Obama vem ao Brasil para acertar maneiras de diminuir o prejuízo que os EUA têm acumulado no Continente Americano por conta de uma política desastrosa, pavimentada por governos anteriores, mas que ele mesmo ainda não mostrou sinais de que irá reverter.
Antonio Lassance. Artigo publicado também na Carta Maior.
Obama vem ao Brasil: e daí? O que isso significa? O que vem ele fazer por aqui? Encontrar-se com nossa presidenta , Dilma Rousseff, proferir discursos (um dos esportes favoritos de Obama), acenar boas intenções, distribuir sorrisos, visitar comunidades. Quem sabe, vestir a camisa de algum de nossos times de futebol, ou da Seleção Brasileira, e declarar seu amor pelo Brasil. Tudo isso faz parte de uma obrigação para a qual os presidentes são especialistas, ou são treinados a aprender rapidamente: a arte de namorar a opinião pública.
Mas Obama vem fazer, sobretudo, diplomacia presidencial. Diplomacia presidencial é quando um presidente, ou presidenta, em consonância com sua política externa, entra em campo e joga o jogo em meio a seus diplomatas, claro que com destaque especial. Algo parecido com o que Zico fazia no Sumimoto, time japonês que depois ganharia o nome de Kashima Antlers.
Tal diplomacia é própria de países presidencialistas e que dão grande importância às suas relações internacionais. É o caso dos EUA, a ponto de alguns especialistas dizerem que a Presidência daquele país são duas: uma para a política interna, outra para a política externa. Os presidentes se dedicam diretamente não só a acompanhar, como a orientar e direcionar o rumo de seus agentes diplomáticos, em apoio a sua própria atuação.
Nos EUA, a política externa é um assunto extremamente politizado, por razões muito simples: ela implica em gastos que serão pagos pelos contribuintes, em ações que terão consequências diretas e drásticas para os cidadãos (principalmente quando eles são mandados para guerras) e podem também render inúmeros benefícios: acordos comerciais, abertura de oportunidades em países estrangeiros, dentre tantos outros. O assunto é objeto de debates apaixonados e calorosos, de divergências explícitas, mas também de um alto grau de consenso nas comissões ativas no Congresso. A diplomacia faz parte da atuação de cada integrante do governo, seja ele qual for. O Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, esteve no Brasil em fevereiro deste ano e tratou até do desejo dos EUA de venderem caças para a FAB. Pode um negócio desses? Para os EUA, não só pode como deve.
O Brasil começou a trilhar os passos de uma diplomacia presidencial mais proeminente com o Presidente Lula, e tem tudo para avançar durante o governo Dilma. Mais uma vez, cabe o “nunca antes na história desse país”.
Mesmo o presidente Fernando Henrique Cardoso, que anteriormente havia sido chanceler, embora tenha intensificado o ritmo das viagens internacionais (foi quando ele ganhou o apelido de “Viajando Henrique Cardoso”), manteve um padrão recuado de atividade diplomática direta. Suas visitas eram eminentemente protocolares e cerimoniosas. Sua agenda presidencial interna era consumida pelo foco na política de equilíbrio fiscal, marcada também pela gestão de sucessivas crises econômicas e políticas - um período que muitos teimam em caracterizar, apologeticamente, como de “estabilidade”.
Imperava a concepção segundo a qual os esforços do Brasil deveriam se concentrar, após a conquista da estabilidade, em incluir o País no G-7 (o grupo das sete maiores economias do globo). Quando isso acontecesse, o Brasil alcançaria naturalmente destaque entre as grandes potências. Assim está declarado pelo próprio FHC em seu no livro de memórias.
As chances de FHC eram ainda mais diminutas tendo em vista que sua política externa era obsessivamente voltada para os Estados Unidos, que não davam ao Brasil a mínima importância. Foi um caso clássico de amor não correspondido. Menos mal que tal postura fosse um padrão para toda a América do Sul, numa fase apelidada pelos estudiosos como de “déficit de atenção”. Ainda hoje, o feito considerado mais emblemático da diplomacia presidencial de FHC é o de ter virado amigo de Bill Clinton, com direito a tomar refrigerante na Casa Branca. Ah, sim, quase ia me esquecendo: e eles conversaram sem a necessidade de tradutor.
A visita de Obama, ao contrário, deveria servir como uma oportunidade para se perceber o quanto um presidente é importante para a política externa de seu país. Trata-se de um daqueles óbvios ululantes de Nélson Rodrigues, segundo o qual, de tão óbvios, corre-se o sério risco de não lhes dar a devida atenção.
Os presidentes fazem muita diferença na política externa. É para isso que as pessoas os elegem: para que cumpram o preceito constitucional de serem os responsáveis por conduzir as relações exteriores, o que requer direcionar sua burocracia diplomática e apoiá-la. No Brasil, há quem defenda que a diplomacia brasileira é assunto técnico. Algo paradoxal, dado que a natureza política está escrita na carteira de identidade da "Política" Externa. Por aqui também estamos cada vez mais acostumados a saber que técnico é quem manda no time e, de vez em quando, fica às margens do campo berrando no ouvido de seus jogadores. Se as viúvas do tradicionalismo em política externa estivessem hoje novamente em campo, teriam que aguentar em seus ouvidos algo como “é a política, estúpido”.
O Brasil vive um novo momento. Abriu espaços consideráveis no cenário internacional. Tal protagonismo é benéfico para os esforços de paz, a diminuição da assimetria econômica entre os países, a prevalência do diálogo, em relação às sanções e retaliações.
É certo que boa parte da festa da vinda de Obama já está sendo comemorada pelos que insistem em manter a “lanterna na popa” (para lembrar um defensor incondicional dos EUA no Brasil, Roberto Campos). Muitos ainda não percebem que os EUA estão lutando para não ficar para trás, com o avanço da China. Ficar para trás é algo que já aconteceu para os EUA no Brasil, desde que a China se tornou nossa principal parceira comercial. De sobra, os yankees desgastaram seus canais de interlocução ao patrocinar golpes ou financiar oposições golpistas em países da América Latina (do mesmo jeito como fizeram no Brasil, nos anos 60). Além disso, como lembrou Lula recentemente, os EUA “terceirizaram” sua política externa neste continente, deixando-a a cargo de uma diplomacia subalterna e despreparada, cujo nível foi exposto pelos vazamentos de informações do Wikileaks.
Obama vem ao Brasil ciente desse contexto. É disso que se trata. Ele vem para acertar maneiras de diminuir o prejuízo que os EUA têm acumulado por conta de uma política desastrosa, pavimentada por governos anteriores, mas que ele mesmo ainda não mostrou sinais de que irá reverter.
Obama será recebido no Brasil com a cordialidade que só Sérgio Buarque de Hollanda seria capaz de nos explicar. Ele é bem vindo em um país em que todos são bem vindos, diferentemente do que acontece nos EUA, dada sua atual política imigratória. Ele será tratado como um governante que precisa ser respeitado por representar seu povo, que tem méritos como o de ter declarado, antes mesmo da Revolução Francesa, que todas as pessoas são livres e iguais, e de ter firmado uma das democracia mais inovadoras, no século XIX, principalmente durante a presidência de Andrew Jackson.
A cordialidade brasileira, embora seja a mesma que Lula dispensou a Bush, já tem sido levada à praça da apoteose como um desfile para marcar que a fase de atrito entre Brasil e EUA é página virada. Pode ser que sim. O que não se diz é que o atrito faz parte do jogo de uma política internacional soberana. Portanto, a melhoria da relação entre os dois países depende da diminuição dos pontos de atrito. A mudança de postura do Brasil depende de uma mudança de postura dos EUA, no sentido de diminuir suas barreiras comerciais, deixar de promover a instabilidade política no mundo inteiro e de promover a valorização do dólar, política com a qual temos sido pacientes, ou, por que não dizer, coniventes.
Os que são acometidos pelo complexo de vira-latas (para lembrar Nélson Rodrigues mais uma vez) vão se comportar, claro, como cachorro em frente ao açougue. Os adeptos da política de “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil” já devem ter pré-fabricados seus comentários sobre o sucesso da visita e sobre as diferenças em relação ao governo Lula. Já percebemos seu empenho na tentativa de desconstruir a imagem de Lula e diferenciá-lo do governo Dilma. Mesmo a emblemática visita da presidenta à Argentina, reafirmando os fundamentos de oito anos de política externa brasileira, parece não ter importado aos olhos e ouvidos dos que têm por estratégia descolar a presidenta de tudo o que ela representa, de modo a esvaziar o capital político que foi decisivo em sua campanha eleitoral (o discurso da continuidade das mudanças).
Sejamos sempre cordiais, mas tenhamos clareza do jogo que está sendo jogado.
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