SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-Omega, 1976.
Simon Schwartzman
Comentário de publicado no Jornal do Brasil, Fevereiro de 1977
Como observa Victor Nunes Leal em seu prefácio, trata-se de um livro memorável. E isto no sentido mais preciso do termo: um livro para não ser esquecido, referência obrigatória, a partir de agora, a respeito do sistema político-partidário brasileiro, seu passado e seu futuro.
Em primeiro lugar, pela abrangência. Indo além da tradição de ver a política como mera decorrência de jogos de interesse econômico que se refletiriam no sistema partidário ou nas limitações impostas a ele, a autora trata de vincular o sistema partidário, por um lado, aos interesses sociais e econômicos que o informam mas, por outro, ao sistema de poder político que o condiciona e conforma.
Neste esforço de abrangência, ganha corpo e presença a análise da história política brasileira, em áreas até aqui pouco exploradas: os desenvolvimentos a partir de 1930, a ideologia política do pré-guerra, o sistema de interventorias criado por Vargas, a transição, menos brusca do que se supõe, entre o regime Vargas e o período pós-46.
Nesta perspectiva, o sistema eleitoral e partidário estabelecido em 46 deixa de ser algo sem raízes, surgido das cinzas da ditadura graças à vitória da democracia na II Grande Guerra, e. mostra sua verdadeira face: a de uma continuação, por outros meios, do sistema de dominação política criado pelo getulhismo.
Esta origem, se dá os condicionamentos mais amplos, não dá conta de toda a história, porque existe o outro lado da moeda: com todas as suas imperfeições, o sistema político-partidário expressa interesses sociais legítimos, propicia canais de participação social, e vai gradativamente se transformando para corresponder, cada vez mais, a uma sociedade que se moderniza, se transforma e se urbaniza.
De passo, a autora confronta um dos mitos clássicos da análise política brasileira: a crise política não vinha do confronto entre um Executivo de base mais urbana com um Legislativo de base rural, mas o contrário: é o Executivo que sempre teve uma base de sustentação eleitoral mais rural, e era o Legislativo que ia, lenta mas inexoravelmente, se transformando para corresponder cada vez mais aos setores mais modernos e urbanos da sociedade.Depois, pela tese que apresenta.
A de que existe no Brasil uma ideologia anti-partidos, uma ideologia que, vinda do clima dos anos 30 ou anteriores, grassando a direita como à esquerda , afirma que o sistema partidário é necessariamente ineficiente, falso, corrompido e que desemboca, assim, em uma ideologia autoritária.
Ao chamar à atenção para este ponto, a autora se coloca em uma posição francamente liberal: as sociedades complexas não podem funcionar sem sistemas de representação de interesses, dos quais o político-partidário é o menos ruim; o comportamento aparentemente errático dos eleitores e partidos, visto através das alianças e votos nulos, expressam na verdade, uma racionalidade de comportamento, uma prova de revigoramento do sistema partidário apesar de suas origens, e que poderia servir de base para a criação de um sistema político mais autenticamente ligado à sociedade, e por isto mais justo e eficiente.
Finalmente, o livro é memorável pela organização. que dá a uma vasta literatura nacional e internacional sobre o sistema político-partidário, sem preocupação com sectarismos de escola e orientação. Pena que este esforço seja um pouco prejudicado por uma "bibliografia" descuidada, ao final, que não reflete a riqueza do livro.
Pena que falte, mais substantivamente, uma discussão realista do modelo de "governo partidário", que a autora propõe como alternativa para o Brasil, citando como exemplo os próprios Estados Unidos, onde sabemos que os partidos elegem, mas não governam. Mas são falhas menores, pistas a serem desenvolvidas por outros que possam trilhar este caminho de "scholarship" acadêmica e relevância temática.
Escrito originalmente como tese de doutoramento em Ciência Política para a Universidade de São Paulo, o livro chama a atenção para o fato de que já existem, hoje, estudos suficientes sobre a realidade política e social brasileira que dêem base empírica a trabalhos de síntese e interpretação deste porte; e que existem pessoas com formação profissional e capacidade intelectual para fazê-lo.
Para seguir o blog e receber postagens atualizadas, use a opção "seguir", ao lado.
Simon Schwartzman
Comentário de publicado no Jornal do Brasil, Fevereiro de 1977
Como observa Victor Nunes Leal em seu prefácio, trata-se de um livro memorável. E isto no sentido mais preciso do termo: um livro para não ser esquecido, referência obrigatória, a partir de agora, a respeito do sistema político-partidário brasileiro, seu passado e seu futuro.
Em primeiro lugar, pela abrangência. Indo além da tradição de ver a política como mera decorrência de jogos de interesse econômico que se refletiriam no sistema partidário ou nas limitações impostas a ele, a autora trata de vincular o sistema partidário, por um lado, aos interesses sociais e econômicos que o informam mas, por outro, ao sistema de poder político que o condiciona e conforma.
Neste esforço de abrangência, ganha corpo e presença a análise da história política brasileira, em áreas até aqui pouco exploradas: os desenvolvimentos a partir de 1930, a ideologia política do pré-guerra, o sistema de interventorias criado por Vargas, a transição, menos brusca do que se supõe, entre o regime Vargas e o período pós-46.
Nesta perspectiva, o sistema eleitoral e partidário estabelecido em 46 deixa de ser algo sem raízes, surgido das cinzas da ditadura graças à vitória da democracia na II Grande Guerra, e. mostra sua verdadeira face: a de uma continuação, por outros meios, do sistema de dominação política criado pelo getulhismo.
Esta origem, se dá os condicionamentos mais amplos, não dá conta de toda a história, porque existe o outro lado da moeda: com todas as suas imperfeições, o sistema político-partidário expressa interesses sociais legítimos, propicia canais de participação social, e vai gradativamente se transformando para corresponder, cada vez mais, a uma sociedade que se moderniza, se transforma e se urbaniza.
De passo, a autora confronta um dos mitos clássicos da análise política brasileira: a crise política não vinha do confronto entre um Executivo de base mais urbana com um Legislativo de base rural, mas o contrário: é o Executivo que sempre teve uma base de sustentação eleitoral mais rural, e era o Legislativo que ia, lenta mas inexoravelmente, se transformando para corresponder cada vez mais aos setores mais modernos e urbanos da sociedade.Depois, pela tese que apresenta.
A de que existe no Brasil uma ideologia anti-partidos, uma ideologia que, vinda do clima dos anos 30 ou anteriores, grassando a direita como à esquerda , afirma que o sistema partidário é necessariamente ineficiente, falso, corrompido e que desemboca, assim, em uma ideologia autoritária.
Ao chamar à atenção para este ponto, a autora se coloca em uma posição francamente liberal: as sociedades complexas não podem funcionar sem sistemas de representação de interesses, dos quais o político-partidário é o menos ruim; o comportamento aparentemente errático dos eleitores e partidos, visto através das alianças e votos nulos, expressam na verdade, uma racionalidade de comportamento, uma prova de revigoramento do sistema partidário apesar de suas origens, e que poderia servir de base para a criação de um sistema político mais autenticamente ligado à sociedade, e por isto mais justo e eficiente.
Finalmente, o livro é memorável pela organização. que dá a uma vasta literatura nacional e internacional sobre o sistema político-partidário, sem preocupação com sectarismos de escola e orientação. Pena que este esforço seja um pouco prejudicado por uma "bibliografia" descuidada, ao final, que não reflete a riqueza do livro.
Pena que falte, mais substantivamente, uma discussão realista do modelo de "governo partidário", que a autora propõe como alternativa para o Brasil, citando como exemplo os próprios Estados Unidos, onde sabemos que os partidos elegem, mas não governam. Mas são falhas menores, pistas a serem desenvolvidas por outros que possam trilhar este caminho de "scholarship" acadêmica e relevância temática.
Escrito originalmente como tese de doutoramento em Ciência Política para a Universidade de São Paulo, o livro chama a atenção para o fato de que já existem, hoje, estudos suficientes sobre a realidade política e social brasileira que dêem base empírica a trabalhos de síntese e interpretação deste porte; e que existem pessoas com formação profissional e capacidade intelectual para fazê-lo.
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