24 agosto 2011

A renúncia, 50 anos depois

"No dia 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo, (...) precipitando o Brasil numa crise sem precedentes".



Última Palavra
Ricardo Arnt*

* Diretor da revista "Planeta" e autor do livro "Janio Quadros, o Prometeu de Vila Maria" (Ediouro, 2004)


Fonte: Isto é - 05/07/2011

Jânio Quadros nunca contou o que pretendia com a renúncia. O segredo não lhe ajudou em nada.

No dia 25 de agosto de 1961, esgotada sua capacidade de manobra com um Congresso dominado pela oposição, e após ter sido denunciado na véspera, na televisão, pelo seu maior eleitor, o governador Carlos Lacerda, do Estado da Guanabara, o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo, precipitando o Brasil numa crise sem precedentes, na trilha de uma guerra civil.

Entre os fatos políticos mais surpreendentes do período republicano – a rebelião comunista de 1935, o suicídio de Getúlio em 1954, a queda de Jânio em 1961 e o impea­chment de Collor em 1992 – a renúncia é o mais intrigante. O sacrifício de Vargas, o "putsch" de 1935
e o impeachment foram gestos extremados, decisivos e definidos. Na renúncia, o que impressiona é o despropósito, o caráter fortuito, a inconsequência. A ironia do seu peso sobre a história é ter sido concebida para não existir.

Até o final da vida, Jânio manteve sigilo sobre o episódio. Cinquenta anos depois, ainda há gente com dúvida, pois a verdade definitiva nunca foi revelada pelo autor.

O ex-presidente passou o resto da vida se explicando, mas sempre de maneira parcial. Nunca disse, em público, realmente, o que pretendia. Não poderia.

Em 1996, Jânio Quadros Neto publicou o livro Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil, que fornece a mais convincente explicação sobre a renúncia. Em 25 de agosto de 1991, trigésimo aniversário do ato, no mesmo quarto do Hospital Albert Einstein onde faleceria seis meses depois, em 1992, o avô deu ao neto a sua versão.

"A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela seria de fato executada. Renunciei à minha candidatura à Presidência em 1960 e ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de recuperar a governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana.

O maior erro que já cometi."
Tudo fora pensado e (mal) planejado. Jânio mandou o vice-presidente João Goulart em missão à China, para afastá-lo das articulações políticas. Na época, presidente e vice podiam ser eleitos por partidos diferentes, até opostos como era o caso (Goulart elegeu-se com 36% dos votos). O presidente escreveu a carta-renúncia no dia 19 e entregou ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Acreditava que não haveria ninguém para assumir o cargo. Achou que os militares, os governadores e o "povo" exigiriam que ficasse.

"O Jango era, na época, semelhante ao Lula" – disse ao neto. "Era completamente inaceitável para a elite. Achei que era impossível ele assumir, que todos iriam implorar que eu ficasse. Charles De Gaulle renunciou na França e o povo foi às ruas exigir a sua volta. A mesma coisa ocorreu com Fidel Castro, em Cuba. Achei que voltaria para Brasília na glória. Pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Fui reprovado e o país pagou um preço muito caro. Deu tudo errado."

Em março de 1962, ao retornar da Europa, o desacreditado ex-presidente foi à televisão, em São Paulo, para explicar-se com o discurso "Razões da Renúncia". Mas precisava relançar-se e estancar o desgaste da sua imagem. Não podia, portanto, revelar que seu objetivo era retornar com mais poderes. Perdeu, então, o governo pela segunda vez, "esvaziando como um balão furado", disse o jornalista Carlos Castello Branco. Como na renúncia, não era ele que deveria se adaptar à realidade política, mas a realidade que tinha de ajustar-se ao seu caráter e aos seus desejos.
A história não respeita o sigilo.


Artigo de Jânio Quadros Neto, Folha de São Paulo, 25 de agosto de 2011.
25/08/2011
Jânio Quadros Neto: Meu avô pensava que iria voltar mais fortalecido
Hoje é o 50º aniversário da renúncia de meu avô à Presidência. Em 25 de agosto de 1991, ele me disse já no hospital: "A renúncia era para ter sido uma articulação, nunca imaginei que seria executada. Imaginei que voltaria ou permaneceria fortalecido".
Jânio Quadros Neto: A renúncia de Jânio, um enigma decifrável
Hoje é o quinquagésimo aniversário da renúncia do meu avô à Presidência; em vida, sempre fez mistério sobre os seus reais motivos
Há quem argumente que o mês de agosto é maldito na história política do Brasil: foi o mês que presenciou dois dos eventos mais traumáticos da história brasileira, o suicídio do presidente Getulio Vargas, no dia 24 de agosto de 1954, e a renúncia do presidente Jânio Quadros, no dia 25 de agosto de 1961.
Agosto de 2011 indiscutivelmente tem sido turbulento e difícil para a atual titular do Palácio do Planalto.
Hoje é o quinquagésimo aniversário da renúncia do meu avô ao cargo de presidente do Brasil. Em vida, sempre fez mistério sobre os reais motivos da renúncia que tanto chocou e marcou a nação.
Jânio tinha por natureza uma personalidade misteriosa, histriônica, surpreendente. Usou o episódio da renúncia entre aquele dia fatídico e sua morte para gerar mistério, especulação e polêmica. Quando questionado sobre as razões da renúncia, reagia com ironia ou agressividade intelectual.
Lembro-me de um almoço no Guarujá, no início da década de 80, em que, ao ser questionado sobre o que o levara a renunciar, meu avô respondeu: "Porque a comida no Palácio da Alvorada era uma porcaria, como é na sua casa". Depois disso, fiquei com receio, e só conversei com Jânio sobre isso no trigésimo aniversário da renúncia, no dia 25 de agosto de 1991.
Nesse dia, ele estava internado no Hospital Albert Einstein, já no final de sua vida (morreria menos de seis meses depois, no dia 16 de fevereiro de 1992). Mesmo muito enfermo, estava lúcido. No apartamento, a TV estava ligada, e o jornalista Carlos Chagas comentava a renúncia, analisando várias teorias.
Ao ouvi-lo, Jânio ficou bastante irritado e até xingou em reação ao que ouviu. Naquele momento, criei coragem e perguntei: "Então por que você renunciou?".
Jânio respondeu: "Aqueles que os deuses querem destruir, eles primeiro os fazem presidentes do Brasil. Quando assumi a Presidência, não sabia a verdadeira situação político-financeira do país. A renúncia era para ter sido uma articulação, nunca imaginei que ela seria de fato executada. Imaginei que voltaria ou permaneceria fortalecido. Foi o maior fracasso da história republicana do Brasil, o maior erro que cometi. Esperava um levantamento popular e que os militares e a elite não permitissem a posse do Jango, que era politicamente inaceitável para os setores mais influentes da nação na época".
Lembro-me de outra afirmação marcante: "A coisa mais difícil de se fazer quando você está no poder é manter a noção da realidade. Ser presidente é a suprema ironia, por ser um todo-poderoso e um escravo ao mesmo tempo".
Embora vá ser sempre lembrado pela renúncia e pelas consequências disso, a história não pode ignorar ou esquecer seus atributos.
Jânio foi um professor e advogado da classe média que passou a vereador, deputado estadual, prefeito de São Paulo, governador de São Paulo, deputado federal, chegando à Presidência em apenas 12 anos.
Vale lembrar que, 24 anos depois da renúncia, Jânio elegeu-se prefeito de São Paulo pela segunda vez, derrotando um futuro presidente.
Sou suspeito, mas as administrações de Jânio foram marcadas por resultados positivos muito claros.
Dizem que a história se repete. O mês de agosto tem sido difícil para a atual presidenta, e a classe política tem sido terrível com ela. Conheço Dilma e atrevo-me a afirmar que ela é uma criatura rara na selva que é Brasília. Desejo o sucesso da presidenta e do Brasil. Creio que isso é um dever de todo cidadão.
Churchill disse uma vez que a política é bem mais perigosa do que a guerra. Isso porque na guerra você só pode morrer uma vez. Creio que o genial estadista tinha razão.

JÂNIO QUADROS NETO, economista e mestre em economia, é neto de Jânio Quadros (1917-1992), que renunciou à Presidência em 25 de agosto de 1961, e coautor do livro "Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil"

Há 50 anos, a renúncia de um Presidente da República marcou a história política do país (Portal Câmara dos Deputados)


Sobre a derrota de Jânio nas eleições de 1962, para governador do Estado de São Paulo, veja a matéria...


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