O segundo turno em São Paulo apresentará um interessante caso do que os estudos de comportamento eleitoral conhecem pelo nome de "pressões cruzadas". Em resumo, trata-se de momentos em que o eleitor carrega dentro de si impulsos tão contraditórios que fica indeciso até o fim, levando, no limite, ao voto nulo, ao branco ou à abstenção.
Foi esse o motivo da indefinição às vésperas do pleito paulistano. Pressionados por razões opostas, muitos mudaram, na reta final, opções aparentemente já consolidadas ou esticaram a incerteza até a boca da urna.
Agora as dúvidas vão ser carregadas para a nova rodada. Cindidos por diferentes orientações, os que sufragaram Celso Russomanno (PRB), Gabriel Chalita (PMDB) e Soninha Francine (PPS), tornando-se o fiel da balança, serão obrigados, por meio da reflexão, a refinar os motivos de suas escolhas.
Trata-se de uma vantagem do sistema de segundo turno, cujo bom uso poderia elevar o nível do embate democrático, se usada pelos partidos para politizar a disputa.
Em termos esquemáticos, pode ocorrer o seguinte. Entre os candidatos José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT), o apoiador de Russomanno, que o Datafolha mostrou tender ao conservadorismo, terá que decidir entre dar prioridade à derrota do PSDB, em função da má avaliação do prefeito Gilberto Kassab (PSD), ou aliar-se ao tucano para evitar uma vitória do PT, cujo postulante é apoiado pelos mais liberais.
Em outras palavras, prevalecerá o conservadorismo, influenciando-o a escolher Serra, ou falará mais alto o pertencimento social, já que a votação de Haddad vem da periferia, assim como a de Russomanno?
Já o eleitorado de Chalita, mais jovem, feminino, de alta escolaridade e de renda intermediária, será puxado para Haddad pela corrente de oposição ao governo municipal ou tenderá a Serra pelo impacto do julgamento da ação penal 470?
Ou seja, terá mais força a rejeição ao nome do PSDB, que tem visível dificuldade entre os jovens, ou a desconfiança com respeito ao PT, divorciado da classe média desde o escândalo do mensalão?
O segmento que votou em Soninha, mais jovem e de alta renda, optará pela candidatura dos liberais (Haddad) ou preferirá aquela que responde aos setores de maior poder aquisitivo, embora sustentada pelos conservadores (Serra)? Metaforicamente, votará com seus pais por um critério de classe ou contra os seus pais por ideologia?
A propaganda gratuita, que começa quarta ou quinta-feira, irá intensificar ao máximo tais pressões. Mas como as campanhas televisivas têm qualidade técnica semelhante, costumam se anular.
Nesse contexto, os debates entre os prefeituráveis tornam-se relevantes, pois serão chances de o público confrontar algo do programa de cada um e, quem sabe assim, resolver racionalmente o conflito interno em 28 de outubro.
ANDRÉ SINGER, 54, é professor do Departamento de Ciência Política da USP e autor de "Os sentidos do lulismo" (Companhia das Letras).
Artigo Folha Online, 08/10/2012,
Foi esse o motivo da indefinição às vésperas do pleito paulistano. Pressionados por razões opostas, muitos mudaram, na reta final, opções aparentemente já consolidadas ou esticaram a incerteza até a boca da urna.
Agora as dúvidas vão ser carregadas para a nova rodada. Cindidos por diferentes orientações, os que sufragaram Celso Russomanno (PRB), Gabriel Chalita (PMDB) e Soninha Francine (PPS), tornando-se o fiel da balança, serão obrigados, por meio da reflexão, a refinar os motivos de suas escolhas.
Trata-se de uma vantagem do sistema de segundo turno, cujo bom uso poderia elevar o nível do embate democrático, se usada pelos partidos para politizar a disputa.
Em termos esquemáticos, pode ocorrer o seguinte. Entre os candidatos José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT), o apoiador de Russomanno, que o Datafolha mostrou tender ao conservadorismo, terá que decidir entre dar prioridade à derrota do PSDB, em função da má avaliação do prefeito Gilberto Kassab (PSD), ou aliar-se ao tucano para evitar uma vitória do PT, cujo postulante é apoiado pelos mais liberais.
Em outras palavras, prevalecerá o conservadorismo, influenciando-o a escolher Serra, ou falará mais alto o pertencimento social, já que a votação de Haddad vem da periferia, assim como a de Russomanno?
Já o eleitorado de Chalita, mais jovem, feminino, de alta escolaridade e de renda intermediária, será puxado para Haddad pela corrente de oposição ao governo municipal ou tenderá a Serra pelo impacto do julgamento da ação penal 470?
Ou seja, terá mais força a rejeição ao nome do PSDB, que tem visível dificuldade entre os jovens, ou a desconfiança com respeito ao PT, divorciado da classe média desde o escândalo do mensalão?
O segmento que votou em Soninha, mais jovem e de alta renda, optará pela candidatura dos liberais (Haddad) ou preferirá aquela que responde aos setores de maior poder aquisitivo, embora sustentada pelos conservadores (Serra)? Metaforicamente, votará com seus pais por um critério de classe ou contra os seus pais por ideologia?
A propaganda gratuita, que começa quarta ou quinta-feira, irá intensificar ao máximo tais pressões. Mas como as campanhas televisivas têm qualidade técnica semelhante, costumam se anular.
Nesse contexto, os debates entre os prefeituráveis tornam-se relevantes, pois serão chances de o público confrontar algo do programa de cada um e, quem sabe assim, resolver racionalmente o conflito interno em 28 de outubro.
ANDRÉ SINGER, 54, é professor do Departamento de Ciência Política da USP e autor de "Os sentidos do lulismo" (Companhia das Letras).
Artigo Folha Online, 08/10/2012,
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