Finalmente, estarão impedidos de contratar com o serviço público.
"A corrupção e as práticas ilícitas no Brasil parecem corresponder a um mercado de ficção: o mercado em que só há a demanda, mas não há a oferta."
Mário Schapiro.
Cartel no Metrô e as Respostas do Direito
Por MÁRIO G. SCHAPIRO*
Os jornais têm trazido notícias da organização de um cartel na licitação da linha 5 do metrô de São Paulo. Esse cartel também teria ocorrido na licitações do metrô de Brasília. A fonte das denúncias é a Siemens, empresa que teria participado do cartel, mas que optou por delatar o arranjo e assim se beneficiar de um acordo de leniência perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia encarregada da investigação e condenação de condutas anticompetitivas.
Assumindo que o cartel de fato ocorreu, tal como relata a Siemens, este caso explicita didaticamente problemas bastante conhecidos nas relações público-privadas. O caso também deveria despertar debates de imaginação institucional, que culminassem em novas respostas do direito, para assim evitar repetições destes problemas no futuro.
O primeiro problema que o caso explicita é o do papel das corporações privadas na corrupção e na prática de condutas ilícitas. A corrupção e as práticas ilícitas no Brasil parecem corresponder a um mercado de ficção: o mercado em que só há a demanda, mas não há a oferta. É mais do que intuitiva a percepção de que se há um negócio, é porque há ofertantes e demandantes. Mesmo assim, os desvios e ilicitudes ocorridos nos arranjos público-privados são substancialmente imputados às autoridades públicas, como se o mercado da ficha suja tivesse um lado só – o das autoridades corrompidas.
Nesse sentido, é mais do que bem vindo o dispositivo incluído no artigo 22 da Lei 12.846, sancionada em 1º de agosto de 2013, a chamada Lei Anticorrupção, que cria um dispositivo semelhante ao que a Lei da Ficha Limpa criou para a classe das autoridades políticas. A partir de agora, empresas envolvidas em práticas de corrupção serão incluídas no “cadastro nacional de empresas punidas” e ficarão com a ficha suja, podendo ter prejuízos financeiros e reputacionais. Afinal de contas, se há desvios de conduta nesta relação, é preciso atacar as duas pontas do mercado da ilegalidade: os compradores e os vendedores das práticas ilícitas.
O segundo problema trazido pelo caso rebate na governança pública das licitações. A lei 8.666, que regula os procedimentos de licitação e de contratação da Administração Pública, estabelece um procedimento extremamente burocrático, demorado e com altos custos de transação. Entre outros problemas, a lei apresenta uma sequência lógica que é ilógica: em regra, o critério de seleção é o preço do serviço, mas este valor, que é bem objetivo, só será conhecido ao final de um extenso e desnecessário processo. Isso porque antes de se conhecer os preços das empresas, são analisados todos os documentos de todas as empresas candidatas, ainda que algumas sequer sejam competitivas.
Por isso, algumas novas leis de licitação, como a Lei do Pregão, que é usada para a compra de produtos padronizados, e o Regime Diferenciado de Contratação, usado nas obras dos grandes eventos, como a Copa e as Olimpíadas, preveem uma inversão de fase: primeiro são vistos os preços e só a empresa vencedora tem a sua a regularidade documental analisada. No formato tradicional, as licitações não só ficam muito mais custosas, como também favorecem as inúmeras contestações judiciais, já que a inabilitação de uma empresa por problema documental comporta recursos administrativos e judiciais.
Nesse cenário, uma escolha mal feita em uma licitação pode ser muito penosa para o administrador público. Se a empresa venceu por ter oferecido um preço muito baixo e irreal para ser executado ou ainda se a empresa não se mostra uma boa fornecedora, os custos de se romper este contrato são altos, além do que este rompimento obrigará a realização de uma nova licitação. Os riscos políticos são, portanto, muito elevados: podem levar a atrasos na entrega de obras e, consequentemente, a menores resultados para os governos. O que não é trivial na matemática do poder.
O resultado deste imbróglio é uma seleção adversa, isto é, a regra do jogo, por ser mal desenhada, seleciona os piores jogadores. Do lado público, este arranjo favorece as estratégias patrimonialistas, em que gestores públicos mal intencionados fazem dos negócios públicos bons acertos privados. Do lado privado, estes mesmos gestores costumam contar com a leniência de empresas que tem na pratica do ilícito uma vantagem competitiva. O resultado disso é conhecido: há mais benefícios para o acerto indevido e para o conluio do que para um jogo conforme a lei.
Diante disso, as respostas que o direito pode dar passam, entre outros, por quatro caminhos. Primeiro, por uma reversão desta seleção adversa, que contamina as licitações. Para isso, regras simples como a inversão de fases e a organização de procedimentos com leilão eletrônico tendem a tornar as licitações menos burocráticas e menos convidativas ao malfeito.
Segundo, ainda no campo das licitações, é o caso de se repensar regras como a da pré-qualificação. De acordo com a Lei 8.666, em licitações complexas, o Estado pode dividir a licitação em duas partes para assim pré-qualificar um universo de futuros competidores. A vantagem deste tipo de regra é, teoricamente, impor um exame mais cuidadoso das empresas, dada a complexidade da obra. Por outro lado, a regra traz uma maior facilidade para eventuais carteis.
Um cartel, por definição, é a busca de um jogo cooperativo onde deveria existir uma disputa competitiva: as empresas combinam ilegalmente a estratégia de não competir. Para dar certo, um cartel precisa de monitoramento, para garantir que todos manterão a cooperação, e também de um número limitado de jogadores, já que quanto mais jogadores houver, mais difícil será a busca de cooperação. Ora, a pré-qualificação com a posterior apresentação dos preços pode facilitar esse jogo de conluio: por reduzir o número de jogadores a uma lista curta de futuros ofertantes, a pré-qualificação pode criar uma estrutura que facilite a combinação.
Por fim, o direito pode ajudar criando mais regras de transparência para empresas que contratam com o poder público. Empresas que contratam com a Administração Pública deveriam ter padrões de governança elevados, dispositivos de compliance internos e políticas de detecção de práticas corruptas. Quanto mais regras de governança corporativa e mecanismos de prestação de contas tiverem as empresas, maiores são as chances de que elas optem por estratégias conformes à lei. Além disso, são bem vindos também estímulos para as empresas abrirem o capital na bolsa de valores e assim se sujeitarem a padrões mais rigorosos de governança corporativa. Acionistas, conselhos de administração e publicação de balanços jogam a favor de companhias menos opacas e tornam mais caro o recurso a práticas ilícitas.
Mais do que tudo isso, o direito pode ajudar ampliando os espaços da democracia e da esfera pública. Informação e transparência são os melhores detergentes para limpar a ilegalidade.
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* Professor doutor na Direito GV. Artigo publicado no Blog do Estadão em 02.agosto.2013 16:19:27
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