Antonio Lassance (*)
1) Governos não podem fazer o que bem entendem, empresas também não, se não atenderem ao interesse da sociedade.
Algumas pessoas pedem menos impostos, menos Estado e mais livre mercado, mas quando percebem aonde isso leva, vão ao extremo oposto e pedem intervenção em tudo. Querem até soldado dirigindo caminhão de combustível e conferindo o preço na bomba.
A democracia é cheia de defeitos, mas governos e burocratas sem qualquer compromisso democrático e sem qualquer sensibilidade com os mais pobres são a ruína da sociedade e a sepultura de nossas chances de desenvolvimento.
Pedro Parente é um exemplo típico do que se entende como czar de uma política. Manda e desmanda, sem qualquer atenção às consequências sociais e mesmo macroeconômicas que suas decisões podem gerar. Em regimes ditatoriais, os governos são uma coleção de Pedros Parentes.
O que no fundo as pessoas pediram, em meio a essa crise colossal, foi um Brasil de mercados melhor regulados (abusos devem ser coibidos), mais democracia (as pessoas querem ser ouvidas e atendidas em suas reivindicações) e governos que atendam ao interesse social de quem mais precisa da ação do Estado.
As empresas não podem fazer o que bem entendem, pois têm uma responsabilidade social. Postos não podem vender gasolina a R$9,99 e gás a R$150,00. Isso foi considerado imoral. A popularidade do presidente, que já era mínima, foi à lona.
2) O preço dos combustíveis é uma pequena amostra do que acontece com países que preferem tributar mais o consumo (de combustíveis e alimentos; de bens e serviços) do que a renda e a propriedade.
Também foi um reflexo do que acontece em lugares que apostam mais no transporte individual do que no transporte público. Nas eleições que estão por vir, será que não deveríamos prestar atenção não apenas em quem são os candidatos, mas sobretudo ao que eles propõem a esse respeito?
3) O Brasil é um paraíso para os ricos e um inferno para os pobres.
Por aqui, quem ganha mais é quem paga menos imposto, proporcionalmente. Repararam também que, na greve dos caminhoneiros, a situação que primeiro foi se regularizando foi a dos aeroportos? Em seguida, os postos tiveram um abastecimento precário, mas receberam alguma coisa, a conta gotas. O que menos se viu, com a urgência que seria necessária, foi gás de cozinha. Você não acha que deveria ser o inverso?
4) O Brasil vinha investindo muito em ferrovias, mas parou. Parou por quê? Por que parou?
O Brasil não investe em ferrovias, certo? Errado. Quando ainda havia a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), o Brasil investiu bastante em ferrovias, apesar das muitas oscilações em períodos de crise. A Rede foi extinta pelo Programa Nacional de Desestatização, em 1992. Daí até 2002, o setor caiu em letargia e muitas de suas ferrovias foram abandonadas e se depreciaram. Principalmente a partir do segundo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) e até o golpe, a indústria brasileira de materiais e equipamentos ferroviários produziu muito. Foram quatro mil vagões por ano. Para se ter uma ideia, na década de 1990, a indústria forneceu, em média, apenas 330 vagões/ano, ou seja, 12 vezes menos (informações do livro verde do BNDES, de 2017, pág. 177 https://goo.gl/9YoE1E).
O que parou o investimento em ferrovias não foi o desinteresse do brasileiro por este modal.
Primeiro, foi a privatização da RFFSA.
Depois, foi o golpe que fez o país retroceder ao século passado.
Vale a pergunta:
Não seria a hora de se recriar a RFFSA?
5) Os acionistas majoritários das empresas públicas são os brasileiros.
A Petrobras é uma empresa pública por uma razão importante. Na verdade, por várias razões. Embora venda produtos no mercado, ela não foi feita para funcionar exatamente como uma empresa privada. Claro que ela não deve ter prejuízo, mas seu objetivo principal não é obter lucros exorbitantes e imediatos e nem, acima de tudo, remunerar seus acionistas e dirigentes. Seu principal objetivo deveria ser o desenvolvimento do país. No caso da Petrobras, é também seu papel organizar e regular o mercado de petróleo e gás e introduzir um mínimo de interesse social no que é produzido.
Muitas pessoas não percebem que petróleo e gás existem graças ao patrimônio natural deste país, que pertence a todos os brasileiros.
"Petróleo e gás existem graças ao patrimônio natural deste país, que pertence a todos os brasileiros"
Para alguns, o gás a R$30,00 ou a R$150,00 não tem a mínima importância. Para milhões de brasileiros, é a diferença entre ter ou não ter o que comer. Para alguns, tanto faz se o transporte coletivo custa R$3,00 ou mais. Para a maioria, isso inviabiliza o direito de ir e vir.
6) O maior meio de comunicação do Brasil não é mais a Rede Globo.
Também não é mais o Facebook, que está a caminho de se tornar um Orkut. O maior meio de comunicação, aqui e em muitos outros países, é o WhatsApp.
Além das inovações tecnológicas, o que promoveu essa nova mídia foi a decadência da mídia tradicional e o desejo de muitos em questionar o que recebem de informação e entretenimento.
Os grupos tradicionais de mídia do país cavaram sua própria sepultura quando, desde muito tempo atrás, trataram presidentes nacionalistas como criminosos, enquanto alguns dos presidentes mais desastrosos foram elevados ao patamar de heróis. Temer chegou a ser saudado como a mais rápida "saída para a crise".
Em menor escala, é incrível como Pedro Parente seja ainda considerado por essa mesma mídia como modelo de eficiência, mesmo depois de ter levado o país ao colapso.
7) Você informa, você edita, você cuida. Portanto, cuidado!
As pessoas precisam estar mais atentas ao que dizem e compartilham e interagir mais na checagem de informações do que em seu repasse. Devem ser menos crédulas em relação ao que recebem e questionar: "a quem interessa esse tipo de informação?" Quando receber uma mensagem pedindo "repasse", não repasse. Pense. Quando a mensagem diz "repasse sem dó", tenha dó, não repasse.
Os que usam novas mídias (WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram etc) são agora editores de opinião e curadores de notícias - organizam e filtram o que seus familiares e amigos lerão, verão e ouvirão. Isso quando não são elas a própria notícia. Por isso, deveríamos pensar melhor, refletir mais, estudar os assuntos com mais profundidade e evitar acreditar em quem muito grita e muito xinga; em quem faz de preconceitos uma profissão de fé; em quem é adepto da violência como a melhor alternativa para os problemas sociais, econômicos e políticos do país.
As pessoas precisam aprender a distinguir melhor boato x informação; sentimento x ressentimento; opinião x preconceito; piada x "bullying". Precisam saber que ódio não é argumento, muito menos solução.
8) Resista ao efeito manada.
Boa parte das pessoas, embora de boa fé, agiu pelo efeito manada. Em outras palavras, se comportou como gado. Saiu correndo, desembestada, ao ouvir o primeiro estampido.
Quando alguém aparece em um áudio dizendo que faltará alimentos, o que fazemos? Corremos para fazer a compra do mês? Quando o carro está com 3/4 de tanque cheios, o que fazemos? Aceleramos para chegar rápido ao posto mais próximo e esperamos um dia inteiro para completar o tanque? Quem fez isso contribuiu muito para o rápido desabastecimento do país durante a greve dos caminhoneiros.
Quando pessoas tomam atitudes egoístas, elas acabam causando prejuízos coletivos que afetarão elas mesmas em maior escala.
Quando você receber uma mensagem que faça referência a Ayn Rand, a filósofa do egoísmo que ensina que as pessoas devem pensar apenas nelas próprias e em mais ninguém, pense nisso.
9) Defenda a solidariedade a todo momento, mas sem unhas e dentes.
Quando a solidariedade é recriminada como coisa de "esquerdistas", "comunistas", "venezuelanos", "cubanos" etc, é sinal de que a estupidez está no comando; de que o bom senso é o produto mais em falta no mercado; de que a vida em comunidade está em liquidação.
Que tal evitarmos o efeito manada de transformar conceitos e vocábulos em adjetivos pejorativos? Lembremos, pelo menos, que "venezuelano" é um substantivo, um gentílico, e apenas indica o país onde essa pessoa nasceu, e não necessariamente o que ela pensa. Raciocínios com base em conceitos estigmatizados são um sinal de envenenamento do debate.
É bom você se desintoxicar das fontes que fornecem esse lixo diariamente.
Se tiver algum dinheiro sobrando, vá a Cuba. É um país sensacional que sabe receber estrangeiros muito bem. Depois, compartilhe o que você achou do passeio.
10) Sindicatos são importantes. Precisam ser valorizados.
Muitas pessoas vinham nutrindo ódio a sindicatos, a sindicalistas e a greves. Perceberam até que não é preciso sindicatos fortes para chamar grandes mobilizações e confrontar governos que pisam sobre a cabeça de seus cidadãos.
Mas também viram que, se não houver representação legítima e sem organizações sindicais fortes, capazes de conduzir negociações e fechar acordos, as mobilizações podem ser sequestradas por interesses escusos de quem pretende deixar a sociedade de joelhos.
11) A revolta social assume as formas mais imprevisíveis e se dissemina pelos meios mais improváveis.
Há 50 anos, a revolta do maio francês começou como uma singela mobilização de estudantes contra regras rígidas de separação dos alojamentos estudantis em alas femininas e masculinas. A estudantada queria a chance de ter apartamentos mistos. Ninguém imaginou que ali nascia um dos movimentos mais marcantes do século XX, cujas mensagens mais emblemáticas foram escritas em muros.
A greve dos caminhoneiros se disseminou via mensagens de WhattsApp.
A grande questão não está em como tudo começa, mas para onde somos levados e em como tudo termina.
12) A repressão é a pior resposta que podemos dar a problemas mal compreendidos.
A violência do Estado ataca apenas as consequências e é incapaz de enxergar as causas que geram tantas chagas abertas e dolorosas. De fato, a desigualdade é nosso principal problema, mas até hoje a maioria dos brasileiros não percebeu tal fato.
Quantos já leram isso em um parachoque de caminhão? Sinal de que a estrada a percorrer é mesmo longa.
13) Estamos enfrentando problemas ou só brigando com as consequências?
Estamos refletindo e aprendendo com o que fizemos ou continuamos achando que o mais importante é criminalizar alguém? Estamos contribuindo para tornar o país mais solidário ou para disseminar o egoísmo e o caos?
Nós lutamos por avanços ou para fazer o Brasil retroceder 20 anos em dois?
(*) Antonio Lassance é cientista político.
A foto que ilustra este artigo é da página da prefeitura de Visconde de Rio Branco-MG, marcada para reutilização.
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