20 março 2012

Uma dor, uma canção

Uma história de solidariedade e superação marcada pela música "Para um amor no Recife": a da ex-presa política Maria Cristina de Castro, companheira de cela da então militante Dilma Rousseff.


Para um amor no Recife
Paulinho da Viola

A razão por que mando um sorriso
E não corro
É que andei levando a vida
Quase morto
Quero fechar a ferida
Quero estancar o sangue
E sepultar bem longe
O que restou da camisa
Colorida que cobria minha dor
Meu amor, eu não esqueço
Não se esqueça, por favor
Que eu voltarei depressa
Tão logo a noite acabe
Tão logo esse tempo passe
Para beijar você


A razão por que mando um sorriso...
Irlam Rocha Lima [trechos da reportagem] *

[...]
A "longa noite" do verso em que promete voltar depressa para beijar a amiga é uma referência direta à sombra que se abateu sobre o país no período em que o Brasil viveu sob regime militar e que levou à prisão quem, de forma corajosa, se opunha ao sistema. Gente como a uruguaia Maria Cristina Uslenghi — naturalizada brasileira desde 2003.

No livro "A vida quer coragem", biografia da presidente Dilma Rousseff, escrita pelo jornalista Ricardo Amaral, Maria Cristina (de Castro, atual sobrenome) surge como personagem, no capítulo intitulado "Tão logo a noite acabe" — frase extraída da letra da canção de Paulinho. O autor conta que, filiada ao Partido Socialista em seu país, Cristina entrou para a guerrilha no Brasil, levada pela paixão que nutria pelo ativista Tarzan de Castro, militante do PCdoB, treinado na China, preso em 1969, e amigo de Carlos Araújo, ex-marido de Dilma.

Barbárie
Presa, Cristina acabou na mesma cela destinada a Dilma, no presídio Tiradentes, em São Paulo, onde conviveram por oito meses — entre outubro de 1971 e maio de 1972. De acordo com o relato de Ricardo Amaral, ela saía dali para sessões de tortura no DOI-Codi e, na volta, enquanto era tratada dos efeitos da barbárie sofrida pela companheira de cela, Dilma pedia que ela prestasse atenção em Por um amor no Recife.

Em Para um amor em Recife, Paulinho canta: "Fechar a ferida e estancar o sangue", um verso forte e de singular crueza poética, recheado de simbolismo. Mas a realidade diária vivida por Dilma, Cristina e outras companheiras de cela era desconhecida do autor de Sinal fechado, outro hit que virou clássico da resistência, com letra, reflexo do clima de tensão e angústia que impregnava muitos brasileiros.

"Soube desse episódio, tão triste para a história do país, lendo o livro, que me foi enviado por Ricardo Amaral. Ao ler o capítulo, primeiro fiquei surpreso.
[...]

Cristina revela que, quando ouve Paulinho, lhe vem à mente a imagem de um anjo. "Quando isso ocorre, me invade um enorme sentimento de paz. Houve alguns anjos no meu caminho e Paulinho é um deles."
[...]

* Correio Braziliense, 19/03/2012

 
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