A polÃtica do salário mÃnimo no Brasil passou por profundas modificações, seja em seu objetivo, seja em seus resultados, desde sua introdução pelo presidente Getúlio Vargas, em 1940, durante o regime autoritário do Estado Novo (1937–1945). Sua história, contudo, registra quatro fases distintas.
Na foto, Getúlio Vargas assina lei do salário mÃnimo
Por Márcio Pochmann*
Fonte: Revista Fórum (edição impressa da Fórum 86, 2011).
A primeira, entre 1940 e 1951, abrange a instituição e consolidação do valor do mÃnimo para os trabalhadores urbanos desde a fixação, em 10 de maio de 1940, do primeiro valor monetário. A segunda fase, entre 1952 e 1964, foi marcada pela elevação do poder de compra, como a incorporação de parte dos ganhos de produtividade da economia, ainda sem incluir os trabalhadores do setor rural. Nesse perÃodo havia 29 nÃveis de salário mÃnimo no paÃs.
A terceira fase diz respeito aos anos de 1964 a 1995, quando a polÃtica do mÃnimo afastou-se e permaneceu distante dos objetivos originalmente definidos em 1940, embora tenha se mantido como um importante mecanismo de intervenção do poder público no mercado de trabalho. Os camponeses e as empregadas domésticas foram incorporados pela polÃtica do salário mÃnimo durante a fase de rebaixamento do seu valor real, apesar de a Constituição Federal de 1988 ter estabelecido compromissos polÃticos com a recuperação do seu poder de compra. A quarta fase inicia-se a partir de 1995, com o valor real do salário mÃnimo sendo elevado gradualmente acima da inflação. No ano de 2009, por exemplo, seu poder aquisitivo, foi 74,1% superior ao de 1995, porém se manteve valendo apenas 43,7% do que era em 1940.
Mesmo ainda distante de seus objetivos originais, o mÃnimo nacional, por ser a remuneração de ingresso no mercado de trabalho organizado e a base da hierarquia salarial de grande parte das empresas, se mantém como referência dos salários dos empregos secundários (não-chefes de famÃlia, mulheres e jovens), de empregos com alguma qualificação no inÃcio da carreira e, sobretudo, de trabalhadores (chefes de famÃlia) sem qualificação. No ano de 2008, por exemplo, 46,1 milhões de brasileiros tinham remuneração mensal referenciadas no valor do salário mÃnimo, o que representa 49,9% da população trabalhadora. Desse universo, 18,5 milhões eram beneficiados da Previdência Social, 14 milhões eram empregados assalariados, 8,5 milhões eram ocupados por conta própria, 4,7 milhões eram trabalhadores domésticos e 276 eram empregadores.
O setor público emprega somente 1% do total dos brasileiros com remuneração referenciada no valor do salário mÃnimo, o que equivale somente a cerca de 485 mil pessoas, sendo 6,2 mil na administração federal, 120,7 mil na administração estadual e 357,4 mil na administração municipal. Entre os que recebem o valor do mÃnimo nacional, 52% são homens e 48% são mulheres, enquanto 71% vivem nas cidades e 29% no meio rural. O setor de serviços absorve 44,2% dos ocupados com remuneração de até um salário mÃnimo, seguidos de 29% no setor agrÃcola, de 13,4% na indústria e de 10,6% no comércio. A região Nordeste concentra a maior parcela dos ocupados recebendo o salário mÃnimo nacional (58,6%), enquanto a região Sul apresenta a menor parcela (20,7%), seguida do Sudeste (22,5%), Centro Oeste (28,1%) e Norte (39,7%).
Decorrente do movimento de queda no valor do salário mÃnimo, o Brasil se transformou, ao contrário de outras economias que avançaram no seu processo de industrialização, num paÃs de baixos salários. A permanência de um imenso contingente de trabalhadores ganhando tão pouco não pode ser atribuÃda ao fator econômico, já que entre 1940 e 2009 a renda per capita multiplicou-se por 6,5 vezes, enquanto o valor do mÃnimo não chega nem à metade do que era no momento de sua criação.
Se a atual Constituição Federal fosse observada, o valor do salário mÃnimo deveria ser capaz de atender à s necessidades do trabalhador e de sua famÃlia com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que preservem seu poder aquisitivo. Não há dúvidas, porém, de que tais normas ainda não são cumpridas. O mÃnimo é suficiente para atender ao consumo de 13 alimentos básicos para uma pessoa, mas não para a alimentação de uma famÃlia e para as demais despesas que a Constituição define. Em São Paulo, por exemplo, o valor do salário mÃnimo comprava duas cestas básicas com 13 alimentos, enquanto em 1995 podia adquirir somente uma. Apesar deste avanço em relação à cesta básica, percebe-se que o salário mÃnimo necessário para atender todas as necessidades básicas, para além da alimentação individual, alcançou a soma de R$1.995,91 em dezembro de 2009. Ou seja, 4,3 vezes o salário mÃnimo vigente naquele mês. Como o Brasil pagou salário mÃnimo com maior valor, mesmo tendo a economia nacional capacidade de produzir e empregar mão-de-obra bem menor que a atual, entende-se que a polÃtica de recuperação do valor real do mÃnimo não pode parar. Se o Brasil almeja ser um paÃs desenvolvido precisa considerar o crescimento contÃnuo do salário mÃnimo, conforme se observa na Dinamarca, cujo mÃnimo anual equivale a mais de 2/3 da renda nacional per capita.
Por ter como objetivo contrabalançar as tendências inerentes ao funcionamento do mercado de trabalho de gerar salários decrescentes e emprego precário, o que acentua a desigualdade da renda, a atual polÃtica de salário mÃnimo precisa ser mantida. Seguindo a tendência verificada desde 2007, quando foi criada a polÃtica de reajuste real do mÃnimo, serão necessários 27 anos para que o atual valor do salário mÃnimo passe a cumprir o preceito constitucional, ou 15 anos se a meta for o poder aquisitivo do primeiro valor do salário mÃnimo de 40 anos atrás.
*Márcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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