O companheiro Aldo Fornazieri é um dos mais conhecidos intelectuais orgânicos do PT. Bom escritor, grande debatedor e, ultimamente, autor de um samba de uma nota: o de que Lula só não está solto porque não existe "capacidade e vontade" da direção do PT para por o povo na rua, exigir a libertação do ex-presidente e tirá-lo das garras da Polícia Federal.
Se o problema é este, a solução então deve ser bem simples. Pirlimpimpim: basta trocar a direção do PT e colocar alguém que decida o que Fornazieri escreve.
Não vejo razão para que o articulista não possa ser ele próprio o ungido para a função de presidente e, assim, plenipotenciário, venha brandir seu cetro, como Moisés com seu cajado, e ordenar que se abram as portas da esperança e se rompam os cadeados da cela onde Lula está confinado.
Com todo o respeito que o companheiro Fornazieri merece por sua trajetória e pela abnegação com que tem travado o bom combate, com toda admiração que tenho por ele empunhar a angústia que nos invade, a todo momento, sobre a condição de preso político a que Lula está submetido, apesar disso tudo, está na hora de colocar os pingos nos "is" dessa discussão.
Nesses dois artigos, Fornazieri acusa o PT de quase tudo: incompetência, apatia e, mais grave, de abandono de seu líder e pai fundador.
Antes disso, no artigo "O PT na encruzilhada e a Jeremiada de Lula", com várias analogias bíblicas, Fornazieri já acusava a "direção do PT" - que parece até ser uma entidade monolítica e facilmente personificável - de farisaísmo. "Os sacerdotes do PT continuaram a queimar incenso a 'deuses estranhos'". Acredite: não é um discurso de Damares Alves.
Lula abandonado?
Imagino que muitos não tenham ainda percebido a gravidade do que não é uma simples crítica. É uma acusação. Uma acusação muito grave: a de que a direção do PT não tirou Lula da prisão, até hoje, porque não quis. Porque preferiu abandoná-lo.
Segundo as trombetas de Josué, que insistentemente buzinam nos ouvidos de Jericó, a direção do PT simplesmente não tem disposição, coragem, vontade, ousadia. Está acomodada em sua zona de conforto e acha mais cômodo sacrificar Lula para que apodreça no cárcere.
"Lula está politicamente abandonado. O abandono político de Lula, principalmente por parte do PT, se prenunciava quando o partido não fez uma campanha de mobilização nem para se contrapor à sua condenação, nem para se contrapor à sua prisão e nem para exigir a sua libertação." Assim falou Zaratustra, que deve estar se informando do que o PT tem feito pelo Jornal Nacional da Rede Globo.
Curioso notar que em todos os artigos citados não existe uma única proposta concreta que já não tenha sido tentada ou que já não esteja sendo posta em marcha.
Fornazieri pede "uma campanha efetiva por Lula livre!". Outra? Ah, mas ele disse "efetiva". Genial! Essa palavra resolve tudo. E o que seria o efetiva? Seria "mostrar que Lula foi condenado sem provas". Caramba! Como não pensamos nisso antes?
Tudo o que o PT fez até agora, segundo ele, "foi mais no plano símbolico, mais no plano declaratório, das intenções e das resoluções partidárias". Pois o artigo de Fornazieri é declaratório, cheio de boas intenções no plano símbolico e de propostas de resolução que já estão escritas.
Fornazieri, com sua argúcia, ainda não se deu conta de que o dirigente maior do PT, mesmo preso, é o próprio Lula? Não percebeu que a direção do PT tem sido intransigentemente fiel a ele? Ele não ouviu que Lula reconhece o esforço e lealdade da atual presidente do PT de tal forma que gostaria de ver Gleisi Hoffmann reconduzida a mais um mandato?
A César o que é de César.
As decisões essenciais que levaram Lula a se entregar à prisão foram do próprio Lula, e não da "direção do PT". Alguém por gentileza informe Fornazieri que a campanha eleitoral encerrada em novembro de 2018 teve como mote o "Lula Livre" e foi toda comandada estrategicamente por Lula. Será que Ciro Gomes reclamava disso só por babaquice? Seriam as idas constantes de Gleisi e Haddad a Curitiba, durante a campanha, meras visitas de cortesia a Lula?
O PT é um gigante de pés de barro. Sua militância e influência são muito maiores que sua capacidade organizativa, que é débil. É um partido burocratizado, pouco transparente, que afastou a participação militante de sua base e que se comunica muito mal. Esses têm sido problemas estruturais que atravessam várias direções partidárias, as quais não têm contribuído em nada para reverter a situação.
No entanto, o problema é bem mais complexo do que meramente organizativo e de disposição. Quando Lula resolveu se entregar, aceitou como opção preferencial provar sua inocência pela via judicial. Se entregar à justiça significou apostar que ela funcionasse como justiça, o que nunca foi o caso. Como é notório, as instituições NÃO estão funcionando.
A situação é como a do avião que pode até estar com tudo certo, mas se meteu em nuvens carregadas que o impedem de pousar. Seu aeroporto não tem teto. Por mais hábil que seja o piloto, de nada adianta fazer piruetas, menos ainda, bravatas. A não ser que o piloto seja... Aldo Fornazieri.
Como garantir Lula Livre?
As duas únicas formas de Lula ser libertado ou é um julgamento do STF sobre segunda instância ou é uma tomada da Bastilha, com gente disposta a invadir a PF de Curitiba e arrancá-lo de lá a força, nos braços do povo. Convenhamos, está última não é uma ideia nada plausível, mesmo que Aldo Fornazieri esteja à frente.
"Lula Livre" é uma bandeira, uma palavra de ordem suprapartidária, uma proposta unificadora de vários movimentos, aspirações e sentimentos de quem luta por justiça.
Em tudo quanto é lugar, ouvimos e gritamos "Lula Livre". Eu vi, ouvi e gritei "Lula Livre" em frente ao TSE, em espetáculos de música, em salas de cinema, no carnaval. A mobilização por "Lula Livre" certamente tem que continuar e aumentar.
O mais importante é que ela esteja ligada às mobilizações populares e que propague o sentimento de que, se Lula fosse o presidente, nada disso que hoje ocorre no Brasil estaria acontecendo.
"Lula Livre" precisa ser uma campanha internacional de denúncia, de forma mais intensa do que tem sido até agora, sobre o horror que se instalou no país.
O fato é que isso tudo tem sido feito paulatinamente, como água mole em pedra dura, em muito graças à iniciativa militante de lulistas com e sem carteirinha do partido. Isso não é um defeito. É uma característica do PT, desde 1980. O petismo sempre foi algo mais amplo que o PT e sempre fez coisas extraordinárias que sua direção nem sequer imaginava.
O que fazer que ainda não foi feito?
Há muita coisa que de fato não foi feita pelo "Lula Livre", que deveria ser uma campanha oficial do PT, com um comitê responsável por sua organização e um orçamento definido pelo partido, de forma transparente. Aliás, deveria haver uma campanha nacional de arrecadação para custear as ações, que nem precisariam e nem deveriam ser bancadas com recursos do fundo partidário.
Precisamos de um dia D do "Lula Livre", com passeatas, espetáculos culturais, organizados por comitês "Lula Livre" nos Estados.
Em outros países, o PT deveria, com a aquiescência de Lula, nomear embaixadores da campanha, responsáveis por reunir apoiadores, levantar fundos, manter páginas, percorrer organizações civis, promover debates, exposições, shows.
O Instituto Lula deveria alugar uma sede em Curitiba, um espaço cultural da resistência que aproveitasse cada visitante, dos inúmeros e célebres que têm visitado o ex-presidente, para gravar depoimentos, promover debates, fazer coletivas e construir a memória desse período. O pano de fundo dessa resistência não pode ser a superintendência da PF.
Tudo isso precisa ser feito. A direção do PT pode certamente ter muitas outras ideias. Aldo Fornazieri também.
* Antonio Lassance é cientista político.