17 agosto 2011

Rebaixamento político


Nas entrelinhas da grave crise que os Estados Unidos atravessam está o movimento ultraconservador autodenominado “Tea Party”.

Antonio Lassance, cientista político, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 
As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente opiniões do Instituto. 
Artigo publicado no jornal Brasil Econômico, 17 de agosto de 2011, pág. 39.


O histórico relatório da Standard & Poors que rebaixou a nota de classificação de risco dos Estados Unidos do triplo A para AA+ é menos um documento econômico do que de análise política. Seu arrazoado discorre sobre jogo partidário, governabilidade, políticas públicas e eleições.
Nas entrelinhas da grave crise que o país atravessa está o movimento ultraconservador autodenominado “Tea Party”. Sem qualquer cerimônia e lavando as mãos sobre o acordo recente que impuseram ao presidente, qualificam a atual situação como de “Obamageddon” e “Barackalypse Now”.
Os adeptos desse movimento são tradicionalistas. Se julgam os únicos herdeiros dos pais fundadores dos EUA. Por isso a referência à Revolta do Chá, de 1773, estopim da guerra de independência.
Defendem um Estado mínimo, mas propugnam um militarismo exacerbado e idolatram seus soldados. Sua plataforma lista o porte de armas como um direito “sagrado”. Embora se apresentem como um movimento de base, sua relação com grandes grupos industriais e comerciais é explícita. Um de seus principais fomentadores é a rede Fox News (do empresário australiano Rupert Murdoch).
O Congresso dos EUA tem 435 deputados, sendo atualmente 240 republicanos. Estima-se que as fileiras do “Tea Party” reúnam não mais que 60 desses parlamentares, ou seja, apenas 25% dentre os oposicionistas, menos de 14% de toda a Câmara. Mas sua estratégia kamikaze de enfretamento ao governo, na questão do teto da dívida, unificou o Partido Republicano e dividiu os Democratas.
Diante da grave crise econômica de 2008 e 2009, se acreditava que os republicanos amargariam uma longa e melancólica defensiva. Não foi isso o que aconteceu. Na busca por encontrar um antídoto à ascensão dos democratas, os republicanos acabaram por engarrafar em suas hostes um veneno no qual se viciaram.
As cientistas políticas Theda Skocpol and Vanessa Williamson consideram-no o movimento social mais poderoso hoje na política dos EUA e avaliam que deve ter um peso ainda mais significativo no futuro.
Elas acabaram de completar um estudo sobre esta facção que está alojada no fígado do Partido Republicano. Intitulado “The Tea Party and the Remaking of Republican Conservatism” (com publicação prevista para dezembro deste ano pela Universidade de Oxford), traz resultados de pesquisas de campo que permitem entender melhor quem são e o que pensam tais militantes.
A oposição a Obama e o combate à imigração e aos imigrantes são suas principais obsessões. Perto de 70% do movimento é composto por pessoas acima dos 45 anos, o que leva Skocpol e Williamson a concluírem que se trata de uma revolta de pais e avós mais conservadores contra as novas gerações. É possível que a visão de Estado de seus membros seja fortemente afetada por situações corriqueiras, como a dos jovens que acham que não têm que trabalhar e sim ser sustentados pelos pais, pelos avós ou pelo governo - o que dá no mesmo, pois, em última instância, são os encargos sobre pais e avós que sustentam o aparelho estatal.
Não é a primeira vez que aparece no cenário norte-americano um movimento político reacionário e agressivo, com alguma base social, sustentado financeiramente por uma classe média e setores mais ricos e com um currículo de frustrações. A diferença é que antes eles não tinham uma presença tão ativa no Congresso e não andavam incólumes à luz do dia. Saíam à noite, se escondiam debaixo de capuzes e usavam o nome pouco compreensível de Ku Klux-Kan.

Veja também:
Candidatos que concorreram e eleitos, por Estado, ligados ao Tea Party, nos EUA. New York Times, 4 novembro 2010.
Em outra pesquisa, membros do "Tea Party" se autoclassificam como "raivosos". KATE ZERNIKE and MEGAN THEE-BRENAN. New York. New York Times, April 14, 2010.




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