A Ombudsman da Folha apontou erros do jornal no tratamento de números. O primeiro deles citado é um caso grave de deturpação.
Dá boas dicas, de forma muito clara, sobre como se deve tratar números e apresentá-los ao público.
Serve para os jornalistas, mas é bom para todo mundo que lida com dados e que precisa utilizá-los o tempo todo.
Um clássico no assunto, com um título sugestivo, é "Como Mentir com Estatística", de Darrell Huff, que nos ensina a questionar e a saber até onde podemos confiar numa informação numérica. Há um bom resumo em página da Universidade Federal de Santa Catarina.
Abaixo, o artigo de Suzana Singer
A tentação dos números
SUZANA SINGER
Folha de S. Paulo, 08/01/2012
Em excesso e sem a devida contextualização, cifras enchem o noticiário e não fazem sentido para os leitores
No impreciso e subjetivo mundo em que se move o jornalismo, números são tentadores. Eles conferem uma aura de cientificidade, passam a impressão de que aquela reportagem diz a verdade, que não se baseia em declarações ou opiniões.
As cifras se espalham pela Folha, muitas vezes, maltratadas. Na segunda-feira passada, a manchete dizia: "PF apurou desvios de R$ 3,2 bilhões em 2011". O título interno informava que era um recorde.
O leitor entendeu que o ano passado foi marcado pela corrupção, mas não era isso. O montante inclui somas descobertas em investigações anteriores, isto é, a malversação pode ter acontecido em 2010, 2009... Esse detalhe está perdido no texto, sem destaque.
No dia seguinte ao Natal, outra manchete brandia um número cheio de zeros: "País perde R$ 15 bi com acidentes em estradas neste ano". A reportagem principal, de apenas 14 parágrafos, tinha 15 dados.
A explicação sobre como os especialistas calculam o prejuízo com as vítimas do trânsito (os gastos no atendimento e quanto a pessoa deixa de produzir) ficou socada em poucas linhas, incompreensível.
Para evitar "pecados matemáticos", a Folha poderia adotar alguns mandamentos:
1. NÃO DIVULGARÁS NÚMEROS SEM CONTEXTUALIZÁ-LOS
É impossível saber se "os 308 consultórios de rua para tratar dependentes de crack no Brasil", a serem criados pelo governo federal, são suficientes se o jornal não informa quantos são os viciados e quantos postos desse tipo o país tem (8/12).
Da mesma forma, não faz sentido relatar que, com a crise na Europa, "saíram 76,4 mil pessoas" da Irlanda, sem citar a população total do país (26/11).
2. NÃO REPETIRÁS NÚMEROS SEM QUESTIONÁ-LOS
Alguns dados, de tão repisados, ganham ares de verdade. Em maio, o Twitter anunciou ter chegado aos 139 milhões de usuários e virou praxe falar dos "mais de 100 milhões de tuiteiros no mundo".
No último dia 10, uma coluna da "Ilustrada" citava artigo da "New York" que lançava dúvidas sobre esse dado. Descontadas as contas inativas e duplicadas, seriam 50 milhões em todo o planeta.
Não adiantou. Cinco dias depois, a Folha voltava aos "100 milhões" de usuários do Twitter.
3. DUVIDARÁS DAS FONTES
É um erro engolir estatísticas sem olhar onde elas nasceram. No último dia 14, uma reportagem sobre investimentos de sites de empregos informava que quase um terço dos internautas no Brasil acessam páginas de recrutamento. Quem calculou isso? Uma consultoria. Com que metodologia e a pedido de quem? Não sabemos.
4. NÃO TE PRECIPITARÁS
Bastou uma segunda-feira de audiência menor para que a seção "Outro Canal" concluísse que a apresentadora Patrícia Poeta fez mal ao "Jornal Nacional". A coluna do último dia 14 começava perguntando ao leitor se "já bateu saudade de Fátima Bernardes" e contava que o telejornal tinha registrado sua pior segunda-feira no ano.
Para constatar uma tendência, é preciso esperar, não adianta sacar uma conclusão com base no número mais recente.
5. SERÁS COMEDIDO
Por incompreensão ou falta de cuidado, recheia-se o noticiário com tanto número que ele se torna indigesto. Talvez o mandamento mais importante seja resistir à tentação e fazer uma dieta de números. Início de ano novo é um bom momento para isso.
Siga o blog e receba postagens atualizadas. Clique na opção "seguir", ao lado.
Dá boas dicas, de forma muito clara, sobre como se deve tratar números e apresentá-los ao público.
Serve para os jornalistas, mas é bom para todo mundo que lida com dados e que precisa utilizá-los o tempo todo.
Um clássico no assunto, com um título sugestivo, é "Como Mentir com Estatística", de Darrell Huff, que nos ensina a questionar e a saber até onde podemos confiar numa informação numérica. Há um bom resumo em página da Universidade Federal de Santa Catarina.
Abaixo, o artigo de Suzana Singer
A tentação dos números
SUZANA SINGER
Folha de S. Paulo, 08/01/2012
Em excesso e sem a devida contextualização, cifras enchem o noticiário e não fazem sentido para os leitores
No impreciso e subjetivo mundo em que se move o jornalismo, números são tentadores. Eles conferem uma aura de cientificidade, passam a impressão de que aquela reportagem diz a verdade, que não se baseia em declarações ou opiniões.
As cifras se espalham pela Folha, muitas vezes, maltratadas. Na segunda-feira passada, a manchete dizia: "PF apurou desvios de R$ 3,2 bilhões em 2011". O título interno informava que era um recorde.
O leitor entendeu que o ano passado foi marcado pela corrupção, mas não era isso. O montante inclui somas descobertas em investigações anteriores, isto é, a malversação pode ter acontecido em 2010, 2009... Esse detalhe está perdido no texto, sem destaque.
No dia seguinte ao Natal, outra manchete brandia um número cheio de zeros: "País perde R$ 15 bi com acidentes em estradas neste ano". A reportagem principal, de apenas 14 parágrafos, tinha 15 dados.
A explicação sobre como os especialistas calculam o prejuízo com as vítimas do trânsito (os gastos no atendimento e quanto a pessoa deixa de produzir) ficou socada em poucas linhas, incompreensível.
Para evitar "pecados matemáticos", a Folha poderia adotar alguns mandamentos:
1. NÃO DIVULGARÁS NÚMEROS SEM CONTEXTUALIZÁ-LOS
É impossível saber se "os 308 consultórios de rua para tratar dependentes de crack no Brasil", a serem criados pelo governo federal, são suficientes se o jornal não informa quantos são os viciados e quantos postos desse tipo o país tem (8/12).
Da mesma forma, não faz sentido relatar que, com a crise na Europa, "saíram 76,4 mil pessoas" da Irlanda, sem citar a população total do país (26/11).
2. NÃO REPETIRÁS NÚMEROS SEM QUESTIONÁ-LOS
Alguns dados, de tão repisados, ganham ares de verdade. Em maio, o Twitter anunciou ter chegado aos 139 milhões de usuários e virou praxe falar dos "mais de 100 milhões de tuiteiros no mundo".
No último dia 10, uma coluna da "Ilustrada" citava artigo da "New York" que lançava dúvidas sobre esse dado. Descontadas as contas inativas e duplicadas, seriam 50 milhões em todo o planeta.
Não adiantou. Cinco dias depois, a Folha voltava aos "100 milhões" de usuários do Twitter.
3. DUVIDARÁS DAS FONTES
É um erro engolir estatísticas sem olhar onde elas nasceram. No último dia 14, uma reportagem sobre investimentos de sites de empregos informava que quase um terço dos internautas no Brasil acessam páginas de recrutamento. Quem calculou isso? Uma consultoria. Com que metodologia e a pedido de quem? Não sabemos.
4. NÃO TE PRECIPITARÁS
Bastou uma segunda-feira de audiência menor para que a seção "Outro Canal" concluísse que a apresentadora Patrícia Poeta fez mal ao "Jornal Nacional". A coluna do último dia 14 começava perguntando ao leitor se "já bateu saudade de Fátima Bernardes" e contava que o telejornal tinha registrado sua pior segunda-feira no ano.
Para constatar uma tendência, é preciso esperar, não adianta sacar uma conclusão com base no número mais recente.
5. SERÁS COMEDIDO
Por incompreensão ou falta de cuidado, recheia-se o noticiário com tanto número que ele se torna indigesto. Talvez o mandamento mais importante seja resistir à tentação e fazer uma dieta de números. Início de ano novo é um bom momento para isso.
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Sempre, a Falha !
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