04 setembro 2012

Sobre o ranking de universidades da Folha

Universidade grande não é grande universidade. Mas a maior aberração é computar apenas dois anos de produção.

Sobre o ranking de universidades da Folha

Rogério Cezar de Cerqueira Leite*

A mais primária forma de avaliação de qualquer que seja a qualidade que não for caracterizada por uma medida física é a comparação entre pares. Surge assim a ideia de ranking.

Todavia, mesmo essa forma deficiente de avaliar qualidade necessita eleger alguns parâmetros. E é sob este aspecto essencial que divergem muitas das avaliações (rankings) de universidades realizadas nas últimas décadas.

É obvio, não obstante, que para eleger os parâmetros de aferição, mensuráveis ou não, é preciso antes, definir o que é uma universidade. Embora muitos ainda vejam a universidade como uma escola, crescentemente ela começa a ser percebida como a principal instituição da sociedade moderna responsável pela produção e difusão do conhecimento.

Um dos equívocos no passado foi a adoção, como parâmetro de qualidade, do número de artigos publicados, pois mesmo nas revistas ditas indexadas são publicadas contribuições de grande repercussão e outros absolutamente irrelevantes.

Eis por que abandonou-se esse parâmetro em favor do número de citações. A citação mede a inserção da obra no corpo universal da ciência. A Folha, que divulgou ontem o seu ranking, fez uma opção "in medio virtus", utilizando tanto o número de citações quanto o absoluto. Uma para a competência, outra para a mediocridade.

Outra idiossincrasia do conjunto de parâmetros escolhidos é a escolha de fatores não normalizados -ou seja, vários dos parâmetros aumentam linearmente com as dimensões da universidade.

Assim, uma universidade de qualidade mediana, se for muito maior que outra de boa qualidade, estará mais bem classificada que outra de boa qualidade. Qualquer programa de avaliação de universidade deveria identificar a grande universidade, não a universidade grande.

Um exemplo de instituição de prestígio nacional que é prejudicada por esse critério é a Unicamp.

Outro exemplo: internacionalmente, uma instituição como o Caltech, o Instituto de Tecnologia da Califórnia, com uma imensa reputação e 32 prêmios Nobel, provavelmente não ficaria no topo de um ranking nesses moldes, pois tem porte apenas médio.

Número de patentes também é um parâmetro inadequado. O mundo está cheio de patentes inúteis. O pagamento de royalties poderia, sim, ser considerado. Também a inclusão do valor de contratos me parece duvidosa, pois fontes privadas e governais privilegiam decididamente aplicações tecnológicas e não a ciência propriamente dita.

Outra incongruência desta sistemática é a inclusão da Scielo, uma organização que congrega publicações brasileiras. Não somente porque com isso duplica a contagem de publicações brasileiras, pois muitas já estão contidas na Web of Science, um indexador internacional de artigos científicos, mas também porque inclui outras que não mereceram inclusão na Web of Science.

Todavia, a maior das aberrações foi a limitação a dois anos nos levantamentos de citações e de publicações, pois uma universidade de qualidade é fundamentalmente caracterizada pela sua cultura, pela sua história e não pela sua produção instantânea, que pode ser meramente incidental.

Qualquer universidade está sujeita a ter um ano de produção científica atípica, para o bem ou para o mal, e isso pode alterar fortemente a sua posição no ranking -embora seja difícil acreditar que uma instituição fique muito pior ou melhor de um ano para o outro.

* ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 81, físico, é professor emérito da Unicamp, pesquisador emérito do CNPq e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha. Artigo publicado na Folha, 04/09/2012.

 
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