A intenção dos críticos foi, desde sempre, separar Lula e o PT, autonomizar um de outro, para melhor combatê-los.
O “lulismo” como operador de interpretação
No título do livro de André Singer comparece o conceito de “lulismo”, em geral utilizado por motivos críticos à cultura do PT para nomear o caráter sebastianista, carismático, populista, salvacionista, personalista ou, em uma linguagem mais marxizante, cesarista ou bonapartista dos governos Lula e de sua liderança pública. A intenção desses críticos foi, desde sempre, separar Lula e o PT, autonomizar um de outro, para melhor combatê-los.
Será válido, a partir de uma perspectiva de esquerda, utilizar o conceito de “lulismo” como operador para a compreensão de nossa experiência? Defenderíamos aqui um uso condicionado desse conceito.
De um lado, deve se reconhecer que a liderança pública de Lula atingiu um grau histórico de cristalização inédito na história brasileira. Apenas Vargas gozaria de tal impregnação ou assemelhada no plano histórico. Além disso, a liderança de Lula não parece acompanhada até agora pela liderança ou simpatia do PT na mesma amplitude social. O fenômeno da popularidade de Lula extravasa certamente a simpatia pelo PT. Por isso, subsumir a liderança pública de Lula na cultura petista poderia esconder ou desvalorizar sua singularidade e seu raio próprio de ação.
De outro lado, a liderança pública de Lula nunca foi apartidária ou personalista: é seguramente um homem de partido, um construtor de partido, uma liderança vincada à história do partido de esquerda mais influente da história brasileira. Trata-se de uma liderança carismática mas “progressiva”, e não “regressiva”, para utilizar uma boa distinção de Gramsci: ela não cria vazio a seu redor, não se faz valer por sua excepcionalidade, mas transmite e forma novas lideranças.
Além disso, Lula foi e é cada vez mais uma liderança de mediações: por sua personalidade histórica passam hoje milhares de fios de ligação com as consciências múltiplas do povo brasileiro, das classes trabalhadoras e dos setores populares. Daí que seu poder de arbitragem é, em geral, de sentido democrático e não opera no sentido unívoco da acumulação solitária de poder.
A liderança de Lula é ainda certamente dinâmica. Cristalizá-la em uma certa correlação de forças seria, de certa forma, aprisioná-la ao contexto. Mas o título do livro foge a esse risco perguntando-se sobre seu “sentido”, sobre sua direção, sobre seu caminho. A questão, posta assim, é aventurosa: lancemo-nos, pois, a ela.
Juarez Guimarães é cientista político, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate
Fonte: Teoria e Debate
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O “lulismo” como operador de interpretação
No título do livro de André Singer comparece o conceito de “lulismo”, em geral utilizado por motivos críticos à cultura do PT para nomear o caráter sebastianista, carismático, populista, salvacionista, personalista ou, em uma linguagem mais marxizante, cesarista ou bonapartista dos governos Lula e de sua liderança pública. A intenção desses críticos foi, desde sempre, separar Lula e o PT, autonomizar um de outro, para melhor combatê-los.
Será válido, a partir de uma perspectiva de esquerda, utilizar o conceito de “lulismo” como operador para a compreensão de nossa experiência? Defenderíamos aqui um uso condicionado desse conceito.
De um lado, deve se reconhecer que a liderança pública de Lula atingiu um grau histórico de cristalização inédito na história brasileira. Apenas Vargas gozaria de tal impregnação ou assemelhada no plano histórico. Além disso, a liderança de Lula não parece acompanhada até agora pela liderança ou simpatia do PT na mesma amplitude social. O fenômeno da popularidade de Lula extravasa certamente a simpatia pelo PT. Por isso, subsumir a liderança pública de Lula na cultura petista poderia esconder ou desvalorizar sua singularidade e seu raio próprio de ação.
De outro lado, a liderança pública de Lula nunca foi apartidária ou personalista: é seguramente um homem de partido, um construtor de partido, uma liderança vincada à história do partido de esquerda mais influente da história brasileira. Trata-se de uma liderança carismática mas “progressiva”, e não “regressiva”, para utilizar uma boa distinção de Gramsci: ela não cria vazio a seu redor, não se faz valer por sua excepcionalidade, mas transmite e forma novas lideranças.
Além disso, Lula foi e é cada vez mais uma liderança de mediações: por sua personalidade histórica passam hoje milhares de fios de ligação com as consciências múltiplas do povo brasileiro, das classes trabalhadoras e dos setores populares. Daí que seu poder de arbitragem é, em geral, de sentido democrático e não opera no sentido unívoco da acumulação solitária de poder.
A liderança de Lula é ainda certamente dinâmica. Cristalizá-la em uma certa correlação de forças seria, de certa forma, aprisioná-la ao contexto. Mas o título do livro foge a esse risco perguntando-se sobre seu “sentido”, sobre sua direção, sobre seu caminho. A questão, posta assim, é aventurosa: lancemo-nos, pois, a ela.
Juarez Guimarães é cientista político, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate
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