01 outubro 2018

Constituinte exclusiva: o palpite infeliz do programa do PT


Ideia precisa ser urgentemente deletada e sair desse corpo ao qual não pertence. 
No segundo turno, precisa ficar claro o embate entre os que defendem x os que atacam a Constituição.

Artigo de Antonio Lassance (*) 


Plano de governo herdado por Haddad e Manuela é um rosário em defesa atual da Constituição

O plano de governo da candidatura Lula-Haddad, herdado agora por Haddad e Manuela, é uma ode à Constituição, do início ao fim. O que se quer é "concretizar os princípios da Constituição Federal"  (www.pt.org.br/wp-content/uploads/2018/08/plano-lula-de-governo_2018-08-14-texto-registrado-3.pdf pág. 7). 


"Temer e seus aliados estão rasgando a Constituição de 1988. É preciso ficar claro que é impossível governar o Brasil no interesse da Nação e do Povo sem revogar as medidas de caráter inconstitucional, antinacional ou antipopular editadas pelo atual governo ilegítimo." (pág. 13)

O texto segue dizendo que "o Brasil precisa respirar e construir democracia", "tanto representativa quanto participativa, como diz a nossa Constituição"  (pág. 6). A cada capítulo, o que se preconiza são doses cavalares de Constituição, a atual, não uma nova constituição e nem uma grande reforma constitucional, a não ser para reverter o mal feito perpetrado por Temer.

Se fala em manter "temas protegidos pelas cláusulas pétreas da Constituição de 1988" (pág. 13), observar "as garantias judiciais previstas na Constituição Federal" (pág. 15), evitar o desvirtuamento que atenta contra a democracia, os direitos e garantias individuais estabelecidos como cláusula pétrea pela Constituição de 1988" (pág. 15). Enfim, "concretizar os princípios da Constituição Federal" (pág. 16), 

Se diz urgente assegurar a sustentabilidade da Seguridade Social, tal como "definida na Constituição Federal (pág. 16),  fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), tal como "inscrito na Constituição Federal de 1988" (pág. 27) e dar "tratamento diferenciado aos pequenos negócios, como determina a Constituição" (pág. 43). 

Seja para o campo ou a cidade, o remédio é garantir o que está na Constituição. "A Constituição de 1988 representa um marco histórico na luta pela reforma urbana" (pág. 51). A reforma agrária deve ser feita conforme "parâmetros de aferição da função social da terra rural, como determina a Constituição" (pág. 56). A proteção aos animais, onde quer que seja, também está amparada nos termos da Constituição de 1988, que "veda práticas que submetam os animais à crueldade"  (pág. 58). 

Até aí, tudo bem. Constituição, Constituição, Constituição. Esse é o mantra do plano de governo da candidatura Haddad-Manuela. Talvez até deveriam andar com ela debaixo do braço e a brandir como um crucifixo contra vampiros e zumbis que assombram a democracia brasileira. 

No segundo turno, precisa ficar claro o embate entre os que defendem x os que atacam a Constituição.

Só que, lá pelas tantas...

Palpite infeliz

Na página 7, aparece o palpite infeliz de que:


"Para assegurar as conquistas da Constituição de 1988, as reformas estruturais e das instituições preconizadas, será necessário um novo processo constituinte."  

A proposta tem um tópico à parte (pág. 17) em que repete que algumas "reformas estruturais indicadas neste Plano" e a "reforma das Instituições" precisarão de um novo processo constituinte. Só que essas reformas, ao contrário, não estão indicadas nesse plano. Ou seja, a assembleia nacional constituinte é uma proposta genérica. 

A ideia de uma constituinte exclusiva é CONTRADITÓRIA com o conjunto de um plano que, do início ao fim, defende a Constituição com unhas e dentes e não apresenta tópico algum que precise ser objeto de uma constituinte exclusiva.


Constituinte exclusiva pra quê?

Se for para fazer reforma política e reforma tributária, não precisa de constituinte exclusiva. Nem mesmo se o PT quiser trocar a república presidencialista por uma monarquia parlamentarista. Se quiser instituir eleições proporcionais sem coligações e com lista fechada, muito menos.

Talvez não se tenha prestado atenção para o fato de que, em princípio, uma constituinte exclusiva, sendo uma assembleia nacional com poderes constituintes, pode alterar qualquer coisa. O "exclusiva" não se refere a uma limitação de tratar só de alguns temas, até porque esses temas não estão indicados especificamente no plano. O "exclusiva" significa que a constituinte não acumula poderes congressuais. Não vota leis. Só escreve uma nova constituição.

Portanto, uma constituinte exclusiva teria poderes para abolir o federalismo, a separação de poderes, alterar direitos e garantias individuais - como instituir a pena de morte para além do único caso hoje previsto, o de guerra declarada. 

Mas isso é coisa da candidatura do fascismo, não de uma candidatura democrática como a de Fernando Haddad e Manuela D'Ávila. Não tem qualquer sintonia com o espírito do que está escrito no próprio plano de governo da candidatura. 

Delírio ou amadorismo?

A única explicação plausível para que isso tenha entrado no programa é a mais trivial, para não dizer a mais casuística possível. Quem colocou esse jabuti em cima da árvore, sob o cochilo da maioria do PT, defende a tese de que vamos promover mudanças de caráter constitucional com maioria simples. Nossa atual constituição foi toda feita assim, com maioria simples. 

Hoje, aprovar uma emenda constitucional requer o voto de 2/3 dos parlamentares, em ambas as casas do Congresso Nacional. Fazer emendas com uma constituinte exclusiva parece fácil, mas, no quadro atual, ou é delírio ou é de um amadorismo político atroz. Quem acha que o mar está para peixe levante a mão. Quem acha que, em rio que tem piranha, jacaré anda de costas, levante a mão. Venceu a segunda opção.

Espero sinceramente que miltantes e dirigentes do PT repensem essa proposta e a deletem o quanto antes do plano de governo. Antes que seja tarde. Antes que o segundo turno tenha duas candidaturas que igualmente se proponham a mexer, com maioria simples, em uma Constituição que, a duras penas, foi resultado de um longo processo de mobilização social por direitos e da luta democrática contra a ditadura. 

A presença dessa proposta no plano de governo espalha confusão e cria um precedente grave que legitima a pretensão atroz verbalizada pelo general Mourão: uma constituinte de notáveis. Ela também é exclusiva.



(*) Antonio Lassance é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília. As manifestações presentes neste blog são de caráter estritamente pessoal. 










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