22 setembro 2012

"Alcançar a simplicidade é um desafio tecnológico muito grande" (Amyr Klink)

Excelente entrevista do Amyr Klink à Revista de História da Biblioteca Nacional.


Em entrevista à RHBN, o velejador Amyr Klink se pergunta se a História dos Descobrimentos aconteceu realmente como os professores contavam na escola 

Entrevista concedida a Cristina Romanelli
21/9/2012



Quase 500 anos após a chegada dos europeus às Américas, Amyr Klink se pergunta se a História aconteceu realmente como os professores contavam na escola. 

O interesse por História e Literatura o impulsionou, como o vento, rumo aos mares. Em 1984, ele fez a primeira e única travessia solitária a remo pelo Atlântico Sul. Desde então, acumula um extenso currículo, que inclui 41 viagens à Antártica – seis delas em companhia das filhas, hoje com 15 e 12 anos. Referência entre os navegadores, Klink critica a preocupação excessiva com reconhecimento público e afirma que os conhecimentos práticos de navegação fazem diferença para se compreender a lógica dos Descobrimentos.

    Revista de História A história da navegação é uma inspiração para suas viagens?

    Amyr Klink Eu me tornei navegador, em grande parte, por causa do meu interesse pela Antártica e pela história dos Descobrimentos. Tive a ideia de fazer a travessia a remo pelo Atlântico depois de estudar História. Gosto de estudar os relatos dos antigos descobridores e também fiz um estudo de correntes. A viagem foi uma experiência aplicada daquilo que eu estava estudando. Foi aí que eu comecei a entender melhor os descobrimentos ao longo da África, que aconteceram de acordo com as correntes.

    RH Os conhecimentos de navegação são importantes para entender os Descobrimentos?

    AK A partir das minhas primeiras viagens, comecei a entender fatos que às vezes nem os historiadores sabem. Eles não costumam dizer, por exemplo, que os portugueses inverteram o curso da história econômica. Antes de 1500, procurava-se a rota para o Oriente pelo Ártico, usando a Estrela Polar como guia. Os portugueses entenderam que os oceanos são feitos por círculos de correntes e fizeram um caminho muito mais difícil, que exigiu o cálculo da latitude pela passagem meridiana. Eles tiveram até que criar um artifício estratégico com a Igreja Católica, já que, por se acreditar no geocentrismo, aquele cálculo era considerado herético.

    RH Quais são, na sua opinião, os principais descobridores dos mares desde o início do século XX?

    AK Os noruegueses são referência permanente. Eles têm um amor fantástico pela navegação e pelas latitudes mais altas. Tenho grande admiração por Roald Amundsen (1872-1928) e Fridtjof Nansen (1861-1930). Outro navegador importante foi o francês Éric Tabarly (1931-1998),  e também toda a geração de “filhos do Tabarly”, que faz muitas proezas. Hoje em dia, um dos principais nomes é Jérome Poncet. Ele mora nas ilhas Falkland, onde cria carneiros e deixa albatrozes e pinguins viverem em paz. Foi ele quem abriu a Península Antártica à navegação de turismo e exploração.

    RH O que leva as pessoas a buscarem esse tipo de aventura hoje em dia?

    AK Hoje, há pouco a se descobrir. Existem atividades ligadas a esporte e aventura que são extraordinárias, mas não são de exploração genuína. Ir para o Everest ou para o Polo Sul são programas turísticos, não de desbravamento. Hoje em dia, temos um estímulo permanente a não fazer nada, porque temos acesso a assuntos e a conhecimento sem sair de casa. Acho que as pessoas procuram essas experiências porque elas são uma manifestação oposta a isso. O problema é que existe uma preocupação doentia com reconhecimento público, e muita gente só quer sair na mídia e ganhar dinheiro.

    RH E você, o que busca nessas viagens?

    AK Tem momentos em que eu gosto de ficar sozinho, mas também tenho prazer em dividir essas experiências com algumas pessoas. Trabalho pesado o ano todo para poder gastar em viagens tudo o que acumulei. Eu gosto é de navegar, independentemente de estar descobrindo um caminho novo ou não. E a experiência no mar ensina coisas interessantes... A gente não precisa de muita coisa para viver. 

    RH Como foi levar suas filhas à Antártica?

    AK Na primeira vez elas tinham 5 e 8 anos. Eu tinha feito mais de 30 viagens para lá, achava que já tinha visto tudo. Mas a verdade é que nós, adultos, aprendemos como nunca. Descobri com 53 anos que eu não conhecia nada da Antártica. Quando você começa a ensinar o que sabe é que você percebe que conhece pouco. Hoje não vejo baleias e aves na Antártica. Vejo baleia-azul, baleia-jubarte, albatroz sobrancelha-negra. Ainda há muito o que aprender.

    RH A Antártica é seu destino favorito?

    AK Eu gosto de viajar para outros lugares, até por terra. Mas o que eu gosto na Antártica é do prazer de encontrar pessoas muito especiais. Eu, que detesto vida social, adoro a experiência de convívio humano que tenho lá. Não existe nenhuma distância social. Todos são igualmente agradáveis, dividem medos e histórias engraçadas. Ah, e gosto de deixar os ingleses embasbacados com as nossas soluções muito mais simples e baratas na construção de barcos.

    RH Qual é a diferença entre os barcos que você fabrica e os barcos ingleses?

    AK Alcançar a simplicidade é um desafio tecnológico muito grande. Nós, aqui, pesquisamos tecnologia nos lugares improváveis, como a jangada de piúba no Ceará, os barcos do Congo, as baleeiras dos Açores, os barquinhos a vela noruegueses... Em Guaraqueçaba, no Paraná, a construção de canoas é cultuada; eles têm conhecimento que engenheiro naval nenhum tem. É isso que eu gosto de fazer. Nada de barcos supermodernos.

    RH Quando será sua próxima viagem?

    AK Devo fazer viagens curtas em novembro e janeiro. Este ano quero trabalhar. Estou tentando me desvencilhar de negócios aqui para poder ter mais tempo para viajar. Aluguei o Paratii 2 para um projeto de formação de tripulantes que vai acabar no Ártico ano que vem. Devo trazê-lo de lá. Mas pretendo preparar programas mais extensos.

    

    Saiba Mais:

    

    KLINK, Amyr. Cem Dias entre Céu e Mar. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

    KLINK, Amyr. Mar sem fim. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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