Com as lentes de quem já viu planos econômicos, milagres e recessões no Brasil, o brasilianista Albert Fishlow tem apenas uma recomendação ao país em 2013: que cultive a paciência.
"Governo precisa ter paciência e não lançar medidas em excesso", diz economista
Entrevista a Mariana Carneiro *.
Com as lentes de quem já viu planos econômicos, milagres e recessões no Brasil, o brasilianista Albert Fishlow tem apenas uma recomendação ao país em 2013: que cultive a paciência.
Nesta entrevista à Folha, ele observou que, apesar do noticiário econômico coalhado de dificuldades, a qualidade de vida no país melhorou: "O governo deveria se concentrar nisso em vez de focar nos resultados do PIB trimestre a trimestre".
Folha - Por que o Brasil parou de crescer?
Albert Fishlow - O Brasil tem uma taxa de investimento de 18% do PIB enquanto outros países, até latino-americanos, têm taxas de 24%, sem falar na China (45%) e na Índia (35%). É muito difícil ter crescimento contínuo com investimento limitado. Além disso, o setor privado vive uma grande incerteza sobre a regulação do governo em alguns segmentos. Toda semana o governo anuncia medidas e isso não ajuda a aumentar os investimentos. Há intervenção, mas está falta estratégia de médio prazo.
A crise externa explicaria parte da desaceleração?
A crise afetou os preços dos produtos exportados. Mas não se alteraram a ponto de prejudicar muito o Brasil. Alguns produtos primários perderam, mas os preços dos agrícolas aumentaram, o que compensou outras perdas.
Por que a redução dos juros não surtiu efeito?
Todo mundo esperava uma reação maior. Mas é preciso lembrar que grandes empresas já acessavam o mercado externo e obtinham recursos a juros baixos. Para elas, não houve grande mudança. O BNDES é responsável por 35% dos recursos para investimentos no país e também já oferecia juros mais baixos. A posição do governo, de imaginar que a queda dos juros poderia inspirar uma reação dos investimentos, foi um engano. Os juros não explicam a decisão de investir.
Então por que os investimentos não reagem?
Há que considerar outros fatores. Quase toda semana sai uma medida [do governo] e isso não é bom. É preciso paciência para esperar que o novo clima inspire as empresas, e essa reação leva tempo. Não é preciso tomar decisões toda semana, de olho no crescimento a cada trimestre. O governo diz "o próximo trimestre será melhor" e "vamos crescer 4%", mas o que se vê é outra história.
Esse otimismo é excessivo?
Depois de tantas expectativas frustradas, cria-se um clima de ainda mais incerteza. Os empresários ficam esperando mais e mais medidas, seguindo a lógica de que é melhor esperar e ver o que virá. Os dados de renda estão positivos e indicam uma melhora das condições de vida dos brasileiros. O governo deveria se concentrar nisso em vez de focar nos resultados do PIB trimestre a trimestre. É melhor considerar as políticas necessárias para o crescimento em 2014 do que focar no curtíssimo prazo.
O Brasil está fadado ao voo de galinha (sobe e cai)?
As estimativas de crescimento de 5% ao ano como mínimo foram exageradas. Tomou-se como base o ciclo de recuperação pós-crise 2008/2009. Não se observou que a taxa de investimento continuava baixa. Além disso, em vez de enfatizar as exportações, que dariam mais competitividade às empresas brasileiras, optou-se por rejeitar as importações.
Elas são úteis para limitar os preços dos insumos e ampliar a capacidade de investimento.
O Brasil pode crescer mais?
O país pode crescer de 4,5% a 5% ao ano se aumentar a taxa de investimento para 25% do PIB. Para isso, o governo precisa parar de falar de superávit primário e reconhecer que tem um deficit nominal de 2,5% do PIB. É preciso que o governo comece a poupar, reduza gastos da Previdência e aumente investimentos em saúde e educação.
Analistas veem risco de a inflação acelerar, ao mesmo tempo em que o governo tenta reativar o crescimento. O sr. teme que o governo deixe a inflação de lado?
A política do Banco Central até aqui é muito positiva. A redução dos juros foi necessária, não fazia sentido o Brasil ter juros mais elevados do que outros países neste momento.
Mas em 2013 o BC tem que parar de baixar a taxa até que haja uma reação ao movimento feito no passado. Reduzir mais os juros não vai estimular mais a atividade e não vai alterar a decisão de investimento das empresas. Vai simplesmente criar mais incertezas sobre o que ocorrerá em 2014. É preciso parar de acumular medidas e dar tempo para que as regras estabelecidas sejam absorvidas.
O governo está afobado?
Eu tenho grande respeito pela presidente e pela capacidade de sua equipe. E espero que todos comecem a entender que a paciência também pode produzir efeitos tanto quanto outras medidas.
É possível crescer 4% em 2013?
O Brasil terá um ano melhor. O governo sempre está com 4%, mas eu acho que se der algo em torno de 3,5% está bom. Na segunda metade do ano haverá indicação mais clara de que o crescimento está voltando. Se houver decisões necessárias para o investimento crescer e redução das despesas do governo, o país poderá construir as bases do crescimento contínuo.
RAIO-X
Albert Fishlow
IDADE
77 anos
ATUAÇÃO
É professor emérito na Universidade de Columbia (EUA); lecionou em Berkeley e em Yale e foi secretário-assistente de Estado para América Latina em 1975-1976; o seu mais recente livro é "O novo Brasil" (2011)
* Entrevista publicada na Folha de S. Paulo, quarta, 09/01/2013.
Para seguir o blog e receber postagens atualizadas, use a opção "seguir", ao lado.
"Governo precisa ter paciência e não lançar medidas em excesso", diz economista
Entrevista a Mariana Carneiro *.
Com as lentes de quem já viu planos econômicos, milagres e recessões no Brasil, o brasilianista Albert Fishlow tem apenas uma recomendação ao país em 2013: que cultive a paciência.
Nesta entrevista à Folha, ele observou que, apesar do noticiário econômico coalhado de dificuldades, a qualidade de vida no país melhorou: "O governo deveria se concentrar nisso em vez de focar nos resultados do PIB trimestre a trimestre".
Folha - Por que o Brasil parou de crescer?
Albert Fishlow - O Brasil tem uma taxa de investimento de 18% do PIB enquanto outros países, até latino-americanos, têm taxas de 24%, sem falar na China (45%) e na Índia (35%). É muito difícil ter crescimento contínuo com investimento limitado. Além disso, o setor privado vive uma grande incerteza sobre a regulação do governo em alguns segmentos. Toda semana o governo anuncia medidas e isso não ajuda a aumentar os investimentos. Há intervenção, mas está falta estratégia de médio prazo.
A crise externa explicaria parte da desaceleração?
A crise afetou os preços dos produtos exportados. Mas não se alteraram a ponto de prejudicar muito o Brasil. Alguns produtos primários perderam, mas os preços dos agrícolas aumentaram, o que compensou outras perdas.
Por que a redução dos juros não surtiu efeito?
Todo mundo esperava uma reação maior. Mas é preciso lembrar que grandes empresas já acessavam o mercado externo e obtinham recursos a juros baixos. Para elas, não houve grande mudança. O BNDES é responsável por 35% dos recursos para investimentos no país e também já oferecia juros mais baixos. A posição do governo, de imaginar que a queda dos juros poderia inspirar uma reação dos investimentos, foi um engano. Os juros não explicam a decisão de investir.
Então por que os investimentos não reagem?
Há que considerar outros fatores. Quase toda semana sai uma medida [do governo] e isso não é bom. É preciso paciência para esperar que o novo clima inspire as empresas, e essa reação leva tempo. Não é preciso tomar decisões toda semana, de olho no crescimento a cada trimestre. O governo diz "o próximo trimestre será melhor" e "vamos crescer 4%", mas o que se vê é outra história.
Esse otimismo é excessivo?
Depois de tantas expectativas frustradas, cria-se um clima de ainda mais incerteza. Os empresários ficam esperando mais e mais medidas, seguindo a lógica de que é melhor esperar e ver o que virá. Os dados de renda estão positivos e indicam uma melhora das condições de vida dos brasileiros. O governo deveria se concentrar nisso em vez de focar nos resultados do PIB trimestre a trimestre. É melhor considerar as políticas necessárias para o crescimento em 2014 do que focar no curtíssimo prazo.
O Brasil está fadado ao voo de galinha (sobe e cai)?
As estimativas de crescimento de 5% ao ano como mínimo foram exageradas. Tomou-se como base o ciclo de recuperação pós-crise 2008/2009. Não se observou que a taxa de investimento continuava baixa. Além disso, em vez de enfatizar as exportações, que dariam mais competitividade às empresas brasileiras, optou-se por rejeitar as importações.
Elas são úteis para limitar os preços dos insumos e ampliar a capacidade de investimento.
O Brasil pode crescer mais?
O país pode crescer de 4,5% a 5% ao ano se aumentar a taxa de investimento para 25% do PIB. Para isso, o governo precisa parar de falar de superávit primário e reconhecer que tem um deficit nominal de 2,5% do PIB. É preciso que o governo comece a poupar, reduza gastos da Previdência e aumente investimentos em saúde e educação.
Analistas veem risco de a inflação acelerar, ao mesmo tempo em que o governo tenta reativar o crescimento. O sr. teme que o governo deixe a inflação de lado?
A política do Banco Central até aqui é muito positiva. A redução dos juros foi necessária, não fazia sentido o Brasil ter juros mais elevados do que outros países neste momento.
Mas em 2013 o BC tem que parar de baixar a taxa até que haja uma reação ao movimento feito no passado. Reduzir mais os juros não vai estimular mais a atividade e não vai alterar a decisão de investimento das empresas. Vai simplesmente criar mais incertezas sobre o que ocorrerá em 2014. É preciso parar de acumular medidas e dar tempo para que as regras estabelecidas sejam absorvidas.
O governo está afobado?
Eu tenho grande respeito pela presidente e pela capacidade de sua equipe. E espero que todos comecem a entender que a paciência também pode produzir efeitos tanto quanto outras medidas.
É possível crescer 4% em 2013?
O Brasil terá um ano melhor. O governo sempre está com 4%, mas eu acho que se der algo em torno de 3,5% está bom. Na segunda metade do ano haverá indicação mais clara de que o crescimento está voltando. Se houver decisões necessárias para o investimento crescer e redução das despesas do governo, o país poderá construir as bases do crescimento contínuo.
RAIO-X
Albert Fishlow
IDADE
77 anos
ATUAÇÃO
É professor emérito na Universidade de Columbia (EUA); lecionou em Berkeley e em Yale e foi secretário-assistente de Estado para América Latina em 1975-1976; o seu mais recente livro é "O novo Brasil" (2011)
* Entrevista publicada na Folha de S. Paulo, quarta, 09/01/2013.
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