30 julho 2013

Seria isso o estilo Felipão?

"Fomos eleitos e não precisamos ouvir ninguém, muito menos os críticos” (Sérgio Cabral). 

Se for isso mesmo, é o estilo tradicional de se fazer política. 

Leia abaixo a análise da Silvia Ramos, cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro.

“O governador Sérgio Cabral detonou as pontes de diálogo com a sociedade civil desde seu primeiro governo”.Silvia Ramos, cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro.

Cabral detonou as pontes de diálogo com a sociedade civil, diz cientista política

Fernanda Faustino, Jornal GGN, sexta, 26/07/2013 - 11:52 - Atualizado em 27/07/2013 - 08:17



Jornal GGN - O descontentamento popular que eclodiu na capital carioca nas últimas semanas ganhou projeção mundial, não só pelo clamor popular, mas também pelo fato de a cidade ter sido palco de grandes eventos, como a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude, esta última responsável pela primeira viagem do papa à América Latina – megaeventos que atraíram os olhos do mundo para cá. É o que afirma Silvia Ramos, cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro.

Silvia explica que a gota d'água para o descontentamento popular foi a forma como o estado vem sendo governado. “O governador Sérgio Cabral detonou as pontes de diálogo com a sociedade civil desde seu primeiro governo”, aponta. A cientista social conta que o governador criou programas de muita visibilidade, como as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) – que prestam serviços de atendimento à população da Cidade de Deus, do Complexo do Alemão e da Rocinha, durante 24 horas –, e as UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) – que instituem polícias comunitárias para desarticular quadrilhas, principalmente na capital do estado. Cabral também se beneficiou de obras do PAC (Programa de Aceleração ao Crescimento) em três grandes favelas.

Depois de reeleito, Cabral não aceitou mais canais de interlocução e de participação da sociedade civil. “O governador nunca ouviu”, afirma Silvia. “Ele usou o esquema conservador do PMDB, afirmando que sabia o que fazia". Para exemplificar a atitude de Cabral, Silvia relembra uma das declarações do governador: "Fomos eleitos e não precisamos ouvir ninguém, muito menos os críticos”. 

Segundo a cientista social, o governador seria o exemplo acabado do que alguns colegas dela estão chamando de 'pemedebização da política'. “Houve escândalos, muitas viagens mal explicadas, jantares faustosos em Paris, a proximidade com a Delta, amantes, os helicópteros...”, lista. A resposta de Cabral foi a de que não devia explicações a ninguém. “Quando veio a crise da Aldeia Maracanã, o governador simplesmente mandou o batalhão de choque para responder ao punhado de índios e manifestantes que lutavam por uma reivindicação frágil em termos de proposta, mas  forte em termos simbólicos”, explica. Em março, a polícia de Cabralreagiu violentamente a protestos contra a demolição do Museu do Índio.

Outro erro de Cabral, aponta, foi não ter defiido um único mediador para dialogar com inúmeros movimentos sociais, coletivos, grupos e forças independentes. “O seu método é costurar tudo por dentro da Assembleia Legislativa, com políticos e empresários, e julgar que não deve explicações à sociedade”, diz. “O resultado está ai: isolado numa pequena ilha com alguns secretários, não controlando a polícia e não sabendo qual é a sua agenda, já que a única meta de governo [eleger Pezão seu sucessor] tem se mostrado pouco viável.”

Omissão de Beltrame, governador playboy

A mesma estratégia de Cabral foi adotada por seu secretário de Segurança Pública, o gaúcho José Mariano Beltrame, que ficou omisso em relação às manifestações. “Aparentemente, o secretário entregou à PM as decisões em cada manifestação. E a PM mostrou-se claramente despreparada para tomar decisões sensatas”, avalia. “O secretário passou a dirigir-se à população (e à tropa) apenas quando manifestantes depredaram diversos estabelecimentos no Leblon.”  A postura, em relação ao governador e às demais autoridades, foi a mesma, de acordo com a cientista social. “Houve tempo perdido e desgaste desnecessário na imagem da polícia e das respostas do poder público. Diferentemente de São Paulo, governador e prefeito demoraram muito a vir a público. Agiram como se os protestos não fossem com eles”, frisa.

Já a postura das polícias cariocas durante as manifestações de junho e julho, analisa a cientista, segue no ritmo do pêndulo do relógio. “Num momento, se age com excesso, brutalidade e uso desproporcional da força e, em outros protestos, se omite, e deixa que depredadores ajam por muito tempo com bastante liberdade”, salienta. “Ao ponto de nos perguntarmos se a omissão não seria uma estratégia para angariar apoio na opinião pública para agir com excessos e violência nas manifestações seguintes.”

O diagnóstico de Silvia é o mesmo de Paulo Kramer, professor de ciência política da Unb (Universidade de Brasília). “O que está acontecendo lá nos últimos dias é resultado do acúmulo de problemas”, aponta. E, nesse sentido, o estilo de Cabral foi nocivo, consolidando sua imagem de um "playboy que viaja demais com  dinheiro público”. “Em sua gestão, ele investiu em projetos de segurança, administração pública financeira", admite, "mas sua imagem pessoal acabou contribuindo para a baixa popularidade do governo”, destaca.

Kramer afirma que, com pouco mais de um ano de governo pela frente, seria bom se Cabral pudesse recuperar a credibilidade perdida, mas considera que a energia das manifestações ainda não acabou. “Eu acho muito difícil reverter o quadro no Rio de Janeiro”, relata. E arremata dizendo que “a análise do problema que se abateu sobre o Cabral é de caráter. É muito difícil mudar a administração, mas é possível. Já o caráter é impossível mudar. E o descontentamento popular ainda não acabou”.


 
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