Falsos, questionáveis ou imprecisos é o mínimo que se pode dizer a respeito do que Jair e Eduardo Bolsonaro dizem.
Leia a matéria de Thays Lavor e Tai Nalon no blog Aos Fatos (20 de outubro de 2017), que checa informações e verifica até que ponto elas são confiáveis.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) visitou o Ceará no último dia 2 de outubro, onde participou de duas audiências públicas para debater o projeto Escola Sem Partido. Tanto na Assembleia Legislativa do Ceará quanto na Câmara dos Vereadores do município de Baturité, a 90 km de Fortaleza, o deputado defendeu o projeto e a candidatura à Presidência da República do pai, Jair Bolsonaro (PSC-RJ), assim como citou dados equivocados a respeito da violência na Venezuela e de mortes motivadas pelos regimes nazista e stalinista. Bolsonaro-filho Ainda citou afirmações nunca ditas por Lênin e Marx.
Aos Fatos checou as declarações do deputado. Acompanhe abaixo.
IMPRECISO
"Meu pai [Jair Bolsonaro] tem sete mandatos na vida pública e sem nenhuma denúncia de corrupção."
O nome de Jair Bolsonaro aparece em uma lista de propinas pagas pela JBS a 28 partidos durante as eleições de 2014. O documento foi apresentado pelo executivo Ricardo Saud ao firmar um acordo de delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato. Segundo o delator, o valor pago ao deputado corresponde a R$ 200 mil. Na época, Bolsonaro-pai era filiado ao PP. A doação também consta do site do Tribunal Superior Eleitoral, declarada oficialmente. Até o momento, Jair Bolsonaro não é alvo de inquérito específico.
Aos Fatos procurou ao longo desta semana a assessoria de imprensa do deputado federal por telefone e por e-mail, a fim de obter esclarecimentos. Até a última atualização desta reportagem, no entanto, não havia recebido qualquer retorno.
Em abril deste ano, Bolsonaro-pai foi condenado a pagar R$ 50 mil por danos morais por declarações consideradas preconceituosas sobre os quilombolas. A ação, movida pelo Ministério Público Federal, foi julgada na 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro pela juíza Frana Elizabeth Mendes. Bolsonaro afirmou que vai recorrer da decisão.
IMPRECISO
"Porque que eles acham e você vê deputados apoiando o regime na Venezuela? Por quê? Lá está tendo uma mortalidade muito maior do que aqui. Aqui nós temos quase 30 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. O tolerável pela ONU são dez. Aqui nós estamos três vezes mais. Lá na Venezuela, Caracas, este número está em 120 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes."
O deputado compara números nacionais, do Brasil, com números da capital venezuelana. Isso não é recomendável, já que uma cidade pode apresentar números muito superiores do que a média de um país inteiro — o que de fato ocorre não só na Venezuela, mas também em território brasileiro. Mesmo assim, Aos Fatos foi às bases da Organização Mundial da Saúde e da ONG Seguridad, Justicia e Paz, que apresentam números em nível nacional e por município, respectivamente.
O último relatório divulgado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que trata de taxas de violência no mundo no ano de 2015, incluindo caso de homicídios, aponta o Brasil com uma taxa de 30,5 homicídios para cada 100 mil habitantes. Ou seja, a afirmação do deputado, nesse quesito, é correta. A taxa é realmente superior ao que é considerado tolerável pela instituição, que são de 10 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Entretanto, o documento não trabalha com os índices por municípios — somente países. No continente americano, o Brasil só é menos violento que Colômbia (48,8), Venezuela (51,7), El Salvador (63,2) e Honduras (85,7).
No entanto, diferentemente do que o deputado costuma defender, a ONU (Organização das Nações Unidas) diz que um dos principais impulsionadores das taxas de assassinato no mundo é o acesso a armas, com aproximadamente metade de todos os homicídios cometidos com armas de fogo.
Já a ONG Seguridad, Justicia y Paz divulga anualmente a lista das 50 cidades mais violentas do mundo. Em 2016, Caracas aparece como a capital mais violenta do mundo, com uma taxa de 130,35 homicídios por 100 mil habitantes — acima dos números divulgados por Bolsonaro. A Venezuela tem outras sete cidades nesse ranking: Maturín (84,21), Ciudad Guayana (82,84) e Valencia (72,02) estão, junto com Caracas, entre as dez mais violentas do mundo.
O que o deputado não diz é que o Brasil aparece nesse mesmo ranking com 21 cidades. Natal (RN) aparece é décimo lugar e é a cidade brasileira mais violenta da lista: são 69,56 homicídios para cada 100 mil habitantes.
O problema da metodologia dessa lista é que os números de homicídios são coletados ora de fontes oficiais, ora de fontes alternativas, sem um critério claro. Em alguns casos, os dados são o resultado de uma contagem própria da ONG a partir da análise de notas jornalísticas, de modo que esses dados não devem nortear políticas públicas.
*INSUSTENTÁVEL*
"A máxima do Lênin, pai do comunismo: acuse-os do que você faz e xingue-os do que você é."
Não há qualquer frase ou pensamento desta natureza atribuída a Lênin na historiografia de referência. Na verdade, o livro They never said it: a Book of Fake Quotes, Misquotes, and Misleading Attributions (na tradução livre “Eles nunca disseram isso: um livro de citações falsas, incorretas e enganosas”), dos pesquisadores norte-americanos Paul F. Boller Jr. e John George Jr. se dedica a mostrar que essa referência é equivocada.
Na página 70, eles lembram da seguinte frase, em tradução livre, falsamente atribuída a Lênin num livro do evangelizador norte-americano Billy James Hargis da década de 1960: "Destruir os opositores pela calúnia, difamação e chantagem é uma das técnicas do comunismo". Segundo os pesquisadores, o próprio assistente de Hargis, Julian Williams, afirma que a citação parece ter sido inventada para se adequar ao propósito de criticar o comunismo. "Lênin não dizia essas coisas de maneira tão direta", afirmou ao livro.
Aos Fatos também consultou o pós-doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo Fábio Gentile. Especialista em regimes totalitários, ele é categórico ao afirmar que esta frase não faz parte de livros básicos de doutrinação marxista ou leninista. “Não podemos atribuir ao pensamento comunista , pois não tem nada a ver com a sua elaboração doutrinária. Essa frase só faz sentido dentro de um contexto de pensamento político ocidental”.
*FALSO*
"A tática da esquerda é a de Karl Marx, dividir para conquistar."
O ditado é bastante anterior a Karl Marx: originário do latim divide et impera, era parte da filosofia militar romana difundida pelo imperador Júlio César na sua obra De Bello Gallico, sobre as guerras na região da Gália. O auge do império romano data de 27 a.C. até meados dos anos 300 d.C.. A ideia era dividir o povo dominado para governar melhor.
Segundo o especialista em regimes totalitários Fábio Gentile, trata-se de uma estratégia antiga, que é retomada pelo pensamento político moderno. Um dos teóricos fundamentais para entender essa filosofia é Maquiavel, que em seu A Arte da Guerra usa a expressão como estratégia política e militar. Em outra de suas obras, O Príncipe, por exemplo, ele sugere que a melhor maneira de obter força é semeando a intriga entre os que governam, com o objetivo de dividi-los.
A obra O Federalista, de Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, é considerada uma das pedras fundamentais da Constituição americana. Na página 31, os autores também abordam essa máxima: "Divide et impera deve ser a máxima de toda nação, que tanto nos odeia quanto nos teme", em tradução livre. A frase é de Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos, a partir de 1789, além de fundador do primeiro banco dos EUA e considerado um dos precursores da filosofia capitalista norte-americana.
Ou seja, a tática de dividir para conquistar não é algo fundamentalmente de esquerda. Encontra respaldo em estratégias políticas de vários matizes ideológicos, baseada em premissas como encorajar cisões em movimentos hostis e alianças entre grupos afins e encorajar desgaste e desconfiança.
“Não é algo que pertença à bagagem teórica do comunismo marxista, não é uma teoria marxista, não há nenhuma raiz na teoria do comunismo”, explica o também pesquisador da Universidade Federal do Ceará.
É possível encontrar na historiografia, entretanto, usos dessa filosofia também pelo regime soviético. Exemplo disso é que as alianças entre bolcheviques, anarquistas, movimentos internacionalistas e socialistas moderados isolaram uma série de movimentos contrarrevolucionários durante a Revolução Russa de 1917 e a Guerra Civil Russa, que antecedeu a fundação da União Soviética em 1922.
*FALSO*
"Hitler é um mero ladrão de docinhos frente a Stalin. É por isso que eu propus um projeto de lei para acabar com o comunismo, que matou dez vezes mais do que o nazismo. Se Hitler matou 6 milhões, Stalin matou mais de 100 milhões de pessoas. É mais do que todos os desastres naturais juntos e pestes que passaram pelo planeta Terra. Você junta tudo isso e não dá um século de comunismo."
É difícil chegar a uma conclusão precisa a respeito da quantidade de mortos decorrentes de ambos os regimes devido à dificuldade de delimitar um período de tempo específico, além de ter informação precisa a respeito de mortes por motivações indiretas.
Em relação ao regime nazista, se levarmos em conta os militares e os civis alemães e estrangeiros mortos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os números podem chegar a aproximadamente 45 milhões. Essa é a estimativa usada pelo Museu Nacional da Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos.
No entanto, historiadores de várias nacionalidades e idades apontam para divergências que vão de 40 milhões a 70 milhões de mortes, incluindo militares, civis e atrocidades decorrentes da guerra, como fome e devastação. É consenso que se trata do maior conflito armado da história em termos de quantidade de mortos e que Adolf Hitler desencadeou o evento.
Porém, se forem consideradas somente as mortes de judeus dentro dos campos de concentração, durante o Holocausto, esse número corresponde a 6 milhões, segundo o historiador judeu-francês Leon Poliakov. Esse número também é aceito e usado pelo Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos e pelo museu Yad Vashem, em Israel.
Com relação ao stalinismo, período em que Josef Stalin governou a União Soviética (1941-1953), as mortes ficam entre 20 e 30 milhões, tomando por base as obras do escritor polonês Moshe Lewin — um dos maiores historiadores do regime soviético, morto em 2010. Porém, esse não é o único número que existe: estimativas são tão imprecisas, que vão de 13 milhões a 60 milhões.
O historiador da Universidade Yale, Timothy Snyder, escreveu em 2010 para a New York Review of Books um ensaio entitulado, em tradução livre, "Hitler versus Stalin: quem matou mais?" em que afirma: "Grandes números importam porque eles são um acúmulo de pequenos números, isto é, preciosas vidas individuais".
Segundo ele, alemães mataram mais gente que os soviéticos: a Alemanha nazista vitimou 11 milhões de não-combatentes, dentre eles judeus, ciganos, homossexuais, eslavos e demais minorias; e mais de 12 milhões se forem levadas em conta mortes decorrentes de deportação, fome e execuções. Do lado soviético, o período de Stalin no poder matou algo entre 6 milhões e 9 milhões de pessoas, dentre elas algo como 5 milhões vítimas de fome, massacres em campos de trabalhos forçados e demais matanças associadas a perseguição étnica.
Os tais 100 milhões de mortos, entretanto, não encontram respaldo nem na historiografia mais crítica ao regime stalinista. É possível que sua referência se trate da soma e mortes de vários regimes comunistas ao longo do século 20, mas os números são igualmente controversos.
Aos Fatos entrou em contato e enviou e-mail para a assessoria do deputado federal Eduardo Bolsonaro para que ele pudesse dar mais detalhes sobre fontes das frases acima checadas, mas até a última atualização deste material nenhum retorno foi dado.
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