STF mantém obrigatoriedade da Voz do Brasil. Programa mais antigo do país é perseguido na Justiça por rádios de Norte a Sul
Felipe Sáles *
Os detratores referem-se a ela como “herança maldita da ditadura do Estado Novo”; os defensores a consideram como fator fundamental na democratização das informações do governo, especialmente no interiorzão do Brasil. Fato é que o programa de rádio mais antigo do país esteve na iminência de tomar novos rumos até esta segunda (17), quando o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a obrigatoriedade de transmissão diária da "Voz do Brasil", no horário das 19h, em todas as empresas de radiodifusão do território nacional. O recurso movido pela União e acolhido pelo STF contestava a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que permitiu à Rádio FM Independência a transmitir o programa em horário alternativo.
A resistência contra a transmissão obrigatória da Voz do Brasil pelas rádios nacionais é antiga. Na década de 1990, houve uma enxurrada de ações na Justiça, na maioria das vezes, com liminares favoráveis. Em todas, porém, a Advocacia-Geral da União (AGU) reverteu a situção. No últimio dia 27 de janeiro, por exemplo, a AGU conseguiu cassar uma liminar que autorizava uma rádio de Santa Cruz do Sul, no Rio de Grande do Sul, a transmitir jogos de futebol no horário oficial do programa. Isso, menos de uma hora depois de a liminar ter sido obtida pela emissora.
“As decisões a esse respeito estão sedimentadas porque já existe uma grande jurisprudência a favor da obrigatoriedade do programa”, conta o procurador federal, Rodrigo Veloso. “Dificilmente uma liminar se sustenta por mais de 30 ou 40 dias.
De 2007 para cá, o Nordeste é a região que mais concentra ações contra o programa, num total de seis. Em todo o Brasil, são 21 processos só nos últimos cinco anos. A procuradoria de São Paulo, porém, ressalta que já houve “centenas de ações contra a obrigatoriedade da Voz do Brasil”, a maioria dos anos 1990, quando houve um boom de ações desse tipo. Entre 2004 e 2006, houve um novo pico de “audiência”, que caiu na medida em que as liminares foram sendo derrubadas.
Ações esdrúxulas
Enquanto isso, tramitam só na Câmara dos Deputados 68 projetos relacionados ao programa. Destes, 50 já foram arquivados e 18 empoeiram burocracia afora. A flexibilização do horário é a principal reivindicação, num total de 10 projetos. Outros sete concordam com a obrigatoriedade ao ponto de querer ampliá-la para a rede nacional de televisão (sendo o projeto mais antigo deste tipo de 1965!).
Mas no Circo do Congresso há, claro, toda sorte de intenções. A PL 7157/86, por exemplo, até concorda com a obrigatoriedade, mas pretende autorizar a suspensão do programa caso o horário coincida com os jogos da Copa do Mundo de Futebol (aliás, uma das poucas vezes que a Voz foi oficialmente suspensa foi um amistoso da Seleção, em 2011). Já o PL 4438/77 exige a divulgação de músicas gravadas por corais, fanfarras e bandas escolares no horário do programa. Enquanto isso, a PL 1631/96, que permite às prefeituras usarem o espaço em caso de calamidade pública ou situação de emergência, acabou arquivado. O projeto 595/2003, que será votado nos próximos meses, prevê que cada rádio determine quando vai veicular o programa na faixa entre 19h e 22h.
A Voz do Estado Novo
A Voz do Brasil começou em 22 de julho de 1935 com o nome “Programa nacional”, idealizado por um amigo de infância do então presidente, Getúlio Vargas. Em 1939, já com o Estado Novo, o programa foi rebatizado como “A hora do Brasil” e tornou-se transmissão obrigatória das emissoras. De lá para cá, mudou novamente de nome, mas manteve – além do horário e da obrigatoriedade – os acordes de “O guarani”, ópera de Carlos Gomes.
Também houve algumas tentativas de modernização. A própria ópera, por exemplo, foi remixada em ritmo de forró, choro, bossa nova, moda de viola e até techno. E, em vez do tradicional “em Brasília, 19 horas”, fala-se “sete da noite”.
A questão é que, nesses 77 anos, muitas coisas mudaram. O país é governado por um regime democrático pleno e o rádio se adequou à concorrência com a televisão e a internet. O próprio governo tem uma enorme estrutura de comunicação, que inclui, além da TV Brasil, a TV Câmara, a TV Senado, a TV Justiça e cerca de 700 emissoras de TV e rádio de caráter governamental ou educativo.
Sem contar a infraestrutura das cidades: hoje, 19h é o pico dos engarrafamentos nas metrópoles – e, consequentemente, o horário nobre das emissoras. O que provoca situações esdrúxulas: quando a chuva abalou a Região Serrana do Rio de Janeiro no ano passado, muitos moradores tinham apenas o rádio como fonte de informação – o que foi interrompido pelo programa. Da mesma forma, quando um avião derrapou no Aeroporto de Congonhas em 2007 São Paulo, os ouvintes não puderam ter informações sobre a tragédia e o caos no trânsito durante longos 60 minutos.
“Hoje o ouvinte tem internet, rádio com MP3 e muitas outras coisas que tornam a obrigatoriedade incipiente. Quem não quiser ouvir, simplesmente não vai ouvir”, argumenta o presidente da Associação das Emissoras de Rádio do Rio, Hilton Alexandre. “A audiência não chega a ser zero, mas cai mais de 95%, em média. Nós não defendemos o fim, mas, sim, a flexibilização, que será saudável até para o programa”.
* Artigo publicado na página da Revista de História da Biblioteca Nacional, 19/3/2012
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Felipe Sáles *
Os detratores referem-se a ela como “herança maldita da ditadura do Estado Novo”; os defensores a consideram como fator fundamental na democratização das informações do governo, especialmente no interiorzão do Brasil. Fato é que o programa de rádio mais antigo do país esteve na iminência de tomar novos rumos até esta segunda (17), quando o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a obrigatoriedade de transmissão diária da "Voz do Brasil", no horário das 19h, em todas as empresas de radiodifusão do território nacional. O recurso movido pela União e acolhido pelo STF contestava a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que permitiu à Rádio FM Independência a transmitir o programa em horário alternativo.
A resistência contra a transmissão obrigatória da Voz do Brasil pelas rádios nacionais é antiga. Na década de 1990, houve uma enxurrada de ações na Justiça, na maioria das vezes, com liminares favoráveis. Em todas, porém, a Advocacia-Geral da União (AGU) reverteu a situção. No últimio dia 27 de janeiro, por exemplo, a AGU conseguiu cassar uma liminar que autorizava uma rádio de Santa Cruz do Sul, no Rio de Grande do Sul, a transmitir jogos de futebol no horário oficial do programa. Isso, menos de uma hora depois de a liminar ter sido obtida pela emissora.
“As decisões a esse respeito estão sedimentadas porque já existe uma grande jurisprudência a favor da obrigatoriedade do programa”, conta o procurador federal, Rodrigo Veloso. “Dificilmente uma liminar se sustenta por mais de 30 ou 40 dias.
De 2007 para cá, o Nordeste é a região que mais concentra ações contra o programa, num total de seis. Em todo o Brasil, são 21 processos só nos últimos cinco anos. A procuradoria de São Paulo, porém, ressalta que já houve “centenas de ações contra a obrigatoriedade da Voz do Brasil”, a maioria dos anos 1990, quando houve um boom de ações desse tipo. Entre 2004 e 2006, houve um novo pico de “audiência”, que caiu na medida em que as liminares foram sendo derrubadas.
Ações esdrúxulas
Enquanto isso, tramitam só na Câmara dos Deputados 68 projetos relacionados ao programa. Destes, 50 já foram arquivados e 18 empoeiram burocracia afora. A flexibilização do horário é a principal reivindicação, num total de 10 projetos. Outros sete concordam com a obrigatoriedade ao ponto de querer ampliá-la para a rede nacional de televisão (sendo o projeto mais antigo deste tipo de 1965!).
Mas no Circo do Congresso há, claro, toda sorte de intenções. A PL 7157/86, por exemplo, até concorda com a obrigatoriedade, mas pretende autorizar a suspensão do programa caso o horário coincida com os jogos da Copa do Mundo de Futebol (aliás, uma das poucas vezes que a Voz foi oficialmente suspensa foi um amistoso da Seleção, em 2011). Já o PL 4438/77 exige a divulgação de músicas gravadas por corais, fanfarras e bandas escolares no horário do programa. Enquanto isso, a PL 1631/96, que permite às prefeituras usarem o espaço em caso de calamidade pública ou situação de emergência, acabou arquivado. O projeto 595/2003, que será votado nos próximos meses, prevê que cada rádio determine quando vai veicular o programa na faixa entre 19h e 22h.
A Voz do Estado Novo
A Voz do Brasil começou em 22 de julho de 1935 com o nome “Programa nacional”, idealizado por um amigo de infância do então presidente, Getúlio Vargas. Em 1939, já com o Estado Novo, o programa foi rebatizado como “A hora do Brasil” e tornou-se transmissão obrigatória das emissoras. De lá para cá, mudou novamente de nome, mas manteve – além do horário e da obrigatoriedade – os acordes de “O guarani”, ópera de Carlos Gomes.
Também houve algumas tentativas de modernização. A própria ópera, por exemplo, foi remixada em ritmo de forró, choro, bossa nova, moda de viola e até techno. E, em vez do tradicional “em Brasília, 19 horas”, fala-se “sete da noite”.
A questão é que, nesses 77 anos, muitas coisas mudaram. O país é governado por um regime democrático pleno e o rádio se adequou à concorrência com a televisão e a internet. O próprio governo tem uma enorme estrutura de comunicação, que inclui, além da TV Brasil, a TV Câmara, a TV Senado, a TV Justiça e cerca de 700 emissoras de TV e rádio de caráter governamental ou educativo.
Sem contar a infraestrutura das cidades: hoje, 19h é o pico dos engarrafamentos nas metrópoles – e, consequentemente, o horário nobre das emissoras. O que provoca situações esdrúxulas: quando a chuva abalou a Região Serrana do Rio de Janeiro no ano passado, muitos moradores tinham apenas o rádio como fonte de informação – o que foi interrompido pelo programa. Da mesma forma, quando um avião derrapou no Aeroporto de Congonhas em 2007 São Paulo, os ouvintes não puderam ter informações sobre a tragédia e o caos no trânsito durante longos 60 minutos.
“Hoje o ouvinte tem internet, rádio com MP3 e muitas outras coisas que tornam a obrigatoriedade incipiente. Quem não quiser ouvir, simplesmente não vai ouvir”, argumenta o presidente da Associação das Emissoras de Rádio do Rio, Hilton Alexandre. “A audiência não chega a ser zero, mas cai mais de 95%, em média. Nós não defendemos o fim, mas, sim, a flexibilização, que será saudável até para o programa”.
* Artigo publicado na página da Revista de História da Biblioteca Nacional, 19/3/2012
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