O que começou como uma proposta de plebiscito acabou virando uma comissão da Câmara. No lugar de uma ampla reforma eleitoral para valer já para as eleições de 2014, o Congresso colocou em marcha uma operação em torno de minirreformas que, talvez, sejam aplicadas só a partir das eleições de 2016, para prefeitos e vereadores.
A única proposta significativa que parece contar com alguma chance concreta de aprovação diz respeito ao fim das coligações partidárias, mas nem sobre isso se tem completa segurança. Uma tentativa anterior de reforma, em 2007, esboçou o eufemismo das “federações” de partidos. Sob esse nome, os partidos poderiam se coligar para disputar eleições, como se fossem uma única legenda. Nada impede que o mesmo artifício seja ressuscitado.
A mudança para o voto distrital é cogitada, mas tem chances remotas de aprovação, pois, sendo matéria constitucional, exigiria o apoio de três quintos dos votos dos parlamentares – 49 senadores e 308 deputados. Ou seja, a reforma política é um assunto encalacrado no Congresso pela dificuldade de estabelecer consenso entre aqueles que, neste caso, literalmente, legislam em causa própria.
Mesmo entre os cientistas políticos, há pouquíssimo consenso sobre para qual direção apontar. A maioria deles concorda que algumas coisas são aberrações, como o voto proporcional com lista aberta e o vale tudo do financiamento eleitoral, pelo qual empresas muito interessadas nos negócios do setor público hoje colocam políticos no bolso ao patrocinar suas candidaturas. O consenso para por aí, pois há muita divergência sobre o que deve ser posto em seu lugar.
A única saída é abrir o debate e trazer a participação popular para desempatar o jogo.
O argumento da complexidade do tema (difícil demais para o povo entender e decidir) vale também para os próprios parlamentares e para os especialistas. Levar o tema a plebiscito criaria um bom problema: o de simplificar as regras eleitorais e deixá-las mais claras.
Outro argumento usado contra o plebiscito, o do tempo para realizá-lo, já caiu por terra. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) respondeu afirmativamente, no início de julho, condicionando que fosse respeitado o prazo de pelo menos 70 dias para se promover a consulta. O referendo de 2005 teve 79 dias de campanha e 20 dias de horário eleitoral gratuito. Nas eleições de 2012, para prefeitos e vereadores, embora tenham transcorrido 91 dias de campanha, houve apenas 45 dias de propaganda eleitoral de rádio e TV. Ou seja, o calendário era apertado, mas o processo seria viável se contasse com a agilidade de nossas instituições.
O TSE chegou a responder em 24 horas à consulta feita pela presidência da República, afirmando que a Justiça Eleitoral estaria pronta, se as decisões legislativas fossem tomadas a tempo. O atual presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, demorou uma semana para dizer que a solução seria formar uma comissão. A possibilidade de um plebiscito ser feito ainda em 2013 e válido já para as eleições de 2014 foi inviabilizada por decurso de prazo. Resta agora saber por que ele não poderia ser feito daqui a um ano, em outubro de 2014.
A primeira decisão tomada pela comissão montada por Alves e sob a coordenação do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) foi a de entrar em recesso. Vaccarezza é a antítese do que pensa seu próprio partido em relação aos pontos principais a serem tratados. Por exemplo, é contra o fim do financiamento de empresas a campanhas eleitorais, contra a lista pré-ordenada e favorável à lista aberta - as tais aberrações.
Uma coisa é clara: o Congresso trocou 70 dias de campanha de rua, debates amplos e consulta popular sobre o destino da representação do país por uma comissão que provavelmente gastará os mesmos 70 dias para manter boa parte dos viciados esquemas da política tradicional, os quais sustentam a promiscuidade entre os negócios públicos e os interesses privados.
Restam aos cidadãos duas alternativas. A primeira é manter a pressão por um plebiscito, pelo menos, em 2014, enquanto ainda houver temas cruciais não resolvidos pelo Congresso – pelo andar da carruagem, serão muitos. Em paralelo, uma boa forma de pressão é a da coleta de assinaturas do projeto de iniciativa popular das “Eleições Limpas”: https://eleicoeslimpas.org.br/
O projeto é encabeçado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, pela Ordem dos Advogados do Brasil e várias outras entidades que estiveram juntas em torno do projeto “Ficha Limpa”.
A resposta tímida do Congresso continua a exigir dos cidadãos uma forte cobrança sobre seus calcanhares. Do contrário, a montanha vai mais uma vez parir um rato.
* Antonio Lassance é doutor em Ciência Política e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.
Debate sobre reforma política: programa Panorama Ipea, com David Fleischer e Antonio Lassance.
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