Antonio LassancePublicado na Carta Maior, 30/12/2011.
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e cientista político.
.
As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.
A crise, a política e as políticas públicas
O que será do ano de 2012?
Reverter
os impactos da crise internacional que têm feito a economia empacar
será a questão número um da agenda de 2012. Os riscos advindos dessa
crise abrem uma oportunidade para a atual presidência: há condições
objetivas para uma transição da eterna agenda de estabilização para uma
nova agenda de mudanças e desenvolvimento.
No
Congresso, debates e decisões importantes podem levar o Brasil a um
novo patamar de financiamento da provisão de suas políticas públicas
fundamentais. Ou seja, pode vir mais dinheiro para a educação, a saúde, a
segurança pública, a previdência e a assistência social.
A disputa eleitoral para as prefeituras pode premiar os partidos da base governista, mas fragmentará sua coalizão nacional.
A
oposição tentará sobreviver a mais uma estação do longo inverno a que
foi submetida, há uma década, desde que perdeu as eleições presidenciais
de 2002.
O enfrentamento à crise e uma nova fase para o governo
O
governo deve fazer as contas para viabilizar um esforço concentrado,
turbinando o investimento em programas de infraestrutura e abastecendo
melhor as políticas sociais.
Concretamente,
no primeiro trimestre se deve ver um aprofundamento da inflexão da
política macroeconômica, para livrar o país de uma recessão. Entre suas
opções estão a redução dos encargos da dívida e os pacotes de estímulo à
produção e ao consumo.
O
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o “Minha Casa, Minha
Vida” são apostas líquidas e certas. Significam injeção na veia da
economia, com uma estrutura de implementação já organizada.
A
depender do nível e da rapidez com que isso ocorra, será possível criar
uma folga fiscal também para garantir recursos extra que subsidiem uma
pauta ousada de compromissos com políticas fundamentais que estão em
pleno processo de redefinição (no Congresso) de suas fontes de
financiamento.
Como
é comum aos mandatos presidenciais, enquanto o primeiro ano é dedicado a
arrumar a casa, o segundo é quando precisam mostrar a que vieram.
Em
2012, ficarão claros os programas que deram certo e podem deslanchar,
os que patinaram e precisarão ser ajustados e os que não se sustentam e
serão abandonados em favor de outras prioridades.
O
Brasil Sem Miséria, que mostrou avanços substantivos em 2011, trará
dados ainda mais palpáveis e em maior volume, consolidando também quase
uma década de Bolsa Família na estrutura de políticas públicas do
Estado.
Eleições municipais: governo, oposição e coalizões
Muitas
das ações de enfrentamento à crise têm interface com questões
municipais que serão alvo prioritário das campanhas para prefeito e
vereador. É o caso das obras da Copa, das políticas de mobilidade
urbana, saneamento, gestão de resíduos sólidos, habitação, transporte e
apoio à agricultura familiar.
Com
a popularidade da presidenta em alta, a campanha de 2012 tende a ser o
desfile de candidatos que se insinuam, diante dos eleitores, como as
melhores opções para trazer políticas federais, seus programas e
recursos para cada município.
Um
cenário de crescimento com estabilidade tende a fazer com que os
partidos da coalizão governista estejam melhor preparados para enfrentar
as eleições, mas em um quadro de total fragmentação de sua coalizão,
cada vez mais um mosaico.
A
oposição continuará mergulhada em sua crise ao cubo: crise de projeto
(sem discurso para as eleições), crise de sua coalizão estilhaçada e
crise de lideranças nacionais. A oposição se tornou um projeto de
passado, e não uma proposta de futuro. Vive da nostalgia de uma época da
qual a maioria do povo brasileiro não sente nenhuma saudade.
DEM
e PPS agora vivem às turras com os tucanos. Reclamam de serem tratados
como primos pobres, sócios menores de uma empresa incapaz de ganhar
eleições presidenciais há uma década.
Tanto
a sangria que levou ao racha do DEM, com a formação do PSD, quanto os
flertes entre os partidos da oposição e os da base (inclusive com o PT)
nas eleições municipais de 2012 indicam que a principal disputa não será
entre governo e oposição, mas dos partidos da base entre si. Cada qual
quer sair maior das eleições para prefeito e se cacifar para a coalizão
de 2014. Principalmente as eleições nas capitais devem retratar o
fenômeno.
Para
sobreviver, a oposição buscará aproveitar as rebarbas dessa
fragmentação. Onde não tiver chances de liderar, fará de tudo para
decidir o resultado dessas brigas. Com fôlego menor a cada pleito,
deverá priorizar as cidades em que disputa a reeleição.
Mensalão versus privataria tucana
A
crise de longo prazo dos partidos de oposição reforçará outro aspecto
de nossa política: o que reserva à velha mídia o papel de principal
partido de oposição no Brasil - função aliás já assumida publicamente
por dirigentes de suas associações. Se há um lugar onde a oposição é
forte, é no setor que detém concessões públicas de rádio e TV, feitas
décadas atrás, quando os dinossauros dominavam a terra.
O
ano de 2012, que marcará 10 anos da eleição de Lula e do fim do governo
FHC, será o momento do embate de duas narrativas contrapostas: a do
mensalão, de um lado, e a da “privataria tucana”, de outro.
É
claro e cristalino que a velha mídia usará o calendário de julgamento
do processo do Mensalão, no Supremo Tribunal Federal (STF), como bigorna
para malhar o PT e também como troco às denúncias elucidadas no livro
“A Privataria Tucana”.
O mais importante ainda está por vir
Todas
essas questões são de grande importância. Mas o fundamental, muitas
vezes, passa ao largo das questões mais palpitantes e das manchetes mais
escandalosas, como a da ciranda de ministros sucessivamente alvejados e
derrubados por denúncias.
Entre
março e junho, Executivo e Congresso podem decidir cinco grandes
batalhas decisivas para a vida de todos os brasileiros. São elas a
partilha dos recursos do pré-sal, a regulamentação da Emenda 29 (que
estabelece os recursos da saúde), a aprovação do Plano Nacional de
Educação, o novo marco legal da política ambiental (Código Florestal) e a
definição das novas regras de cálculo do Fundo de Participação dos
Estados.
Todas
dizem respeito a algumas perguntas essenciais: para que e para quem
serve o Estado? Quão desiguais nós somos e o que fazer para deixarmos de
sê-lo?
Hora de fechar pra balanço
O cenário tendencial de 2012 conspira para uma inversão de prioridades em relação a 2011.
A
diminuição dos encargos com a dívida, requisito para a travessia da
crise, pode levar a uma mudança de peso: a transição de uma agenda de
estabilização para uma agenda de mudanças orientadas por um novo padrão
de desenvolvimento. Transição que na presidência Lula demorou do
primeiro para o segundo mandato para ter início, mas poderia ser
abreviada na presidência Dilma entre o primeiro e o segundo ano de
governo.
Basta
que se perceba que as condições objetivas estão dadas e que se aguente
com paciência a gritaria de setores rentistas e seus agregados,
minoritários, elitistas, mas muito barulhentos. É fácil identificá-los.
São os que acham que investimento em assistência social é clientelismo;
que mais dinheiro para a saúde é gastança; que prioridade para a
educação deve ser na base de muito discurso e pouco recurso. Esse
pessoal tem ultimamente patrocinado editoriais dizendo que a
desaceleração da economia é algo benéfico.
Mesmo
que uns não queiram, o governo pode se ver forçado a cumprir o programa
pelo qual foi eleito em 2010. Tanto por força das circunstâncias, por
ter em mãos argumentos que justifiquem a transição sem que sequer pareça
ousadia demais, quanto por pressão de setores sociais com ressonância
política.
Que
venha 2012, um ano difícil, mas que bem poderia entrar para a história
como aquele que encerrou uma década de transição e virou definitivamente
a página do Brasil do Real, que vivia em função de sua moeda, para o
Brasil de todos, que passou a viver em função dos brasileiros.
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