"De todas as maravilhas do mundo, a humanidade é a mais interessante delas, segundo os próprios seres humanos".
(Sófocles, dramaturgo grego, há 25 séculos).
Em "Por que Gostamos de História", o historiador Jaime Pinsky debate a fascinação que narrativas históricas exercem em nós. Doutor e livre-docente pela USP, Pinsky também assina "Ensino de História e a Criação do Fato", "A Escravidão no Brasil" e "100 Textos de Histórias Antiga", entre outros.
Livro tem lançamento previsto para 3 de junho
Abaixo, leia um trecho.
Fonte: Livraria da Folha, 27/05/2013.
HISTÓRIA
Por que gostamos de História?Jaime Pinsky mostra como a História é capaz de explicar o aqui e agora
Para um historiador é sempre agradável constatar a simpatia com que as pessoas comentam sua atividade: "Puxa, se eu não fizesse Medicina, faria História", ou "adoro livros de História", ou "eu adorava as aulas de História no colégio", e ainda "deve ser gostoso fazer pesquisa histórica". Claro, pode ser que as gentes estejam apenas querendo agradar ao exercerem a proverbial cordialidade brasileira. Contudo, convenhamos, fica difícil imaginar as frases equivalentes dirigidas a profissionais como, por exemplo, economistas, advogados ou dentistas. De modo que tendo a acreditar na sinceridade dos brasileiros nesse particular, mesmo porque a declaração de amor à História vem respaldada por números muito expressivos de venda de livros da área, escritos ou não por historiadores de ofício. Se acrescentarmos às obras especificamente históricas os romances históricos, as biografias e, ainda, a "militária" (livros sobre estratégias, guerras e guerreiros), veremos que o setor é muito querido e repete por aqui o sucesso que tem conquistado em muitos outros países.
Dois motivos parecem explicar a popularidade dos livros de História. O primeiro é que temos enorme curiosidade em saber de onde viemos, onde estão nossas raízes familiares, étnicas, nacionais, culturais. Visitar e compreender o passado é uma tentativa de nos entendermos melhor, de buscar - nem sempre com sucesso - explicações sobre o aqui e agora. "Sou assim porque tenho sangue espanhol", ou "é tradição entre os mediterrâneos valorizar mais o filho homem", ou ainda "somos os herdeiros do povo do livro" são constatações de caráter supostamente histórico que teriam por função nos situar como agentes históricos. O mundo ocidental tem, no mínimo, sérias dúvidas sobre uma suposta vida depois da morte, desistiu de responder a uma das inquietações vitais do ser humano: "para onde vou?" Resta-lhe o consolo de, pelo menos, tentar explicar de onde vem...
O outro motivo é explicado, ou melhor, foi explicado pelo dramaturgo grego Sófocles, há 25 séculos. Ele dizia que, de todas as maravilhas do mundo, o homem é a mais interessante para os próprios seres humanos. De fato, nós nos percebemos espelhando-nos nos outros: ao utilizar o próximo como referência é que podemos medir nossa inteligência ou estultice, nossa beleza ou falta de graça, nossa habilidade ou falta de jeito. Olhar e ver outros seres humanos, verificar como estão vivendo, como se organizam socialmente, quais os tabus que respeitam, qual o papel que desempenham os velhos, as crianças, as mulheres em diferentes sociedades, tudo isso nos fascina. Será que aquele povo encontrou uma forma política mais eficiente que a nossa? Quem sabe aquele outro achou deuses mais benevolentes e eficazes que os nossos? Adoramos civilizações antigas, devoramos livros sobre egípcios (de então, não de agora), gregos (idem), hebreus, romanos (idem, idem). Por vezes, até o leitor se atrapalha e confunde povos que de fato existiram e sobre os quais temos provas documentais com outros que se originam da imaginação de espertalhões.
Além de tudo, os bons livros de História têm uma... história. As narrativas, os processos, estabelecem conexão entre os episódios. Desde a infância, gostamos de boas histórias; por que não gostar daquelas, por assim dizer, verdadeiras?
Claro que o mundo está cheio de falsos historiadores (dentro e fora da universidade), aqueles que partem de uma tese pronta e vão buscar apenas os argumentos que a comprovam, rejeitando, no processo investigativo, todos os documentos que poderiam contradizer seu ponto de partida. É aquela história de "se os fatos negarem minha teoria, pior para os fatos". Por meio de manipulação do acontecido pode-se provar qualquer coisa e até o contrário dessa coisa. Esse método tem sido muito usado para se "provar" superioridade nacional, racial e de gênero. Tem sido usado para se "provar" direitos territoriais. Tem sido usado para desqualificar e mesmo ridicularizar heróis, desde que não sejam os "nossos". Daí a necessidade de os leitores, amantes da História, tomarem certas precauções com relação à origem das "verdades" que encontram e reproduzem. A internet, assim, genérica, não é fonte. Mesmo quando os textos são apresentados com assinaturas que parecem confiáveis. Não apenas nossos textos são apropriados indevidamente na web, como as pessoas nos atribuem afirmações que nunca fizemos. Operar uma crítica de fontes é, pois, fundamental.
De resto, nada como se assegurar da formação do suposto historiador. Não, não é preciso fazer curso de História para publicar livros, mas é preciso ser rigoroso no que se pesquisa e responsável no que se escreve para ser confiável. Do contrário, serão apenas histórias da carochinha.
*
"Por que Gostamos de História"
Autor: Jaime Pinsky
Editora: Contexto
Páginas: 224
Quanto: R$ 24,90 (preço promocional de pré-venda*)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha
Para seguir o blog e receber postagens atualizadas, use a opção "seguir", ao lado.
(Sófocles, dramaturgo grego, há 25 séculos).
Em "Por que Gostamos de História", o historiador Jaime Pinsky debate a fascinação que narrativas históricas exercem em nós. Doutor e livre-docente pela USP, Pinsky também assina "Ensino de História e a Criação do Fato", "A Escravidão no Brasil" e "100 Textos de Histórias Antiga", entre outros.
Livro tem lançamento previsto para 3 de junho
Abaixo, leia um trecho.
Fonte: Livraria da Folha, 27/05/2013.
HISTÓRIA
Por que gostamos de História?Jaime Pinsky mostra como a História é capaz de explicar o aqui e agora
Para um historiador é sempre agradável constatar a simpatia com que as pessoas comentam sua atividade: "Puxa, se eu não fizesse Medicina, faria História", ou "adoro livros de História", ou "eu adorava as aulas de História no colégio", e ainda "deve ser gostoso fazer pesquisa histórica". Claro, pode ser que as gentes estejam apenas querendo agradar ao exercerem a proverbial cordialidade brasileira. Contudo, convenhamos, fica difícil imaginar as frases equivalentes dirigidas a profissionais como, por exemplo, economistas, advogados ou dentistas. De modo que tendo a acreditar na sinceridade dos brasileiros nesse particular, mesmo porque a declaração de amor à História vem respaldada por números muito expressivos de venda de livros da área, escritos ou não por historiadores de ofício. Se acrescentarmos às obras especificamente históricas os romances históricos, as biografias e, ainda, a "militária" (livros sobre estratégias, guerras e guerreiros), veremos que o setor é muito querido e repete por aqui o sucesso que tem conquistado em muitos outros países.
Dois motivos parecem explicar a popularidade dos livros de História. O primeiro é que temos enorme curiosidade em saber de onde viemos, onde estão nossas raízes familiares, étnicas, nacionais, culturais. Visitar e compreender o passado é uma tentativa de nos entendermos melhor, de buscar - nem sempre com sucesso - explicações sobre o aqui e agora. "Sou assim porque tenho sangue espanhol", ou "é tradição entre os mediterrâneos valorizar mais o filho homem", ou ainda "somos os herdeiros do povo do livro" são constatações de caráter supostamente histórico que teriam por função nos situar como agentes históricos. O mundo ocidental tem, no mínimo, sérias dúvidas sobre uma suposta vida depois da morte, desistiu de responder a uma das inquietações vitais do ser humano: "para onde vou?" Resta-lhe o consolo de, pelo menos, tentar explicar de onde vem...
O outro motivo é explicado, ou melhor, foi explicado pelo dramaturgo grego Sófocles, há 25 séculos. Ele dizia que, de todas as maravilhas do mundo, o homem é a mais interessante para os próprios seres humanos. De fato, nós nos percebemos espelhando-nos nos outros: ao utilizar o próximo como referência é que podemos medir nossa inteligência ou estultice, nossa beleza ou falta de graça, nossa habilidade ou falta de jeito. Olhar e ver outros seres humanos, verificar como estão vivendo, como se organizam socialmente, quais os tabus que respeitam, qual o papel que desempenham os velhos, as crianças, as mulheres em diferentes sociedades, tudo isso nos fascina. Será que aquele povo encontrou uma forma política mais eficiente que a nossa? Quem sabe aquele outro achou deuses mais benevolentes e eficazes que os nossos? Adoramos civilizações antigas, devoramos livros sobre egípcios (de então, não de agora), gregos (idem), hebreus, romanos (idem, idem). Por vezes, até o leitor se atrapalha e confunde povos que de fato existiram e sobre os quais temos provas documentais com outros que se originam da imaginação de espertalhões.
Além de tudo, os bons livros de História têm uma... história. As narrativas, os processos, estabelecem conexão entre os episódios. Desde a infância, gostamos de boas histórias; por que não gostar daquelas, por assim dizer, verdadeiras?
Claro que o mundo está cheio de falsos historiadores (dentro e fora da universidade), aqueles que partem de uma tese pronta e vão buscar apenas os argumentos que a comprovam, rejeitando, no processo investigativo, todos os documentos que poderiam contradizer seu ponto de partida. É aquela história de "se os fatos negarem minha teoria, pior para os fatos". Por meio de manipulação do acontecido pode-se provar qualquer coisa e até o contrário dessa coisa. Esse método tem sido muito usado para se "provar" superioridade nacional, racial e de gênero. Tem sido usado para se "provar" direitos territoriais. Tem sido usado para desqualificar e mesmo ridicularizar heróis, desde que não sejam os "nossos". Daí a necessidade de os leitores, amantes da História, tomarem certas precauções com relação à origem das "verdades" que encontram e reproduzem. A internet, assim, genérica, não é fonte. Mesmo quando os textos são apresentados com assinaturas que parecem confiáveis. Não apenas nossos textos são apropriados indevidamente na web, como as pessoas nos atribuem afirmações que nunca fizemos. Operar uma crítica de fontes é, pois, fundamental.
De resto, nada como se assegurar da formação do suposto historiador. Não, não é preciso fazer curso de História para publicar livros, mas é preciso ser rigoroso no que se pesquisa e responsável no que se escreve para ser confiável. Do contrário, serão apenas histórias da carochinha.
*
"Por que Gostamos de História"
Autor: Jaime Pinsky
Editora: Contexto
Páginas: 224
Quanto: R$ 24,90 (preço promocional de pré-venda*)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha
Para seguir o blog e receber postagens atualizadas, use a opção "seguir", ao lado.
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