07 dezembro 2011

O dinheiro das ongs

 

Políticas que já foram concebidas como monopólio natural do Estado ou do mercado passam a ser objeto de cooperação entre estados e essas entidades. E políticas de assistência social, antes dominadas por entidades privadas, passaram a ser definidas e implementadas propriamente pelo poder público”, avalia o chefe de gabinete do IPEA e um dos autores do estudo, Fábio de Sá e Silva. 

Comunicado do IPEA aborda transferências feitas de 1999 a 2010. No último ano, 0,5% do orçamento foi destinado às ONGs

Qual o lugar que as organizações da sociedade civil (OSCs) ocupam na alocação de recursos públicos? A questão feita pelo chefe de Gabinete da Presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fabio de Sá e Silva, foi o mote da coletiva pública de apresentação do Comunicado nº123 – Transferências federais a entidades privadas sem fins lucrativos (1999-2010), ocorrida na tarde desta quarta-feira, 7, na sede do Instituto, em Brasília.
Também participaram da coletiva o diretor-adjunto de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest), Antônio Lassance, e o assessor técnico da Presidência do Ipea, André Calixtre.
Lassance afirmou que o Comunicado se insere na linha de pesquisa da diretoria que volta atenções para as organizações civis em suas várias denominações e escopos.
Segundo Sá e Silva, nos últimos meses o tema abordado no estudo tem movimentado a agenda pública e ensejado medidas administrativas de bastante austeridade, que incorporaram exigências adicionais na constituição de parcerias entre Estado e entidades dessa natureza, além da criação de um grupo de trabalho para refletir sobre o marco que regulamenta esses contratos.
O estudo do Instituto, explicou ele, sistematizou dados sobre transferências feitas entre 1999 e 2010, obtidos nos portais Orçamento Brasil e Siga Brasil, alimentados pelo Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Não foram considerados repasses estaduais e municipais, apenas recursos federais direcionados às OSCs.
Evolução
Em 2010, R$ 4,1 bilhões do orçamento liquidado foram para as OSCs, informou Sá e Silva. O montante representa 0,48% do PIB. “Em termos proporcionais, essas transferências ocupam um espaço menor do que ocupavam há 10 anos”, disse.
A três principais áreas de destaque na atuação dessas entidades são ciência e tecnologia, educação e saúde, o que, evidencia Fábio de Sá, é sintoma de que as políticas sociais, antes monopólios do Estado, passam cada vez mais a ser objeto de cooperação.
“Percebe-se que há um universo de instituições que recebem muito, e se o governo quiser, com esforço pequeno, pode fiscalizar melhor, acentuou. Segundo ele, até março do próximo ano, o Ipea apresentará um estudo aprofundado e qualitativo sobre a relação dessas entidades com o Estado.
Para ele, a discussão do marco legal que regulamenta as parcerias com as OSCs vai mexer com interesses, setores de cooperação, “o que significa a redefinição das fronteiras entre estado, mercado e sociedade”.

Abaixo, matéria de Najla Passo, Carta Maior.

Entidades sem fim lucrativo recebem 0,5% do orçamento, diz estudo


BRASÍLIA – A transferência de recursos federais para organizações não governamentais (ONGs), como aquelas envolvidas em escândalos recentes que resultaram na queda dos ex-ministros Carlos Lupi (Trabalho) e Pedro Novais (Turismo), não têm peso significativo no orçamento do governo. O conjunto das entidades sem fins lucrativos recebeu menos de 0,5% do orçamento federal em 2010, segundo estudo divulgado nesta quarta (7) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Em valor, o repasse foi de R$ 4,1 bilhões, quase o dobro da quantia de 1999 (R$ 2,2 bilhões). Naquele ano, porém, o repasse representava 0,65% do orçamento total. No ano passado, caiu para 0,48%. E não se destinou apenas às ONGs, mas também aos hospitais beneficentes, às instituições sindicais e, principalmente, às fundações privadas, entre outras espécies de entidades privadas sem fins lucrativos.

Para a surpresa, inclusive, dos autores do estudo, o segmento campeão em recebimento não tem ligação com a área social. Trata-se da ciência e tecnologia, que abocanha 21,57% do total de verbas. Em seguida vem a saúde (20,17%), educação (8,04%), organizações agrárias (6,8%) e o comércio e serviços (5,61%).

Os técnicos ainda não sabem explicar o fenômeno, objeto de pesquisa em uma segunda etapa do estudo, prevista para ser concluída em março de 2012.

O estudo aponta que, em relação à evolução dos gastos, os classificados na função ciência e tecnologia crescem vigorosamente a partir de 2004. Por outro lado, caíram, embora de forma menos acentuada, os gastos com saúde e educação.

“Os dados demonstram, ainda que de maneira indiciária, uma reconfiguração das relações entre governo federal e entidades sem fins lucrativos. Políticas que já foram concebidas como monopólio natural do Estado ou do mercado passam a ser objeto de cooperação entre estados e essas entidades. E políticas de assistência social, antes dominadas por entidades privadas, passaram a ser definidas e implementadas propriamente pelo poder público”, avalia o chefe de gabinete do IPEA e um dos autores do estudo, Fábio de Sá e Silva.

O estudo revela uma concentração crescente da verba distribuída paras essas entidades, com especial destaque para o papel assumido pelas fundações privadas que abocanham, em média, 30% do montante.

A concentração se dá também em relação ao número de entidades beneficiadas, e em relação aos valores que cada uma delas desfruta. Em 2006, elas eram 4898. No ano passado, foram 3342. As 10% que recebiam até R$ 28 mil ficarão com R$ 2,7 milhões, enquanto os 10% que recebiam até R$ 1,5 milhão, conseguiram repasses de R$ 1,5 bilhão.

O mesmo tema na revista Veja:
Dinheiro Público
Repasse para ONGs dobrou em uma década, diz Ipea
Área de tecnologia passou a ganhar mais verba que saúde e educação
Cida Alves

A quantidade de dinheiro público repassada pelo governo federal para entidades sem fins lucrativos - como organizações não-governamentais (ONGs) e fundações privadas - dobrou em uma década, passando de 2,2 bilhões de reais em 1999 para 4,1 bilhões de reais em 2010.

A maior fatia do bolo tem ido para as entidades da área de ciência e tecnologia, segundo estudo divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O valor repassado para esse setor quintuplicou: de 200 milhões de reais em 2000 para mais de 1 bilhão no ano passado.

Por outro lado, a verba enviada para entidades que desenvolvem ações de saúde despencou de 600 milhões para 190 milhões nesse mesmo período. Ainda assim, essa área se mantém dentro das cinco que concentram 62% dos repasses, juntamente com ciência e tecnologia, educação, organização agrária e comércio e serviços. 

Apesar da ampliação dos repasses, o estudo diz que o aumento nas transferências para ONGs não acompanhou o crescimento do orçamento da União. Enquanto o orçamento global aumentou 80% desde 2001, o repasse destinado às entidades cresceu 45%. Atualmente, os repasses equivalem a 0,5% do orçamento da União.

"Observamos, ainda, que há uma concentração no valor dos repasses, com poucas organizações recebendo muito e muitas recebendo pouco, e também no tipo de entidades beneficiada", afirmou  Fabio de Sá e Silva, chefe de Gabinete da Presidência do Ipea. Ele explicou que 30% das entidades que receberam recursos federais são fundações privadas. As ONGs que receberam mais verba federal no ano passado chegaram a ter em suas contas, em média, 1,5 milhão em dinheiro público. Segundo o Ipea, até o ano passado, 3.342 entidades de todo o país recebiam repasses do governo federal.

O estudo mostrou que houve picos no repasse das verbas em anos eleitorais e pré-eleitorais, como 2006, 2009 e 2010. "Mas não podemos afirmar que essa foi a razão do crescimento. Pode estar entre as hipóteses", disse Silva, adiantando que um estudo qualitativo, com informações sobre as entidades e os projetos que realizam com o dinheiro será publicado em março de 2012.

O diretor-adjunto de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest), Antônio Lassance, reforçou que o estudo foi iniciado há pelo menos um ano e que não tem nenhuma relação com os escândalos envolvendo ONGs e ministros do governo nos últimos meses. O Ipea analisou as transferências de verba federal para ONGs, partidos políticos, fundações, pastorais de igrejas e outros tipos de organizações civis entre 1999 e 2010, classificados por área.

Ministérios - A organização Contas Abertas fez um recorte dos dados por ministério a pedido do site de VEJA. Os números confirmam a prioridade de repasses no setor de ciência e tecnologia. Essa pasta repassou às entidades privadas sem fins lucrativos mais de 850 milhões de reais só no ano passado.

“Naquela época, a Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Sincrotron foi a que recebeu mais recursos: R$ 56,2 milhões. Neste ano, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, do Rio de Janeiro, já recebeu repasses no valor de 83,3 milhões”, afirmou Gil Castello Branco, do Contas Abertas, confirmando a concentração de repasses apontada pelo Ipea.

No caso da Saúde, o ministério era responsável pelo maior número de repasses em 2005. Hoje, a pasta hoje ocupa o quinto lugar, com 217 milhões. O Ministério de Turismo, que perdeu um ministro este ano por irregularidades envolvendo ONGs, foi o segundo com maior valor de repasses no ano passado (278 milhões de reais). 

Escândalos – No final de outubro, a presidente Dilma Rousseff mandou suspender por um mês o repasse de verbas às entidades privadas sem fins lucrativos que têm convênios com o governo federal. A medida veio após uma sequência de escândalos que já tinham derrubado dois ministros neste ano: Orlando Silva (Esporte) e Pedro Novaes (Turismo). No último domingo, o então ministro do Trabalho, Carlos Lupi, também caiu devido a uma série de acusações. Entre elas um esquema de corrupção envolvendo ONGs, revelado por VEJA em edição de 5 de novembro.

Conforme relatos de diretores de ONGs, parlamentares e servidores públicos, o esquema funcionava assim: primeiro o ministério contratava entidades para dar cursos de capacitação profissional, e depois assessores exigiam propina de 5% a 15%. Nas semanas seguintes, VEJA mostrou que Carlos Lupi usou avião alugado pelo presidente de um ONG que fazia parte do esquema, Adair Meira. As entidades de Meira tinham contratos milionários com o ministério.

O caso do Ministério dos Esportes se tornou público com a entrevista do policial militar João Dias a VEJA. Ele coordenava duas entidades que recebiam dinheiro da pasta. Segundo ele, para receber os repasses, as organizações precisava pagar propina de até 20% à cúpula do ministério.

O caso que derrubou Pedro Novaes envolvia uma ONG do Amapá, onde verbas liberadas pelo Ministério do Turismo iam parar em entidades de fachada.
 
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