Apresentação em curso da Secom, 28/4/2010.
Antonio Lassance. Cientista político (UnB), professor, pesquisador do IPEA e assessor da Presidência da República.
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lassanceblog@gmail.com
Este texto é um sumário da conversa realizada com assessores de comunicação do Governo federal, participantes do curso "Comunicação e políticas públicas", promovido pela Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República).
Trata-se de uma contribuição pessoal e voluntária, em linguagem deliberadamente coloquial. A intenção foi principalmente a de levantar problemas a serem trabalhados por cada um dos profissionais da comunicação de governo.
As opiniões aqui emitidas não expressam posições de qualquer órgão de governo, a começar pelo fato de que não consultei quem quer que fosse, formal ou informalmente, para testar a validade dessas considerações.
A prova dos nove
A comunicação de governo, em 2010, terá que enfrentar uma prova dos nove, tendo em vista que:
1) Temos eleições neste ano. A política ditará ainda mais o ritmo da comunicação.
2) Anos de eleição são peculiares. As regras da comunicação são diferentes, os limites são menores, os cuidados devem ser redobrados em relação ao que se faz e ao que se fala.
3) As eleições alteram profundamente o cotidiano do governo, o humor dos dirigentes, a agressividade dos críticos.
4) Tudo o que você disser poderá ser usado contra você. Portanto, cuidado com o que diz.
5) Tudo o que você não disser será dito contra você. Pior: já está. Ou seja, se alguma coisa fica sem resposta, significa que a versão que vale é a que circula contra você. Não adianta fingir que ela não existe. O estrago vai acontecer e seu silêncio tende a ampliá-lo.
6) Os problemas vividos ao longo de oito ano de governo tendem a ser "requentados" e a reaparecer, todos ao mesmo tempo. Quantos já prepararam uma estratégia de sobrevivência a esse bombardeio? Quantos já se deram conta de que não adianta só se organizar para responder sobre aquilo que foi feito, mas que os golpes mais baixos serão desferidos até contra aquilo que não se fez? É a velha maldição da mulher de César: não adianta ter feito tudo corretamente se não parece ter sido correto. A imagem é, de um lado, fato; de outro, interpretação.
7) Este ano é muito especial porque fecha um ciclo de governo. O ciclo daquele que é o governo de maior aprovação da História do País (quem diz isso são os institutos de pesquisa). O governo que reduziu a desigualdade a um ritmo maior do que os países da Europa fizeram durante o período de ouro do estado de bem-estar social (quem diz isso é um estudo do IPEA). O governo que, "pela primeira vez na história deste país" conseguiu combinar três coisas que por aqui sempre andaram separadas: desenvolvimento econômico, estabilidade e democracia (quem disse isso foi a renomada revista britânica Economist). Pois bem, diante disso, quantos aqui já "empacotaram" suas realizações de 8 anos? Quantos foram capazes de resumí-la para caber em uma listinha de bolso? Quantos conseguiram que o seu ministro, presidente ou diretor a usasse permanente, lembrando do lema essencial de que propaganda é a arte de saber repetir?
8) Nós desconhecemos mais da metade das coisas que são ditas contra as políticas públicas de nossas áreas. Não adianta só ler jornais, ver tv, ouvir rádio. Isso também é importante. Contudo, a maioria das coisas que o público acha de você e do lugar onde você trabalha não está publicada. Uma parcela desta opinião pública é subterrânea e tem alto poder de destruição. São aquelas campanhas virais, motivadas por pessoas com interesses perversos, replicadas por pessoas bem intencionadas, mas mal informadas (porque você não as informou). Essas maledicências estão circulando neste exato momento pelo ciberespaço. É a chamada contrainformação. Quem já montou mecanismos de radar para rastrear a comunicação não convencional? Quantos conseguem monitorar o movimento de atores que interferem nas políticas públicas de suas áreas?
9) O poder de comunicação de nossas equipes é mínimo, e o mínimo que se tem é muitas vezes mal aproveitado. Quem tem mais munição, desperdiça. Quem tem menos munição é ruim de mira, porque não tem como ficar treinando tiro ao alvo. Tem gente que acha que comunicação é dinheiro, equipe, agências e veículos, o que é uma visão pobre da comunicação. Comunicação é público. Comunicação é "o" público. Para chegar ao público é preciso estratégia, que é uma palavra mágica que cada vez diz menos sobre alguma coisa. Em bom português: comunicação é entender o público, antes de falar; é hierarquizar problemas, antes de fazer; é encontrar um alvo e esperar o momento, antes de apertar o gatilho. Tem equipe de comunicação que fica no chinelo perto de muito blogueiro que só tem um computador e uma ideia na cabeça.
Os 10 mandamentos (para este ano)
1) Siga o princípio fundamental da comunicação pública: a comunicação é um direito do cidadão.
O interesse maior do cidadão que visita o território da sua área de governo é saber que direito ele tem e como ele pode usá-lo em seu benefício. Não há problema nenhum nisso.
Este é, aliás, um interesse nobre do cidadão. O estado é feito pra isso, em qualquer lugar do mundo. Portanto, reveja toda a sua comunicação e refaça seus conteúdos confrontando se eles atendem a tal princípio.
2) Como este é um ano de eleição, nós, que já somos todos republicanos, teremos que ser duas vezes mais republicanos. Por isso, evite a comunicação "mamãe eu me amo" e a comunicação "pessoal, vocês ainda não perceberam que eu sou o máximo?" Mas não caia na besteira de retirar de suas mensagens os ingredientes preciosos que dizem respeito à autoestima do povo brasileiro, que demonstram o grau de excelência do serviço público, que comprovam que estamos avançando e que temos boas razões para confiar que dias ainda melhores nos aguardam. Mostre que estamos cumprindo com nossas obrigações muito bem, obrigado.
3) Fale bom português. Mande sua equipe escrever de forma mais concisa e construir explicações mais claras. As coisas que um governo faz são complicadas. Muito complicadas. Não é a toa que demoram, causam divergências entre os maiores especialistas e sempre desagradam alguém. Mas, depois que uma decisão é tomada, ela deve chegar ao público da maneira mais simples possível, clara, direta e objetiva. O uso de dados, gráficos, tabelas e imagens também deve servir de apoio para o que se quer demonstrar e para chamar a atenção para os conteúdos de sua mensagem. Se alguém quiser uma boa inspiração, veja no Youtube o trabalho de uma empresa chamada CommonCraft, que trabalha vendendo explicações (isso mesmo), de forma simples, direta, divertida e em inglês descomplicado ("plain English", o que chamaríamos de "bom português"). Se tiver tempo, veja aqui um exemplo de como eles explicam uma das coisas mais difíceis de se entender nos Estados Unidos: o sistema de eleição presidencial.
Quer exemplos ainda melhores de boa comunicação, relacionados ao governo brasileiro? Leia os discursos do Presidente ou ouça o programa Café com o Presidente.
4) Faça gerenciamento de riscos. Parece complicado? Comece com uma lista de riscos. Levante temas que são o seu pior pesadelo. Veja em que situação isso está. Saiba que atores relacionam-se aos problemas com os quais você lida e que movimentos eles estão fazendo. Torça para ninguém estar preparando uma maldade contra você, mas esteja preparado para não ser pego de surpresa. Não há nada pior numa crise do que ser pego de surpresa.
Não adianta fazer cara de paisagem e dizer: "ah, isso não é nada". Sinto muito, mas não é você quem decide isso. É o público. Uma dica? A cada mês, veja o calendário do mês seguinte, não apenas da sua área, mas das outras. Veja datas e eventos importantes que têm prazo pra acontecer. Dê uma olhada em maio de 2006. Veja os jornais daquela época. O que aconteceu? Alguma coisa te preocupa? Ótimo. Veja o que aconteceu em maio de 2002. Que tal? Olhe os meses que você tem adiante. Veja o que aconteceu no ano passado. Alguns problemas são como o Carnaval, a Copa do Mundo, o Cometa de Halley: têm data pra acontecer.
5) Teste sua comunicação com as pessoas que você conhece. Se você fala para o grande público, você deve ser capaz de produzir informações que sejam do interesse das pessoas mais próximas a você. Se aqueles que gostam de você não se interessam por nada que venha da sua comunicação, alguma coisa está errada. O risco é o grande público, que não te conhece, te dar menos atenção ainda. Certamente, você não vai nivelar sua comunicação pela sua comunidade pessoal. Ela é diferente do público a quem você destina a sua comunicação. Mas essa comunicação deveria resultar em alguma coisa relevante, interessante e apreciada pelo grande público. Algo que aparecesse nos blogs. Algo que as pessoas se sentissem motivadas a replicar como email.
É incrível a batalha diária que se trava na internet contra os trolls. Um troll, na linguagem da internet, é alguém que produz e distribui lixo pra ganhar notoriedade, pra perturbar (ou por já ser perturbado) ou até mesmo por ser pago (são uma espécie de mercenários) para criar confusão contra alguém. Os governos são alvos privilegiados dos trolls. Há uma regra na internet: "don´t feed the trolls" (não alimente os trolls). Quanto mais você replica a mensagem deles, mais eles crescem. Você alimenta a vontade do troll de continuar fazendo seu trabalho sujo. Muita gente de bem, mas desatenta, encaminha mensagens maldosas que aparecem como alertas, avisos, "movimentos", desabafos. Elas muitas vezes não têm o cuidado de verificar se a informação é verdadeira e embarcam na onda, replicando a mensagem. Além disso, cada um de nós alimenta os trolls quando não rebate tais mensagens, quando não alerta quem as envia de que o email é mal intencionado, malicioso e que a mensagem precisa ser imediatamente mandada para seu lugar de direito: a lixeira.
6) Apresente o seu legado, a contribuição de seu trabalho para o atual momento que o Brasil vive - internacionalmente reconhecido. Coloque todos os números importantes do desempenho de sua área disponíveis ao público. Organize tabelas, gráficos. Faça apresentações em slides, ou vídeos ao estilo "plain english". Contrate especialistas para analisá-los, antes que eles sejam deturpados por análises precipitadas ou premeditadas. Organize um livro. Chame um seminário ou conferência para lançá-lo. Chame os jornalistas para uma apresentação prévia, em algum lugar agradável, pra dar informações mais "mastigadas". Aliás, se há meia dúzia de jornalistas especializados em sua área de governo e que gostam de acompanhar a evolução do trabalho nesta área, você é uma pessoa de sorte.
7) Trabalhe o seu ministro ou dirigente. Houve uma mudança grande no governo, com a saída de muita gente. Ou seja, tem gente nova no pedaço. Mesmo que sejam burocratas antigos, não importa: a função que eles ora exercem é completamente nova pra eles. Pois bem: prepare exaustivamente o seu dirigente público para uma corrida de cem metros rasos na qual ele vai ter que por a língua de fora, pois terá que falar mais do que nunca. Como fazer isso? Use as ferramentas de sempre: treinamento em mídia ("media training"), questionário de perguntas e respostas, gravação, correções, ajustes. Conscientize seu dirigente da importância de se ter um tema do dia e uma frase importante do dia. Faça com que daí se gere um milhão de informações diferentes, na tv, no rádio, nos jornais, no Twitter, no Youtube, no cartaz do corredor. Faça ele mandar torpedos para secretários ou diretores (comunicação interna, sabia?).
8) Lembre-se que você não precisa ter mais recursos, mais gente e mais prestígio do que quem quer que seja. No Governo, há primos pobres e primos ricos. A única coisa que se precisa, quando não se tem tudo na mão, é usar mais a cabeça e suar 10 vezes mais do que os outros. Quem tem dinheiro muitas vezes paga alguém pra fazer isso por eles, mas isso tem sérios efeitos colaterais.
9) Mantenha a calma. Na pior das hipóteses, faça como os músicos do Titanic e lembre-se que o importante agora é a maneira como você vai entrar para a História.
10) Por falar em história, que tipo de história você tem com a sua equipe? Que imagem eles têm de você e que lembrança eles vão guardar? Se eu fosse você, me preocuparia seriamente com isso. Dá uma medida do tipo de liderança que você exerce. E, afinal? Seus colaboradores são como aqueles acorrentados às galés, que você de vez em quando visita para gritar "remem, escravos"? Ou são pessoas com as quais você conseguiu estabelecer um modelo interno de governança democrática? São pessoas que têm clareza do papel que cumprem? Você consegue motivá-las? Saiba que qualquer listinha de recomendações não funciona se sua equipe não compreende aonde você quer chegar e não se motiva tanto quanto você acha que deveria.
Boa sorte.
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