo de restabelecer a disciplina e a hierarquia por amor à Pátria, aos brasileiros e a Deus”. Entretanto, em seguida à divulgação da nota, encontrou-se com Goulart, propondo-lhe como solução para contornar a crise as seguintes medidas, as quais foram rejeitadas pelo presidente deposto: substituição do ministério por outro marcadamente conservador, lançamento de um manifesto de repúdio ao comunismo e punição dos marinheiros envolvidos na rebelião de 25 daquele mês. Enquanto substituto legal, Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, foi empossado na presidência da República no dia 2 de abril. Entretanto, o general Artur da Costa e Silva, o brigadeiro Márcio de Sousa e Melo e o almirante Augusto Rademaker, os quais compunham o Comando Supremo da Revolução, passaram a governar de fato o país. No dia 7 daquele mês, Juscelino, em encontro proposto por Castelo Branco, manteve com este conversações acerca do problema sucessório. Ante o declarado interesse de Castelo Branco em concorrer às eleições presidenciais, Juscelino apoiou essa pretensão, declarando que “as garantias democráticas e legalistas” do general habilitavam os líderes pessedistas a propor seu nome à deliberação do diretório nacional do PSD, cabendo, no entanto, a Amaral Peixoto, enquanto presidente do partido, encaminhar o assunto à alta direção partidária.

Paralelamente àqueles debates, Carlos Lacerda e outros adeptos do movimento de 31 de março pregavam a “Operação Limpeza” para punir os elementos considerados nefastos à ordem e aos interesses do país. No dia 9 de abril, o Comando Supremo da Revolução promulgou o Ato Institucional nº 1 (AI-1) que determinava a eleição dois dias depois, pelo Congresso Nacional, do presidente da República, que exerceria o poder até 31 de janeiro de 1966, quando seria empossado seu sucessor a ser eleito pelo sufrágio popular.

O AI-1 também outorgava ao chefe do Executivo o poder de cassar mandatos parlamentares e suspender direitos políticos. Em reunião realizada no dia seguinte, os líderes pessedistas, entre os quais Amaral Peixoto, José Martins Rodrigues e José Maria Alkmin, decidiram conceder o apoio do partido à candidatura Castelo Branco. Este, eleito pelo Congresso em 11 de abril, assumiu a presidência quatro dias depois. Segundo artigos publicados pela imprensa carioca, por aquela época, a cassação de Juscelino passou a ser apregoada por elementos identificados com o regime que se instituía principalmente pelo general Artur da Costa e Silva, representante da chamada “linha dura” do Exército — que não se conformavam com a sobrevivência política do ex-presidente, incluído entre “aqueles que deixaram de ser brasileiros para se alienarem a uma potência estrangeira”.

Em 3 de junho de 1964, Costa e Silva formulou o pedido de cassação de Juscelino, fundamentado nos interesses da revolução e na necessária prevenção de futuras manobras que visassem à interrupção do processo de restauração dos princípios morais e políticos. Alegava ainda a responsabilidade do ex-presidente na deterioração do sistema do governo. Enquanto o processo caminhava o PSD procurou sustá-lo. Numerosas tentativas foram feitas nesse sentido, delas participando líderes do PSD como Alkmin, Paulo Sarasate, Armando Falcão e Amaral Peixoto. O deputado pessedista Carlos Murilo propôs como solução a retirada da candidatura de Juscelino. Este, por sua vez, tentava mobilizar a opinião pública a seu favor, através da tribuna do Senado. Cassação e exílio Em 8 de junho de 1964, porém, foi assinado o ato — divulgado dois dias depois — que cassava o mandato de Juscelino e suspendia seus direitos por dez anos. Imediatamente o PSD retirou-se do bloco parlamentar de apoio ao presidente Castelo Branco. Este, no dia 11 de junho, em entrevista com Etelvino Lins, solicitou-lhe que transmitisse aos demais líderes pessedistas que aquele ato não visava beneficiar qualquer outro candidato, no caso Carlos Lacerda.
Em represália à medida foi dissolvido o bloco de 250 deputados que apoiava o governo. Decidindo exilar-se — medida proposta pela direção do PSD — Juscelino seguiu para a Europa no dia 14 daquele mês. Ao embarcar, afirmou à imprensa: “Deixo o Brasil porque esta é a melhor forma de exprimir meu protesto contra a violência.” Em 22 de julho o Congresso aprovou o adiamento das eleições presidenciais para outubro de 1966 e a prorrogação do mandato de Castelo Branco até março de 1967. Este fato consumaria o rompimento de Lacerda com o governo, uma vez que considerava como certa sua vitória no pleito de outubro de 1965. Em 4 de outubro de 1965, após longa permanência na Europa, parte na França e parte em Portugal, Juscelino voltou ao Brasil, contrariando a direção do PSD e sendo recebido em meio a grande manifestação por parte de seus correligionários. Este fato, somado à vitória dos candidatos oposicionistas na Guanabara e em Minas Gerais nas eleições governamentais realizadas no dia anterior — Negrão de Lima foi eleito governador da Guanabara pela coligação PSD-PTB e Israel Pinheiro de Minas pelo PSD — precipitou o “endurecimento” do regime, com a decretação do AI-2, a 27 daquele mês. Este ato reabriu o processo de punições extralegais, extinguiu os partidos políticos e determinou eleições indiretas para a presidência da República. Em conseqüência, foi implantado o bipartidarismo com a criação da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido do governo, e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido da oposição. Em face da sucessão de inquéritos policiais-militares perante os quais foi convocado para prestar depoimento, Juscelino decidiu ausentar-se de novo do país. No dia 9 de novembro do mesmo ano embarcou para Nova Iorque, onde começou a escrever suas memórias, fixando, posteriormente, residência em Lisboa. Só retornaria ao Brasil em junho de 1966, quando foi autorizado pelo governo a permanecer no país por 72 horas a fim de assistir aos funerais de sua irmã. Frente Ampla Em setembro de 1966, a imprensa divulgou a constituição de uma frente política — a Frente Ampla — que reunia Lacerda, seu principal articulador, Kubitschek e Goulart. As negociações entre Lacerda e Juscelino foram empreendidas pelo deputado Renato Archer, antigo pessedista filiado ao MDB. Os entendimentos com Goulart, que estava exilado no Uruguai, foram feitos por intermédio de Armindo Doutel de Andrade, ex-petebista também filiado ao MDB. Embora Kubitschek e Goulart tivessem concordado com a primeira parte do documento de lançamento da Frente Ampla, que fazia uma análise da situação política nacional e manifestava o desejo de união acima de divergências passadas para lutar pela restauração democrática do país, fizeram reparos à parte em que eram traçados objetivos da organização. A divulgação do manifesto foi marcada para depois de 3 de outubro, dia da eleição pelo Congresso do marechal Artur da Costa e Silva para a presidência da República. Paralelamente, o governo estava atento às articulações da frente e não afastava a possibilidade de tomar medidas de represália contra ela. A Frente Ampla foi lançada em 28 de outubro de 1966, através de um manifesto dirigido ao povo brasileiro. O documento, apesar de não ter sido assinado por Juscelino e Goulart, confirmava as negociações entabuladas anteriormente entre eles e Lacerda. Centrava-se em torno de quatro questões: a redemocratização do país através de eleições livres e diretas, a reforma partidária e institucional, a retomada do desenvolvimento econômico, e a adoção de uma política externa soberana. Ainda em outubro de 1966, como resultado de IPM em curso, Juscelino foi acusado de ter praticado atos de corrupção durante seu mandato na presidência. Em novembro, Lacerda seguiu para Lisboa, a fim de se encontrar com Juscelino. No dia 19 daquele mês, emitiram uma nota conjunta — a Declaração de Lisboa —, na qual afirmavam ter colocado de lado as divergências passadas e estavam dispostos a manter a frente de oposição ao governo militar, conclamando o povo brasileiro a participar das discussões para a “formação do grande partido popular que se faz necessário à nação”. Ao final daquele ano, a Frente Ampla passou a contar com o apoio de líderes do PCB. Em março de 1967, já estando Costa e Silva na presidência, foi por várias vezes noticiado o lançamento de um manifesto da Frente Ampla. No entanto, a ausência do consenso quanto ao seu conteúdo impediu a divulgação do documento. Em 6 de maio, os articuladores da frente decidiram proclamar o recesso do movimento, aguardando uma definição mais clara da orientação governamental. No dia 9 daquele mês, Juscelino retornou definitivamente ao Brasil, encontrando-se logo depois com Lacerda e Renato Archer. Embora tivesse obtido do governo a garantia de plena liberdade de movimento, foi advertido de que estaria sujeito a prestar depoimentos nos inquéritos em que estivesse envolvido. Fixou residência no Rio. Em 1º de setembro, ficou decidido que a direção da Frente Ampla seria formada exclusivamente de parlamentares e de dois elementos apolíticos, ligados à Igreja. Ficou também estabelecido que emissários da frente seriam enviados aos estados a fim de mobilizar a opinião pública. No dia seguinte, no entanto, 120 dos 133 parlamentares oposicionistas decidiram não ingressar na frente, por desconfiarem das intenções de Lacerda, que poderia usar o movimento como base para sua candidatura à presidência da República. Ainda no início daquele mês, o ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, pediu ao Serviço Nacional de Informações (SNI) um relatório que esclarecesse exatamente em que medida Juscelino estava comprometido com a frente. No dia 11, Costa e Silva deu ordem para que o Departamento de Polícia Federal convocasse o ex-presidente a fim de ouvir o relato de sua participação no movimento. No dia seguinte, entretanto, o presidente decidiu não adotar nenhuma medida em represália à recusa de Juscelino em comparecer à Polícia Federal. Naquela noite Juscelino embarcou para os Estados Unidos. A atitude que assumiu frente às ordens do governo foi vista com simpatia pelos dirigentes sindicais de quatro das sete confederações nacionais de trabalhadores, em reunião realizada em 13 de setembro. Sua união política com Lacerda foi então considerada como a única forma de recolocar um civil na presidência. No dia 24 de setembro, Lacerda viajou para o Uruguai, firmando no dia seguinte com Goulart uma nota conjunta — o Pacto de Montevidéu — na qual a Frente Ampla era definida como um “instrumento capaz de atender... ao anseio popular pela restauração das liberdades públicas e individuais, pela participação de todos os brasileiros na formação dos órgãos de poder e na definição dos princípios constitucionais que regerão a vida nacional”. O pacto de Montevidéu repercutiu mal entre o grupo de militares da “linha dura” ligados à Lacerda, os quais decidiram retirar o apoio que emprestava a este. Desde então, a direção da Frente Ampla procurou dar ao movimento um conteúdo mais popular, passando a enfatizar a luta contra a política salarial do governo e a proceder à aproximação com o setor estudantil. Diante do avanço “frentista”, o senador Nei Braga, após reunião com outros líderes da Arena, anunciou no dia 27 de setembro que o governo pretendia enfrentar a Frente Ampla no terreno político, através de campanha nacional e de esclarecimento da opinião pública. Ao regressar ao Brasil em 25 de outubro de 1967, Juscelino foi ameaçado pelo ministro Gama e Silva de ser confinado durante 60 dias, caso se envolvesse em atividades políticas. Ainda em 1967, Juscelino assumiu o cargo de diretor-presidente do conselho administrativo do Banco Denasa de Investimento, de cuja organização participara. No dia 15 de março de 1968, Lacerda pronunciou discurso no qual, além de ressaltar a emergência da concretização da reforma agrária, acusava o Exército de se ter constituído no efetivo dirigente do país. Em decorrência, o ex-governador da Guanabara recebeu séria advertência do SNI e dos altos escalões das forças armadas.

O agravamento da situação política levou o governo a um enrijecimento de suas posições extinguindo a Frente Ampla no dia 5 de abril de 1968, através da Instrução nº 177 do Ministério da Justiça. Após a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, Carlos Lacerda teve seus direitos políticos cassados por dez anos. Em carta dirigida à Juscelino revelou mais tarde que foi preso no mesmo dia da edição do AI-5, permanecendo detido por nove dias no 3º Regimento de Infantaria de São Gonçalo (RJ). Com a extinção da Frente Ampla, Juscelino abandonou definitivamente o cenário político, dedicando-se à área empresarial. Em junho de 1974 foi eleito membro da Academia Mineira de Letras. Interessado em ingressar na Academia Brasileira de Letras, concorreu, em 23 de outubro de 1975, a uma cadeira então vaga. Foi porém derrotado pelo escritor goiano Bernardo Ellis, por um voto de diferença, no terceiro escrutínio. Em 18 de junho de 1976 recebeu o troféu “Juca Pato” conferido pela União Brasileira de Escritores, em São Paulo, por ter sido eleito o intelectual do ano de 1975. Por essa época, abandonou suas funções junto ao Banco Denasa, passando a dedicar-se à administração da fazenda que possuía em Luziânia (GO).

Em 22 de agosto de 1976, quando viajava de automóvel para o Rio após curta estadia na capital paulista — faleceu, vítima de desastre sofrido na via Dutra, nas proximidades de Resende (RJ).

A despeito do impedimento previsto pelo AI-5 a qualquer movimento de massa em torno de elementos punidos pelo governo militar, a morte de Juscelino desencadeou ostensiva manifestação popular em seu louvor, tanto no Rio como em Brasília.

No Rio, onde o corpo foi velado, três mil pessoas o acompanharam, da Editora Bloch, na praia do Russel, Flamengo, até o aeroporto Santos Dumont, de onde foi transportado para o Galeão, com destino a Brasília, onde seria sepultado.

Em Brasília, 30 mil pessoas aguardaram a chegada do corpo do ex-presidente e uma multidão de cem mil seguiu o féretro desde a Catedral até o cemitério do Campo da Esperança, entoando durante o percurso de oito quilômetros, além do Hino Nacional, o Peixe-vivo, canção do folclore mineiro pela qual Juscelino tinha especial preferência. O presidente da República, Ernesto Geisel, determinou luto oficial por três dias, primeira homenagem prestada neste sentido pelo governo a um elemento cassado. Em abril de 1980, teve início em Brasília a construção de um monumento em homenagem a Juscelino — O Memorial JK — que fora projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Em 17 de setembro, o presidente João Batista Figueiredo vetou o projeto de lei aprovado pelo Legislativo, de autoria do senador Tancredo Neves, que cancelava as punições impostas a Juscelino pelo primeiro governo revolucionário. No mês de agosto de 1981, quando o Memorial JK já se encontrava em vias de conclusão, ocorreram pressões por parte de militares e de grupos de civis, com o apoio de Sara Kubitschek, para que o projeto fosse modificado, em virtude de ter despertado suspeitas de compor um símbolo comunista. Niemeyer, porém, com apoio da opinião pública, insistiu na manutenção do projeto, o qual não seria afinal alterado. Em 12 de setembro, dia em que JK completaria 79 anos, dona Sara e o presidente Figueiredo inauguraram o Memorial JK, no qual seria instalado um museu e uma biblioteca. Além de relatórios, discursos e conferências, Kubitschek publicou as seguintes obras: Uma campanha democrática (1959), A marcha do amanhecer (1962), Por que construí Brasília (1975) e Meu caminho para Brasília (3v., 1974-1978). Sobre a trajetória e atuação política de Juscelino, Francisco de Assis Barbosa escreveu Juscelino Kubitschek: uma revisão na política brasileira (1960), Míriam Limoeiro Cardoso escreveu Ideologia do desenvolvimento do Brasil: JK-JQ (1972), Maria Vitória Benevides publicou O governo Kubitschek — desenvolvimento econômico e estabilidade política (1976) e Roland Corbisier lançou JK e a luta pela presidência; uma campanha civilista (1976). Foram editados ainda Confissões do exílio — JK (1977), de Osvaldo Orico, e O governo Juscelino Kubitschek (1981), de Ricardo Maranhão. Sílvia Pantoja



FONTES:
Almanaque Abril (1975 e 1976); Almanaque Mundial (1960 e 1961); ANDRADE, F. Relação; ARQ. DEP. PESQ; BANDEIRA, L. Governo; BANDEIRA, L. Presença; BENEVIDES, M. Governo Kubitschek; Boletim Min. Trab. (5/36); CACHAPUZ, P. Cronologia; CAFÉ FILHO, J. Sindicato; CÂM. DEP. Deputados; CÂM. DEP. Relação dos dep.; CONSULT. RAMOS, P.; CORRESP. ARQ. PÚBL. MINEIRO; CORTÉS, C. Homens; COSTA, M. Cronologia; Diário do Congresso Nacional; DULLES, J. Castelo; Encic. Mirador; ENTREV. BIOG.; Estado de S. Paulo (18/9/80); FIECHTER, G. Regime; Folha de S. Paulo (24/8/76); Globo (23/8/76 e 12/9/81); Grande encic. Delta; HIPÓLITO, L. Campanha; IANNI, O. Estado e planejamento; Jornal do Brasil (16/9/60, 14/8/66, 20/1/67, 30/4/75, 14/4, 22, 23 e 24/8/76, 26/8/80 e 22/8/81); KUBITSCHEK, J. Meu (1, 2 e 3); LEFF, N. Política; LESSA, C. Quinze; Manchete (28/11/81); MIN. GUERRA. Subsídios; Movimento, SP (20/10/75); Novo dic. de história; PELAEZ, C. História; QUADROS, J. História; REIS JÚNIOR, P. Presidentes; RICHARD NETO, G. Homens; ROQUE, C. Grande; SENADO. Relação; SILVA, G. Constituinte; SILVA, H. 1964; SODRÉ, N. Memórias; TORRES, J. História de Minas; TRIB. SUP. ELEIT. Dados (1960); Última Hora (31/5/56); Veja (24/1, 21/2 e 6/6/73, 26/6/74 e 25/8/76); VIANA FILHO, L. Governo; Visão (11/3/74); VÍTOR, M. Cinco.  https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/brasilia/dhbb/Juscelino%20Kubitschek.pdf




Leia também a biografia de Juscelino por Ronaldo Costa Couto.
















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