30 agosto 2025

POLÍTICA PARA QUEM PRECISA DE POLÍTICA




Calma! A imagem acima foi gerada por inteligência artificial (Gemini) e não tem qualquer relação com o que acontece nas repartições do serviço público (esta legenda contém ironia).


Precisamos ter uma conversa séria sobre a tal "política de governança pública". Estamos nos afastando do público e de políticas que deveriam mirar melhor em impactos e resultados. Melhorias nos processos não ocorrem pela multiplicação de reuniões, de relatórios e de comitês.



A Escola Nacional de Administração Pública (Enap) acaba de publicar os resultados da avaliação da Política de Governança da Administração Pública Federal, instituída pelo Decreto nº 9.203/2017. O estudo foi feito pela Coordenação-Geral de Avaliação e Organização de Evidências da Diretoria de Altos Estudos e coordenado por Rafael Ferrari, em diálogo com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Os resultados são muito interessantes, mas eu vou aqui, com a sua permissão, oferecer minha interpretação assustadora do que eles significam.

Um aspecto que eu chamo a atenção está sintetizado no seguinte achado do estudo:

Institucionalizou-se generalizadamente na administração pública o "Comitê Interministerial de Governança (CIG), cuja atuação, no entanto, mostrou-se limitada. Destacou-se, ainda, a percepção de que a implementação da política acabou por redirecionar recursos escassos — especialmente tempo e pessoal — de atividades finalísticas para atender demandas relacionadas a controle, transparência e planejamento estratégico, sem garantir necessariamente melhores resultados."

Esse é um ponto central, entre outros, da conclusão do estudo de que a "política" não demonstra "ter atingido plenamente seus objetivos" (melhorar a governança das políticas) como, ao contrário, tornou-se um elemento de dispersão e redundância.

Cá entre nós, sabem o que é o problema, para não dizer um grande contrassenso, da "política de governança"? É o fato de que estamos transformando em "política" coisas que não são e jamais deveriam ter o nome de política. Virou uma moda aplicar o termo "política" indistintamente, a ponto de a gente abrir o Outlook e, de tempos em tempos, vem o aviso: "Você gostaria de revisar sua política de privacidade" (ou seja, dizer que e-mails são importantes e indesejáveis para você)?

O fato de que isso ocorre faz tempo, no reino das políticas públicas, não torna esse problema menor, mas maior. Qual o contrassenso? O problema é que não existe, mesmo que a gente chame assim, uma "política de governança". O que existe é a governança de uma política. Assim como não existe "política de comunicação", mas sim, a comunicação da política. Não faz o menor sentido falar em "política de monitoramento e avaliação". Faz sentido falar em monitoramento e avaliação da política. E com o máximo respeito a quem cuida da gestão de pessoas, não existe "política de gestão de pessoas". O que existe é a gestão de pessoas da política. É curioso que ainda não tenha aparecido uma "política de planejamento da política pública x, y ou z". Oremos para que não apareça.

Não existe, mesmo que a gente chame assim, uma "política de governança". O que existe é a governança de uma política. Assim como não existe "política de comunicação", mas sim, a comunicação da política. Não faz o menor sentido falar em "política de monitoramento e avaliação". Faz sentido falar em monitoramento e avaliação da política. E com o máximo respeito a quem cuida da gestão de pessoas, não existe "política de gestão de pessoas". O que existe é a gestão de pessoas da política.

Governança, comunicação, monitoramento, avaliação e gestão de pessoas são processos cruciais, mas, ainda assim, processos. Não se pode chamar de política pública algo cujo objetivo é aprimorar processos de uma política. Estabelecer diretrizes, orientações, regras e até uma cadeia de comando não transforma algo em política. Em casa, o "cada um lava o seu prato" não transforma isso em uma "política" de limpeza na casa da família Fulana de Tal.

O cerne de uma política é a garantia dos direitos por meio da entrega de produtos e serviços ao público, de modo a proporcionar resultados (no médio prazo), na forma de melhorias na condição de vida das pessoas desse público, e impactos (no longo prazo), ou seja, transformações na condição de vida dessas pessoas. Parafraseando os Titãs, política é para quem precisa de política e, por mais óbvio que isso possa parecer, a política é pública porque ela vai além das quatro paredes de um ministério ou secretaria estadual, municipal ou do DF. Criar diretrizes e regras para melhorar o que a gente faz é um requisito da política, mas não é uma política em si. Usem o termo com parcimônia porque ele é importante e precioso demais para ser usado como se fosse um mero apelido.

Perceba o grau de redundância, por exemplo, de uma "política de governança pública da política pública de educação", ou "política de governança pública da política pública de saúde", da "política de governança pública da política pública de infraestrutura", e por aí vai. Parece que banalizar o termo "política" para quase tudo é um problema igualmente banal, mas não é. A pesquisa da Enap mostra que isso tem consequências.

Essa redundância não apenas não ajuda como atrapalha. Não é um problema trivial. Acaba justamente motivando redundâncias na organização e execução dos processos que supostamente deveriam melhorar. A multiplicação de obrigações administrativas assoberba a gestão desses processos. De onde tiramos a ideia de que criar mais uma estrutura e cumprir uma sequência de ritos tem algum poder resolutivo? Não tem. Na melhor das hipóteses, vão chover no molhado sobre conclusões que a gestão dos processos detectou.

Estamos nos afastando do público e de políticas que deveriam mirar melhor em impactos e resultados. Melhorias nos processos não ocorrem pela multiplicação de reuniões, de relatórios e de comitês.

Precisamos ter uma conversa séria sobre esse assunto e o trabalho realizado pelo Rafael Ferrari, Selma Maria Hayakawa Cunha Serpa e Bárbara Maia Lima Madeira Pontes na Escola Nacional de Administração Pública - Enap serve como um excelente roteiro.




21 agosto 2025

INSTITUIÇÕES, ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS


Baixe gratuitamente, leia e compartilhe:

LASSANCE, Antonio. Instituições, Estado e Políticas Públicas: uma introdução à ciência política em linguagem simples. 2a. edição. São Paulo: Nexo Políticas Públicas, 2025. Disponível em: https://bit.ly/iepp2025 ou https://drive.google.com/file/d/1VMcCQhjMqFcVEoa48_pVTzqDCRg0Msze/view 

Na ciência política, há conceitos cujo grau de confusão a seu respeito é diretamente proporcional à sua importância. É o caso de INSTITUIÇÕES, ESTADO, GOVERNO, DEMOCRACIA, REPÚBLICA e do próprio termo POLÍTICA e da expressão POLÍTICAS PÚBLICAS, entre vários outros. 

Conceitos são peças de um grande quebra-cabeças. É impossível raciocinar sobre a política e sobre os grandes problemas coletivos sem fazer uso deles. Nesse quebra-cabeças, cada peça é totalmente distinta das demais, mas todas são intimamente relacionadas e se encaixam umas às outras — do contrário, a visão de conjunto do quebra-cabeças não será plenamente compreensível. As muitas peças estão juntas, encaixadas, mas não misturadas, a não ser quando o quebra-cabeças ainda está à espera de ser montado.

Este meu livro de divulgação científica apresenta conceitos complicados da maneira mais simples possível, com a devida fundamentação das referências clássicas que estiveram em sua origem, das que se afirmaram como concepção principal ou, ainda, daquelas que conseguiram superar ambiguidades e confusões.

E para cumprir a promessa de encaixar as peças do quebra-cabeças, o diferencial em relação a outros livros é, além de apresentar e fundamentar conceitos essenciais, trazer alertas sobre usos comuns que são ambíguos ou mesmo incorretos e devem ser evitados. 


Se você tem interesse em:
  • Políticas públicas integradas a programas e projetos
  • Análise ex ante (policy design)
  • Monitoramento e avaliação



Talvez você se interesse também em ler este outro livro:
LASSANCE, Antonio. Como construir políticas públicas, programas e projetos prontos para o monitoramento e a avaliação? Um guia prático de análise ex ante. Brasília, DF: Ipea, 2025. 231p. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/17322 










O Brasil precisa de uma opinião pública melhor informada, atenta e democrática.
As manifestações presentes neste blog são de caráter estritamente pessoal. 
 
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04 agosto 2025

Afinal, qual é o problema?


uma conversa com o pessoal da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais 
(Flacso Brasil), referência internacional em ciências sociais e políticas públicas.
É sobre como construir políticas públicas e, em especial, como definir problemas que serão o alvo dessas políticas.
(Brasília-DF, 5 de agosto de 2025)


Mais detalhes estão no meu livro:
LASSANCE, Antonio. Como construir políticas públicas, programas e projetos prontos para o monitoramento e a avaliação? Um guia prático de análise ex ante. Brasília, DF: Ipea, 2025. 231p. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/17322 
 

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