Finalmente, ciência política resgata análises sobre o papel central e perverso que alguns grupos de interesse exercem na política, contra a democracia e a representação.
Demorou!
Artigo recente de Sarah Anzia e Terry Moe (2017) recupera a importância de uma
literatura “clássica” sobre o tema (Lowi, Schattschneider, McConnell) que, por várias décadas, foi sendo deixada de lado por uma visão idílica do sistema político como um jogo bem equilibrado, que poderia ser explicado pela competição isonômica entre partidos no mercado político e pela ideia de um eleitor mediano que seria seu consumidor essencial e principal decisor do resultado eleitoral.
Governos capturados
Ao contrário, parece que Theodore Lowi (1969) tinha razão quando argumentou que alguns governos, como o dos Estados Unidos, não estariam se comportando como uma arena promotora de uma concorrência pluralista, e sim, se tornando uma versão corrompida da representação, dada a maneira como foram colonizados por grupos de interesse.
A autoridade pública, ao invés de se posicionar no papel de árbitro, promove políticas feitas sob medida para grupos de interesses, às custa da maioria dos cidadãos.
A ciência política acordou?
O texto mostra que finalmente se consolidou uma tendência, pelo menos na ciência política estadunidense, de novamente trazer os grupos de interesse para o centro do debate político.
Conforme Anzia e Moe, a revolução downsiana (referência à obra de Anthony Downs, Uma teoria econômica da democracia, de 1957) transformou a ciência política durante os anos 1970 e 1980, enxergando a política como uma equação simples que juntaria políticos, eleitores e eleições. Os grupos de interesse foram empurrados para a periferia da análise.
Os grupos de interesse continuaram a ser estudados, mas com um foco muito estreito, principalmente em lobby e PACs (os supercomitês de arrecadação de dinheiro), perdendo muito da capacidade analítica de entender os rumos da política.
Hoje, uma "contrarrevolução" está e curso. À frente, Hacker e Pierson (2014), que argumentam que os partidos provisionam políticas para os grupos de interesse, sendo isso a força motriz do processo político.
Também na vanguarda estão Cohen et al. (2008) e Bawn et al. (2012), que argumentam que os partidos políticos americanos são coalizões de grupos de interesse que atendem a grupos escolhendo políticas no "ponto cego eleitoral" dos eleitores, os quais estão muito mal informados para saber que seus próprios interesses não estão sendo servidos".
Ligações perigosas
Para Anzia e Moe, os grupos de interesse foram postos de lado por tempo demais nas análises políticas. É hora de reconectar essas análises com uma literatura antiga, mas ainda atual e de grande importância, da qual a ciência política se desviou e que destacava temas como da captura, de subsistemas governamentais e da transformação do suposto liberalismo de grupos de interesse (Lowi, 1969; McConnell, 1966; Schattschneider, 1960).
"Os grupos de interesse não influenciam apenas o governo do exterior, através de lobby e contribuições de campanha, mas também penetram em seu interior - por meio da burocracia - como participantes regulares e até oficiais na tomada de decisões, exercendo sua influência protegidos da exposição pública."
A ideia de que grupos de interesse agem de fora, como se fossem estrangeiros em relação aos governos, e que sua influência se restringiria à pressão por meio do lobby e da mídia, passa a ceder lugar a uma agenda que visa detectar de que maneira tais grupos estendem seus tentáculos e se enraízam na máquina governamental.
Uma nova e imensa agenda de pesquisa
"Os cientistas políticos precisam estudar como os grupos abrem trilhas dentro da maquinaria governamental; como o envolvimento íntimo de seus integrantes varia de acordo com as políticas e dos pontos de contato com a burocracia; e que conseqüências isso tem".
Parece que o alastramento da exposição dos casos de corrupção na política, no mundo inteiro, acordou a ciência política sobre o fato de que há algo de podre nas poliarquias, a ponto de elas se comportarem mais como oligarquias que como poliarquias.
Se está realmente ocorrendo esse despertar, antes tarde do que nunca.
Obras citadas:
Anzia, Sarah F. and Moe, Terry. (2017). Interest Groups on the Inside: The Governance of Public Pension Funds. Avaible at https://gspp.berkeley.edu/assets/uploads/research/pdf/Anzia_Moe_PensionBoardsAll_April2017.pdf
Bawn, Kathleen, Martin Cohen, David Karol, Seth Masket, Hans Noel, and John Zaller. 2012. “A Theory of Political Parties: Groups, Policy Demands and Nominations in American Politics.” Perspectives on Politics 10(3): 571-97.
Cohen, Marty, David Karol, Hans Noel, and John Zaller. 2008. The Party Decides: Presidential Nominations Before and After Reform. Chicago: University of Chicago Press.
Lowi, T. J. (1969). The end of liberalism. New York: Norton.
McConnell, Grant. 1966. Private Power and American Democracy. New York: Knopf
Schattschneider, E. E. (1960). The semi-sovereign people. New York: Holt, Rinehart & Winston.
Na foto acima, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se encontra com o advogado do grupo JEF em um bar em Brasília.
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