"Não venha dizer, por favor, que estão fazendo política de um jeito tão diferente assim".
Do Blog do Sérgio Praça *
O novo partido de Marina Silva – que ainda não entendi se é “Rede Sustentável”, “Rede Sustentabilidade”, “#rede” – traz algumas contribuições interessantes para o debate público. Vou focar uma só: a proibição de candidatos do novo partido receberem doações de empresas ligadas à venda de armas, bebidas alcoolicas, cigarros e agrotóxicos (Art. 97 do Estatuto Provisório).
O sexto parágrafo do Manifesto do novo partido diz: “Uma das peças-chave para uma correção de rumos está no sistema político e sua estreita relação com o modelo de desenvolvimento. Basta, para isso, ver quais são os principais doadores de campanha e as leis feitas pelos eleitos, que com frequência fortalecem os valores que se contrapõem ao desenvolvimento sustentável, à ética, à justiça social, ao aprofundamento da democracia e aos princípios civilizatórios básicos”.
O raciocínio confuso parece querer dizer o seguinte: se um grupo de interesse doa muito dinheiro para políticos, estes fazem leis para agradá-los, com efeitos sociais temerários. Dois brilhantes estudos, mais ou menos recentes, mostram que isso não é verdade.
O primeiro, do cientista político Wagner Pralon (prof. da EACH-USP), mostra que a atuação do lobby da indústria no Legislativo ocorre muito mais para bloquear projetos que seriam danosos a certas empresas do que para aprovar novas normas jurídicas que beneficiam financiadores de campanha.
O outro estudo, do cientista político Davi Moreira (baseado em seu mestrado na USP), mostra que benefícios tributários obtidos por empresas são mais bem explicados pelo entendimento de como a coalizão distribui postos decisórios relevantes no Legislativo do que por um “troca-troca” entre empresas específicas e campanhas parlamentares.
O fato de o partido (a #rede, vai) ter destacado as armas, bebidas alcóolicas, cigarros e agrotóxicos mostra que eles crêem que essas empresas são desproporcionalmente beneficadas por decisões parlamentares. Não é, no entanto, o que se vê na Lei 14.592/2011 (que proíbe vender, ofertar, fornecer, entregar e permitir o consumo de bebida alcoólica aos menores de 18 anos), na Lei 9.294/1996 (que proíbe o uso de cigarros em recinto coletivo privado ou público), em decisões recentes da Anvisa sobre agrotóxicos e no referendo sobre desarmamento no país, realizado em 2005, que resultou na permanência do livre comércio de armas.
Ok, contra esse argumento, podemos dizer que a Dilma liberou, na Copa, a venda de cerveja nos estádios.
Outro estudo de Wagner Pralon mostra, no entanto, que empreiteiras têm relativo sucesso em moldar as leis a seu gosto. Delas, Marina Silva e seus companheiros receberão dinheiro na campanha. Nada de errado com isso – mas não venha dizer, por favor, que estão fazendo política de um jeito tão diferente assim.
* Sérgio Praça é doutor em Ciência Política pela USP, pesquisador do Cepesp da FGV-SP e professor de políticas públicas da UFABC.
Para seguir o blog e receber postagens atualizadas, use a opção "seguir", ao lado.
Do Blog do Sérgio Praça *
O novo partido de Marina Silva – que ainda não entendi se é “Rede Sustentável”, “Rede Sustentabilidade”, “#rede” – traz algumas contribuições interessantes para o debate público. Vou focar uma só: a proibição de candidatos do novo partido receberem doações de empresas ligadas à venda de armas, bebidas alcoolicas, cigarros e agrotóxicos (Art. 97 do Estatuto Provisório).
O sexto parágrafo do Manifesto do novo partido diz: “Uma das peças-chave para uma correção de rumos está no sistema político e sua estreita relação com o modelo de desenvolvimento. Basta, para isso, ver quais são os principais doadores de campanha e as leis feitas pelos eleitos, que com frequência fortalecem os valores que se contrapõem ao desenvolvimento sustentável, à ética, à justiça social, ao aprofundamento da democracia e aos princípios civilizatórios básicos”.
O raciocínio confuso parece querer dizer o seguinte: se um grupo de interesse doa muito dinheiro para políticos, estes fazem leis para agradá-los, com efeitos sociais temerários. Dois brilhantes estudos, mais ou menos recentes, mostram que isso não é verdade.
O primeiro, do cientista político Wagner Pralon (prof. da EACH-USP), mostra que a atuação do lobby da indústria no Legislativo ocorre muito mais para bloquear projetos que seriam danosos a certas empresas do que para aprovar novas normas jurídicas que beneficiam financiadores de campanha.
O outro estudo, do cientista político Davi Moreira (baseado em seu mestrado na USP), mostra que benefícios tributários obtidos por empresas são mais bem explicados pelo entendimento de como a coalizão distribui postos decisórios relevantes no Legislativo do que por um “troca-troca” entre empresas específicas e campanhas parlamentares.
O fato de o partido (a #rede, vai) ter destacado as armas, bebidas alcóolicas, cigarros e agrotóxicos mostra que eles crêem que essas empresas são desproporcionalmente beneficadas por decisões parlamentares. Não é, no entanto, o que se vê na Lei 14.592/2011 (que proíbe vender, ofertar, fornecer, entregar e permitir o consumo de bebida alcoólica aos menores de 18 anos), na Lei 9.294/1996 (que proíbe o uso de cigarros em recinto coletivo privado ou público), em decisões recentes da Anvisa sobre agrotóxicos e no referendo sobre desarmamento no país, realizado em 2005, que resultou na permanência do livre comércio de armas.
Ok, contra esse argumento, podemos dizer que a Dilma liberou, na Copa, a venda de cerveja nos estádios.
Outro estudo de Wagner Pralon mostra, no entanto, que empreiteiras têm relativo sucesso em moldar as leis a seu gosto. Delas, Marina Silva e seus companheiros receberão dinheiro na campanha. Nada de errado com isso – mas não venha dizer, por favor, que estão fazendo política de um jeito tão diferente assim.
* Sérgio Praça é doutor em Ciência Política pela USP, pesquisador do Cepesp da FGV-SP e professor de políticas públicas da UFABC.
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