A cientista política Marta Arretche fala sobre avaliação de políticas públicas no Brasil, seus avanços e desafios.
Fonte: Com Ciencia, revista eletrônica de jornalismo científico, publicada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC).
Para Arretche, as pesquisas empíricas permitem superar as interpretações baseadas num reduzido conhecimento efetivo e. essas pesquisas podem auxiliar aos que operam a máquina pública. As pesquisas que Arretche e outros pesquisadores da área vêm desenvolvendo também podem fornecer base de informação para a gestão do Estado. Atualmente, a pesquisadora se dedica à pesquisa e ensino na Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), campus de Araraquara.
Para Arretche, as pesquisas empíricas permitem superar as interpretações baseadas num reduzido conhecimento efetivo e. essas pesquisas podem auxiliar aos que operam a máquina pública. As pesquisas que Arretche e outros pesquisadores da área vêm desenvolvendo também podem fornecer base de informação para a gestão do Estado. Atualmente, a pesquisadora se dedica à pesquisa e ensino na Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), campus de Araraquara.
ComCiência - É possível "medir" a eficiência das políticas públicas adotadas no Brasil? A senhora poderia explicar como isso é feito e salientar as principais etapas? Quais fontes de dados podem ser consideradas seguras para a avaliação das políticas adotadas no Brasil?
Marta Arretche - É preciso, em primeiro lugar, saber o que se entende por "medir" a eficiência de uma política. Na linguagem de avaliação de políticas, convencionou-se dizer que a eficiência de uma política está associada à relação entre o esforço para implementá-la e os resultados alcançados. Há técnicas estatísticas de avaliação de eficiência que permitem estimar esta relação, sim. É claro que são sempre aproximações e estimativas que dependem em grande parte da confiabilidade das informações e dados com os quais se conta. A confiabilidade e disponibilidade dos dados, por sua vez, varia muito em função da política pública em questão. Nas áreas de saúde e educação, por exemplo, nós temos muito mais informação disponível do que possibilidade de analisá-la. Em outras áreas, há uma grande deficiência de informações, o que obriga o investigador a trabalhar com dados aproximativos. Não é possível listar uma fonte ou fontes seguras de dados. A utilidade dos dados disponíveis depende muito da política e do problema em questão. Mas é certo que no Brasil avançamos muitíssimo nos últimos anos no que diz respeito à quantidade, qualidade e confiabilidade dos dados disponíveis para pesquisas de avaliação.
ComCiência - Qual a importância social e econômica de se conhecer os resultados das políticas públicas adotadas no Brasil?
Arretche - Há uma importância política fundamental, que é de ordem democrática. Ao implementar políticas públicas, o governo gasta dinheiro que não é seu, mas do contribuinte. Assim, a avaliação de políticas públicas é a forma pela qual o governo pode prestar contas à sociedade pelo uso de recursos que são públicos. Do ponto de vista do cidadão, a avaliação permite o controle social sobre o uso de recursos que são, em última instância, da sociedade. Em segundo lugar, o emprego mais eficiente de recursos públicos implica, na prática, a maximização de recursos, na medida em que tem como conseqüência, que um maior número de beneficiários pode ser atingido com um mesmo volume de recursos. Somente avaliações tecnicamente bem feitas podem responder com segurança a questões desta natureza.
ComCiência - As avaliações que vêm sendo feitas atualmente no Brasil são eficientes? Como estão as pesquisas acadêmicas sobre a avaliação de políticas públicas no Brasil? Como os resultados dessas pesquisas podem otimizar as avaliações?
Arretche - É impossível falar "das avaliações" em geral, como que se elas fossem um conjunto homogêneo. Há boas e más avaliações, assim como há avaliações objetivas e avaliações inteiramente tendenciosas. No Brasil, há um interesse crescente nessa área de investigação e há excelentes equipes tanto no meio acadêmico como em institutos independentes de pesquisa, assim como em órgãos do governo. Têm se multiplicado as equipes de avaliação, assim como os seminários, encontros e cursos nessa área. As avaliações sobre os resultados das políticas aplicadas indicam que há uma relação positiva entre a credibilidade da fonte e a aceitação da avaliação. Também a utilidade das avaliações depende em grande parte da percepção sobre quem as realiza e da influência do receptor interno ao órgão governamental que está sendo avaliado. Por fim, considera-se que a forma pela qual a informação sobre a avaliação é compartilhada entre os vários atores interessados é de fundamental importância para a influência que os resultados da avaliação possam vir a exercer. Em tese, uma avaliação é considerada boa quando é útil (isto é, refere-se a uma política de relevância), é oportuna (isto é, é realizada em tempo hábil); é ética (isto é, foi realizada com critérios e medidas justos e apropriados) e é precisa (isto é, empregou procedimentos adequados).
ComCiência - A importância dada nos países do primeiro mundo para a avaliação das políticas públicas adotadas é maior que nos países do terceiro mundo? Por quê?
Arretche - Penso que a diferença mais importante diz respeito à longevidade dos regimes democráticos, isto é, a tradição de avaliação diz menos respeito ao nível de riqueza de um país e, mais à necessidade de prestar contas à sociedade. Penso que a competição política e o controle dos eleitores sobre o desempenho dos governos tende a estimular pesquisas de avaliações das políticas públicas. No Brasil, nós tivemos essa experiência. O interesse pelos estudos de avaliação de políticas cresceu tremendamente com a democratização e a competição eleitoral.
ComCiência - Quais os principais atores envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas no Brasil? Qual o papel e contribuição desses atores para melhorar a eficiência dessas políticas no país e como a participação popular direta na avaliação pode contribuir para melhorar o planejamento dessas políticas?
Arretche - Os atores envolvidos na formulação e implementação de políticas variam enormemente de acordo com a política em questão. Há políticas que envolvem um número reduzido de atores, ao passo que outras, como é o caso da política de saúde, por exemplo, envolve os três níveis de governo, organismos internacionais, provedores privados de serviços, a indústria farmacêutica e hospitalar, assim como seguradoras privadas. Somente a análise de cada política particular pode listar os atores envolvidos, seus papéis e sua importância para a avaliação. Em algumas políticas, a participação popular tem se revelado de enorme importância. Essa participação pode ocorrer sob diversas formas, desde o preenchimento de questionários de consulta sobre o grau de satisfação da população com o serviço recebido até a organização de grupos permanentes de avaliação do desempenho de uma dada política.
ComCiência - Como as diferenças regionais entre os estados brasileiros são consideradas nas avaliações nacionais das políticas públicas?
Arretche - Há uma tradição no Brasil de considerar as diversidades regionais na avaliação de políticas. Isto se deve às enormes disparidades que caracterizam as regiões brasileiras. Entretanto, os estudos mais recentes têm revelado que o recorte regional "esconde" desigualdades no interior das regiões e a agregação analítica por regiões pode comprometer a análise. Outros estudos, ainda, têm revelado que as políticas e ações empreendidas pelos governos locais, dada sua autonomia federativa pós-88, têm se revelado muito importantes. Há governos locais em regiões muito pobres que têm revelado um desempenho superior ao de governos locais em regiões mais ricas.
ComCiência - Pensando no contexto político-econômico dos últimos 10 anos, qual o perfil que as políticas públicas brasileiras vêm adquirindo? Quais são as perspectivas para o futuro?
Arretche- É muito difícil falar das políticas públicas em geral. Em termos muito gerais, podemos dizer que há fortes tendências no Brasil em direção à descentralização, à participação do cidadão sob a forma de conselhos os mais diversos, à introdução de mecanismos de parceria com o setor privado, à privatização, à introdução de mecanismos regulatórios estatais e assim por diante. Mas isso é ainda muito genérico, pois varia de acordo com o tipo de política. É mais difícil ainda falar de perspectivas para o futuro. As tendências acima mencionadas não são tendências universais, mas opções de governo. Isso quer dizer que a alternância de governos, que é própria às regras do jogo democrático, pode implicar uma reversão dessas tendências num futuro próximo.
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