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30 junho 2010

Castells: comunicação, poder e contrapoder na era da autocomunicação de massa


"Communication, Power and Counter-power in the Network Society", de Manuel Castells

Manuel Castells é o sociólogo espanhol que se tornou célebre a partir da trilogia "A sociedade em rede". 

O autor analisa o impacto das novas tecnologias da informação e comunicação (comumente apelidadas de TICs) na transformação do Estado, da política e das relações sociais e econômicas.
Atualmente, é difícil escrever sobre o tema sem fazer alguma referência aos trabalhos de Castells.
Suas formulações mais recentes a respeito são encontradas em Communication Power (2009), que esmiuça as considerações feitas antes no artigo "Communication, Power and Counter-power in the Network Society" (2007).
Castells trata da relação entre mídia e política, das novas interações políticas derivadas das mudanças tecnológicas e da expansão da comunicação via internet, do alargamento da esfera política e do consequente avanço da visibilidade da ação política, do aumento da importância da reputação e da credibilidade na política, do papel dos escândalos e da forma como podem abalar a legitimidade política, dentre outros assuntos.
Castells cunha a expressão autocomunicação de massa para analisar o atual momento de expansão da comunicação de massa, viabilizado pelo alastramento do uso dos computadores pessoais conectados à internet, atingindo um número cada vez maior de pessoas, ao mesmo tempo em que essa plataforma massiva é utilizada principalmente para a comunicação de caráter pessoal. 
O sociólogo acrescenta que as novas interações políticas, modificadas pelo cenário dinâmico da comunicação, alteram as relações de legitimidade política. As instituições tendem a serem modificadas paulatinamente para se adequarem aos novos formatos e conteúdos necessários à interação com o público. 
Surgem movimentos que Castells qualifica como de contrapoder, alimentados por novos atores e orientados a dar uma nova configuração ao Estado e à política. A emergência da autocomunicação de massa dá aos movimentos sociais novas ferramentas de mobilização e organização, e aos indivíduos, novas formas de insurgência.
Ao mesmo tempo, ocorre uma luta entre as novas (e horizontais) formas de comunicação e as antigas (verticais). Um risco presente é da comunicação horizontal dos blogs e das redes sociais ser aos poucos invadida pelas grandes empresas de comunicação e também pelos grupos econômicos.
Outro risco vem da tentativa de controle do Estado sobre a comunicação dos cidadãos (não só a China, mas EUA e Europa são citados como portadores de iniciativas nesse sentido). 
Enfim, uma batalha está em curso e os resultados ainda não podem ser vislumbrados em todas as suas dimensões. Por isso, o debate de Castells é tão importante.



Obras citadas:
CASTELLS, Manuel. Communication, Power and Counter-power in the Network Society. International Journal of Communication, vol. 1, 2007, págs. 238-266.
CASTELLS, M. Communication Power. Oxford: Oxford University Press, 2009.



Leia também A velha mídia está derretendo


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29 junho 2010

Intervenção Federal no DF

Supremo Tribunal Federal (STF) tem, na pauta de sua reunião de quarta-feira (30/6), o pedido assinado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de Intervenção Federal no Distrito Federal. 

Leia o artigo (Antonio Lassance) sobre o Distrito Federal, na revista Desafios do Desenvolvimento, do IPEA.
Leia a íntegra do pedido de Intervenção Federal do procurador-geral da República
Leia o despacho do ministro Gilmar Mendes.

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Por que o mercado sabota o mercado?

Há forças no mercado que sabotam as regras básicas de mercado (como cumprir contratos, permitir a competição, impedir monopolização ou oligopolização).
Por quê?
Esta é uma pergunta feita desde Adam Smith.
Joseph Stiglitz (prêmio Nobel de Economia em 2001) dá algumas respostas, em palestra ao Instituto Roosevelt. Clique aqui para ver a palestra.

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28 junho 2010

O mundo em 2022


Polêmico e instigante artigo do ministro Samuel Guimarães, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sugere um interessante posicionamento estratégico para o Brasil diante do cenário internacional futuro

O Mundo em 2022
Samuel Pinheiro Guimarães
08 de junho de 2010

   1. No limiar do bicentenário de nossa Independência, quando se inicia a etapa soberana e altiva de construção do Brasil multirracial, multicultural, multifacetado, em que hoje vivemos, enfrentamos desafios que são mais do que extraordinários. E os desafios que teremos de enfrentar de hoje até 2022 serão, sem qualquer exagero, formidáveis. Internos e internacionais. Internos, devido à necessidade, para poder celebrar com orgulho a data simbólica de 2022, de reduzir de forma radical as desigualdades sociais que nos dividem e que nos atrasam; de eliminar as vulnerabilidades externas que nos ameaçam em nosso curso e de realizar nosso gigantesco potencial humano e material. Esta tarefa urgente e árdua, para ser válida, terá de ser realizada em uma trajetória de pertinaz aprofundamento de nossa democracia que amplie a participação efetiva do legítimo dono do Estado brasileiro, que é o povo, na gestão do Estado que é seu. Tudo nos entrechoques de uma dinâmica internacional que cada vez mais nos afeta e na qual tem o Brasil a cada dia que passa um papel mais importante.
   2. A evolução da sociedade internacional em todos os seus aspectos políticos, militares, econômicos, tecnológicos e sociais será relevante, ainda que não determinante, para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Será relevante mas não determinante porque o Brasil, devido a suas dimensões territoriais e demográficas e aos seus extraordinários recursos naturais, tem a possibilidade cada vez maior de influir sobre o sistema internacional e de torná-lo menos hostil à defesa de seus interesses e à realização de seus objetivos. Esse sistema internacional daqui até 2022 terá aspectos fundamentais semelhantes aos que apresenta hoje.
   3. O capitalismo continuará a ser a característica econômica estrutural do sistema mundial daqui até 2022. Variará, todavia, de país para país, o grau de participação do Estado na economia seja em termos de regulamentação das atividades produtivas e do consumo seja através de sua atividade empresarial de forma direta ou associada ao capital privado. A extensão do papel do Estado é a grande questão que surgiu com a crise de 2008, em que ainda está o mundo imerso, resultado da aplicação extremada da ideologia neoliberal, crise que clama por uma solução.
   4. A característica política essencial do sistema internacional será a permanência das Nações Unidas como seu centro, variando apenas o grau de expansão da competência de seu Conselho de Segurança e a participação nele de um número maior de países. Em um mundo de Estados soberanos, ainda que muito desiguais em poder, até 2022 e mesmo após essa data, dificilmente seria possível imaginar uma nova organização de governança global, aceita por todos os Estados como legítima, que não sejam as Nações Unidas. Apesar dos esforços intermitentes dos Estados mais poderosos para criar articulações paralelas, excludentes e oligárquicas, as Nações Unidas prevalecerão como a organização central do sistema.
   5. O hiato de poder militar entre os Estados Unidos e os demais Estados continuará em 2022 a ser o fato estratégico fundamental. Esse hiato tenderá a se ampliar; porém, deverá variar o grau de multipolaridade do sistema político-militar, o que dependerá em grande medida do sucesso da evolução política, econômica e militar do Brasil, da Rússia, da Índia e, em especial, da China e de sua capacidade de se articularem entre si para reformar o sistema internacional e torná-lo menos arbitrário.
   6. O Brasil terá de atuar com firmeza sobre a evolução das principais tendências do sistema internacional de forma a criar o ambiente mais favorável possível ao seu desenvolvimento econômico e social, à defesa e à promoção de seus interesses políticos e econômicos na esfera internacional e ao seu desenvolvimento político interno, em uma sociedade cada vez mais democrática. Naturalmente, quanto mais bem sucedido for o Brasil em reduzir suas disparidades sociais e em, assim, criar um grande mercado interno; quanto mais exitoso for em eliminar suas vulnerabilidades externas; quanto mais persistente em seu esforço de realizar o seu extraordinário potencial de produção e, finalmente, quanto mais fortalecer sua democracia, tanto maior será sua capacidade de agir no campo internacional. Mas não é possível esperar por que isto aconteça para então agir internacionalmente pois o sistema mundial não só não espera pelo Brasil como a ele faz incessantes demandas e por isto, ao mesmo tempo em que se constrói e se transforma o Brasil, é necessário agir sobre as principais tendências internacionais para impedir que se cristalizem os privilégios de que gozam as potências tradicionais e para torná-las mais favoráveis ao nosso desenvolvimento.
   7. Prever a evolução política, econômica, militar e social do mundo, mesmo no prazo de doze anos, é tarefa de enorme dificuldade. Esta imprevisibilidade decorre em grande medida das alterações de política que se verificam periodicamente nos diferentes Estados, provocadas pela alternância de controle do poder político, que ocorre em momentos distintos, não-sincronizados; dos efeitos dessas mudanças políticas sobre a posição relativa de cada Estado no cenário e na dinâmica internacional; e a ocorrência de eventos de ruptura, como foi o 11 de setembro.
   8. Os modelos mais sofisticados dificilmente poderiam ter previsto, cerca de dez anos antes, em 1981, que a União Soviética se desintegraria territorialmente em 1991, momento em que aquela Superpotência se tornou o país emergente que a Rússia ainda é em 2010; a reviravolta de política econômica e a ascensão vertiginosa da China a partir de 1979, para vir a se tornar a segunda maior potência econômica mundial em 2010 e, talvez, a primeira em 2022.
   9. Por essas razões e por outras, tais como a escassez de dados e a reduzida confiabilidade de muitos daqueles disponíveis, ao invés de tentar construir um cenário ideal ou um conjunto de cenários em torno de um suposto cenário central que representasse a projeção de uma evolução histórica, é bem mais útil identificar as grandes tendências do sistema internacional e examinar sua provável situação no ano de 2022. Essas principais tendências são:
a aceleração da transformação tecnológica;
- o agravamento da situação ambiental-energética;
- o agravamento das desigualdades sociais e da pobreza;
- as migrações, o racismo e a xenofobia;
- a contínua globalização da economia mundial;
- a multipolarização econômica e política;
- a concentração de poder;
- a normatização internacional das relações entre Estados, empresas e indivíduos; e
- a definição internacional de parâmetros para as políticas domésticas dos Estados subdesenvolvidos.
  10. O progresso científico e tecnológico afeta todas as atividades civis, econômicas e sociais e todas as atividades militares. A aceleração da transformação tecnológica modifica as relações de poder entre os Estados e a intensidade da competição entre as mega-empresas e, portanto, da competição econômica entre os Estados. Além disso, a aceleração da transformação tecnológica influencia fortemente todas as demais tendências do sistema mundial.
  11. Na economia, o avanço tecnológico, em especial no campo da informática, e, nos próximos anos, em nanotecnologia, continuará a transformar os processos físicos produtivos e a própria organização gerencial das empresas, sendo fator determinante para os resultados da acirrada disputa entre empresas a qual determina um certo padrão de distribuição da riqueza mundial e um vetor importante das tendências à crescente oligopolização de mercados.
  12. O progresso no campo da biotecnologia e da engenharia genética tem ampla repercussão sobre a competitividade das empresas agrícolas, o que afeta a situação dos países subdesenvolvidos, tanto exportadores como produtores de alimentos e de matérias-primas. De outro lado, esses avanços têm forte impacto sobre a saúde das populações, sobre a expectativa de vida média comparada entre as sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas e sobre o formato de suas pirâmides demográficas, com importantes conseqüências econômicas.
  13. No campo militar, o progresso tecnológico afetará desde a doutrina ao equipamento e aumentará cada vez mais a eficiência letal dos armamentos, a sua miniaturização, o seu controle remoto, a sua colocação no espaço e terá como conseqüência a ampliação do hiato de poder, em especial entre os Estados Unidos e os Estados subdesenvolvidos da periferia. Por outro lado, certos aspectos do progresso da tecnologia militar permitirão mesmo àqueles países econômica e politicamente mais fracos dispor de certo poder de dissuasão face à permanente, e mal dissimulada, intimidação dos Estados mais fortes e, desse modo, impedir o uso da força.
  14. O progresso científico e tecnológico afeta, finalmente, o próprio setor de produção científica e tecnológica, composto pelo enorme complexo de empresas, universidades, laboratórios e centros de pesquisa. Este progresso permitirá construir equipamentos de pesquisa cada vez mais complexos e precisos e o aumento exponencial da capacidade de processamento de dados e de simulação de experimentos, o que contribuirá, juntamente com cada vez maiores recursos alocados à pesquisa, para a própria aceleração do progresso científico e tecnológico.
  15. A aceleração do progresso científico e tecnológico contribui de forma muito significativa para a concentração de poder de toda ordem, na medida em que os países que se encontram no centro do sistema investem valores muito superiores àqueles que investem mesmo os maiores países subdesenvolvidos, emergentes ou não, como o Brasil. Esta é uma tendência central e deve constituir a principal preocupação da estratégia brasileira na esfera internacional e doméstica: como acelerar e ampliar a transferência, absorção e geração de tecnologia através de processos eficazes e de um esforço doméstico de investimento muito maior do que aquele feito nas últimas décadas. Os Estados Unidos investem hoje por ano cerca de 450 bilhões de dólares em pesquisa e registram 45.000 patentes, enquanto que o Brasil investe 15 bilhões de dólares e registra 550 patentes. Se não for implementado um programa enérgico e persistente de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, se possível com a empresa privada e se acaso ela não se interessar pelo Estado, não só o hiato entre o Brasil e outros países se aprofundará como não poderão ser resolvidos os desafios brasileiros de crescimento acelerado com firme distribuição de renda.
  16. Essa ampla e complexa dinâmica de transformação tecnológica nos campos da economia civil e militar, agora influenciada pelo desafio ambiental-energético, continuará a se verificar no período que vai até 2022 e determinará em grande medida a posição de poder relativo dos Estados tanto em termos econômicos como militares.
  17. O agravamento da situação ambiental-energética será um aspecto marcante do período que transcorrerá de hoje até 2022. A transformação das atividades humanas tanto civis como militares, a partir da Revolução Industrial, cujo início pode ser datado da invenção da máquina a vapor, baseou-se na utilização de combustível fóssil, de início o carvão e mais tarde o petróleo e o gás, para gerar energia e movimentar veículos. A queima de combustíveis fósseis tem liberado desde então trilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases que, ao incrementarem suas concentrações na atmosfera, provocam o efeito estufa, i.e. impedem que as radiações decorrentes dos raios solares que aquecem a superfície da terra se dissipem. A expansão das atividades industriais com base nas teorias liberais relativas à melhor organização da produção e do consumo, a partir do dogma do livre jogo das forças de mercado, levou, de um lado, a um desperdício enorme de recursos naturais e de vidas humanas e, de outro lado, à convicção arraigada de que cada indivíduo (que detenha poder de compra) tem o direito de escolher o que consumir, como consumir, onde consumir.
  18. Essa evolução industrial-energética e essa filosofia individualista levaram à crise ambiental que hoje se vive, cuja natureza é política, econômica e tecnológica. Sua solução exige a radical adoção de metas e de políticas firmes de redução da emissão de gases a níveis inferiores ao que ocorreu no passado para tão somente minimizar os efeitos do acúmulo do estoque de gases na atmosfera; essas metas e políticas envolvem a posição relativa de poder econômico e político entre os Estados e a modificação da matriz energética, cuja base atual é o carbono, para uma matriz com base em fontes renováveis de energia.
  19. Tudo indica que essa transformação será lenta e conflituosa devido aos poderosos e numerosos grupos de interesse econômico dentro dos países, suas profundas repercussões sobre certos setores e as mega-empresas que neles atuam, tais como o setor de mineração, do petróleo e a indústria automobilística. Assim, em 2022, a questão da mudança do clima ainda será parte essencial da dinâmica política internacional.
  20. A eventual solução da crise ambiental-energética passa por uma profunda reestruturação da matriz energética e de transportes nos países, histórica ou recentemente, principais emissores de gases estufa, com significativo aumento de custos de produção e de transporte (comércio). Neste processo, esses países principais emissores tentarão dividir a carga de seus compromissos totais com os principais países emergentes para que se alcancem metas globais de redução de emissão com menor compromisso de redução e “sacrifício” econômico de parte deles.
  21. Ora, o enfrentamento e a solução da questão ambiental-energética não pode ser feito com prejuízo das perspectivas e do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos e muito menos daqueles chamados emergentes, cada vez maiores e mais significativos competidores dos países desenvolvidos, mesmo em setores de tecnologia avançada, a pretexto de que os recursos naturais e o aquecimento global não permitiriam a esses últimos países vir a desfrutar dos mesmos níveis de consumo alcançados pelos desenvolvidos.
  22. O Brasil se encontra excepcionalmente bem colocado nesta questão devido à sua matriz energética, e em especial elétrica, extremamente limpa em termos internacionais comparativos. A contribuição do Brasil em matéria de mudança do clima é limitar o desmatamento, responsável por 75% das emissões de gases de efeito estufa pelo Brasil.
  23. O desafio aqui é evitar que as tendências humanistas e utópicas de grupos extremistas na sociedade brasileira, formados em grande parte por cidadãos urbanos e de classe média e alta, que não compreendem a complexidade da questão ambiental em sua faceta econômica e tem uma visão idílica da natureza física das atividades produtivas modernas, venham a dificultar a realização do potencial da sociedade brasileira, a aceleração do seu desenvolvimento e a redução das extraordinárias disparidades que nos afligem. A “defesa” do meio ambiente pelos países desenvolvidos muitas vezes correspondem a medidas protecionistas comerciais, como a tentativa de acusar a pecuária e o etanol brasileiro como atividades prejudiciais ao meio ambiente.
  24. O Brasil terá de lutar daqui até 2022 para que as soluções negociadas internacionalmente para enfrentar a crise ambiental global não privilegiem os históricos e que continuam a ser os atuais principais emissores per capita de gases em prejuízo dos países em desenvolvimento em sua tarefa inarredável de acelerar a transformação de sua estrutura produtiva e, em segundo lugar, cooperar com os países ainda mais atrasados e dependentes energéticos para que possam diversificar suas matrizes e, finalmente, para acentuar ainda mais o caráter “limpo” de sua própria matriz energética, no que diz respeito a transportes e à preservação dos biomas.
  25. A partir da hegemonia da filosofia e das políticas neoliberais, a qual se inicia com os governos de Ronald Reagan e de Margareth Thatcher, houve um desmonte do Estado do Bem-Estar, através de uma redução dos programas sociais, de políticas tributárias ostensiva e descaradamente favoráveis aos mais ricos, de um processo de desregulamentação da atividade econômica das empresas, de um esforço de liberalização do mercado de trabalho que teria de levar, necessariamente, a um agravamento das disparidades sociais em termos de renda e de riqueza dentro de cada país e entre os países.
  26. As políticas neoliberais na esfera internacional e nos países subdesenvolvidos, que levaram à ampliação e agravamento da pobreza, tiveram suas conseqüências agravadas pela crise econômica de 2008 que atingiu as exportações dos países subdesenvolvidos (e pobres) que sofreram o impacto da queda de demanda por seus produtos nos países ricos e, portanto, a redução de seu nível de emprego e de sua capacidade de importar para consumir e investir.
  27. A perspectiva para os próximos anos até 2022 é pouco auspiciosa. Os países desenvolvidos têm demonstrado não estarem dispostos nem a reduzir suas políticas de proteção à sua agricultura, nem a ampliar suas políticas de ajuda ao desenvolvimento, nem a ampliar seus investimentos na África e em países de menor desenvolvimento relativo, nem a financiar despesas com mitigação e adaptação ambiental nesses países.
  28. O Brasil daqui até 2022 terá, de um lado, de ampliar e aprofundar suas políticas domésticas de redução de desigualdades, de toda ordem, e de acesso aos bens públicos – educação, saúde, saneamento, habitação, informação – através, inclusive, da expansão do emprego e de sua proteção. Simultaneamente, deverá ampliar seus programas de cooperação social, em especial com os países vizinhos e da África, e contribuir do ponto de vista financeiro e técnico para o fortalecimento de sua infra-estrutura, base indispensável de seu desenvolvimento e da redução da pobreza.
  29. As crescentes diferenças de bem-estar entre as sociedades, o insuficiente desenvolvimento econômico, a fraca geração de empregos na periferia subdesenvolvida e o crescimento demográfico nos países subdesenvolvidos tem gerado importantes fluxos migratórios, de causa econômica, da periferia em direção aos países altamente desenvolvidos. A instabilidade política, a violência anômica e as guerras civis em Estados da periferia e a desintegração de Estados tem estimulado fluxos migratórios de causa política para os países desenvolvidos e a formação de grandes populações de refugiados e deslocados dentro de países ou em países vizinhos aos países conflagrados.
  30. Os fluxos migratórios se atenuaram, em alguma medida, como resultado da grande crise econômica que se inicia em 2008 e que teve como efeitos reduzir as oportunidades de emprego nos países centrais e, por esta razão (e outras), provocar o endurecimento das legislações nacionais de imigração e estimular os movimentos racistas e xenófobos, em especial contra as populações muçulmanas e negras.
  31. Os movimentos migratórios tenderão a persistir no período de 2010 a 2022 e até mesmo a se agravar na medida em que for retomado o crescimento no centro do sistema, se ampliar o hiato econômico entre os países do centro e da periferia, em que não houver uma política ampla e sistemática de combate à fome e à pobreza, em que permanecer a tendência a intervenção política dos Estados do centro na periferia, em que os países subdesenvolvidos continuarem a se enfraquecer devido à permanente evasão de sua mão-de-obra altamente qualificada para o centro do sistema mundial.
  32. Estes movimentos migratórios, tanto econômicos quanto políticos, que deveriam ser o complemento, na esfera do trabalho, ao processo de globalização que corresponde à eliminação das barreiras ao comércio de bens e aos fluxos de capital, sempre tão louvados e promovidos pelos países desenvolvidos, são por esses mesmos países firmemente combatidos e reprimidos.
  33. Cabe ao Brasil, que se tornou um país de emigração/imigração, em primeiro lugar continuar a combater as medidas e políticas xenófobas, discriminatórias e de criminalização contra os imigrantes postas em prática nos países do centro do sistema; a acolher os imigrantes que se dirigem ao Brasil, principalmente aqueles de sua vizinhança, e a insistir na ampliação da cooperação internacional, comercial, financeira e técnica, dos países mais avançados aos países da periferia, com base na idéia de que a estabilidade e o progresso econômico nos países subdesenvolvidos criarão as condições para que sua população, como é natural, prefira permanecer em seus países de origem.
  34. A histórica tendência à globalização da economia mundial, ainda que afetada pela redução da atividade econômica, pelas atuais incertezas, pelo risco de depressão e pelas pressões protecionistas, tenderá a continuar até, e mesmo após, 2022. Essa tendência decorre do elevado grau de inter-relação e simbiose, que, passada a crise que se iniciou em 2008, se ampliará entre a China como exportadora de manufaturados e importadora de alimentos, matérias-primas e de energia; a Europa como importadora de alimentos, matérias-primas, de energia e de manufaturados e exportadora de manufaturados; os Estados Unidos como importador de energia e exportador de manufaturados e de produtos agrícolas; e os países periféricos subdesenvolvidos, de modo geral exportadores de mão-de-obra, de produtos primários e de energia e importadores de manufaturas. Além disso, as fusões de mega-empresas multinacionais criam redes cada vez mais amplas e complexas de unidades produtivas em distintos territórios porém sempre subordinadas a suas sedes, contribuindo para ampliar o grau de globalização da economia e, por conseguinte, a interdependência entre as distintas economias nacionais. A integração financeira global, ainda que tão abalada pela crise do final da primeira década do Século XXI, prosseguirá, porém de forma mais regulada, como arcabouço necessário do sistema de globalização produtiva que existirá em 2022.
  35. O sistema econômico internacional será caracterizado, em 2022, pela existência de mega-empresas multinacionais que, em conjunto, serão responsáveis pela maior parcela da produção das economias nacionais, controlarão grande parte do comércio internacional, ampliarão os fluxos de comércio intrafirma e se articularão em grandes estruturas oligopolísticas e cartelizadas em escala internacional, de natureza muitas vezes verticalizada.
  36. Diante dessa inevitável tendência à globalização (e das conseqüentes tentativas permanentes de uniformização das regras que “disciplinam” as atividades das mega-empresas nos distintos mercados em favor delas) cabe ao Brasil garantir no período que vai até 2022 que, de um lado, tais regras não prejudiquem a capacidade de elaborar e implementar políticas nacionais de desenvolvimento adequadas aos desafios estruturais da sociedade brasileira, tais como suas extraordinárias disparidades, suas vulnerabilidades externas, seu potencial, políticas que terão de ser distintas daquelas que são adequadas às sociedades maduras, desenvolvidas e, de outro lado, estimular o fortalecimento de mega-empresas brasileiras nos mais distintos setores, que vão desde a telefonia até a aviação e à produção agrícola, para que possam atuar no cenário mundial globalizado e impedir que o Brasil se transforme em uma mera plataforma de produção e exportação de mega-empresas multinacionais, cujas sedes se concentram em países altamente desenvolvidos.
  37. A tendência à multipolarização, i.e. à estruturação de grandes blocos/áreas de influência econômica e política, permanecerá até 2022, em suas três vertentes. A primeira corresponde à estratégia da União Européia de ampliar seu espaço geopolítico até os limites da Rússia e de celebrar acordos de livre comércio com países da periferia subdesenvolvida, principalmente com suas ex-colônias. Através dessa ampliação, são incorporados à União Européia, como sócios menores, pequenos Estados da Europa e, através dos acordos com países subdesenvolvidos da periferia, são estabelecidas relações econômicas e políticas no estilo tradicional que caracterizava os sistemas dos impérios coloniais: o intercâmbio de matérias-primas por produtos manufaturados.
  38. Na segunda vertente da multipolarização, os Estados Unidos incorporam a seu sistema econômico, mas não incluem em seu sistema político doméstico, nem formam com eles uma nova entidade econômica e política, países da periferia subdesenvolvida e até mesmo Estados desenvolvidos como a Austrália e a Nova Zelândia. Por outro lado, à medida que a economia desses Estados fica extremamente vinculada à dos Estados Unidos vêm eles a se tornar aliados próximos da política externa americana em suas mais diversas iniciativas.
  39. No caso da vertente da China, esta se tornou um pólo catalisador do comércio e dos investimentos na Ásia, aumentando suas exportações de matérias-primas e de componentes industrializados para os demais países da região e se tornando destino e origem dos principais fluxos regionais de investimento. O principal parceiro comercial e de investimento do Japão é a China, onde se encontram 33.000 empresas produtivas japonesas.
  40. O cenário internacional terá assim como atores principais em 2022 gigantescos blocos de países que exercerão uma força centrípeta sobre Estados menores e um grupo de grandes Estados tais como a Índia e a Rússia que, por sua dimensão territorial ou demográfica, não poderão ser incorporados àqueles três grandes pólos.
  41. Cabe ao Brasil, diante desta tendência inexorável, em primeiro lugar, não se deixar incorporar a nenhum desses blocos de forma absoluta ou mesmo parcial o que afetaria sua capacidade de executar políticas de desenvolvimento com base no fortalecimento do capital e da mão-de-obra nacional; em segundo lugar, prosseguir na árdua tarefa de construção de um bloco sul-americano, região em que há muito maior homogeneidade e muito menos ressentimentos do que em outras regiões do globo, tais como a Europa ou a Ásia, para participar de forma mais eficiente do jogo político internacional de formulação de regras e para organizar um mercado maior para sua economia e a de seus vizinhos.
  42. A concentração de poder político vem se aprofundando com a gradual expansão da competência do Conselho de Segurança; a concentração de poder militar ocorre pela expansão e implementação agressiva dos acordos assimétricos de controle de armamentos, tendo como seu centro o Tratado de Não-Proliferação, e agora pelos esforços para restringir a posse de armas convencionais e de novas armas tecnológicas no contexto da guerra cibernética; a concentração de poder e de privilégios econômicos se verifica através da manutenção dos programas de proteção comercial, agrícola e industrial nos países altamente desenvolvidos enquanto que estes, simultaneamente, promovem com firmeza a abertura dos mercados dos Estados da periferia; a concentração de poder e dos privilégios tecnológicos se realiza pelos sistemas de restrição ao acesso e de controle do comércio de bens de tecnologia dual e da promoção de sistemas de proteção às patentes, cada vez mais benéficos a seus detentores.
  43. A crescente concentração de poder leva, de um lado, a tentativas permanentes dos Estados que dela se beneficiam de criarem mecanismos legais que a perpetuem e, de outro lado, fazem com que os Estados de maior potencial, vítimas dessa concentração de poder, se esforcem para desconcentrar o poder em nível mundial.
  44. Essa situação continuará a prevalecer em 2022 apesar dos esforços e das oportunidades que surgiram com a crise econômica que se iniciou em 2008 e que fez com que os países altamente desenvolvidos tivessem de abrir um espaço político maior, em especial para acomodar a China e países como a Índia e o Brasil nos seus esforços de criar uma nova “arquitetura” financeira (e econômica) mundial e de organizar novos mecanismos de governança política.
  45. Cabe ao Brasil, diante dessa perspectiva de cristalização do poder mundial e de seu extraordinário potencial, lutar com firmeza para impedir as iniciativas permanentes de consolidar privilégios e até de ampliá-los, em especial na área militar e tecnológica, e buscar a reforma dos organismos de governança mundial, tais como o Conselho de Segurança, para torná-los mais democráticos e menos instrumentos de arbítrio das Grandes Potências.
  46. A normatização das relações entre Estados soberanos, empresas e indivíduos se acelerou com a criação das Nações Unidas e de suas agências após a Segunda Guerra Mundial e vem incluindo, o que prosseguirá, a permanente tentativa de regulamentar as políticas internas dos países da periferia, quer sejam antigas ex-colônias, quer sejam ex-colônias recentes.
  47. A Grande Depressão de 1929, a fragmentação do sistema comercial e financeiro mundial, o surgimento do nazismo e a Segunda Guerra Mundial fizeram com que os Estados Unidos, com o objetivo de evitar catástrofes semelhantes futuras, preferissem abrir mão de sua ampla hegemonia do pós-guerra e criar um sistema multilateral cuja finalidade é prover a segurança coletiva, impedir uma nova guerra em escala mundial, controlar os conflitos locais e promover a cooperação econômica e o desenvolvimento. Com essa finalidade, as principais atividades dessas agências da ONU são promover a negociação de normas de conduta para os Estados em suas relações internacionais e, recentemente e cada vez mais, procurar definir parâmetros para as políticas domésticas dos Estados subdesenvolvidos, com vistas, no primeiro caso, a prevenir conflitos e, no segundo caso, a promover a adoção de políticas que correspondam a um ideal do modelo liberal-capitalista de organização da sociedade e do Estado. Esses parâmetros, que pela primeira vez surgiram como resultado das negociações da Rodada Uruguai, e que se concretizaram no conjunto de acordos que vieram a constituir a Organização Mundial do Comércio, limitam de forma significativa a capacidade dos Estados subdesenvolvidos de organizar e executar políticas de desenvolvimento necessárias à superação de suas fragilidades econômicas e sociais que fazem com que grandes parcelas de suas populações se encontrem na atual situação de extrema penúria, isto é , se encontrem abaixo da linha de pobreza.
  48. Essa normatização tem importância cada vez maior na medida em que ocorreu uma concentração de poder de toda ordem nos países altamente desenvolvidos, em paralelo a uma estagnação demográfica enquanto que, na periferia do sistema, ocorria uma explosão demográfica e uma proliferação de Estados a partir da independência dos territórios coloniais. Esta situação tornou urgente para os países altamente desenvolvidos, e que antes exerciam sua hegemonia e seu poder sobre esses novos Estados através dos sistemas coloniais, consolidar legalmente os privilégios políticos, militares, econômicos e tecnológicos por eles usufruídos e os mecanismos e instrumentos que tinham propiciado essa concentração de poder em seu favor.
  49. No período que transcorrerá até o ano de 2022 esse esforço de normatização internacional prosseguirá, inclusive na medida em que se estreitam os laços entre Estados e economias no seio dos processos de globalização e de multipolarização.
  50. Cabe ao Brasil diante dessa situação, e tendo de enfrentar as falsas maiorias constituídas por Estados mais frágeis econômica e politicamente e que vislumbram para si mesmos poucas possibilidades neste mundo cada vez mais desigual, procurar com firmeza, e sem recear um suposto “isolamento”, impedir que se negociem normas internacionais que dificultem a plena realização de seu potencial econômico e político.
  51. Em 2010, apesar de terem os Estados Unidos 23% do Produto Mundial; 8% das exportações mundiais; 11% dos investimentos externos mundiais; 27% das patentes solicitadas; 42% das despesas militares mundiais, sendo membro do Conselho de Segurança e de longe a maior potência nuclear não teriam eles, mesmo assim, capacidade para, sozinhos, transformar o mundo e o curso de suas tendências.
  52. Em 2010, tendo o Brasil 2,3% do Produto Mundial; 1,2% das exportações mundiais; 1,6% dos investimentos diretos estrangeiros mundiais; 0,3% das patentes solicitadas no mundo; 1% das despesas mundiais militares; não sendo membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas e não sendo potência nuclear, não teria o Brasil, com maior razão, capacidade, através de sua ação isolada, de radicalmente transformar a estrutura do sistema mundial nem o curso de suas tendências.
  53. Esta constatação não deve ser causa de desânimo mas, ao contrário, deve nos fortalecer em nosso propósito e determinação de transformar o mundo para torná-lo mais justo, mais próspero, mais democrático e para, no contexto daquelas tendências, articular e executar estratégias de desenvolvimento econômico e de afirmação política do Brasil.
  54. A ação brasileira em um cenário mundial, político e econômico tão complexo e difícil somente poderá ter êxito se articulada politicamente com a ação de outros Estados da periferia, sejam eles grandes Estados, como a Argentina, a África do Sul, a China e a Índia, sejam eles Estados de menor dimensão da África e da Ásia, mas certamente essa articulação deve começar pelos países da América Latina e nela pelos nossos vizinhos da América do Sul, no processo de formação de um bloco de nações sul-americanas.

Fonte:
SAE.
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24 junho 2010

Estado e Direitos Humanos no Brasil

Do AI-5 ao Programa Nacional de Direitos Humanos.

O texto, do colega  Marco Antonio Carvalho*, apresenta uma análise das relações entre Estado nacional e direitos humanos no Brasil entre 1968 e 1996, reconstruindo sinteticamente o processo histórico de incorporação dessa temática como política de Estado e evidenciando os condicionantes da atual configuração das políticas de direitos humanos no país
O estudo tem como marcos o Ato Institucional no 5 (AI-5), a Abertura, a Constituição de 1988 e o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). 

* Marco Antonio Carvalho é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e integra a Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, dasInstituições e da Democracia (Diest), do Ipea. 



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22 junho 2010

Brasil: novo ciclo de desenvolvimento

O Brasil conseguiu libertar-se de quase três décadas que oscilavam entre a estagnação e o crescimento pífio.

Durante muito tempo, o País "patinou".
Cresceu aquém do necessário para incorporar as novas gerações de trabalhadores em postos de trabalho; tinha dificuldades para reduzir a pobreza e elevar a renda em níveis suficientes para diminuir a desigualdade.

Um retrato desses avanços está nos gráficos do  Ministério da Fazenda.
(clique para abrir)

O Brasil mudou sua trajetória e pode finalmente falar um novo ciclo de desenvolvimento.
(Clique para abrir a apresentação do Ministro da Fazenda ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, 17/06/2010).

"O Brasil está, como diz a gíria, bombando" (Marcelo Nery, FGV).
(Clique para abrir)

Documento "Agenda para o novo ciclo de desenvolvimento" (junho 2010).
(Clique para abrir)

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21 junho 2010

Gangues, Gênero e Juventudes

"Gangues, Gênero e Juventudes: donas de rocha e sujeitos cabulosos" 
Livro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República

"O livro Gangues, Gênero e Juventudes: donas de rocha e sujeitos cabulosos explora o universo das gangues de pichadores no Distrito Federal, analisando seus discursos e vivências. Apresenta um elenco variado de temas, com ênfase na questão de gênero e nas construções transversais de masculinidades e feminilidades. O estudo desenvolveu-se por meio da observação de campo, da realização de entrevistas e grupos focais, de contatos na rede virtual e de pesquisa bibliográfica".
(Trecho extraído do resumo do livro pág. 19) 

Clique aqui para baixar o livro.

Referência (ABNT):
ABRAMOVAY, Míriam et alii. Gangues, Gênero e Juventudes: Donas de Rocha e Sujeitos Cabulosos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, 2010.

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20 junho 2010

World Refugee Day (June 20)

Sebastião Salgado (brazilian photographer), refugee camp of Benako, Tanzania, 1994, shown at Berkeley University homepage)
June 20 is World Refugee Day 
Did you know that?
Tell your friends. Tell your family.
Show who the refugees are to your children and be prepared: they will ask you why.
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Dia Mundial dos Refugiados

Foto de Sebastião Salgado, no campo de refugiados de Benako, Tanzânia, 1994, reproduzida na página da  Universidade de Berkeley)
20 de junho é  Dia Mundial dos refugiados
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18 junho 2010

Ficha limpa


TSE define que Lei da ficha limpa vale desde sempre 

Abrange condenados por órgão judiciário colegiado mesmo antes da promulgação da lei e vale para as eleições deste ano 

17 junho 2010

Bioética

Livro Bioética no Estado Brasileiro, de Swedenberger Barbosa, é referência sobre o tema.
Na foto: Swedenberger Barbosa (que é Chefe de Gabinete-Adjunto do Presidente da República), o Presidente Lula e Míriam Belchior (Secretária de Acompanhamento e Monitoramento, da Casa Civil da Presidência da República). 
Fonte: Correio Braziliense, 17/06/2010.

Resultado de dissertação de mestrado em Bioética, defendida na Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília (UnB).  Publicação: Editora da UnB, 2010.
Mais detalhes sobre o livro: "release" da editora.

O termo bioética "foi usado pela primeira vez em 1971, pelo cancerologista americano Van Rensselaer Potter. Seu livro, "Bioethics, a bridge to the future" (Bioética, uma ponte para o futuro), abordou as questões éticas relacionadas a pesquisas com seres humanos, avanços da biomedicina e outras áreas da ciência. Por algum tempo, o termo ficou confinado ao contexto biomédico e biotecnológico, até que, a partir dos anos 1980, começou a ser levado a outros campos. Hoje, a bioética também aborda questões sanitárias, sociais e ambientais".
Fonte: Correio Braziliense, 17/06/2010.
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16 junho 2010

Refugiados


O que são os refugiados?
Qual a sua situação no Brasil e no mundo?
Quantos são? De onde vêm? Para onde vão?


O relatório "Tendências Globais", do Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR), de junho de 2010, mostra que o número de refugiados tende a aumentar, no mundo inteiro, como resultado da escalada de guerras e conflitos em muitos países.

O relatório evidencia um efeito positivo do fim do Apartheid (o regime de segregação racial) na África do Sul: este país tornou-se o mais importante destino de refugiados no mundo.

O Brasil tem uma postura generosa com relação aos refugiados, abrigando-os e garantindo-lhes direitos que são negados em muitos países ditos "avançados", como os da Europa e os Estados Unidos.
  • Veja a reportagem da NBR (TV do Governo Federal) sobre o relatório do ACNUR.
  • Mais detalhes, na própria página do ACNUR na internet.
  • Lembrete: dia 20 de junho é o Dia Mundial do Refugiado. Veja a mensagem que Angelina Jolie (Embaixadora voluntária do ACNUR) deixou pra você a esse respeito.
  • O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado tem sido um dos mais importantes ativistas responsáveis por chamar a atenção a respeito do drama dos refugiados. Veja o ensaio fotográfico "Crianças refugiadas", divulgado pelo ACNUR. A foto acima também é deste fotógrafo, no campo de refugiados de Benako, Tanzania, 1994, reproduzida na página da  Universidade de Berkeley).
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A escravidão no Brasil


Uma pesquisa da Universidade de Brasília revela dados importantes e abre portas a uma outra interpretação sobre a dimensão da escravidão no Brasil Imperial

A escravidão no Brasil era mais comum e cotidiana do que se imagina. Os escravos não apenas foram a mão-de-obra essencial à produção econômica agroexportadora, ligada aos ciclos econômicos do açúcar e do café. Ela estava presente em toda a produção da vida material da Colônia e do Império.

Conforme a pesquisa (divulgada pela UnB), apenas 27 dos 25 mil proprietários de negros escravizados registrados oficialmente em Estados como São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Piauí, em 1873, tinham mais de 100 escravos. Mais da metade dos proprietários tinha até 4 escravos e pelo menos 10 mil eram proprietários de apenas um.

Além dos grandes latifundiários, os escravos (em sua maioria) estavam nas casas de famílias comuns de brancos e também em pequenas propriedades rurais. Descobriu-se que, em Pernambuco, que foi a capitania mais importante para Portugal e centro da atividade econômica do açúcar, entre os séculos XVI e XVII, mais da metade dos senhores tinha menos de 20 escravos.


Os números da pesquisa, apresentados em debate do Núcleo de Estudos Comparados do Escravismo Brasileiro (UnB), fazem parte de um projeto que envolve também a UFPE, a Universidade de São Paulo (USP) a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e a do Rio Grande do Sul (UFRGS).


A pesquisa baseou-se em quase quatro mil inventários de propriedade. Os escravos eram considerados uma propriedade dos senhores. Os documentos abrangem quase um século de escravidão, alcançando o período de 1800 a 1888. Significa dizer que o estudo toma um período posterior ao do auge do sistema escravista, que é o do ciclo do açúcar. Outra questão que precisa ser analisada é de até que ponto esses dados não foram afetados pela legislação posterior que, paulatinamente, foi estabelecendo algumas restrições à escravidão (como as leis do Ventre Livre, Sexagenários e de proibição do tráfico).


De todo modo, a pesquisa tem uma importância extraordinária. Pode dar uma ideia mais precisa da escravidão no século XIX, ou seja, em sua fase final. Principalmente, pode dar pistas mais precisas sobre seu declínio - acelerado com a expansão cafeeria pelo interior paulista - e sua sobrevivência subterrânea, mitigada na forma de trabalho doméstico, no trabalho informal e na dependência econômica, nas relações de compadrio e troca de favores.

A pesquisa será lançada em livro (dois volumes) e foi financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF).
 

Mais detalhes sobre a pesquisa estão na página da UnB


Sobre o assunto, leia também 

A obra clássica de Jacob Gorender, "O Escravismo Colonial".


Escravidão, racismo e a obra de Gilberto Freyre.



10 junho 2010

07 junho 2010

Impostos, imposturas e impostores: o debate sobre a carga tributária no Brasil



Há algo de estranho, mas também algo de novo no debate sobre os tributos pagos no Brasil. É possível perceber um realinhamento em torno desse tema que, no futuro, pode tornar-se uma grande bandeira no campo conservador. A tendência é a de que a questão tributária assuma o antigo posto que já foi ocupado pela inflação: o de buraco negro do debate nacional, que absorve tudo à sua volta, relegando problemas essenciais a uma atenção e esforço menores. O dragão se foi; é a vez do leão ocupar o posto de vilão.


Note-se que, todo ano, a agenda sobre o tema é trazida à tona por duas ações promovidas pela Associação Comercial de São Paulo. Com destaque cada vez maior na imprensa, estão se tornando tão tradicionais quanto um Dia de Finados. O primeiro é o "dia da liberdade dos impostos", que neste ano caiu em 28 de maio. É a data a partir da qual se estima que os brasileiros começariam a embolsar seus rendimentos, livres da mordida do leão do Imposto de Renda. O segundo dia, também "comemorado" em espírito de Finados, se dá quando um medidor que estima o volume de impostos arrecadados, apelidado de impostômetro, marca alguma cifra extraordinária. No 2 de junho, ele cravou meio trilhão de reais que se supõe terem sido arrecadados por União, Estados, Municípios e Distrito Federal, desde o início do ano. O número gigantesco fica estampado em um luminoso sobre a sede da Associação Comercial paulista.


O espírito do capitalismo sentiu-se diretamente provocado quando o presidente Lula saiu em defesa da arrecadação de impostos e tocou no xis da questão: o debate de fundo sobre o quanto se paga diz respeito ao que se quer do Estado e a quem ele beneficia.


O estranho é que ninguém gosta da carga tributária brasileira, mas todos a carregam nas costas, certo? Errado. A maioria que paga tributos é aquela a que não tem escapatória, sendo que os mais pobres arcam proporcionalmente mais que os ricos.


Então, quem mais reclama contra o sistema atual são os mais penalizados, certo? Errado. Os que mais reclamam são os que pagam relativamente menos tributos e repassam seus custos aos consumidores de produtos e serviços.


Será que a grande reclamação dos que pagam o custo do Estado é a de que não recebem serviços públicos adequados, em especial em saúde e educação? Nada disso. Essas duas áreas são bem avaliadas pela população de usuários de seus serviços; sua imagem é pior entre aqueles que não os utilizam.


Mas, pelo menos, os que reclamam da pesada carga imposta são ávidos defensores da reforma tributária, certo? Também não. Eles estão politicamente ligados aos que bloquearam a proposta de reforma encaminhada pelo governo Lula ao Congresso, em 2008.


O que há de novo no Brasil é que, até então, o debate econômico esteve concentrado em inflação e, por tabela, em juros. Uma tentativa de redirecionar a agenda conservadora e retomar a ofensiva perdida desde o governo Lula se deu pela crítica ao tamanho do Estado e ao volume (considerado baixo) de investimentos em infraestrutura. Tal ofensiva foi dificultada pela transformação do PAC em eixo do segundo mandato, pela elevação significativa dos investimentos em infraestrutura, pela estabilidade na relação dívida/PIB, pela retomada do crescimento e até por um risco de apagão de mão-de-obra em certos setores superdemandados. O xeque mate veio quando a crise internacional demonstrou a diferença que um Estado robustecido faz quando a especulação financeira ameaça levar países ao fundo do poço, empresas à bancarrota e empregos à estagnação.


Derrotada, essa agenda tende a ser substituída por outra, focada no combate sem trégua à ação arrecadatória do Estado. Tem gente se esforçando muito para fazer com que o ódio aos impostos ganhe ares de mobilização voltada a conquistar a opinião pública.


Em várias cidades, coincidentemente, nos Estados mais ricos, as organizações empresariais ou a elas associadas (como ongs) promoveram atividades voltadas a chamar a atenção dos consumidores sobre quanto eles pagariam sem a incidência de impostos. O alvo preferencial foi o preço da gasolina. No papel de Judas a ser malhado, a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, um verdadeiro palavrão para o liberalismo). O curioso é que, no preço da gasolina, a CIDE não é o principal tributo. Aliás, a soma de todos os tributos federais sobre a gasolina (CIDE, PIS/PASEP e Cofins) é de 15%, pouco mais da metade do ICMS, imposto estadual que abocanha 28% do que cada cidadão paga na bomba. O ICMS sobre a gasolina chega a ser a principal fonte de receita de alguns governos estaduais.


Mas a vilanização dos impostos, mesmo que estaduais, deve ser analisada com cuidado. Para se tomar um outro exemplo, mais que o dobro do valor pago em tributos sobre o botijão de gás de cozinha é estadual (mais de R$5,00), comparado aos pouco mais de R$2,00 de impostos federais. No ano passado, o presidente Lula empreendeu negociações com alguns governadores de Estado, no Norte e Nordeste, para encontrar uma solução de comum acordo para a redução do preço do botijão de gás, que esbarrou na dificuldade alegada por muitos de reduzir suas alíquotas de ICMS. De todo modo, embora os impostos sobre o gás cheguem a quase 20%, mesmo que fossem retirados todos os eles, o botijão ainda assim seria caro para famílias de baixa renda.


As pessoas sabem que não existe solução mágica. Do contrário, já teria sido eleito presidente da República o candidato que, a cada eleição, defende a proposta de imposto único de 1% sobre transações de débito e crédito.


Mesmo assim, a agenda da redução de impostos pode ganhar mais fôlego do que no passado, empurrada pela intensificação do combate à sonegação. Muitos dentre os mais ricos passaram a pagar impostos pra valer “pela primeira vez na História do País”, graças à ação mais agressiva da Receita Federal, das procuradorias responsáveis pelas ações judiciais contra os sonegadores, do Coaf (o Conselho de Controle das Atividades Financeiras) e do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (criado em 2004, no âmbito do Ministério da Justiça). Em 2005, legislação federal instituiu a nota fiscal eletrônica, que Estados e municípios passaram a tornar obrigatória. Indústrias de bebidas passaram a ter sua produção monitorada por medidores de vazão; empresas de ônibus, por tacógrafos; as de tabaco, por contadores de cigarros. Parte do rastreamento de operações financeiras, antes proporcionado pela CPMF (extinta em 31 de dezembro de 2007), passou a ser feito por duas novas instruções normativas baixadas pela Receita, para tentar compensar a perda das informações antes obtidas com a CPMF. Medidas como essas têm reduzido paulatinamente a quantidade de impostores, ou seja, dos que usam subterfúgios para não pagar impostos, mas aumenta o ódio à carga tributária e a grita por sua redução - o que atrai os que pagam seus impostos rigorosamente.


O sistema tributário tem problemas que podemos chamar de estruturais, com todas as letras. Seu debate pode se tornar ideologicamente polarizado por dois extremos: de um lado, os que acham que o mais importante é ter uma carga tão baixa quanto a dos Estados Unidos; de outro, os que propõem serviços públicos tão bons quanto os da Suécia. É possível um meio termo, mas não se pode defender as duas coisas ao mesmo tempo – a conta não fecha.


O assunto tende a ganhar dimensão política mais ampla também por uma razão benéfica e, curiosamente, gerada pela política social do governo Lula. Um dos avanços mais marcantes dos últimos anos tem sido a redução acelerada da miséria e a elevação de amplos contingentes de pessoas pobres a patamares de classe média. São pessoas que passaram a comprar fogões, geladeiras e, agora, automóveis e residências – portanto, começaram a pagar uma carga razoável de impostos, taxas e contribuições. Têm carteira assinada e desconto de imposto retido na fonte, informado em contracheque. Doravante, terão que fazer a enfadonha e pouco amigável declaração anual de imposto de renda.


Com isso, reclamar de impostos passará a ter uma audiência cada vez mais ampla. É um aspecto positivo que demonstra a transição do País para um novo patamar e abre uma disputa política e ideológica sobre esta nova classe média. É isso que pode dar um substrato social mais amplo ao pensamento conservador, a depender da estratégia sobre o tema (ou da falta dela) por parte da esquerda e da direita .


Ou seja, há sinais de que estamos diante de um realinhamento sobre o tema capaz de produzir consequências políticas e ideológicas de grande relevância. Por enquanto, o grande problema para o pensamento conservador brasileiro continua sendo que ele ainda não ganhou referência política clara. Um tema dessa magnitude, que lhes poderia dar “liga” ideológica e programática, tem diante de si duas grandes pedras no meio do caminho.

A menor delas é que uma parte do atual sistema tributário foi montada por esses partidos, quando compunham a antiga coalização governante. Os criadores teriam que rejeitar sua própria criatura – o que não chega a ser um grande problema, basta ver o caso da CPMF. Mais importante é o fato de que uma das mudanças de peso da proposta de reforma encaminhada pelo Governo Lula afeta os Estados mais ricos, muitos deles hoje governados pela oposição. Trata-se da transferência da cobrança do ICMS dos Estados produtores, locais de origem das mercadorias, para os Estados consumidores, de destino para o consumo.

São dois obstáculos que podem desorganizar essa agenda do campo conservador.

De todo modo, é preciso ficar atento, pois há um movimento coordenado para dotar a direita de algo que hoje lhe falta: uma bandeira ampla e poderosa o suficiente para fazê-la voltar a ganhar eleições presidenciais.
Antonio Lassance. 
Pesquisador do IPEA, 
Professor de Ciência Política do Centro Universitário Unieuro.


Artigo publicado na Carta Maior, 7 de junho de 2010.


Referência bibliográfica (ABNT):

LASSANCE, Antonio. Impostos, imposturas e impostores: o debate sobre a carga tributária no Brasil. Carta Maior. São Paulo, 7 junho 2010. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4666 Acesso em: 7 junho 2010.


Crédito da imagem: a foto acima foi escolhida por sugestão de Gabriele Oliveira Lassance e é da página do Grupo de Educação Fiscal de Rondônia.

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04 junho 2010

A velha governança global agoniza

Foto: Xadrez, pelo pintor Giovanni Garinei (1846 - nd)
O jornalista Assis Moreira é um especialista em questões internacionais. Brasileiro, radicado em Paris, escreve sobre relações comerciais e diplomáticas, com um olhar atento sobre a atuação do Brasil.
Diz ele, em resumo, que
  • O Brasil é um ator incontornável nas negociações comerciais e de combate à mudança climática. 
  • É o único dos Bric que não tem poder nuclear, por exemplo, e é obrigado a jogar com o "soft power", o poder que nasce do exemplo, da liderança moral e cultural.
  • O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma visibilidade maior à política externa por seu carisma e sua história pessoal.
  • É preciso que o Brasil se prepare:  ao ter dado uma "trombada" nos EUA na questão do Irã, deve ter claro que vai receber outra de volta "no jogo duro das relações internacionais".
Abaixo, o artigo completo:

Os riscos da governança global
Por Assis Moreira, de Paris
Há dois anos, o National Intelligence Council (NIC) dos EUA publicou o relatório "Tendências Globais 2025", incluindo cenário no qual o Brasil atua como mediador em situações de crise no Oriente Médio e na Ásia para "ajudar a reconstituir o tecido internacional", num desempenho diplomático "que os EUA não podiam igualar naquelas circunstâncias". A realidade chegou antes do que imaginava o centro de estudos dos serviços de inteligência americano. O Brasil e a Turquia, ao negociarem no Irã acordo sobre a questão nuclear, irromperam no clube dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, espécie de diretório político do planeta, e escancararam as insuficiências da velha governança mundial, nascida após a Segunda Guerra.

O Brasil é um ator incontornável nas negociações comerciais e de combate à mudança climática, por exemplo. O país não é suficiente para fechar um acordo, mas sem ele tampouco há decisão. Na parte política, sua influência é mais limitada. É o único dos Bric que não tem poder nuclear, por exemplo, e é obrigado a jogar com o "soft power", o poder que nasce do exemplo, da liderança moral e cultural.

O acordo com Teerã despertou a atenção internacional por ser a primeira vez que atores médios têm ação em tema estratégico, de proliferação nuclear. Não produziu todo o efeito, como ficou claro na reação dos EUA. Mas foi recebido na Europa, pelo menos, como o primeiro ensaio da nova época que será este século, na avaliação de Thierry de Montbrial, diretor do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri). Ou como a "prefiguração do fim do monopólio político das grandes potências", conforme outro analista, Bernard Guetta.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma visibilidade maior à política externa por seu carisma e sua história pessoal. A descoberta do pré-sal aumentou a importância econômica e estratégica do país, assim como a aceleração do crescimento econômico, o impacto limitado da crise financeira, a redução da pobreza e da desigualdade. O Brasil é um dos celeiros alimentares do mundo, tem uma das últimas fronteiras agrícolas inexploradas e boa parte das reservas de água doce do planeta.

Apoiado em tudo isso, Lula recusa que novos atores na cena global sejam considerados "intrusos" pelo "clube" baseado na geopolítica de 1945, quando Roosevelt, Stalin e Churchill decidiam o destino do mundo em torno de "uma garrafa de uísque".

"Brasil, China, Índia vão ter um papel diplomático mais e mais importante e se envolver em questões extremamente sensíveis nas quais as grandes potências fracassaram, e as consequências disso serão consideráveis em 10 ou 15 anos", diz Montbrial.

Ele vê o risco de antigas fraturas Leste-Oeste e Norte-Sul serem substituídas progressivamente por uma nova fratura, apenas perceptível, entre um Oeste mais e mais defensivo e países emergentes como o Brasil e a China reivindicando seu espaço na governança global. "Estamos engajados numa corrida contra o relógio", afirma. "Na falta de uma governança adequada, a mundialização irá diretamente contra o muro."

A governança global emergiu progressivamente a partir dos entendimentos restritos no Congresso de Viena (em 1815, que redesenhou o mapa político da Europa depois da derrota da França napoleônica); em Paris (em 1856, com os princípios do direito marítimo); Berlim (em 1884, com a partilha imperial da África e outras disposições colonialistas); Versalhes (em 1919, imposição de reparações à Alemanha e criação de novos Estados na Europa); e a conferência de San Francisco (em 1945, que criou a ONU).

Como diz o diplomata e sociólogo Paulo Roberto de Almeida, o conceito de governança (e não governo) global tem a ver com a gestão partilhada de problemas comuns, como segurança e estabilidade (o controle de Estados belicosos e de movimentos terroristas), com o crescimento sustentado de países pobres (Estados falidos podem exportar a sua miséria) e com a preservação ambiental (desequilíbrios provocados pelo homem têm impacto profundo no futuro das sociedades). As crises resultantes da má gestão financeira também podem ter efeitos globais desastrosos, como a iniciada nos EUA em 2008, que afetou o mundo todo.

Na prática, porém, as autoridades nacionais cuidam dos próprios problemas e adotam políticas que empurram as crises para os demais. "É o que ocorre com práticas como o protecionismo dos ricos, a recusa de ceder espaço a novos competidores, a incapacidade ou a falta de vontade de empreender ações corretivas nos planos ambiental, criminal (tráfico de drogas ou de pessoas, por exemplo) e em outras áreas com possível impacto extrafronteiras", diz Almeida.

Analistas concordam que grandes reformas da governança mundial só ocorrem mesmo como resultado de guerras globais ou outras grandes turbulências culturais ou desastres humanos. A agenda internacional está pesada, pelos fracassos da negociação comercial conhecida como Rodada Doha, pelo impasse no acordo do clima, pela ausência de progressos práticos no G-20 financeiro. Tudo isso reflete a mediocridade das lideranças políticas com intensos lobbies internos que impedem reformas. E não apenas na Europa. Quanto ao Brasil, dizem que seus problemas não têm a ver essencialmente com o sistema internacional, todos são "made in Brazil".

A "boa notícia", afirma Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), é que a pior crise econômica e financeira dos últimos tempos acelera a nova arquitetura da governança global, na qual ele vê um "triângulo de coerência". De um lado, o G-20, grupo das 20 maiores nações representando mais de 80% da produção mundial, dá a liderança política. De outro, as organizações internacionais fornecem a especialização, negociam as regras, políticas ou programas. E o terceiro lado do triângulo é a ONU, como foro para "accountability" - prestar contas pelo que cada um faz.

No longo prazo, tanto o G-20, que se torna uma espécie de diretório econômico do planeta, como as agências internacionais, vão reportar-se ao "parlamento" das Nações Unidas. Já a reforma do Conselho de Segurança da ONU continua no impasse. A França, sem peso decisivo, acena com nova proposta, prevendo a criação de um status intermediário entre membros permanentes e não permanentes, com os novos membros sendo designados por dez anos sem direito de veto.

"A crise econômica foi um divisor de águas da história e vemos com clareza que o mundo está se configurando de maneira diferente", observa Felipe González, ex-presidente espanhol. Dominique Moisi, professor visitante da Universidade de Harvard, completa: "O longo período de dominação ocidental, encorajada e acelerada pelos próprios erros e comportamento irresponsável, está acabando".

Para Alfredo Valladão, professor do Instituto de Ciência Política de Paris, a força dos emergentes vem da globalização, da fragmentação das cadeias produtivas, de um sistema financeiro que deu crédito barato e abundante para investir em todo lugar. Nota que os EUA e a União Europeia (UE) representam dois terços do consumo final mundial e sem esse consumo e sem crédito "não tem desenvolvimento na China nem em lugar nenhum".

O Deutsche Bank estima que as economias emergentes poderão ter um crescimento acumulado de 30% até 2012, comparado a apenas 5% nos países desenvolvidos - o que vai se refletir na relação de forças.

Na média, as economias emergentes poderão crescer 4% a mais por ano do que as economias industrializadas nos próximos três a cinco anos, conforme o estudo intitulado "O Novo Mundo", assinado pela economista Maria Laura Lanzeni.

Os emergentes representarão 40% da produção mundial dentro de três anos, num salto enorme em comparação aos 25% de 2005. Segundo o Fórum Mundial de Economia, a desintegração da União Soviética, o despertar da China como usina do mundo e financiadora dos déficits americanos e as reformas econômicas na Índia representaram a inclusão de 1 bilhão de pessoas na força global de trabalho. O comércio mundial triplicou e cresce duas vezes mais que a produção, com os países em desenvolvimento representando 38% em comparação aos 23% de há 20 anos.

Como resultado do rápido crescimento e integração, as economias emergentes incluíram 400 milhões de consumidores de classe média na economia mundial. O aumento é de 70 milhões por ano, dos quais 20 milhões fora da China e Índia.

O mercado de capitais se globalizou. A média diária de transações cambiais supera US$ 4 trilhões por dia. As sociedades estão mais interconectadas pelo avanço tecnológico. O custo de três minutos de ligação telefônica dos EUA para a França caiu de US$ 4,14 em 1988 para US$ 0,06. A internet é utilizada por um quarto da populacao mundial de 6,7 bilhões de pessoas. Brasil, Rússia, Índia e China sozinhos têm mais de 1,3 bilhão de utilizadores de telefones celulares.

Para Valladão, Brasil, China e Índia querem ter o status de potência, mas sem aceitam a responsabilidade. "Como dependem da globalização, têm que defender a globalização. A maioria acha que está ótimo. Quem está com medo da globalização são os europeus. Mas têm que assumir responsabilidade para continuar. É aí que ficam com medo, porque se assumem responsabilidade perdem soberania."

"É fundamental fazer a diferença sobre o que era potência emergente no fim do século XIX e XX, quando na Alemanha e nos próprios EUA o poder econômico era nacional e controlado pelos governos nacionais", afirma. "Os países emergiam contra os outros ou paralelamente aos outros. Hoje, os que estão emergindo estão dentro de um sistema globalizado, dependem dos outros, não vão contra os outros. Podem até pensar que querem ir. Como estão emergindo agora, querem ser vistos como multipolares. Só que, para ser considerados assim, têm que defender esse sistema."

Já os EUA, que fazem metade das despesas militares do mundo, querem continuar a ser "o sistema". Mas seu papel de estabilizador final é posto em dúvida: o xerife é relutante e o mundo tem suspeitas. Barack Obama procura exercer nova liderança, mas quem decide mesmo é o Congresso. E este reflete o grande temor americano com perda de competitividade, queda de produtividade, transformação de economia industrial em economia de servicos. O lento declínio é doloroso. As figuras centristas do Congresso estão desaparecendo, dando lugar a parlamentares radicais e histriônicos que defendem posições particulares e ignoram soluções globais.

Ou seja, quando mais se precisa da potência para posições globais, os EUA estão cada vez mais locais. Os EUA e a UE sabem que têm que deixar espaço para os emergentes. Mas isso é menos doloroso para os europeus, que, a cada vez que se reúnem, têm de buscar compromissos. Já a administração Obama fala em multilateralismo, mas "desde que Washington convoque, distribua os papéis, decida", como nota o embaixador Rubens Ricupero. "Quando chega o momento em que o Brasil acha que pode evoluir nesse processo, os EUA não aceitam. Mas eles [EUA] estão num beco sem saída."

A China já tem comportamento de potência, considerando os grupos e foros internacionais apenas instrumento. Quer se aproveitar de uma soberania substancial. A Índia está mais focada no regional, com seu status nuclear consolidado pelo pacto com os EUA.

Para outros analistas, Brasil, China e Índia se movem pelos mesmos critérios que se moviam os EUA e a UE, e não se pode esperar que sejam mais generosos do que foram as potências. Negociadores europeus dizem que, no G-20 financeiro, o Brasil sempre busca um maneira de encontrar solução. O país também assumiu responsabilidades no Haiti, comandando as operações de paz da ONU. E, quando assume responsabilidade, assume riscos. O que não pode é achar que não vai ser cobrado e dar trombadas, diz um experiente diplomata. Referindo-se à fricção com os EUA sobre o Irã, alerta que, quando se dá uma trombada, é preciso preparar-se para receber outra de volta no jogo duro das relações internacionais.

Além disso, nota Valladão, quando se sai pelo mundo, "é ingenuidade" achar que só vale a realpolitik e os valores não devem entrar nas relações internacionais. Ou seja, valores são também influentes em definir os interesses políticos. Estes não são definidos no vazio, estejamos ou não cientes disso.

Outro ponto é consolidar sua potência regional. Anthony Pereira, diretor do Instituto Brasil do King"s College, da Universidade de Londres, fez uma palestra no Instituto Real de Defesa, da Inglaterra, em meio a certo ceticismo sobre sobre o acordo do Brasil e Irã e indagações sobre a falta de mediaçao brasileira em algumas tensões sul-americanas, como entre Venezuela e Colômbia ou Argentina e Uruguai. O incontestável, em todo caso, é que na conjuntura atual o Brasil só tem a avançar seu papel na cena internacional "com as cobranças para assumir mais responsabilidades".

Referência para citação (ABNT):
ASSIS MOREIRA. A velha governança global agoniza. Valor Econômico, São Paulo, 4 junho 2010. Disponível em: https://www.valor.com.br/?impresso/eu&_fim_de_semana/312/6303393/a-velha-governanca-mundial-agoniza&scrollX=0&scrollY=114&tamFonte= Acesso em: 4 junho 2010.
Referências conforme as orientações da Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina.

Postado por Antonio Lassance 
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