14 setembro 2010
No Planalto, com a imprensa
Preservar a memória
André Singer, Observatório da Imprensa, 31/8/2010
Apresentação de No Planalto, com a Imprensa - Entrevistas de secretários de Imprensa e porta-vozes: de JK a Lula (2 vol.), de André Singer, Mário Hélio Gomes, Carlos Villanova, Jorge Duarte (orgs.), 412 pp., Fundação Joaquim Nabuco-Editora Massangana e Secretaria de Imprensa da Presidência da República, Recife e Brasília, 2010.
Este livro nasceu com o objetivo de preservar o que se poderia chamar de memória institucional. Em 2005, no curso de uma reformulação da então Secretaria de Imprensa e Porta-Voz (SIP) da Presidência da República, os organizadores da presente coletânea entenderam oportuno registrar e divulgar os antecedentes históricos do órgão. Decidiu-se procurar os antigos titulares e pedir que concedessem entrevistas sobre a sua passagem pelo governo. Passados cinco anos daquela ocasião, novas mudanças já ocorreram, porém as lembranças suscitadas por aquela iniciativa permanecem como documento que, acreditamos seja de interesse público, tanto pelo que contribui para o conhecimento da imprensa no Brasil quanto pelo que revela sobre a política do país.
Por coincidência, estes volumes vêm à luz praticamente meio século depois de nomeado, informalmente, o primeiro secretário de Imprensa da Presidência. Não temos conhecimento da data precisa em que o escritor Autran Dourado, o decano dos secretários, foi designado por Juscelino Kubitschek para ocupar a função de secretário de Imprensa. As pesquisas que fizemos, contudo, apontam para o provável ano de 1958. Antes disso, o contato do presidente da República com o Gabinete de Imprensa da Presidência dava-se por outros meios (ver o ensaio de Jorge Duarte, "Gabinetes de Imprensa da Presidência: da Proclamação às vésperas do golpe"). Só em 1963, quando Raul Ryff era o titular do cargo, um decreto de João Goulart deu vigência legal à secretaria. Poucos meses depois, Jango e seu secretário eram exilados pela ditadura estabelecida em abril de 1964.
Embora o regime militar tenha representado uma longa e dolorosa supressão das liberdades democráticas, só plenamente restabelecidas 25 anos depois, decidiu-se pela inclusão, sem omissões, de todo o período 1964-1989, em respeito ao propósito de resgatar, do modo mais completo possível, a memória da constituição da Secretaria de Imprensa e das atividades do porta-voz da Presidência da República.
Fala original
Apenas o general José Maria de Toledo Camargo, que esteve no comando da área entre 1977 e 1978 (governo Ernesto Geisel), e a jornalista Ana Tavares de Miranda, que chefiou a Secretaria de Imprensa entre 1995 e 2002 (governo Fernando Henrique Cardoso), declinaram do convite para conceder entrevistas e, por isso, não constam das páginas que se seguem. Também não estão no livro entrevistas de Raul Ryff, Danton Pinheiro Jobim, Heitor Herberto Sales, Heráclio Assis de Salles, José Wamberto Pinheiro, Oséas Martins, Rubem Carlos Ludwig e Carlos Castello Branco, nomes da história da secretaria de Imprensa, mas já falecidos quando do início do projeto.
O diplomata Carlos Villanova, que coordenou o trabalho de pesquisa para selecionar os que seriam convidados a participar do livro, buscou incluir todos os que exerceram a função de secretário de Imprensa e/ou porta-voz da Presidência da República, de 1958 a 2005, ainda que o exercício tenha ocorrido por pouco tempo e que o título formal tenha sido outro. Eventuais lapsos ou dúvidas sobre a natureza das funções exercidas terão sido resultado da própria natureza, por vezes atribulada, da história da instituição que se deseja retratar e não de qualquer intenção dos organizadores.
O jornalista Jorge Duarte realizou as entrevistas em junho e agosto de 2005, com total independência e autonomia. Optou por ser, ao mesmo tempo, abrangente e flexível, de modo a funcionar, sobretudo, como um facilitador do relato que o entrevistado quisesse fazer sobre o período que lhe coube viver na Presidência da República. Firmou-se um acordo segundo o qual nenhum dos textos seria publicado sem a aprovação expressa do respectivo entrevistado, a quem cabe, assim, a responsabilidade pelas opiniões, informações e interpretações emitidas. Cada depoimento foi submetido ao entrevistado em dois momentos, sendo o último uma proposta de versão final, mas o entrevistado teve liberdade para alterar e complementar suas respostas. As entrevistas, algumas das quais se estenderam por muitas horas, foram realizadas na residência ou no local de trabalho do antigo secretário e/ou porta-voz. Algumas fugiram a esse padrão, como a de Francisco Baker e Alexandre Parola, tomadas por telefone, respectivamente de Washington (EUA) e Genebra (Suíça), onde ambos então residiam. Carlos Fehlberg preferiu responder por escrito.
Além dos ex-secretários e ex-porta-vozes, Jorge Duarte realizou, entre outras, entrevistas complementares com Augusto Marzagão, que lidou com aspectos da comunicação nos governos de Jânio Quadros (1961), José Sarney (1985-1990) e Itamar Franco (1992-1995), com José Aparecido de Oliveira, que foi secretário particular de Jânio Quadros, com Getúlio Bittencourt e com Sônia Carneiro, jornalista que cobriu as atividades da Presidência da República por muitos anos e em diversos períodos. A lista completa das entrevistas e depoimentos que Jorge Duarte colheu está no final do seu ensaio "Gabinetes de Imprensa da Presidência: Da Proclamação às vésperas do golpe".
O editor Mário Hélio Gomes preparou as centenas de notas de contextualização histórica, com o objetivo de ajudar o leitor a seguir o fio dos acontecimentos. É possível que alguns dos fatos ou interpretações que aparecem em uma entrevista não sejam corroborados por descrições de outra; no entanto, optou-se por não tentar uma checagem das versões, o que não seria compatível com a proposta original. Ficará a cargo de pesquisas futuras dar conta das possíveis contradições. Na edição das entrevistas, buscou-se sempre preservar a fala original do entrevistado, assumindo-se que se trata de conteúdo memorialístico, sujeito a falhas e lacunas.
Personagens decisivos
Quando o trabalho já ia adiantado, o experiente fotógrafo Orlando Brito aceitou realizar a edição das imagens que ilustram os dois volumes. A ele, e aos demais colegas que dedicaram tempo e trabalho para que este projeto fosse concluído, se deve o resultado que agora chega às mãos do leitor.
Ao decidirmos organizar a obra estávamos conscientes das limitações. Sem a pretensão de ter realizado um trabalho de história, procurou-se, contudo, reunir o máximo de informações cabíveis em um livro de memórias.
Em um ou outro momento do percurso, muitos foram os que deram apoio para que este livro pudesse existir. O ministro Franklin Martins; o ex-ministro Fernando Lyra, presidente da Fundação Joaquim Nabuco; o ex-subsecretário de Comunicação Institucional do Governo, Tadeu Rigo; a diretora do Departamento de Fotografia de O Estado de S.Paulo, Mônica Maia; os fotógrafos Getúlio Gurgel, Hélio Campos Mello e Ricardo Stuckert, além de instituições como a EBC e o Arquivo Nacional; as jornalistas da Secretaria de Imprensa e Porta-Voz (SIP) Ana Lúcia Façanha Morelli, Ana Maria Carneiro de Mattos, Érika Guilhermino Reis da Motta, Frances Mary Coelho da Silva e Márcia Barreto Ornelas; as secretárias da SIP Cleo Borges,
Icleia Velloso, Maria Aparecida de Rezende, Mariângela Rabello, Neide Cunha e Keila Evangelista foram alguns dos personagens decisivos no caminho que resultou nestes volumes. Em nome dos organizadores, quero deixar expresso que esta obra não teria acontecido sem o aporte de cada um deles, e de muitos outros que não é possível citar aqui, que deram sua quota de esforço para que uma parte da memória brasileira fosse preservada. [São Paulo, março de 2010]
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Revelações à sombra do Poder
Depoimentos de 24 porta-vozes do Palácio do Planalto, dos governos Kubitschek a Lula, expõem as glórias e mazelas do cargo e dos seus presidentes.
Paulo Sérgio Scarpa, Jornal do Commercio (Recife), 6 de setembro de 2010.
“Preservar a memória política de uma Nação só é possível em um momento de liberdade”, sentenciou o jornalista e editor Mário Hélio Gomes, responsável pela coordenação de dois volumes que têm tudo para provocar cientistas políticos e fazer com que historiadores e brazilianistas revejam passagens da história recente do Brasil.
No Planalto, com a imprensa será lançado na próximo dia 14, às 18h30, no Palácio do Planalto, em Brasília, com as presenças do presidente Lula e do presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), ex-ministro Fernando Lyra, já que a obra foi composta e editada pela Massangana, no Recife.
Os dois volumes trazem entrevistas inéditas com 24 porta-vozes de governos, entre Juscelino Kubitschek e Luiz Inácio Lula da Silva, que analisam os presidentes para os quais trabalharam, revelam fatos desconhecidos e tecem comentários pessoais sobre o que fizeram e deixaram de fazer. Há momentos de descontração e tensão.O livro é dividido em dois momentos: no 1º volume, além do governo JK, entrevistas com os assessores dos governos militares, no 2º, os da redemocratização.
“Nos dois volumes, porém, há algo em comum: todos defendem seus chefes e falam com orgulho do tempo em que estiveram com eles”, contou Mário Hélio. Como Carlos Chagas emocionado ao lembrar de Costa e Silva, Humberto Barreto garantindo que Geisel era democrata e Sérgio Amaral dizendo que FHC nunca teve problemas com a mídia.Com 988 páginas, fotos editadas por Orlando Britto, que fotografou praticamente todos os presidentes desde a ditadura militar, a obra foi organizada por André Singer, Mário Hélio, Carlos Villanova e Jorge Duarte.
Coube a Mário Hélio, ainda, a redação e a checagem dos fatos que renderam 649 notas de rodapé (que merecem uma segunda leitura à parte) para deixar as entrevistas mais acessíveis.
O projeto No Planalto, com a imprensa nasceu em 2006 e foram necessários três meses para o jornalista Jorge Duarte encerrar as entrevistas com os porta-vozes. Alguns já tinham morrido e apenas dois não colaboraram: o agora general José Maria Toledo Camargo (presidente Figueiredo), que justificou já ter escrito tudo no livro A espada verde, e a jornalista Ana Tavares de Miranda (FHC), que não se considera notícia.
O Poder tem as suas sutilezas Entrevista: Mário Hélio
Jornal do Commercio - Recife
O livro No Planalto, com a imprensa, afirma Mário Hélio nesta entrevista a Paulo Sérgio Scarpa, faz parte de um projeto muito especial: O País refletindo sobre a questão da memória política. A Casa Branca (EUA) tem essa tradição, mas a nossa é autoritária. E a lição que fica é a compreensão de que a história política não passa apenas pelos bastidores, mas pelas sutilezas do Poder.
Jornal do Commercio - Por que o livro?
MÁRIO HÉLIO Nasceu como iniciativa do Palácio do Planalto a partir de André Singer, então porta-voz do presidente Lula, e do diplomata Carlos Villanova, recém chegado de Washington, numa conversa sobre a reestruturação da Secretaria de Imprensa. Eles ficaram surpresos que as informações não estavam padronizadas e perceberam que havia uma memória a escrever e uma história a descobrir sobre como o Palácio do Planalto lidava com a imprensa.
JC - E o que descobriram?
Mário Hélio - Fatos e histórias que precisariam estar em um livro. E estabeleceram uma lista para fazer as entrevistas com os antigos titulares da imprensa do Planalto.
JC - Por que a Fundação Joaquim Nabuco?Mário Hélio - Em 2005, houve o Ano do Brasil na França, quando a Massangana fez um livro, em curto tempo, chamado Diálogos do Brasil na França. Na época, era fazer as entrevistas e lançar logo o livro. Como aquele livro repercutiu muito e foi muito bom para a imagem da Massangana junto ao governo Federal, isso chegou até o Palácio do Planalto, que sugeriu que se fizesse a obra em parceria com a Fundaj. O livro nasceu da necessidade de reestruturação da Secretaria da Imprensa, da necessidade de localizar a memória institucional e podendo a Fundaj prestar esse serviço.
JC - As fotos, por si só, contam os fatos, não é?
Mário Hélio - Quero destacar as fotos de Orlando Britto, o melhor fotógrafo de política no Brasil, e que cedeu gratuitamente as fotos para o projeto e o tempo todo atuou comigo, esclarecendo fatos e ajudando para que as fotos contassem a história. As imagens não apenas ilustram um texto, elas ajudam a compreender melhor os fatos. O Orlando foi uma dos primeiros moradores de Brasília, cobriu o Planalto desde o governo Castello Branco.
JC - Como está estruturado?
Mário Hélio - À exceção de Autran Dourado, que foi assessor de JK, todos os demais porta-vozes que estão no primeiro volume são da ditadura militar. No segundo, os da fase democrática. Lendo as entrevistas, no período militar, percebe-se que todos os porta-vozes têm admiração pelos seus chefes, definem eles de forma admirável e dizem que foram democratas. E todas as entrevistas evidenciam, desde JK, as dificuldades de relacionamento entre o Palácio do Planalto e a imprensa, à exceção de Sérgio Amaral que diz que o governo FHC não teve atritos com a imprensa. Para os demais, todos tiveram sérios problemas com a mídia, entre eles JK, símbolo da democracia, mas que, na lembrança de Autran Dourado, ficava pouco à vontade com a imprensa. E a fotos refletem esses momentos.
JC - Que reação tiveram os assessores da democratização em relação a seus chefes?
Mário Hélio - A mesma, todos falam com muita admiração. Isso mostra que a lógica da imprensa dentro do Poder é a mesma, não existe nenhum porta-voz especialmente crítico com um presidente. Há um caso, ao narrar a crise no governo Collor, depois de uma defesa apaixonada do presidente feita por Cláudio Humberto, o livro tem a entrevista do Pedro Luiz Rodrigues criticando o Collor, sobretudo na crise que o levou a sair do governo. Mas no final ele se reconcilia com Collor. Na entrevista do Etevaldo Dias, ele narra a melancolia de Collor no poder, a crise, a derrocada e a queda.
JC - Qual a entrevista que mais chama a atenção?
Mário Hélio - A de Carlos Átila, que ao ler pensei que ele tivesse escrito de tão lógica, mas depois fiquei sabendo ter sido de improviso. Ela ocupa o tamanho de um pequeno livro, entre as páginas 277 e 378, nas quais enfatiza Figueiredo como um democrata convicto. A de Alexandre Garcia é uma das mais espirituosas.
JC - É um livro chapa-branca?
Mário Hélio - O livro é histórico. Foi feito com o Palácio do Planalto, que teve todo o cuidado com ele, mas que não fez orientação contrária, apesar da entrevista do Cláudio Humberto conter críticas duríssimas ao governo Lula. E elas estão no livro. O ministro Franklin Martins não aparece porque, quando assumiu, o livro já estava encaminhado.
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Porta-vozes dos presidentes contam bastidores do Planalto
Carlos Eduardo Lins da Silva, Folha de São Paulo, 10/09/2010.
Um dos problemas da produção acadêmica sobre jornalismo no Brasil tem sido a raridade de trabalhos dedicados a documentar fatos. Gastam-se muito mais tempo e energia em teses abstratas do que no exame da realidade. O que, inevitavelmente leva a estudos frágeis e pouco úteis.
É louvável que, na contramão dessa tendência, André Singer, jornalista com sólida vida acadêmica paralela, o editor Mário Hélio Gomes, o diplomata Carlos Villanova e o jornalista Jorge Duarte tenham produzido o livro ontem lançado com o título "No Planalto, com a Imprensa", que transcreve entrevistas feitas com praticamente todos os ocupantes da função de secretários de imprensa e porta-vozes da Presidência da República desde Juscelino Kubitschek até Luiz Inácio Lula da Silva.
Essas funções são vitais em qualquer democracia, ainda mais nas que, como a brasileira, o Poder Executivo é tão relevante. Para o jornalismo, também são fundamentais, já que muita informação e desinformação essenciais para o público de lá procedem. A relação entre ocupantes desses cargos e colegas "do outro lado do balcão" são sempre complexas e ricas.
No entanto, pouco se sabe sobre elas e o seu exercício no país. A falta de documentação é tamanha, que André Singer relata na apresentação que "não se tem conhecimento da data precisa em que o escritor Autran Dourado, o decano dos secretários, foi designado por JK". As pesquisas feitas pelos autores apontam para o provável ano de 1958.
Nos EUA, qualquer estudante de jornalismo aprende que o primeiro secretário de imprensa formalmente designado pela Casa Branca foi George Edward Akerson, pelo presidente Herbert Hoover, em 1929. E não faltam naquele país bons livros ou de memórias de ex-secretários ou de história (como "All the Presidents' Spokesmen", de Woody Klein, de 2008) ou mesmo de teoria jornalística (como "Spin Cycle", de Howard Kurtz, sobre a atividade da secretaria de imprensa do presidente Bill Clinton, de 1998).
André Singer deixa muito claro logo no início que ele e os outros organizadores estavam conscientes das limitações de sua obra: "Sem a pretensão de ter realizado um trabalho de história, procurou-se, contudo, reunir o máximo de informações cabíveis em um livro de memórias".
Nesse sentido, ela é bastante valiosa. São 24 depoimentos importantes dos 26 ocupantes desses cargos em meio século de República (dois preferiram não ser entrevistados: José Maria de Toledo Camargo, do governo Geisel, e Ana Tavares de Miranda, do governo FHC).
As entrevistas dão ampla liberdade ao depoente para se expressar. Momentos fundamentais da vida nacional são revividos com interesse e quase sempre muita verve. Os relatos não foram factualmente checados, e não seria o caso, o que pode dar margem a contradições e controvérsias. Mas os organizadores tiveram o cuidado de acrescentar centenas de notas para contextualizar as falas, didáticas mas perturbadoras da leitura.
E deixaram um material precioso para os pesquisadores que quiserem se aprofundar no tema.
NO PLANALTO, COM A IMPRENSAORGANIZADORES André Singer, Mário Hélio Gomes, Carlos Villanova e Jorge Duarte.
Editora Editora Massangana (Fundação Joaquim Nabuco) e Secretaria de Imprensa da Presidência da República
R$ 150,00 (990 págs.)
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Livro reúne entrevistas com porta-vozes dos presidentes de JK a Lula.
A defesa unânime das posturas adotadas pelos chefes chama a atenção na obra, que será lançada na próxima terça-feira
Denise Rothenburg, Correio Braziliense, 09/09/2010.
O estresse entre governo e imprensa sempre existiu. E todos os governos reclamam tanto quanto o atual. Essa é a principal conclusão que se tira do trabalho de quase mil páginas, produzido pela Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco, que acabou se transformando no livro No Planalto com a imprensa — entrevistas de secretários de imprensa e porta-vozes de JK a Lula, distribuídas em dois volumes. A primeira edição, de 1.250 exemplares, será lançada oficialmente na próxima terça-feira, no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Lula, um momento de trégua nesse período de eleições, sempre tenso entre governo e mídia. O projeto das entrevistas com os porta-vozes começou em 2006, quando o então porta-voz, André Singer, empenhado em reformular a estrutura de comunicação da Presidência, detectou a ausência de uma memória sobre esse setor considerado estratégico pelo governo. O trabalho bruto, mais de 4 mil páginas, terminou condensado em 987 páginas escritas e organizadas a quatro mãos — o próprio Singer, o diplomata Carlos Villanova, os jornalistas Mário Hélio Gomes, editor, e Jorge Duarte, autor de grande parte das entrevistas, todas feitas entre junho e agosto daquele ano. Duarte foi responsável ainda pelo breve histórico sobre a Secretaria de Imprensa desde a Proclamação da República.
A pesquisa dos autores chegou a 32 pessoas que ocuparam a secretaria de imprensa e/ou o cargo de porta-voz da Presidência, de JK até 2005. Oito já faleceram. Dos 26 que guardam a memória dos respectivos cargos, só dois não aceitaram o convite para entrevistas — o general José Maria de Toledo Camargo, que chefiou o setor em parte do governo Ernesto Geisel, em 1977 e 1978; e a jornalista Ana Tavares. Ela foi secretária de imprensa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nos oito anos de governo e ocupou o cargo com discrição. Um dado chama a atenção: “Todos os entrevistados defendem seus presidentes”, diz Villanova. Talvez o único que faça uma ressalva seja o diplomata Pedro Luís Rodrigues, porta-voz do presidente Fernando Collor, quando o governo começou a atravessar a crise que desaguou no impeachment e deixou o cargo depois de uma dura discussão, relatada no livro (leia trecho abaixo). Além dos porta-vozes e secretários, foram ouvidas outras 20 pessoas para compor um quadro do período anterior a JK, no qual os próprios autores fazem uma ressalva de que o livro não pretende ser um documento definitivo sobre o tema, mas uma forma de registrar um breve histórico da imprensa oficial. A seguir, alguns trechos das entrevistas.
Trechos
"Nas primeiras semanas, enfrentei um problema inesperado. O jornalista indicado pelo Jornal do Brasil, Abdias Silva, que conhecida desde Porto Alegre, teve sua credencial impugnada pela Segurança. Achei descabido o fato. Mesmo para os critérios do governo, não havia problema algum em matéria de segurança. A situação era não só desagradável como equivocada. Insisti e fui informado de que a restrição decorria do fato de ser amigo de Leonal Brizola…"
Carlos Fehlberg, secretário de imprensa do presidente Emiílio Garrastazu Médici
"O Riocentro foi realmente uma fratura no governo. Um divisor de águas. (…) Minha interpretação hoje é a seguinte: o Figueiredo não se sentia suficientemente seguro para interferir cirurgicamente no complexo militar que o tinha apoiado na eleição. Havia conflitos internos. O comportamento dele nos dias seguintes, 2,3, 4 de maio, foi de extrema irritação. Eu o vi quase apoplético (…) Num daqueles dias, ainda próximo ao fato, entrei no gabinete dele minutos antes das 18 horas, ele estava pronto para deixar descer para a garagem, e o encontrei sozinho na sala, andando para lá e para cá, falando aos gritos. Tinha acabado de realizar uma reunião com os ministros da casa".
Carlos Átila, porta-voz do presidente Figueiredo,
"Foi um momento muito solitário, muito emocionante, de vencer a barreira psicológica de admitir a morte e começar a trabalhar profissionalmente com ela. Comecei a escrever a nota que leria se o doutor Tancredo falecesse. Aquela nota ficou no bolso interno do paletó uns oito dias (…) A vida andou, terminou aquilo, e eu nunca tinha visto e nunca quis ver o anúncio da morte. Há dois ou três anos, estava assistindo ao filme do Cazuza, e quando vejo estou anunciando a morte"
Antonio Britto, porta-voz do presidente eleito Tancredo Neves
"Havia má vontade e preconceito. Era uma espécie de frustração porque, durante 20 anos, aquelas pessoas comateram o regime de exceção e não se conformavam com o fato de um homem, que diziam Ter sido esteio da ditadura, ser o primeiro presidente da República da abertura. Além do mais acredito que havia também o preconceito de ser do Nordeste. (…) "
Fernando Cesar Mesquita, primeiro secretário de imprensa e divulgação do governo José Sarney
"Quando embarcamos, manifestantes balançavam o ônibus, jogavam pedras. Foi meio assustador pra queme estava dentro. O presidente Sarney, sentado na primeira cadeira, deopis da porta. Ao lado, o Moreira Franco. Bayma Dennis, chefe da Casa militar, gritou: "Frota, se abaixe!. De repente, uma pessoa, com uma picaretinha, dessas de alpinista, quebrou o vidro".
Antonio Frota Neto, subsecretário de imprensa do governo Sarney sobre o episódio do ônibus apedrejado no Rio.
"Não há mídia no mundo capaz de aplacar uma situação econômica fora de controle. A crise econômica, no final do governo, com a inflação a quase 80% ao mês, foi realmente um desastre"
Toninho Drummond, subsecretário de imprensa do governo Sarney.
"Depois de 20 anos sem poder criticar, oq ue fazia a cabeça da imprensa era o seguinte: ela só se credenciaria junto aos leitores na medida em que exercesse esse novo poder de crítica de forma irrestrita, sem contemplação. Daí, que, por Ter pago o seu tributo na resistência, a impensa se colocava naquele momento com credora da redemocratização. Como se o avanço gradual do processo político fosse, dali por diante,. um problema do governo, dos políticos e só deles"
Carlos Henrique, secretário de imprensa do governo Sarney, de abril de 88 a março de 90
" Era um vale-tudo espantoso. As redações eram majoritariamente petistas e essas pessoas se sentiam derrotadas com a eleição de Collor. Havia uma grande má vontade. O Collor contrariou tantos interesses, além de agir como agiu, ensimesmado, isolando-se, que acabou rompendo a frágil ligação que tinha com os empresários de comunicação. Eles perderam a paciência porque, afinal, não conseguiam controlar o presidente, e liberaram as redações para aquele vale-tudo. Os caras não se preocupavam nem mesmo com o princípio mais elementar da checagem das informações".
Cláudio Humberto Rosa e Silva, secretário de imprensa de Fernando Collor de março de 90 a março de 92
"Eram nove hora da noite quando pude sair do Palácio. Antes de ir para a garagem, subi até a sala do presidente. E levei um choque ao ver o batalhão de funcionários que limpava gavetas, tirava quadros, fotos, computador e objetos pessoais. Color tinha dado ordens de deixar tudo pronto para que o vice assumisse na manhã seguinte".
Etevaldo Dias, secretário de imprensa de Collor nos dois últimos meses de governo
"Antonio Carlos Magalhães não gostava da presença de um inimigo político, Jutahy Magalhães Jr, no que se chamava então Ministério do Bem-Estar Social e ameaçava o governo com a divulgação de provas do que ele chamou de atos de corupção (…) o presidente convidou o senador a ir ao Palácio para trazê-las e discuti-las pessoalmente. Pouco antes da audiência, o presidente me chamou e disse: "Vá á sala de imprensa e traga aqui para cima, discretamente, os seus colegas repórteres e fotógrafos que queiram presenciar o meu encontro (com ACM)". (…) Quando ACM entrou no gabinete, surpreendeu-se ao encontrrar lá dentro uns vinte e tantos jornalistas. Nunca vi uma perda de rebolado tão evidente"
Francisco Baker, secretário de imprensa de Itamar Franco
"Fomos a um evento no Nordeste e, logo que saímos do auditório, havia uma turma de estudantes com faixas, reclamando do ensino secundário. (…) O presidente saiu do lado das autoridades, dirigiu-se a uma criança que segura um cartaz e perguntou: "Escute, vocês estão protestando contra o quê?". "Não sei, não, porque me deram dinheiro para segurar essa faixa". E o Itamar só riu. Não saiu nada no noticiário sobre isso porque apenas eu presenciei".
Fernando Costa, subsecretário que substituiu Baker no final do governo
"Para que o porta-voz tenha credibilidde, as pessoas precisam estar certas de que ele diz o que presidente pensa, senão não é porta-voz. Nunca desci para dar um briefing sem antes conversar com o presidente".
Sérgio Amaral, porta-voz do presidente Fernando Henrique Cardoso
"Ficou patente para mim que, quando você está num governo X, a imprensa, ao criticar o governo, parece estar fazendo o papel de oposição. Ela parece ter um conluio tácito, um alinaça objetiva, como diriam os marxistas, com a oposição. (…) Quando muda o governo, você vê que a mesma imprensa que criticava o governo X passa a fazer o mesmo tipo de crítica ao governo. Aí se vê que a função da imprensa é maravilhosa, é de sempre bater, criticar, apontar alguma coisa"
Georges Lamazière, segundo porta-voz do governo Fernando Henrique Cardoso
"Uma das lições mais importantes do meu período servindo na Presidência da Republica foi poder acompanhar o trabalho da Ana Tavares. Era uma verdadeira escola"
Alexandre Parolla, porta-voz de julho de 1999 a dezembro de 2002
"A principal reivindicação dos sindicatos de jornalistas e da Fenaj era o Conselho Federal de Jornalistas. O presidente, depois da audiência com a Fenaj, me disse: "É preciso tomar cuidado porque hoje a Fenaj e o sindicato já não representam mais os jornalistas como no seu tempo de sindicalista. Huve um distanciamento é preciso saber se a base apóia". (…) Ai você vê a ingenuidade: tomei a iniciativa de distribuir o texto (do projeto) no comitê de imprensa do Planalto porque ninguém tinha publicado nada. Saiu a primeira matéria na Folha: "Governo quer controlar, fiscalizar e esfolar a imprensa". Passou isso, ninguém leu, ninguém discutiu o projeto. Houve um grande erro do governo, da Fenaj, e meu, principalmente".
Ricardo Kotscho, secretário de imprensa do presidente Lula.
"Não sou daqueles que se iludem acreditando que, por exemplo, no governo Fernando Henrique só havia elogios. Não é verdade, eles criticavam também. No governo Lula, também se critica. (…) Junto com a crítica vem, talvez, o empobrecimento da cobertura no sentido de que são muito iguais. (…) Li nos jornais que o presidente Lula estava na Rússia e foi fazer uma visita de turismo. Todos fizeram a mesma matéria, todos disseram que era uma visita a um museu que era muito grande, mas que foi muito rápida. Ou seja, insinuaram que o presidente passou por lá e não viu nada. (…) É tudo parecido. Eles combinam. E acho que o combinado, o famoso, pool, é um problema de competição. O medo de que um jornal dê uma informação e outro não. Já vi jornalista combinando se a tal palavra do presidente era uma gafe ou não".
Fábio Kerche, secretário de imprensa do presidente Lula.
"Tenho um estilo de trabalho coletivo, gosto de trabalhar em equipe, de formar equipes. Era frequente chamar as pessoas da equipe para ouvi-las (…) o principal aspecto da gestão da crise (de 2005), aqui na secretaria, foi redobrar a cautela o cuidado com qualquer coisa que era comunicado".
André Singer, porta-voz do presidente Lula.
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