08 agosto 2012

Estados Unidos acusam tentativa de destruir Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Detalhe: Os EUA sequer reconhecem a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José, de 1969) que rege o funcionamento da Comissão.
Tampouco reconhecem a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A propósito, uma das recomendações da CIDH é a respeito da prisão de Guantánamo, mantida pelos EUA e considerada como uma afronta aos direitos humanos.
 

Leia o artigo:

Dois pesos, duas medidas

De Guilherme de Aguiar Patriota *


Segundo artigo publicado no "Estado de S. Paulo" em 12/7, a subsecretária para Assuntos Hemisféricos dos EUA, Roberta Jacobson, teria associado o Brasil à tentativa de "destruição" da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Ao chefiar, pela primeira vez, a delegação do país à Assembleia-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Jacobson afirmou ter presenciado na reunião de Cochabamba, em junho, "ataque" à CIDH como "nunca antes havia visto".

Sobre isso, cabem esclarecimentos.

Os EUA não são parte na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José, de 1969), que oferece marco jurídico para o funcionamento da CIDH. Tampouco reconhecem a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Os EUA não possuem marco para internalizar decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, apesar de a CIDH já se ter manifestado, por exemplo, a respeito da detenção indefinida e sem julgamento de presos em Guantánamo.

Em agosto de 2011, a CIDH aprovou resolução instando o governo a fechar a prisão. De modo geral, manifestações da comissão permanecem sem acolhimento naquele país.

Como se sabe, os EUA não se submetem à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI) e negociam acordos bilaterais para excluir seus militares do alcance da instituição.

O recurso a veículos aéreos não tripulados (Vants) para sumariamente subtrair vidas é exemplo de "cheque em branco", fora da alçada do TPI e do sistema de defesa dos direitos humanos. Permite atos unilaterais de guerra por controle remoto de difícil imputabilidade.

O Brasil assinou e ratificou a convenção e aceita a jurisdição da corte. Reconhece a CIDH como instância de defesa dos direitos humanos. Quando proliferavam ditaduras na região, a CIDH se levantava em prol dos presos políticos destituídos de seus direitos e torturados.

Hoje, o Brasil democrático diverge da comissão em questões pontuais. Ao rever, sozinha, seu regulamento, a comissão outorgou-se competências características de "tribunal". Competências sem previsão na convenção, que se sobrepõem às da corte -esta sim, um tribunal-, confundindo, dessa forma, a fronteira entre os dois órgãos.

Não é razoável que a comissão emita medidas cautelares com o intuito, por exemplo, de suspender a construção de hidrelétricas. Ela deve se ater a questões precípuas de direitos humanos, pronunciando-se por meio de pareceres recomendatórios e deixando que a corte assuma suas responsabilidades judiciais em casos que o justifiquem.

A necessidade de aprimorar o funcionamento da CIDH está na origem da criação de Grupo de Trabalho da OEA. O seu relatório final foi aprovado por consenso em dezembro de 2011 e endossado pelo Conselho Permanente da OEA, em janeiro de 2012.

Dele constam sugestões brasileiras, como a necessária fundamentação de todas as decisões adotadas pela CIDH, a definição de critérios objetivos para a concessão, renovação e suspensão de medidas cautelares e o estímulo a procedimentos de solução amistosa.

O Brasil tem na prevalência dos direitos humanos um dos princípios reitores de suas relações internacionais. O diálogo permanente com o sistema interamericano faz avançar a proteção dos direitos humanos nos planos regional e doméstico. O sistema, tanto quanto os Estados, é sempre passível de aperfeiçoamento.

O que deve ser evitado é a utilização de dois pesos e duas medidas para avaliar o compromisso de membros da OEA com o sistema.

* GUILHERME DE AGUIAR PATRIOTA, 54, é embaixador e membro da assessoria especial da Presidência da República. Artigo publicado na Folha, 07/08/2012.

 
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