21 março 2012

"Guerra dos Portos"

Alguns Estados ganham, o Brasil perde. Perde competitividade, empregos, indústrias.

A chamada “guerra dos portos” faz com que produtos importados paguem menos impostos que os nacionais. Não faz sentido. A não ser em termos de disputa predatória.

O que tem sido conhecido como "guerra dos portos" consiste em uma política de subsídios para produtos importados. 
Funciona assim: 
  • Um produto adquirido em outro país chega a um porto brasileiro e paga uma alíquota de ICMS de 18%. 
  • Esses 18% são calculados da seguinte maneira: 12% são pagos em ICMS ao estado brasileiro onde foi desembarcado o produto. Os outros 6% são pagos ao estado de destino da mercadoria.  
  • O ‘estado de origem’, porém, usa o chamado crédito presumido, um subsídio de até 75% sobre os 12% cobrados de ICMS. Ou seja, a alíquota de 12% cai para 3%. 
  • O estado compensa essa perda com um volume maior de importações em seus portos. E passa a competir, sem nada produzir, com os estados onde estão as indústrias de produtos com similares nacionais. Principalmente São Paulo perde espaço para as mercadorias estrangeiras. Mas, na verdade, o Brasil é quem perde. 
  • Em resumo: o produto importado chega ao destino com 9% de ICMS: 3% na origem e 6% no destino. 
Enquanto isso, o produto brasileiro paga os 18% de ICMS.

Abaixo, matéria da Agência Senado sobre audiência pública a respeito do tema, identificando as diferentes posições dos atores relevantes nesta questão: os Estados produtores (industrializados), a Fiesp, os Estados menos industrializados, mas com portos (principalmente ES, SC e CE), os Estados consumidores e o Governo Federal, que normalmente é visto numa função de árbitro (mais adequadro dizer: no papel de irmão mais velho).

Governadores e Ministério da Fazenda divergem sobre incentivos fiscais a importados

Agência Senado, 20/03/2012 - 19h55 Comissões - Tributos - Atualizado em 20/03/2012 - 20h48

Com a presença de quatro governadores e um vice-governador, as Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE) discutiram, em audiência pública conjunta, o Projeto de Resolução do Senado (PRS) 72/2010, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que reduz a zero a alíquota de ICMS sobre bens e mercadorias importados. Os governadores defenderam a manutenção dos incentivos, que aumentam a arrecadação de seus estados. Mas o representante do governo federal condenou a prática, por prejudicar a indústria nacional.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, explicou que a chamada “guerra dos portos” consiste em subsídios para os produtos importados. Assim, um produto adquirido (a empresa de outro país) que tem alíquota de ICMS de 18%, é tributado em 12% no estado brasileiro onde foi desembarcado e em 6% no estado de destino (onde será vendido ao consumidor). Ocorre que a alíquota aplicada pelo chamado ‘estado de origem’ recebe um subsídio, chamado crédito presumido, de 75% sobre o valor do imposto. Assim, a alíquota de 12% cai, na prática, para 3%, o que acaba funcionando como uma taxa de câmbio favorecida.
O produto importado, então, paga, no total, 9% de Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – o nome oficial do ICMS. Ou seja, 3% no estado de origem e 6% no estado de destino. O subsídio gera uma competição predatória ao produto nacional, que, sem subsídios, paga os 18% da alíquota inicial de ICMS.
Os estados de origem ganham com o estabelecimento de empresas importadoras em seu território e com a movimentação de seus portos.
- A resolução [PRS 72/2010] não é vista como um fim, mas como o início de um debate. E é início porque é urgente: a indústria brasileira tem sido muito afetada pela competição internacional – afirmou o secretário-executivo, acrescentando que a ‘desindustrialização’ (fechamento de indústrias)  fez o setor voltar ao patamar de 2008.
Nelson Barbosa afirmou ser inevitável a discussão de outros temas fiscais, como a distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE); a discussão sobre a dívida dos estados; e a regulamentação do comércio eletrônico. Mas aprovação da resolução do Senado iria diminuir a incerteza jurídica relacionada a vários incentivos fiscais em vigência no país.
- O governo federal entende a lógica dos benefícios, que fazem diferença do ponto de vista estadual. Mas os incentivos estão causando mais prejuízos para toda a economia do país do que benefícios para alguns estados – afirmou, acrescentando que se a “guerra dos portos” continuar, todos estados irão aderir a ela, gerando prejuízos ao país de um modo geral.

Prejuízos
O governador de Goiás, Marconi Perillo, afirmou que “o pacto federativo está ferido de morte”. Ele lembrou visita de 14 governadores, há algumas semanas, aos presidentes da Câmara dos Deputados, Marco Maia, e do Senado Federal, José Sarney, para mostrar a situação falimentar das unidades federativas que chefiam.
Perillo disse que, no aspecto econômico, a aprovação da resolução diminuiria a arrecadação do estado – que chegou a R$ 9 bilhões ano passado – em R$ 1,9 bilhão, o que significaria a falência do estado de Goiás. Do ponto de vista social, a resolução traria a demissão de “centenas de milhares” de trabalhadores, decorrente de fechamento de fábricas e de exonerações. E, na análise jurídica, considerou o PRS 72/2010 inconstitucional, uma vez que estabelece tratamento distinto para produtos de acordo com sua procedência.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, afirmou que, com a aprovação da resolução, 44 municípios capixabas terão dificuldade em cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. O governador previu ainda que 60% das empresas que importam bens e mercadorias no estado sairão de lá.
Conforme Casagrande, caso o texto seja votado, “é importantíssimo” que ele traga um período de transição para as alíquotas. Em sua avaliação, a mudança imediata levaria à insolvência vários estados brasileiros. Ele propôs que, no caso da aprovação do PRS 72/2010, ela não valha inicialmente para todos os bens e mercadorias importados, mas para produtos que estão sendo afetados pela importação.
O governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, afirmou que seu estado perderia R$ 950 milhões com a aprovação da resolução. No entender dele, a importação, em si, não é um mal, citando a indústria têxtil catarinense, que reencontrou o equilíbrio financeiro importando o tecido e procedendo ao seu beneficiamento, o que gerou um crescimento de 28% do setor.
Para Raimundo Colombo, a aprovação da resolução irá aumentar ainda mais a concentração econômica, levando a importação de insumos para os estados mais pujantes, com uma indústria de transformação e um mercado consumidor maior. Ele disse ainda que os cinco portos catarinenses importam apenas 19% de manufaturados, enquanto recebem 63% de matéria prima e 19% de equipamentos. Acrescentou que, com o aumento das importações, os navios vêm e voltam carregados, diminuindo o custo do transporte.
O governador do Ceará, Cid Gomes, reconheceu que seu estado vem enfrentando um processo de desindustrialização em alguns setores, como o calçadista,  no qual é líder em exportações. Mas disse que a alíquota não deve ser alterada de uma hora para outra, sob pena de prejudicar sobejamente os estados que têm no ICMS sobre produtos importados uma de suas principais fontes de arrecadação.
O vice-governador do Pará, Helenilson Cunha Pontes, lamentou que o Senado, em vez de discutir a reforma fiscal, discuta sobre uma alíquota especial para importados, que irá prejudicar três ou quatro estados. Ele disse que seu estado não é recompensado por seu esforço para a exportação brasileira, perdendo R$ 1 bilhão de arrecadação com a desoneração dos produtos exportados prevista pela Lei Kandir.

Empregos
Já o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Paulo Skaf, afirmou que a desindustrialização no país gerou a perda de 915 mil empregos nos últimos 10 anos. A indústria de transformação, segundo ele, cresceu apenas 0,1% no ano passado.
O fechamento de fábricas é claro, disse, quando se constata que a participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB), que era de 27%, é hoje de 14,7%. Mas a indústria, informou, ainda responde por 37% da arrecadação no Brasil.
O presidente da Fiesp informou que a importação de produtos têxteis acabados no país cresceu em 50%, o que afeta enormemente esse setor. Para Paulo Skaf, governadores e senadores têm de defender os interesses de seus estados, mas esses interesses não podem se sobrepor aos da nação.
A percepção do aumento do desemprego foi confirmada por João Caires, diretor da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ele afirmou que as empresas estrangeiras já recebem, em seus países, incentivos para exportar, e conseguem no Brasil, graças à “guerra dos portos”, mais incentivos ainda. Esses incentivos dos estados, declarou, estão ajudando a criar mais empregos na China, na Coreia do Sul e em outros países.
O consultor Clóvis Panzarini, da CP Consultores Associados, disse que, com a “guerra dos portos”, as mercadorias importadas chegam ao consumidor com uma carga tributária mais baixa que a do concorrente nacional, o que gera uma concorrência predatória. Ele disse também que o Brasil tem, em seu parque industrial, toda a cadeia produtiva. Isso faz com que qualquer importação de matéria prima ou de insumos diminua a capacidade da indústria nacional. Na opinião de Panzarini, ao conceder benefício fiscal com imposto doméstico para mercadoria produzida no exterior, prejudicando o produto nacional, o Brasil cria um “modelo surreal”.

Inconstitucionalidade
Já o advogado Hamilton Dias de Souza disse que o PRS 72/2010 é inconstitucional, uma vez que a Carta estabelece, em seu artigo 155, que os incentivos fiscais só podem ser disciplinados por meio de lei complementar. Além disso, afirmou que o artigo 152 proíbe o tratamento discriminatório de mercadoria por meio de impostos internos.

 
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