As receitas provenientes desses fundos contribuem para a independência fiscal de estados e municípios, embora não de forma suficiente.
Artigo de Marta Arretche, professora e livre-docente de ciência política na USP, diretora do Centro de Estudos da Metrópole, no "Valor", 08/02/2013.
Faz sentido esperar um acordo de cavalheiros?
Marta Arretche
Em influente artigo publicado em 2009 - "Second generation fiscal federalism: The implications of fiscal incentives", Journal of Urban Economics 65: 279-293 -, Barry Weingast, cientista político de Stanford, alertou para a ameaça à liberdade de escolha dos cidadãos quando a provisão descentralizada de serviços públicos está combinada à centralização de recursos fiscais. Se os governos locais dependem do central para financiar suas políticas, o eleitor fará uma escolha pragmática: votará de modo a alinhar politicamente seu governo com aquele que tem os recursos para financiar escolas, hospitais, estradas, etc. Muito antes dele, Vitor Nunes Leal, em "Coronelismo, Enxada e Voto", publicado em 1949, desvendou uma das fontes do poder eleitoral do coronel: a fraqueza do município. Sem alinhamento do governo municipal com o governo estadual, não seria possível empreender mesmo as obras mais urgentes. Este o mecanismo que preservava os partidos únicos estaduais na Primeira República! A rigor, a fraude eleitoral seria apenas um mecanismo auxiliar para ganhar a eleição. Era do interesse do eleitor votar na situação! Logo, a competição era limitada.
Ao expandir progressivamente as receitas da União vinculadas ao FPE - bem como do FPM -, entre 1974 e 1988, os parlamentares brasileiros sabiam que estavam ampliando a independência fiscal de Estados e municípios. Criados na reforma tributária de 1967, estes dois fundos contavam com apenas 5% da arrecadação do IPI e do IR, já em 1968. Por isto, no regime militar, era racional votar na Arena. À liberdade (formal) de escolha correspondia desigualdade na campanha eleitoral, de vez que votar no MDB implicava contar com reduzidas transferências (voluntárias) da União. Entender a eficácia do mecanismo não requer nenhum modelo matemático sofisticado. Vitor Nunes Leal explica sua operação na República Velha: o eleitor não precisava ser sequer escolarizado para entendê-lo!
Hoje, a União deve repartir 21,5% da arrecadação do IPI e do IR com os Estados e 22,5% com os municípios, independentemente de lealdades partidárias ou pertencimento à coalizão de governo. Logo, ao obter receitas do FPE e FPM, Estados e municípios ganham independência fiscal. Calcular a razão entre a receita do FPE e o total das receitas de um Estado e concluir que isto é dependência fiscal requer ignorar seu impacto político.
A contribuição do FPE para a independência fiscal dos Estados não depende apenas do volume global de recursos, mas principalmente da regra de distribuição. [...] Esta representa 9% do total da receita de todos os Estados brasileiros. Não é pouca coisa! Entretanto, importa mesmo quanto cada Estado obtém do Fundo. Daí, o conflito sobre a regra de distribuição.
Para 14 das 27 unidades da federação, o FPE representa 20% ou mais do total de suas receitas. Logo, na ausência deste Fundo, a necessidade de obter estes mesmos 20% tornaria a campanha eleitoral nestes Estados ainda mais desvantajosa para a oposição, seja qual for o partido no governo central. Nestes Estados, oposição, partidos da base e governadores devem estar igualmente interessados na decisão sobre a distribuição dos recursos do FPE, ainda que por razões diferentes.
Estudo de Sergio Prado sobre o FPE - "FPE. Equalização Estadual no Brasil. Alternativas e Simulações para a Reforma", FGV Projetos/IDP - mostra que a regra atual de distribuição, congelada desde 1989 e vetada pelo STF, embora pretenda reduzir desigualdades, produz novas desigualdades. Eleva as receitas dos Estados da Região Norte para um intervalo entre R$ 2 mil e 4 mil per capita ao passo que mantém os Estados do Nordeste em situação de maior dependência fiscal que os demais, com receitas per capita variando entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil. Os Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste ficam com receita per capita final na faixa entre R$ 1,3 mil e R$ 2 mil, ainda que estes valores sejam em boa parte derivados de arrecadação própria. Este resultado é, em boa medida, explicado por uma "trava" imposta ao fator população na tabela de cálculo da LC 62/89. Qual seja: um pequeno detalhe faz toda a diferença!
Tornou-se trivial atribuir a não decisão sobre a regra de distribuição do FPE à inoperância do Congresso. As evidências sugerem, contudo, o oposto. Matéria do Valor de 28 de janeiro contabiliza 10 projetos apresentados no Senado e 19 na Câmara. Disputa de natureza semelhante sobre os recursos do petróleo revela que potenciais perdedores e potenciais ganhadores empregam todos os recursos institucionais de que dispõem para aprovar regras que aumentem a independência fiscal dos seus respectivos Estados.
Não é, portanto, a inoperância que leva à não decisão. A noção de que "o diabo mora nos detalhes" em uma decisão tão crucial, cujo prazo de validade tende a ser longo, fará com que os atores negociem até o último minuto!
Marta Arretche é professora livre-docente de ciência política na USP, diretora do Centro de Estudos da Metrópole e colunista convidada do "Valor".
Disponível no Portal do Senado.
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Boa tarde. Creio que toda esta discussão em qualquer momento foca a "razão essencial". Temos hoje no Brasil um FEDERALISMO JABOTICABAL. Constituições Estaduais, SOB TODOS OS ASPECTOS, submetem-se à CF; o critério da REPRESENTATIVIDADE não respeita a densidade demográfica dos componentes da Federação e a CONCENTRAÇÃO TRIBUTÁRIA nas mãos do Governo Federal é PREPONDERANTE. Ou implantamos um FEDERALISMO REAL ou então que se mude o título. Efetivamente não podemos nos intitular REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
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