A velha mídia está derretendo sob o
sol a pino de novas formas de consumo da informação. Os abalos sofridos por
ícones tradicionais do jornalismo se sucedem. O que sobrará dos velhos modelos?
Uma guerra de titãs se processa no
campo da comunicação e da tecnologia da informação, envolvendo pelo menos três
atores essenciais: os grandes grupos financeiros (bancos e seus financistas),
as grandes corporações do mundo da informação e da comunicação e os governos.
Quem agora puxa o ritmo das
transformações na comunicação são o que chamo de barões
digitais, ou Geração Bit (de Bill
Gates, da Microsoft; do finado Steve Jobs, da Apple; Mark Zuckerberg, do
Facebook; Sergey Brin e Larry Page, do Google, Jeff Bezos, da Amazon, e tantos
outros que não param de surgir), todos de trajetória meteórica.
Por enquanto, eles agem em conluio
com os velhos gigantes das telecomunicações. O problema é que o principal
negócio das telecons está se transformando. Dentro em breve, será quase exclusivamente
o de entregar os produtos empacotados pelos barões digitais, pura e
simplesmente. A sorte das telecons está, literalmente, por um fio. Se houver
inovações que tornem a interligação física dispensável ou menos rentável do que
o necessário para cobrir os custos de sua infraestrutura, as telefônicas
passarão a ser a bola da vez do canibalismo dos barões digitais.
Mais cedo ou mais tarde, os velhos
capitães das telecons terão que encarar diretamente os criadores da atual fase
da era digital. Ambos os lados irão reinstalar o teatro que, há um século, se
dava em torno de ferrovias, petróleo, energia elétrica e siderurgia. Na segunda
metade do século XIX, esses barões ladrões se abraçavam e se apunhalavam o
tempo todo. Algo similar deve ocorrer na era digital entre o baronato sem fio e
o com fio, em duelos em que as armas serão telefones (fixos e móveis),
computadores portáteis e televisores. Nenhum deles deve desaparecer. A grande
incógnita não é quem irá vencer, mas sim como e quando os barões digitais da
Geração Bit irão enterrar os telecons, e se alguém dentre as telefônicas irá
mudar de lado a tempo para evitar ficar pequeno, como aconteceu com a IBM, a
Xerox e a Kodak.
O entrechoque vai ditar os novos rumos
da comunicação global. Aqueles que prevalecerem desse confronto irão
transformar definitivamente o mundo das comunicações.
Os Cavalos de Troia
Os governos aparecem como peças chave
dessa equação. Eles são propulsores das estratégias comerciais e industriais
dos grupos econômicos que estão à frente das inovações que reinventam o mundo em
que vivemos. Patrocinam as estratégias desses grupos, compram seus produtos e
os alimentam de informação vendida como notícia.
O complexo militar é normalmente
responsável por investir recursos maciços em tecnologias inovadoras que,
posteriormente, ganham versões de mercado. Hoje se sabe o quanto tais
tecnologias continuam sendo capturadas por objetivos militares e de influência
geopolítica.
Celulares, tablets, notebooks e
televisores, vendidos em lojas de varejo e dados aos montes em época de Natal,
aniversário e Dia dos Namorados, são presentes de grego que trazem em suas
barrigas soldados digitais (como era Edward Snowden), recrutados para abrir os
portões das atividades, das preferências e dos pensamentos de cidadãos,
empresas e governos, onde quer que estejam.
A comunidade de informação dos EUA
continua se banqueteando de todos nós, a cada clique, como vermes escondidos.
Graças a Snowden, descobrimos que o grande problema da internet não são os
piratas, são os corsários, ladrões de informações preciosas a serviço dos
governos. Ao invés de empunharem a bandeira de ossos cruzados, vestem uniformes
e hasteiam as bandeiras de seus países.
Em meio a tudo, o outrora grande negócio do jornalismo
tornou-se apenas um detalhe. Neste instante, completa-se uma longa trajetória
que começou, no século XIX, com o jornalismo, enquanto profissão - “profissão
liberal”, como se dizia no passado daqueles que trabalhavam por conta própria e
recebiam o quanto lhes era pago diretamente por seus clientes. No século XX, o
jornalismo abriu um grande mercado – o da comunicação de massa. Suas
corporações carregavam o portentoso título de “a grande mídia”. Eram titãs nos
velhos tempos. Alguns ainda são. Em pouco tempo dirão, como a personagem do
filme “Crepúsculo dos deuses”: “eu sou grande! O mundo é que ficou pequeno”.
A trajetória hoje se completa com o
jornalismo e a informação sendo transformados simplesmente em um produto. Um
produto cada vez menor, rasteiro e descartável. Em uma visão dialética, se
percebe que esse já era o destino para o qual os grandes veículos estavam
transformando o caráter da notícia. Hoje, provam sua amarga colheita e se
sentem envenenados.
Entre tantos sinais do derretimento
colossal, o mais recente e apoteótico foi a compra do Washington Post pelo
fundador e chefão da Amazon.com, Jeff Bezos. O Post custou o preço de um quadro
de Paul Cézanne.
Pior destino tiveram muitos outros jornais.
Eles se dividem entre os que desapareceram, os que permanecem em estado
vegetativo e os que entraram em autofagia. A maioria resiste fazendo dos
jornalistas suas principais vítimas, com demissões em massa e enxugamento das
redações e editorias.
O titã tornou-se, ao fim, um Titanic.
Foi essa a metáfora mais emblemática da venda do Washington Post a Bezos. O
jornal encontrou seu iceberg, e é sobre ele que o negócio do jornalismo,
prostrado, lança suas esperanças de abrigar-se. É sobre sua plataforma
gigantesca e reluzente que se busca refúgio e alívio contra um destino pior:
afundar.
O mesmo Bezos já havia vaticinado:
"A internet está transformando
quase todos os elementos do negócio das notícias: reduziu os ciclos noticiosos,
erodiu as fontes confiáveis de receita e abriu espaço a novas formas de
competição, entre as quais as que têm pouco ou nenhum custo para a produção de
notícias". (“Jeff Bezos, el multimillonario que compró el
alicaído Washington Post”, BBC, 6/8/2013).
A notícia como mercadoria
O grande negócio do jornalismo, ao
transformar a notícia em mercadoria, hipotecou sua independência. O “jornalismo
independente” significava, no princípio, que o jornalismo era um negócio
próprio, autônomo. Sua principal fonte de receita era a venda em bancas e as
assinaturas. É esse modelo que está em crise.
Cada vez mais, os velhos jornalões
estão sendo comprados ou por grandes financistas (como John W. Henry e Warren
Buffett) ou por grupos de telecomunicações e novas mídias digitais (como Carlos
Slim e, agora, Bezos). Bezos é o primeiro da Geração Bit a entrar pela porta da
frente do mundo jornalístico. Antes dele, e pela porta dos fundos, o Google ameaçou
fazer um estrago no jornalismo tradicional similar ao provocado pelo Youtube na
indústria do entretenimento. Rodando resumos de notícias extraídas diretamente
dos jornais, em tempo real, em seu motor de busca, ele provocou uma diminuição
na propensão dos leitores de gastarem um clique a mais para visitar as páginas
dos jornais, definhando a estatística que alimenta sua publicidade.
O jornalismo de grande escala é cada
vez menos um negócio em si e cada vez mais uma parte de outros negócios. É um
item a mais na grande lista de produtos das grandes corporações digitais de
entretenimento.
Porém, a dialética da nova comunicação
digital, se em escala global levou à sua transformação completa em mercadoria,
em escala local produziu uma nova versão do jornalismo enquanto atividade
militante, dedicada ao desmascaramento das relações ocultas entre o público e o
privado. Também tem se revelado fundamental à proclamação da identidade de
novos atores, com novas agendas na relação entre Estado e sociedade.
De fato, esse jornalismo militante
estava presente na origem do jornalismo contemporâneo. Desde os tempos
longínquos de Marat (1743-1793) e seu jornal “O Amigo do Povo”, fagulha
essencial para a Revolução Francesa. Também no jornalismo operário do século
XIX e na imprensa revolucionária dos partidos proscritos pelos governos
aristocráticos da velha Europa. Estava igualmente visível na primeira imprensa
dos Estados Unidos, que Alexis de Tocqueville (1805-1859) registrou como uma
das bases essenciais “Da Democracia na América” (título de seu livro de 1835). Naquela
república que, segundo ele, trazia um padrão de governança que se espalharia
por todo o mundo, havia um cidadão com uma característica peculiar: o gosto por
ler jornais.
Não à toa, ali se conformaria uma
ética e uma estética do jornalismo que se tornariam um padrão internacional, pelas
mãos do célebre Joseph Pulitzer (1847–1911). Pulitzer fez parte de um processo
importante de formação da consciência nacional que contribuiu para para a luta
contra acartelização econômica, o que forçou os partidos Republicano e
Democrata a um realinhamento de suas plataformas e de suas relações com a
sociedade.
É importante lembrar o contexto de
Pulitzer, de combate intenso do jornalismo contra os barões ladrões e crítica à
política corrupta, capturada pelo interesse dos cartéis. Pulitzer fez parte de
um processo importante de formação da consciência nacional que redundou na
formação do chamado movimento progressita e de um Partido progressista”, forte
o bastante para eleger um presidente (Theodore Roosevelt) que enfrentou a
cartelização econômica e forçou os partidos Republicano e Democrata a um
realinhamento de suas plataformas e de suas relações com a sociedade.
Nos tempos de Pulitzer, o leitor era
a fonte essencial da sustentação dos veículos. Para vender, os jornais, em
alguma medida precisavam expressar o ímpeto por mudanças. Paulatinamente, esse modelo foi superado. O jornalismo baseado no interesse do leitor foi transformado em jornalismo comercial, no qual a publicidade passou a ocupar um espaço fundamental. Ele já não podia, francamente, se reivindicar independente.
Ele já não podia revelar suas relações íntimas com os grandes grupos econômicos e
seus governos liberais. Como alternativa, sua pregação iconoclasta, sua
simulação de independência e sua indignação se voltariam contra movimentos
sociais, permanentemente estigmatizados, e contra governos progressistas, quase
sempre nivelados por baixo e carimbados de corruptos.
A situação chegou ao paroxismo no
Brasil, onde, como lembra o professor Mário Schapiro, a corrupção e as
práticas ilícitas “parecem corresponder a um mercado de ficção: o mercado em
que só há a demanda, mas não há a oferta" (SCHAPIRO, Cartel no Metrô e as Respostas do Direito. Blog do Estadão, 2/8/2013). Há corruptos por todo o Estado,
mas o mercado de corruptores é apenas negócio.
O novo mundo da comunicação se
encaminha para o que Manuel Castells (Communication, Power and Counter-power in
the Network Society. International Journal of Communication, vol. 1, 2007,
págs. 238-266) denominou “autocomunicação de massa”. Uma comunicação que não é mais
absolutamente unívoca e depois massificada, e sim proveniente de uma profusão
de atores e autores. Por meio da troca multimodal, algumas mensagens geradas
por muitos e endereçadas a muitos ganham uma notoriedade viral.
Essa comunicação, dificílima de ser
engarrafada pelos meios de comunicação tradicionais, é revolucionária por criar
e recriar, o tempo todo, novos padrões comunicativos e narrativas inovadoras.
Ao mesmo tempo, é uma comunicação descartável, que se desmancha no ar. Tende a gerar
um Walter Cronkite por dia, descartando-o no dia seguinte (Cronkite, 1916-2009, foi o respeitado âncora da CBS entre os anos 1960 e 1980, e é o exemplo paradigmático do “formador de opinião”). É essa lógica do
efêmero, movida pelo “on-line” e pela inovação de formatos e narrativas, que
torna constante o descarte de profissionais, a repaginação dos lay-outs e a
migração para novas plataformas eletrônicas. Estamos diante de um processo acelerado
de destruição da atividade jornalística tradicional. O jornalismo não está
morrendo. Está se reinventando. O que está morrendo é uma forma específica e
datada de jornalismo.
A revolta da comunicação das
ruas
Frente a um novo contexto e muitas dificuldades,
a velha mídia do Brasil pisou distraída nas jornadas de junho - como foram
apelidadas as manifestações ocorridas neste ano. Diante de novos padrões
comunicativos e narrativas inovadoras, produzidas por atores multifacetados, os
veículos de maior audiência resolveram brincar com fogo.
Os maiores veículos não estavam seriamente
interessados em saber o que estava acontecendo, e sim em direcionar o alvo do
desgaste. Os especialistas de plantão eram os de sempre, inaptos a dar opiniões
que realmente fizessem algum sentido em relação às pautas das manifestações.
Em pouco tempo, uma imprensa
desacostumada a uma pluralidade de atores, sobre os quais praticou a delicada
censura do silêncio, tornou-se ela própria um alvo evidente dos protestos. As
grandes multidões eram compostas de inúmeras e diversas “multidinhas”. Em comum
elas tinham, no mínimo, uma desconfiança em relação à velha mídia, mas alguns
grupos demonstraram uma franca aversão e até ódio aos veículos mais
tradicionais.
A tentativa da velha mídia de dublar
as opiniões das multidões, com uma tradução enviesada por seus próprios
interesses, gerou revolta e foi rechaçada de forma agressiva pelos
manifestantes, que hostilizaram e expulsaram todos os jornalistas que se apresentaram
na multidão com o símbolo dos grandes grupos de comunicação. Mesmo alguns de
nossos melhores jornalistas, críticos e acostumados a mostrar o outro lado,
foram nivelados por baixo. Algo que não se justifica, mas se explica.
De positivo, houve a eclosão de uma
infinidade de comunicadores populares, com uma ideia na cabeça e um smartphone ou
uma pequena câmera na mão. No Brasil, um desses grupos ganhou identidade em
torno da Mídia Ninja. Mas há uma centena de pessoas e de grupos populares de
comunicação espalhados pelo Brasil, surgidos em torno da vontade de mostrar o
que ninguém vê. Se somarmos a isso a comunicação popular comunitária, a conta
passa dos milhares. A única diferença para os Ninjas é que eles não surgiram das
manifestações de ontem, e sim há um bom tempo, e ainda não escreveram seu manifesto.
Ao por em ação um novo padrão
comunicativo, colocam em xeque o padrão tradicional de comunicação
jornalística, publicitária, de eventos (como a Copa), e mesmo da comunicação
digital. O jornalismo impresso era responsável por apresentar, diariamente,
“uma condensação totalizante de determinada visão de mundo”, como lembra
Maringoni (Jornal, o fim de uma concepção).
A comunicação alternativa e popular ganha sentido com uma visão horizontal, crítica da
sobredeterminação do mercado sobre as políticas públicas do Estado. Longe do
mito da isenção e da imparcialidade, sua objetividade é garantida justamente
pela possibilidade de estar próximo à ação popular ou de ser parte dessa
própria ação.
Também essa visão engajada estava
presente na origem do jornalismo. No entanto, o novo padrão comunicativo não é mais
o velho engajamento dos publicistas, como o de Émile Zola (1840 - 1902) em seu
“J’accuse”, ou o jornalismo de Samuel Weiner (1912-1980), que tomava
partido pró-Getúlio Vargas (1930-1945). O velho publicismo e o jornalismo partidário faziam um apelo à consciência nacional. A comunicação popular e alternativa, de forma diversa, é parte do próprio alinhamento de setores da sociedade que ganham expressão comunicativa. Em meio a uma feroz disputa política, os velhos publicistas eram heróis da consciência nacional adormecida. Hoje, os que fazem a comunicação de movimentos sociais e de atos de revolta buscam sobretudo registrar e potencializar, e não orientar tais iniciativas.
O engajamento hoje se dá na relação
com movimentos populares, dos quais sua comunicação brota e depende. Se (ou quando)
tais movimentos se recolhem, essa comunicação tende ou a murchar ou a ganhar
maturidade e permanência, como foi no caso da experiência da TV dos Trabalhadores. Quando não, hibernam junto
com um outono das mobilizações, até que ressurjam com força, ou ganham nova
forma e novo sentido.
O jornalismo mambembe
diante dos governos que se comportam como empresas
Infelizmente, as formas de comunicação plurais, de pequena
escala, que interessam ao cidadão que vê o mundo de sua janela, estão fora do
radar da comunicação governamental. Os governos, que deveriam ser os principais
interessados em comunicar para a cidadania, agem no mercado publicitário sem
qualquer diferença em relação ao que fazem as fábricas de cerveja, as lojas de
varejo e as montadoras de automóvel.
Há preocupações extremadas com a possibilidade, por exemplo,
de financiar mídias que cobrem protestos - possivelmente, mais pelo fato de que
as manifestações criticam todos os governos, como é próprio da luta pela
cidadania. A luta por direitos sempre foi antecipada por revoltas, algumas
violentas. Do ludismo dos ingleses e das sabotagens dos franceses, que jogavam
seus “sabots” (tamancos) dentro das máquinas, contra a Revolução Industrial;
dos protestos violentos de 1º. de maio de 1886 pela redução da jornada de
trabalho; das passeatas pelo voto das mulheres (as sufragistas); das greves
operárias de 1978 e 1980 que confrontaram a ditadura no Brasil; dos Occupy, nos EUA; dos indignados, na
Espanha, aos revoltosos da Primavera Árabe.
Os movimentos que historicamente se tornaram vitoriosos foram aqueles que
transformaram a revolta e a destruição em politização das pautas e em
partidarização de bandeiras que foram sendo progressivamente institucionalizadas, ou seja, se tornaram regras. Uma dessas bandeiras ainda à
espera de quem as empunhe com mais firmeza é a da democratização da
comunicação.
Dizem que não se pode financiar
mídias que, entre outras coisas, podem verbalizar protestos, mas não se tem
pudor algum em anunciar em programas cujos apresentadores defendem que bandido
bom é bandido morto, ou programas humorísticos em que as principais piadas são
contra negros, mulheres, nordestinos e homossexuais. Se os índices de audiência
justificam o gasto, não importa o gosto; não importa, nem mesmo, a mensagemanticidadã
que pronunciem. Financiar o conservadorismo é normal. Financiar a mudança é um
perigo.
Os governos chamam de “mídia técnica”
aquela que é medida pelo Ibope e pelo Índice de Veiculação de Circulação de
jornais e revistas (o IVC). Mas esquecem de dizer que o Ibope e IVCs dessas
mídias é diariamente alimentado por um mercado de informações privilegiadas e
das entrevistas exclusivas concedidas apenas para “os grandes”.
A informação produzida pelo Estado é
um bem imaterial, mas que custa dinheiro público para ser produzida. Pois ela é
rotineiramente dada privadamente de bom grado, conforme relações de amizade e
interesses de evidência, ou jogada pela janela da cizânia de autoridades
maiores e menores dos próprios governos. Sem licitação, sem transparência, sem
critérios republicanos. Muitas vezes em segredo, o que é algo proibido pela lei
que rege o serviço público (salvo raras exceções), mas é afrontosamente tolerado
sob o charmoso apelido de “off”.
A “mídia técnica” gasta absurdamente
mais recursos em TV do que em rádio, embora o consumo de informação dos
brasileiros pelo rádio esteja praticamente no mesmo patamar do da TV. Gasta-se
injustificadamente mais do que se deveria em jornais e revistas do que em
internet. Gasta-se muito com poucas empresas de comunicação, e pouco com os
profissionais que fazem a comunicação. Afinal, a esmagadora maioria dos
profissionais da comunicação está fora do pequeno circuito da velha mídia.
Esse é um debate essencial e que
precisa mudar de patamar. É preciso olhar ao redor o que acontece no mundo da
nova comunicação digital e no que ocorreu bem debaixo de nosso nariz, após os
protestos. A comunicação alternativa e popular não pode ser tratada como um
jornalismo mambembe, que sobrevive de centavos jogados pelos transeuntes sobre
um chapéu virado.
Sua principal virtude é tratada como
um defeito pela visão oficial, dado o viés meramente comercial. A comunicação
popular e a alternativa não são estritamente jornalismo, são comunicação em
sentido amplo. Sua principal atividade não é apenas relatar e opinar (isso
também), e sim dar voz, documentar ações e personagens muitas vezes invisíveis,
contar histórias de quem é silenciado pelos meios tradicionais. Sua vocação não
é a da massificação, mas a de públicos segmentados – melhor seria dizer,
públicos especiais. Ela caminha pelo que Castells chama de “pequenos meandros”, as redes de
relacionamento social que precederam as ferramentas eletrônicas criadas para
facilitar a produção e entrega de suas mensagens.
Essa comunicação não se dedica ao
mercado, e sim à cidadania. Talvez por isso a maioria das áreas de publicidade
dos governos, colonizada pela visão marqueteira e focada nos índices de
popularidade, não sabe exatamente o que fazer com ela.
Deveria ser acolhida de forma pública
e transparente nas estratégias de financiamento das políticas públicas que
interessam ao fortalecimento da pluralidade, da democracia, da radicalização
dos direitos de cidadania. É claro que essa possibilidade inovadora só poderia
existir em governos que também não encarassem a notícia como mercadoria. É
difícil encontrá-los.
Assim que Jeff Bezzos comprou o Washington Post, surgiram
várias especulações sobre o que ele afinal pretende. Se Bezos estiver pensando
grande, pode criar um novo modelo de negócio para o jornalismo, fazendo
desaparecer muitos jornais, assim como, com o Kindle, seu leitor de livros
digitais, ajudou a fechar várias
livrarias por todo o país. Outra hipótese é a de que, se estiver pensando
pequeno, Bezos usará o Post apenas como instrumento para aumentar sua
influência em Washington - convenhamos, Bezos não precisa do Post para isso,
basta seu dinheiro. Alguns ainda disseram que ele quer, além da marca do Post,
se aproveitar de uma parcela preciosa da inteligência nacional, aquela formada
pelo excelente time de profissionais da notícia que vive sob o manto e o mito
do jornal que derrubou Nixon. Provavelmente, Bezos está pensando não em uma,
mas em todas as opções anteriores.
A que me parece mais instigante é justamente a da
inteligência nacional. No Brasil, ela está sendo demitida dos jornais e
partindo para voos solo, em blogs ou em novas organizações coletivas, micro,
pequenas e médias; comunitárias ou cooperativas. Isso deveria interessar aos
governos que pretendam uma política ousada e republicana de comunicação, capaz
de relacioná-la mais aos direitos de cidadania do que ao Ibope. Uma política
que se aproveitasse mais da extraordinária capacidade e inteligência dos
jornalistas do que das marcas dos veículos que as transmitem. Afinal, tais
marcas são efêmeras e decadentes. É melhor investir em quadros de Paul Cézzane.
No futuro, eles valerão bem mais.