16 janeiro 2012

Quanto custa uma inovação institucional?


Implementar uma nova política, mudar regras do serviço público, treinar servidores e informar o cidadão custa dinheiro. Nem sempre estamos atentos a isso.

Acima, uma faixa de pedestre. Regra simples e clara de respeito ao transeunte, mas desrespeitada na maioria das cidades brasileiras. Fazer com que os motoristas parem na faixa exige esforço e custa dinheiro.

O jornalista Fernando Gallo dá outro exemplo: a operação que precisa ser montada para fazer valer a nova Lei de Acesso à Informação, sancionada ao final de 2011.


Governo ignora custo para aplicar lei
Com entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, Executivo corre contra o tempo para treinar funcionários, mudar cultura e definir verbas

Fernando Gallo*


A quatro meses da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, o Brasil começa o esforço para equacionar questões relativas a custos, estrutura e capacitação de servidores públicos para implementar, de maneira minimamente adequada, a nova legislação.

Ciente de que servirá como modelo para os outros poderes e outras esferas, o Executivo federal corre para decidir verbas, pôr em andamento a máquina burocrática que vai gerir o processo e planeja as ações de treinamento dos funcionários que, espera-se, promovam uma mudança de cultura em relação à transparência.

Nem mesmo o governo federal sabe quanto vai custar a implementação da lei. Nos Estados Unidos, por exemplo, a lei equivalente custa cerca de US$ 380 milhões ao ano. O Reino Unido gasta £ 35 milhões. A Irlanda, 6 milhões. A Austrália, AUD 30 milhões. Em cada um dos países, no entanto, o tamanho da população, a lei e sua forma de funcionamento são diferentes.

Ao contrário de países como o México, o Brasil não criará um novo órgão para cuidar da transparência: a Controladoria-Geral da União (CGU) será a responsável pelo processo. A CGU já sabe, porém, que terá gastos para montar o sistema eletrônico encarregado de processar os pedidos, para contratar servidores e para promover palestras e cursos de capacitação à distância.

Além disso, cada um dos entes governamentais aos quais se aplicará a lei deverá criar um serviço de informação para orientar o público e ainda fazer o protocolo de requerimentos de informação. Deverá também ser regulamentada e criada, na esfera federal, a Comissão Mista de Reavaliação, instância máxima de recurso.

Prazo. Diversos especialistas já advertem que, quando a lei entrar em vigor, em maio, muitos atores ainda não estarão preparados para cumpri-la. "É um prazo exíguo e pouco realista. Não conhecemos nenhuma lei no mundo que, em uma única tacada, tenha abrangido todos os poderes e todas as esferas", diz Vânia Vieira, diretora de Prevenção da Corrupção da CGU.

"Não é como rodar um botão para a lei entrar em vigor e as pessoas passarem a percebê-la como um direito constitucional a ser garantido".

O coordenador da área de comunicação e informação da Unesco no Brasil, Guilherme Canela, avalia como crucial o empenho do governo federal em fazer a lei funcionar, independentemente do prazo estabelecido. "Se isso for feito, o eventual fato de no dia 181 não se ter condições de ofertar informação da forma como a lei coloca pra todos os órgãos federais, acho que o esforço para que o processo caminhe fará com que a legislação não caia em descrédito."

O diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, aponta a criação de demanda de informações como o ponto mais importante para que a lei funcione adequadamente.

"Se não houver essa demanda, o órgão público não vai ser pressionado a produzir informação", diz. "Em Estados e municípios vai ser muito mais lento e díspar. Agora, se você contestar a prefeitura ou o Estado na Justiça por não prestação de informação, o tribunal tem que dar direito de causa a quem reclamar."

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'Não se muda isso da noite para o dia'
Diretora da CGU diz que sistema eletrônico vai permitir a entrada e tramitação dos pedidos de informação

Encarregada de coordenar a implementação da Lei de Acesso à Informação no Executivo federal, a diretora de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União (CGU), Vânia Vieira, pede paciência com os desafios da nova legislação. "O México está com dez anos da lei. Eles não são capazes ainda de afirmar que garantem a implementação efetiva. É importante compreender para que a ansiedade não comprometa", diz.

Há alguma estimativa de quanto o Brasil vai gastar com a lei?

Nos Estados Unidos o governo federal gasta cerca de US$ 380 milhões ao ano pra manter esse sistema. O Reino Unido gasta cerca de £ 35 milhões. A Irlanda, 6 milhões. Austrália, AUD 30 milhões. Esses números são muito significativos, mas acho complicado se inspirar neles para estimar o custo no Brasil porque são sistemas diferentes. Não tem um novo órgão sendo criado com contratação de pessoal e tudo mais. Isso traria um custo imediato muito grande. O grande investimento que o governo federal terá que fazer será em capacitação do servidor e organização dos sistemas.

Que tipo de sistema será criado e como ele vai funcionar?

Está sendo estudada a criação de um sistema completamente automatizado para entrada e tramitação dos pedidos. A CGU será responsável pelo monitoramento desse sistema. Para prestar contas ao Congresso, à imprensa, à sociedade. Um sistema eletrônico permite a elaboração de estatísticas sobre o número de pedidos atendidos, negados, perfil dos solicitantes.

Tem algum sistema que seja modelo?

Sem dúvida, o do México é a referência. Cerca de 99% dos pedidos são feitos via internet.

É possível calcular a demanda por informação que haverá no Brasil?

Impossível. Na Suíça, por exemplo, no primeiro ano não teve um pedido sequer. Na Índia foram 2 milhões, guardadas as proporções de população. No Chile, em que a lei é recente, de 2009, o número de pedidos nos dois primeiros anos não foi grande. Para nossa surpresa, a maioria veio da academia. A imprensa chilena foi responsável no primeiro ano por só 3% dos pedidos.

Uma pesquisa da CGU mostrou que o servidor público apoia a lei, mas tem uma série de receios em liberar informação. Como é que se muda essa cultura?

É um processo. Pelas experiências internacionais, você não muda isso da noite para o dia. O México está lá com 10 anos de implementação da lei. Eles não são capazes ainda de afirmar que garantem a implementação efetiva. É isso que vai ser importante a gente compreender para que também um pouco essa ansiedade não comprometa. A gente não vai rodar um botão, a lei vai entrar em vigor e as pessoas vão perceber a lei como um direito constitucional a ser garantido.

Especialistas dizem que o prazo de 180 dias para que os poderes se adequem não será suficiente. Qual a avaliação da sra.?

Essa é uma das grande críticas à lei. É um prazo exíguo e um pouco não realista. Não conhecemos nenhuma lei no mundo que, em uma única tacada, tenha abrangido todos os poderes e todas as esferas.

Há risco de a lei não pegar?

Quero acreditar que não. Sou por natureza esperançosa. É um processo que depende de muitos atores. Vocês da imprensa são importantes para que a lei pegue. Com a cobrança de todos acho que a lei vai ser aplicada com efetividade.

O que fará com que a lei pegue? Demanda? Decisões judiciais?

O contexto é mais favorável do que há alguns anos. Avançamos muito em transparência ativa nos últimos anos, o que facilita muito o processo. Em outros países, como o Chile, quando a lei foi aprovada, tiveram que partir do zero. Aqui não.

O que pode ser feito para melhorar os processos de gestão da informação?

Política arquivística. Política de arquivos e gestão do conhecimento. Hoje, a política de arquivos tem à frente o Arquivo Nacional, com quem a gente vai ter que trabalhar bastante. Vamos precisar trabalhar com o Ministério do Planejamento. Essa coisa de registros e protocolos passa necessariamente pelo Planejamento. Não existe tradição no Brasil de se preocupar muito com o registro e organização dessas informações.
* Matéria publicada em O Estado de S.Paulo, 15/01/2012

 
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