No dia 11 de dezembro, os eleitores do Pará decidirão em plebiscito se querem se dividir em mais dois estados, Carajás e Tapajós.
O artigo abaixo, do jornalista Raymundo Costa (Valor Econômico - 29/11/2011), traz dados de pesquisadores do IPEA sobre o assunto.
Pouco mais de dez pessoas atenderam ontem convite do Ipea para debater a divisão do Pará, metade das quais jornalistas que compareceram atrás de informações para a cobertura do plebiscito, marcado para o dia 11 de dezembro. Não bastassem as interdições da Justiça Eleitoral ao debate, o desinteresse fora do eixo amazônico é injustificável. Atualmente, tramitam no Congresso 23 projetos de criação de Estados, seis propostas a mais que as apresentadas na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, quando afloraram com intensidade movimentos de emancipação represados Brasil afora durante os anos de regime militar.
Um cálculo apresentado no debate do Ipea dá conta de que a criação dos 23 novos Estados significaria algo em torno de R$ 14 bilhões de gasto público. A criação de três Estados nas atuais coordenadas do Pará significa trocar um Estado com um superávit de R$ 277 milhões por unidades deficitárias. Se o plebiscito aprovar a divisão, Carajás nasce com um déficit de R$ 1,9 bilhão; a relação receitas menos despesas em Tapajós não fecha - falta R$ 1 bilhão - o remanescente Pará passa a contabilizar um déficit de R$ 718 milhões, de acordo com o consenso a que vão chegando os pesquisadores. No total, R$ 3,6 bilhões. Há outros números referentes à manutenção dos dois novos Estados virtualmente impossíveis de serem calculados com segurança, como os gastos com a construção de Assembleias Legislativas e outros prédios para a prestação de serviços públicos.
Esses números que surgiram em pesquisas dos técnicos do Ipea, da UFPA e do Instituto do Desenvolvimento Econômico e Sócio Ambiental do Pará (Idesp), parceiros no seminário de ontem. Mas antes de assustar, eles servem para chamar a atenção sobre um problema que não é só dos paraenses. O plebiscito já não se trata de uma discussão sobre a separação de Carajás e Tapajós, os dois Estados que seriam criados a partir do Pará, como bem chamou a atenção o professor Gilberto Rocha, coordenador do núcleo de meio ambiente da UFPA. A discussão, na realidade, pauta uma agenda em nível de Estado nacional. É preciso estudar as novas dinâmicas de divisão territorial do país decorrentes da modernização da economia e da sociedade.
O debate começou pelo Pará, palco de uma política de ocupação territorial e econômica, nos últimos 40 anos, comandada pelo governo federal, da qual o Estado foi um espectador, na maioria das vezes, cúmplice. Mas a exemplo do que ocorreu no Pará, no decorrer da conquista da fronteira amazônica, outros polos dinâmicos surgiram no país, especialmente na esteira do avanço do agronegócio. Há polos dinâmicos como o Oeste da Bahia, no rio Araguaia ou o Vale do Gurgueia, no Piauí (todas regiões com manifestações de emancipação). "Um novo Brasil está sendo produzido e nós ainda trabalhamos tendo como referência as estruturas administrativas tradicionais", disse Gilberto Rocha.
O governo do Pará não foi ao menos coadjuvante nesse processo, conduzido com mão de ferro por Brasília. Até os anos 1970 era um Estado cujo povoamento margeava os grandes rios, o uso territorial se baseava no extrativismo e a estrutura fundiária no sistema oligárquico. Hoje, 66% do território é comandado pelo governo federal e há superposição de gerência de órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ibama, para citar apenas as mais conhecidas de uma dúzia ou mais de siglas federais. O Pará, também, segundo os pesquisadores, é o Estado de maior acolhimento dos clientes da reforma agrária de todo o país - são mais de 1 mil assentamentos.
Uma política que colocou a Amazônia no centro das preocupações do planeta, mas que de fato criou um polo altamente dinâmico, sobretudo na região de Carajás. Se for criado, o novo Estado ficará com 85% das reservas minerais do atual Pará, que perderia a pouca voz que dispõe na formulação da política mineral. O mesmo ocorrerá em relação ao potencial para a geração de energia elétrica - 61% está concentrado em Carajás e Tapajós. De Estado exportador de energia, o Pará passará a importador. Os rebanhos de Carajás representam 64% do gado criado no Pará. Todo esse potencial, por outro lado, não tem correspondência em influência política, segundo entende a elite política da região. Mas é certo que tanto Tapajós como Carajás, separado, continuariam imobilizados pela presença sufocante do governo federal. E novos problemas certamente serão criados. Feitos com bases nos municípios atuais, os novos mapas rasgam ao meio alguma reservas indígenas e unidades de conservação ambiental.
Uma coisa é certa: a divisão aumenta o peso político da região que constitui o Estado do Pará. O técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Paulo de Tarso Linhares fez simulações sobre representação dos três Estados, se a divisão for aprovada no plebiscito do dia 11 de dezembro. Com base na eleição de 2010, ele chegou aos seguintes números: Carajás detém 34% do PIB paraense, e sua representação na Assembleia Legislativa do Estado do Pará é de 33%; o PIB do Pará remanescente é de 56% do total, e sua representação política de 45%; Tapajós, com 11% do PIB teria uma representação de 59% dos deputados estaduais - a explicação é que se trata de uma região histórica, mais estável cuja elite política foi há anos desenhada.
De acordo com os cálculos de Linhares, a representação federal das três regiões seria mais equilibrada, cada qual com algo em torno dos 74%. Mas o território que hoje constitui o Pará passaria a enviar para Brasília 31 deputados federais, contra os 17 atuais. Isso sem falar que essa região passaria eleger mais seis senadores. Ou seja, contribuiria para aumentar o desequilíbrio existente, onde o Pará tem uma representação proporcionalmente maior que a de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.
O plebiscito do Pará é um assunto que deve entrar na agenda do país. Pena que nem os políticos paraenses parecem interessados. O seminário do Ipea (que levará mais três anos estudando o assunto, em todo o país) foi realizado a pedido da bancada do Pará. Mas nenhum deputado ou senador paraense apareceu por lá.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
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