14 fevereiro 2012

'We Are Legion', o filme sobre o Anonymous

"O Anonymous é uma nova forma de cultura. E uma forma muito, muito poderosa".
É um dos fenômenos culturais mais interessantes da história recente.  

 Brian Knappenberger, diretor do documentário.

Fernanda Ezabella*


"O Anonymous é uma nova forma de cultura. E uma muito, muito poderosa." Quem diz isso é Brian Knappenberger, 41, diretor de "We Are Legion - The Story of the Hacktivists" (nós somos legião - história dos hackers ativistas), documentário norte-americano sobre o grupo ativista. 

O filme foi exibido pela primeira vez no mês passado, no festival Slamdance, em Park City (EUA), e terá sessão no South by Southwest, em Austin (Texas), em março. Ainda não há estreia prevista no Brasil --país onde "há, certamente, uma forte presença" de membros do Anonymous, segundo Knappenberger. 

Folha - Como você achou esses integrantes e os convenceu a aparecer no documentário? 

Brian Knappenberger - Bem devagar. Levou um certo tempo para conseguir a confiança. Conheci frequentando os lugares que eles frequentam, que são os canais de IRC [Internet Relay Chat, protocolo para troca de mensagens e outros dados em tempo real] e os fóruns na internet. Comecei o documentário faz pouco mais de um ano. Quando o Anonymous atacou a MasterCard, a Visa e o PayPal, comecei a pesquisar, bem devagar, e começamos a conhecer pessoas on-line. 

Como foi que eles toparam aparecer? 
Há os que já estiveram presos e voltaram. E há outros que já tiveram suas identidades reveladas por alguém e dizem que não fazem mais ações ilegais; estes não se preocupam tanto quanto os outros. Há algumas pessoas que, claro, aparecem atrás das máscaras e são bem preocupadas em ser identificadas. Continua falando com eles? Sim, tenho contato com muitas pessoas. Mas não sou um membro do Anonymous, não carrego a bandeira. Sou um jornalista independente, sempre olho para o assunto da posição "o que é esta cultura?". É um dos fenômenos culturais mais interessantes da história recente. 

Por quê? O Anonymous é uma nova forma de cultura. E uma muito, muito poderosa. Muitas coisas não são novidades. Hacking não é novidade, nem hacktivismo [mistura de hacking e ativismo], há muitos exemplos disso nos anos 90 e até mesmo nos 80. Desobediência civil tem uma longa tradição pelo mundo, assim como a figura do "joker" [coringa, piadista]. Mas, se você combinar tudo isso com o número cada vez maior de pessoas on-line nos últimos dez anos e o conforto que temos em nos comunicar on-line e em dividir volumes de informações pessoais... Combine tudo isso, e temos uma cultura nunca antes vista. Você os retrata como revolucionários no filme. 

Mas e quando eles liberam informações como cartões de crédito de pessoas comuns? Como separá-los dos hackers comuns? 

 Focamos no grupo de ativistas hackers que usam esses sistemas de computador para fazer uma manifestação política sobre liberdade de expressão e liberdade de informação on-line. De fato, algumas vezes eles liberam informações privadas de usuários ou cartões de crédito. Mas o fazem de forma bastante barulhenta, pública, é uma provocação. Os hackers conhecidos como "black hats" [chapéus pretos] são bem diferentes. Você nunca ouve falar sobre eles, estão sempre tentando roubar o máximo possível antes de serem pegos e se mantêm completamente silenciosos sobre como entraram nos sistemas. Há uma separação, pode ter certeza. 

Qual a importância do julgamento dos membros do Anonymous envolvidos nos ataques a PayPal, MasterCard e Visa [feitos em represália ao corte de serviços ao WikiLeaks em 2010]? 
É muito importante. É basicamente um referendo sobre nosso direito de protestar on-line. Acho que um "sit-in" [forma de protesto no qual os manifestantes ocupam um local e ficam sentados de forma pacífica até serem retirados] no mundo real é a principal maneira que as pessoas usam hoje para fazer uma manifestação política. E o Anonymous defende a versão on-line disso. Não significa que não deveria ser ilegal. Num "sit-in" na vida real, você pode ser preso e até passar a noite na cadeia e pagar multas de US$ 250. Mas esses reús do PayPal enfrentam até 15 anos de prisão e multas de US$ 250 mil. É louco. Não é que eles não estivessem fazendo um ato ilegal. Atos de desobediência civil normalmente são mesmo ilegais. Mas a punição deve ser adequada ao crime. 

No filme, os integrantes são chamados de muitas coisas: hooligans, terroristas, filhinhos da mamãe etc. Como você os descreve? 

Eles são tudo isso e mais [risadas]. O que é chocante sobre o Anonymous é que pode ser um grupo bem diversificado, do mundo todo, de idades diferentes, de ambos os sexos. Muitas vezes nem eles sabem as identidades dos outros. Mas eles têm meio que uma personalidade coesiva e um certo tipo de objetivo. Eles brigam muito entre si sobre o que fazer, que tipos de ataques são apropriados e tal. O Anonymous não é unânime. Frequentemente pessoas discordam de um ataque que outro membro quer promover. Há uma discussão muito forte. Protesto em Paris contra o Acta (Acordo de Comércio Anticontrafacção), que propõe medidas contra falsificação.

Como vê o desenvolvimento do grupo neste começo de ano? 
Eles estão muito poderosos agora. Alguns desses ataques que vimos recentemente [janeiro] estão aumentando de tamanho. Os ataques contra a Motion Picture Association of America [associação dos estúdios de cinema], a Recording Association of America [associação das gravadoras de música], a BMI, a Universal, o Departamento de Justiça, essas investidas foram gigantes, talvez as maiores que já vimos. 

E por que eles são tão obcecados com gatos [memes criados no site 4chan ]? 
É verdade, é engraçado. Vem de uma piada antiga. As pessoas diziam no começo da internet que ela só prestaria para pessoas postarem fotos de gatos. É o clássico meme da internet. Foi assim que começou. Eles aparentemente amam essas piadas com gatos. 

As pessoas que você entrevistou estavam nos EUA ou tinha gente fora do país? Talvez alguém da América do Sul? 
Acho que não... Olha, na verdade, eu nem sei exatamente onde algumas pessoas estavam quando fizemos a entrevista. Mas o Anonymous está no mundo todo. Com certeza na Europa. Há, certamente, uma forte presença no Brasil. Difícil dizer um país no qual não haja uma presença do Anonymous de alguma forma. 

Pretende fazer um acordo de distribuição do filme ou deixar cair na internet de graça? 
Estamos vendo, não sabemos ainda. Em algum ponto vamos provavelmente liberar. Queremos lançar de uma forma que seja consistente com a temática do filme, mas claro, queríamos pelo menos pagar pelo documentário. Não fazer dinheiro em cima, mas queremos fazer de uma forma responsável. 

* Publicada na Folha, 13/02/2012
 

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