Brasilianista afirma que mensalão foi resultado de circunstâncias vividas pelo Brasil, e não legado deixado por sua história.
Entrevista do pesquisador britânico Kenneth Maxwell a Wilson Tosta*
Um dos mais prestigiados pesquisadores da história do Brasil, o britânico Kenneth Maxwell, fundador do Programa de Estudos Brasileiros do Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard, nos EUA, tem acompanhado de longe a movimentação em torno do julgamento do mensalão. Apesar da distância, o autor de A Devassa da Devassa - A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808 repudia supostas "explicações" para o escândalo - como as que apontam no povo e no Estado brasileiros predisposição histórica à corrupção em sua política e nas suas relações no campo público.
"A corrupção está presente em quase todas as histórias nacionais", diz Maxwell. "Não é uma característica particular do Brasil." O grande problema do País estaria na lentidão do Poder Judiciário e na falta de transparência institucional, opina.
A seguir, trechos da entrevista de Maxwell concedida ao Estado, por e-mail:
É senso comum entre os brasileiros que a história do Brasil é marcada pela corrupção. Isso é verdade?
Não acho que o Brasil seja especialmente marcado pela corrupção. Ela está presente em quase todas as histórias nacionais. Não é uma característica particular do Brasil. Na Grã-Bretanha, neste momento, por exemplo, há um grande escândalo sobre as ligações entre a polícia, funcionários das prisões, jornalistas, personalidades da mídia, vedetes dos esportes, políticos. Todos estão sob investigação da Scotland Yard e do inquérito de Lorde (Brian) Leveson (juiz britânico que investiga o envolvimento de jornalistas e empresas de comunicação em corrupção de policiais e em escutas clandestinas para obter informações). E isso em uma paisagem onde a corrupção era considerada extremamente rara, ao menos pelo público em geral. O problema no Brasil está mais na lentidão do Poder Judiciário e na falta de medidas e de transparência nas ações efetivas contra a corrupção.
O caso do mensalão é a repetição de velhos e maus hábitos da nossa política ou é uma nova forma de corrupção?
O mensalão, ao menos, parece (algo novo). Foi mais corrupção política do que do tipo tradicional. A acusação é que o mensalão era feito com fins e objetivos políticos. E isso é parte do problema de funcionamento do sistema político brasileiro, no qual grupos políticos, particularmente partidos pequenos, estão à venda para votações no Congresso. Outros objetivos podem ter entrado nos cálculos, claramente, mas esses parecem secundários em relação aos objetivos políticos das pessoas envolvidas.
A corrupção na política brasileira pode ser atribuída à formação do nosso Estado ou o passado não pode ser responsabilizado pelos erros do presente?
Todos os brasileiros sabem de pequenas corrupções diárias. Não há mistério sobre isso. Mas em geral não é uma coisa debilitante para o Estado, e grande parte do sistema político brasileiro está limpa e bem fiscalizada. É necessário também que tenhamos alguma perspectiva, olhando para a grande corrupção multimilionária da lavagem de dinheiro, a falta de pagamento de impostos, o uso de paraísos fiscais pelos ricos, a manipulação das taxas de juros pelos bancos internacionais, o uso de bancos internacionais para repasse de dinheiro a narcotraficantes, no caso recentemente revelado pelo Comitê de Bancos do Senado norte-americano, por exemplo, em relação ao HSBC do México. Todos são qualitativamente e quantitativamente desafios muito maiores.
Há quem diga que o mensalão foi "o maior escândalo político da República". O senhor concorda? Acho improvável que tenha sido. Vamos ver.
Houve alguma outra época na nossa história em que a corrupção ocupasse lugar tão central no debate político?
Se de fato (a preocupação com a corrupção) entra no debate, isso é novo e bom. A transparência e o papel da imprensa são essenciais. No Brasil isso já aconteceu, no Caso Collor, por exemplo. Mas um debate aberto é absolutamente essencial, e a vigilância e o papel da mídia são fundamentais.
O mensalão seria o primeiro escândalo de corrupção protagonizado por um partido no Brasil, já que até então a corrupção era individual, de políticos individuais?
Há muitas coisas de que não sabemos, sobre contratações de grandes empresas, das grandes obras de empreiteiros, por exemplo. O envolvimento do PT parece novo. Mas devemos lembrar que pode haver também coisas ainda não reveladas, em várias administrações locais ou estaduais. A importância do mensalão é que parece ser uma forma de corrupção para fins políticos, e não para fins materiais. Acho que é menos um exemplo de problemas multisseculares do que resultado de uma conjuntura.
* Publicada em O Estado de S. Paulo, 02 de agosto de 2012
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Entrevista do pesquisador britânico Kenneth Maxwell a Wilson Tosta*
Um dos mais prestigiados pesquisadores da história do Brasil, o britânico Kenneth Maxwell, fundador do Programa de Estudos Brasileiros do Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard, nos EUA, tem acompanhado de longe a movimentação em torno do julgamento do mensalão. Apesar da distância, o autor de A Devassa da Devassa - A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808 repudia supostas "explicações" para o escândalo - como as que apontam no povo e no Estado brasileiros predisposição histórica à corrupção em sua política e nas suas relações no campo público.
"A corrupção está presente em quase todas as histórias nacionais", diz Maxwell. "Não é uma característica particular do Brasil." O grande problema do País estaria na lentidão do Poder Judiciário e na falta de transparência institucional, opina.
A seguir, trechos da entrevista de Maxwell concedida ao Estado, por e-mail:
É senso comum entre os brasileiros que a história do Brasil é marcada pela corrupção. Isso é verdade?
Não acho que o Brasil seja especialmente marcado pela corrupção. Ela está presente em quase todas as histórias nacionais. Não é uma característica particular do Brasil. Na Grã-Bretanha, neste momento, por exemplo, há um grande escândalo sobre as ligações entre a polícia, funcionários das prisões, jornalistas, personalidades da mídia, vedetes dos esportes, políticos. Todos estão sob investigação da Scotland Yard e do inquérito de Lorde (Brian) Leveson (juiz britânico que investiga o envolvimento de jornalistas e empresas de comunicação em corrupção de policiais e em escutas clandestinas para obter informações). E isso em uma paisagem onde a corrupção era considerada extremamente rara, ao menos pelo público em geral. O problema no Brasil está mais na lentidão do Poder Judiciário e na falta de medidas e de transparência nas ações efetivas contra a corrupção.
O caso do mensalão é a repetição de velhos e maus hábitos da nossa política ou é uma nova forma de corrupção?
O mensalão, ao menos, parece (algo novo). Foi mais corrupção política do que do tipo tradicional. A acusação é que o mensalão era feito com fins e objetivos políticos. E isso é parte do problema de funcionamento do sistema político brasileiro, no qual grupos políticos, particularmente partidos pequenos, estão à venda para votações no Congresso. Outros objetivos podem ter entrado nos cálculos, claramente, mas esses parecem secundários em relação aos objetivos políticos das pessoas envolvidas.
A corrupção na política brasileira pode ser atribuída à formação do nosso Estado ou o passado não pode ser responsabilizado pelos erros do presente?
Todos os brasileiros sabem de pequenas corrupções diárias. Não há mistério sobre isso. Mas em geral não é uma coisa debilitante para o Estado, e grande parte do sistema político brasileiro está limpa e bem fiscalizada. É necessário também que tenhamos alguma perspectiva, olhando para a grande corrupção multimilionária da lavagem de dinheiro, a falta de pagamento de impostos, o uso de paraísos fiscais pelos ricos, a manipulação das taxas de juros pelos bancos internacionais, o uso de bancos internacionais para repasse de dinheiro a narcotraficantes, no caso recentemente revelado pelo Comitê de Bancos do Senado norte-americano, por exemplo, em relação ao HSBC do México. Todos são qualitativamente e quantitativamente desafios muito maiores.
Há quem diga que o mensalão foi "o maior escândalo político da República". O senhor concorda? Acho improvável que tenha sido. Vamos ver.
Houve alguma outra época na nossa história em que a corrupção ocupasse lugar tão central no debate político?
Se de fato (a preocupação com a corrupção) entra no debate, isso é novo e bom. A transparência e o papel da imprensa são essenciais. No Brasil isso já aconteceu, no Caso Collor, por exemplo. Mas um debate aberto é absolutamente essencial, e a vigilância e o papel da mídia são fundamentais.
O mensalão seria o primeiro escândalo de corrupção protagonizado por um partido no Brasil, já que até então a corrupção era individual, de políticos individuais?
Há muitas coisas de que não sabemos, sobre contratações de grandes empresas, das grandes obras de empreiteiros, por exemplo. O envolvimento do PT parece novo. Mas devemos lembrar que pode haver também coisas ainda não reveladas, em várias administrações locais ou estaduais. A importância do mensalão é que parece ser uma forma de corrupção para fins políticos, e não para fins materiais. Acho que é menos um exemplo de problemas multisseculares do que resultado de uma conjuntura.
* Publicada em O Estado de S. Paulo, 02 de agosto de 2012
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