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31 março 2020

Pandemia de Coronavírus e a crise econômica


Carta aberta da comunidade do Ipea


O momento é grave diante do atual cenário internacional. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que estamos enfrentando uma pandemia de COVID-19 e conclamou todos os países a adotarem medidas que evitem a transmissão do Coronavírus. Entre as recomendações da OMS está o distanciamento social. Já há estudos científicos publicados que apontam a redução da circulação de pessoas como uma importante medida. O objetivo é reduzir o número de óbitos e também evitar a sobrecarga dos sistemas de saúde.

No entanto, estas restrições terão um grande impacto econômico negativo. Neste cenário, entendemos que a escolha do Governo deve ser por minimizar tanto quanto possível as mortes causadas por esta pandemia e, ao mesmo tempo, adotar um plano de ação com medidas que aliviem o inevitável choque econômico de caráter recessivo. Diversos países já vêm adotando medidas de isolamento social combinadas com políticas que ampliam a proteção social do Estado.

No Brasil, observa-se que economistas de diferentes escolas têm defendido publicamente maior gasto com políticas públicas de saúde e sociais, ainda que o teto de gastos não seja respeitado.

Nesta carta, defendemos que:

1) É de primeira ordem seguir as recomendações científicas e da OMS de manter o isolamento social, a fim de reduzir a transmissão do vírus e a demanda sobre os serviços de saúde;

2) Urge informar a população com transparência e preparar projetos com o objetivo de garantir que as populações de áreas pobres possam adotar a quarentena;

3) É urgente a adoção de um pacote de medidas sociais para proteger os mais vulneráveis, os mais pobres e o trabalhadores informais. Nessa linha, entre outras políticas, deve-se não apenas elevar o número de beneficiários no programa Bolsa Família e o valor dos benefícios, como também estender os benefícios sociais a outras famílias do Cadastro Único de forma a garantir que o terço mais pobre da população seja atendido;

4) Neste cenário de recessão, necessita-se de um projeto que garanta minimamente tanto os patamares da demanda como da estrutura da oferta na economia. Por esta razão, devem ser adotadas medidas que evitem as demissões e as reduções ou suspensões de salários, seja no setor público, seja no setor privado, medidas essas que afetariam o padrão de renda das famílias e implicariam em redução ainda maior na demanda, agudizando a recessão. É preciso, nesse momento, incrementar os instrumentos de planejamento do Estado com vistas a manter as cadeias de produção e de abastecimento essenciais funcionando e adaptadas aos novos protocolos de segurança sanitária, notadamente os relativos aos alimentos e produtos médicos;

5) Deve-se apresentar um pacote de medidas direcionado à saúde, que garanta a realização de maiores investimentos no SUS e em pesquisas.

Na atual conjuntura, sustentar a renda e o consumo das famílias e ampliar o gasto público devem ser a prioridade absoluta da política macroeconômica. Preocupações com déficits e aumento da dívida pública, neste momento, não devem se sobrepor à urgência em reduzir as chances do caos social e econômico e do colapso total do sistema de saúde.

Assinam esta carta:

(Colegas do Ipea que desejam subscrever a carta, cliquem aqui http://afipeasindical.org.br/assinar-carta-sobre-pandemia/ ou enviem e-mail para comunicacao@afipea.org.br com nome completo, e-mail e cargo)

Acir Almeida
Adriana Maria Magalhães de Moura
Adroaldo Quintela Santos
Alexandre Arbex Valadares
Alexandre Cunha
Alexandre Gervásio de Sousa
Ana Amélia Camarano
Ana Cleusa Serra Mesquita
Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa
Ana Paula Moreira da Silva
André Calixtre
André de Mello e Souza
André Pineli
André Rego Viana
Andrea Barreto de Paiva
Anna Peliano
Antenor Lopes de Jesus Filho
Antonio Lassance
Anna Maria Chagas Ferreira
Antônio Semeraro Rito Cardoso
Antonio Teixeira Lima Junior
Aristides Monteiro Neto
Armando Esteves Ferreira
Bernardo Medeiros
Brancolina Ferreira
Bruno César Pino Oliveira de Araújo
Brunu Marcus Ferreira Amorim
Carlaile Pina Meireles
Carlos Octávio Ocké-Reis
Carolina Pereira Tokarski
Cecília Bartholo de Oliveira
Claudia Andreoli Galvão
Claudio Passos
Claudio Roberto Amitrano
Clayd da Silva Nunes
Cleandro Krause
Daniel Avelino
Daniel Cerqueira
Danilo Santa Cruz Coelho
Dilma Pena
Edmir Simões Moita
Eduardo Fiuza
Eduardo Luiz Zen
Edvaldo Batista de Sá
Elaine Cristina Licio
Elizabeth Marins
Enid Rocha Andrade da Silva
Erivelton Guedes
Ernesto Pereira Galindo
Eustáquio Reis
Fábio Alves
Fábio Sá e Silva
Fábio Veras Soares
Fabiola Sulpino Vieira
Felix Garcia Lopez Júnior
Fernanda De Negri
Fernanda Lira Goes
Fernando Brustolin
Fernando Gaiger Silveira
Fernando Werneck Magalhães
Frederico Barbosa
Frederico Thomaz de Aquino Franzosi
Gabriel Coelho Squeff
Gesmar Rosa dos Santos
Graziela Zucoloto
Guilherme Delgado
Gustavo Luedemann
Helder Rogério Sant’Ana Ferreira
Hubimaier Cantuaria Santiago
Isis Carneiro Agarez
Jardel Barcellos de Paula
Joana Luiza Oliveira Alencar
Joana Mostafa
João de Negri
Joao Evangelista da Silva
João Paulo Viana
Joana Simões de Melo Costa
José Celso Pereira Cardoso Júnior
José Eduardo Elias Romão
Júlio César Roma
Katia Rocha
Klecius Ferreira da Silva Muniz
Lauro Roberto Albrecht Ramos
Leandro Couto
Letícia Bartholo
Liliana Simões Pinheiro
Luana Simões Pinheiro
Lucas Benevides
Lucia Helena Salgado e Silva
Lucia Malnati Panariello
Luciana de Barros Jaccoud
Luciana Mendes Santos Servo
Luís Carlos Magalhães
Luís Eduardo Montenegro Castelo
Luís Gustavo Vieira Martins
Luiz Cezar Loureiro de Azeredo
Luiz Gonçalves Bezerra
Luseni Aquino
Magali Barbosa Ribeiro
Manoel Batista de Moraes Neto
Manoel Carlos de Castro Pires
Marcela Torres Rezende
Marcelo Galiza Pereira de Souza
Marcelo Medeiros
Marcelo Nonnemberg
Marco Antônio Carvalho Natalino
Marco Aurélio Alves de Mendonça
Marco Aurélio Costa
Marcos Antônio Vasques
Marcus José Reis Câmara
Maria Bernadete Sarmiento Gutierrez
Maria da Piedade Morais
Maria de Fátima da Costa
Maria do Socorro Elias de Meneses
Maria Elizabeth Diniz Barros
Maria Emília Barbosa da Veiga
Maria Fernanda Mesquita Pessoa
Maria Paula Santos
Marilia Steinberger
Marina Angela M. Esteves da Silva
Marina Nery
Martha Cassiolato
Maurício Cortez Reis
Maurício Galinkin
Mauro Oddo
Miguel Matteo
Milena Soares
Milko Matijascic
Monica Mora
Murilo José de Souza Pires
Napoleão Silva
Nelson de Moraes
Nilson Edison Souto Maior
Paulo Kliass
Pedro Cavalcanti Gonçalves Ferreira
Pedro Herculano G. Ferreira de Souza
Pedro Humberto Carvalho Junior
Pedro Miranda
Pérsio Marco Antonio Davison
Priscila Koeller
Rafael Osório
Rafael Pereira
Raimundo da Rocha
Raphael Rocha Gouvea
Regina Sambuichi
Renan Torres
Renato Nunes Balbim
Roberto Henrique Sieczkowski Gonzalez
Roberto A Zamboni
Roberto Nogueira
Roberto Pires
Roberto Sant`Anna Mattos
Rodrigo Fracalossi
Rodrigo Orair
Rodrigo Pucci Benevides
Ronaldo Coutinho Garcia
Ronaldo Dias
Ronaldo Ramos Vasconcelos
Rosa Mª. Sales de M. Soares
Rosiclé Batista de Arruda
Rute Imanishi Rodrigues
Salvador Teixeira Werneck Vianna
Sandra Silva Paulsen
Sandro Pereira Silva
Sandro Sacchet de Carvalho
Sérgio Francisco Piola
Sérvulo Vicente Moreira
Tatiana Dias Silva
Vanessa Nadalin
Walter Antonio Desiderá Neto
Walter Feliciano Behrens
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20 março 2020

Quarentena absoluta: ninguém entra, ninguém sai


E isso fez toda a diferença (para os outros).

"Em apenas oito dias de agosto de 1667, Elizabeth Hancock perdeu seus seis filhos e seu marido. Cobrindo a boca com um lenço para evitar o cheiro da decomposição, ela arrastou os corpos para um campo próximo e enterrou-os."

Leia a matéria completa na BBC Brasil.
("Esta reportagem faz parte do BBC Britain – uma série que explora histórias da ilha").

"Os parentes de Hancock foram vítimas da peste negra, a praga mortal que atingiu a Europa de forma intermitente entre os séculos 13 e 17, matando cerca de 150 milhões de pessoas.

A epidemia ocorrida de 1664 a 1666 foi particularmente grave e o último grande surto da doença na Inglaterra. Apenas em Londres morreram cerca de 100 mil pessoas, ou um quarto da população da cidade.

Em meio à devastação, o vilarejo de Eyam, lar da família Hancock, virou palco de um dos episódios de autossacrifício mais heroicos da história da Grã-Bretanha – e foi um dos principais motivos pelos quais a disseminação da doença foi interrompida.

Eyam fica a cerca de 56 quilômetros de Manchester e tem, atualmente, cerca de 900 habitantes. É um típico vilarejo do interior da Inglaterra: tem pubs, cafés aconchegantes e um igrejinha idílica.




Há 450 anos, porém, só se via a destruição causada pela peste negra: ruas vazias, portas marcadas com cruzes brancas e sons de agonia de pacientes moribundos atrás dessas portas fechadas.

A peste chegou a Eyam no verão (inverno no hemisfério sul) de 1665, quando um comerciante de Londres enviou amostras de tecidos infestadas por pulgas para o alfaiate local, Alexander Hadfield. Em uma semana, o assistente de Hadfield, George Vickers, já havia agonizado até a morte. Em breve, toda a sua família contrairia a doença e morreria.

Até aquele momento, a doença estava praticamente restrita ao sul da Inglaterra. Apavorados com a perspectiva de a praga se espalhar pelo norte, destruindo cidades e comunidades, os moradores perceberam que só tinham uma opção: a quarentena.

Isolamento
Sob orientação do padre anglicano William Mompesson, eles decidiram se isolar, criando um perímetro delimitado por uma barreira de pedras que ele prometeram não ultrapassar – até aqueles que não apresentavam sintomas.

“Isso significava que eles não podiam evitar o contato com a doença”, explica Catherine Rawson, secretária do Eyam Museum, que conta o caso em detalhes.

Também significava que era preciso fazer planos cuidadosos para assegurar que os moradores ficassem dentro dos limites e que outras pessoas fossem mantidas do lado de fora, mas que aqueles que estavam em quarentena ainda pudessem receber alimentos e outros mantimentos de que precisavam.


Os moradores estabeleceram um sistema de barreiras feitas com pedras com pequenos buracos, onde deixavam moedas empapadas de vinagre, que acreditavam ter ação desinfetante. Comerciantes de vilarejos vizinhos pegavam o dinheiro e deixavam carne, grãos e enfeites em troca.

Atualmente é possível visitar a barreira de pedras. Localizadas a menos de um quilômetro do vilarejo, essas pedras chapadas e ásperas viraram uma atração turística. Para honrar as vítimas da doença, até hoje as pessoas deixam moedas nos buracos, que ficaram menos marcados com o tempo – e com as crianças colocando os dedos dentro deles.

Ainda não há consenso sobre a forma como a notícia da quarentena foi recebida pelos moradores. Alguns tentaram deixar o local, mas aparentemente a maioria aceitou seu destino de forma estoica e pediu a Deus para continuar viva.

'A peste, a peste!'
Mesmo se tivessem deixado o local, eles certamente não seriam bem recebidos em outros lugares. Uma mulher saiu de Eyam para ir ao mercado do vilarejo de Tideswell, a 8 km de distância. Quando as pessoas perceberam de onde ela vinha, atiraram comida e lama, aos gritos de “a peste, a peste!”.

À medida que as pessoas foram morrendo, o vilarejo começou a entrar em colapso. Estradas começaram a desmoronar e o mato dominou os jardins. Ninguém fez a colheita das plantações e os moradores passaram a depender de alimentos trazidos de outros locais.

Eles estavam vivendo com a morte, literalmente, na esquina, sem saber quem seria a próxima vítima de uma doença que ninguém entendia. A peste em 1665 provavelmente lembrou o ebola em 2015, mas com ainda menos conhecimento médico.

Foram tomadas algumas providências para tentar impedir a disseminação da doença. Na primeira metade de 1666, 200 pessoas morreram.


Após a morte do homem responsável pelas lápides, os moradores passaram a gravar suas próprias. Alguns, como Elizabeth Hancock, enterraram eles mesmos os seus mortos, carregando os corpos das vítimas por meio de cordas amarradas aos pés delas para evitar contato com o morto.

Missas eram feitas ao ar livre para evitar a propagação da doença, mas em agosto de 1666 os efeitos eram devastadores: 267 pessoas, de uma população de 344, haviam morrido.

Acreditava-se que aqueles que não pegaram a doença tinham uma característica especial – hoje, especula-se que fosse um cromossomo – que impedia a contaminação. Outros acreditavam que rituais supersticiosos (como fumar tabaco) ou preces fervorosas paralisavam a doença.

Cheiros adocicados, órgãos podres
Jenny Aldridge, uma das gerentes da casa Eyam Hall do National Trust (instituição que cuida de palácios, castelos e outros patrimônios históricos britânicos), afirma que as vítimas da peste percebiam que haviam sido contaminadas quando começavam a sentir cheiros doces.

A mulher de William Mompesson, Katherine, percebeu que o ar estava adocicado uma noite antes de apresentar sintomas – só por isso ele soube que ela havia sido infectada. Ironicamente, o odor agradável surgia quando as glândulas olfativas detectavam que os órgãos internos do paciente estavam apodrecendo.


“Isso e a crença dos moradores de que doenças eram transmitidas pelo ar os levaram a usar máscaras com ervas dentro”, diz Aldridge. “Alguns chegavam a sentar em tubulações de esgotos: pensavam que a praga não poderia atingi-los em um local que cheirava tão mal.”

Após 14 meses, a doença se autoconsumiu, desaparecendo quase tão subitamente quanto apareceu. A vida voltou ao normal e o comércio se restabeleceu de forma relativamente rápida porque a mineração de chumbo, a maior fonte de riqueza de Eyam, era muito valiosa para ser ignorada.

Hoje, o vilarejo se transformou em uma cidade-dormitório para quem trabalha em Sheffield e Manchester, mas ainda há fazendas centenárias no caminho.

Para quem visita a cidade, uma das coisas mais impressionantes são as placas verdes que foram postas nas casas de campo atingidas pela peste. Muitas listam inúmeros membros que cada família perdeu.

As placas são uma lembrança constante para os habitantes do norte da Inglaterra de que eles e seus ancestrais podem dever suas vidas a esse corajoso povoado."













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18 março 2020

Retrospectiva 2020: o ano que já terminou

Com um governo como o de Bolsonaro e Guedes, quem precisa de Coronavírus?

Esta retrospectiva começa com a constatação óbvia de que Bolsonaro e Guedes quebraram o Brasil. 

Claro, houve o Coronavírus e a ele se seguiu uma fortíssima recessão mundial. Mas foram Bolsonaro, Guedes e sua legião de kamikazes antissociais - mais conhecidos como bolsominions - que levaram o país à beira do abismo. 

O Coronavírus apenas deu um empurrãozinho. Bolsonaro e Guedes certamente não inventaram a tempestade perfeita. Eles só colocaram nosso barquinho no meio dela, da forma mais desprotegida possível.

Já em 2019, portanto, bem antes da Covid-19, um governo tóxico, para quem a palavra "viral" era elogio, instaurou um círculo vicioso de desgraça, dando a isso o eufemístico título de "reformas". Nos bastidores, graças a um áudio vazado, descobrimos o verdadeiro nome da coisa: "foda-se!". Esta é a insígnia desse pessoal.

Crueldade acima de tudo, estupidez pra cima de todos

Mal se abriu o ano de 2020 e a propaganda do governo comemorou a queda do PIB como prova de que seus esforços para dinamitar o setor público deram certo.

Só que o bumerangue que Bolsonaro e Guedes lançaram retornou à sua testa. A falta de investimentos públicos e o corte drástico na renda dos brasileiros retiraram estímulos ao crescimento da economia, contribuíram para o endividamento das famílias e anularam a benesse do crédito com juros baixos. 

A deliberada má vontade para reverter ou pelo menos mitigar o desemprego e a explosão do trabalho precário - desprotegido e mal remunerado - tirou da arrecadação do governo recursos que antes vinham dos impostos sobre os assalariados, que são quem mais paga tributos neste país. 

Por um lapso cognitivo básico, Bolsonaro e Guedes se esqueceram que quem custeia a Previdência não é o governo, são as pessoas que pagam suas contribuições quando estão empregadas. 

A precarização e o desemprego expuseram um imenso contingente de pessoas ao Coronavírus. As mortes que resultaram dessa pandemia tiveram como alvo fácil aqueles que vivem de trabalhar na rua.

Antes que essa doença se disseminasse, o governo se prestou ao requinte de crueldade de taxar o seguro desemprego, de retirar o desconto de imposto de renda da contratação de domésticas com carteira assinada e de atrasar a concessão do Bolsa Família, formando uma fila de mais 3,5 milhões de pessoas que mal têm onde morar e o que comer. Para essas brasileiras e brasileiros, 2020 terminou ainda mais cedo.

Tiro no pé

Desde 2019, o ataque ao ensino e à pesquisa levou a um recorde na fuga de profissionais qualificados do país, formados ao longo de décadas por todos nós, em escolas, universidades e centros de pesquisa públicos. 

Em 2020, servidores públicos federais de alta remuneração se sentiram completos idiotas ao verem seu salário reduzido pelo governo em que votaram, de forma majoritária e entusiástica. Fizeram arminha e deram um tiro no pé.

O Ministério Público, depois de uma década e meia de atuação agressiva e tão livre quanto a tela branca de um PowerPoint, retrocedeu ao tempo em que seu chefe maior era conhecido como o engavetador-geral da nação. Alguns estão voltando até a usar pochetes, em homenagem aos anos 90.

Cavalo de Troia

Os militares, que foram tão essenciais para a construção do Estado nacional, viram desde 2019 seu legado para o país ser atacado, ameaçado e, em alguns casos, destruído.Eles servem a um governo que é o maior Cavalo de Troia de sua história, um presente de grego que os associa às quarteladas, ao AI-5 e à tortura, e não ao que houve de melhor e mais nobre em sua contribuição ao país.

Para quem não se lembra, os militares foram decisivos para que o Brasil tivesse correios, telégrafos e proteção ao índio (marechal Cândido Rondon); Correio Aéreo Nacional, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (marechal Casimiro Montenegro Filho); Petrobrás (general Horta Barbosa); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Almirante Álvaro Alberto); saúde pública (muitos dos primeiros hospitais públicos federais eram militares); educação e engenharia (a Escola Militar da Praia Vermelha, de Benjamin Constant, foi durante muito tempo a única escola de engenharia do país).

Em 2020, os militares - das Forças Armadas e os da Polícia Militar - começaram a perceber que quem dá vivas a Brilhante Ustra não é visto saudando Benjamin Constant, Rondon, Horta Barbosa, Montenegro Filho, Álvaro Alberto e Juscelino Kubitschek - sim, JK, que era tenente coronel da PM de Minas.

Conhecereis o flagelo, e o flagelo vos libertará

Precisou de um Coronavírus e de uma recessão para que fosse dada a pá de cal na desastrada agenda de privatizações. Aliás, os leilões foram fiascos desde quando quase ninguém se mostrou interessado em apostar suas fichas em um governo cujas decisões mais parecem surtos psicóticos. 

Mas, em 2020, a Covid-19 e a recessão deram um cala-boca no lero-lero privatista de Guedes.

Precisou de uma pandemia e da maior recessão que este país já viu, cujas consequências perdurarão pelos próximos anos, para que, pelo menos enquanto ela durar, se desse fim ao teto de gastos que fere de morte a saúde, a educação e a assistência social.

Precisou de um Coronavírus para o empresariado brasileiro, que um dia já foi representado por intelectuais e mecenas como Roberto Simonsen, Walther Moreira Salles e Antônio Ermírio de Moraes, começar a ter vergonha de ter, em sua comissão de frente, o sonegador que se veste de abacate com capa de cetim e cueca em cima do colã; o presidente da federação industrial que é um industrial falido; e o dono da maior casa de prostituição do país. Que fase!

Foram necessárias uma pandemia e uma recessão mundial para Bolsonaro perceber que seu governo, que já nasceu falido, foi encurtado, e que o melhor que ele podia fazer, em benefício próprio, era arranjar uma desculpa para ser afastado. Daí ele ter surtado com o Coronavírus.

Em 2021, ele poderá se dedicar com exclusividade aos empregos que já exerce de comentarista de Twitter e apresentador de "live" de Facebook. E poderá continuar culpando alguém, que não ele mesmo, pela situação tétrica do país. Poderá também se juntar a Collor de Mello entre os que reclamam que ia dar tudo certo ao final, mas não os deixaram chegar ao final. Já podem rir. A piada é esta mesma.

Saúde e paz

Os que chegaram até aqui, neste 31 de dezembro de 2020, podem dizer que viveram para ver Olavo de Carvalho e Silas Malafaia se xingarem de pilantras e charlatães, e assistirem a governadores bolsonaristas como Caiado e Witzel chamarem seus eleitores de imbecis e irresponsáveis. Eles têm toda a razão.

Bem aventurados os que não se renderam ao reacionarismo e à intimidação.

Bem aventurados os que gastaram seu tempo explicando em WhatsApp que a Terra é redonda.

Bem aventurados até mesmo os que argumentaram que, se Lula e Dilma tivessem mesmo quebrado o país, não teriam deixado quase 400 bilhões de dólares em caixa (o que até hoje segura o dólar a menos de R$7,00).

Bem aventurados os que insistiram que não existe essa coisa de mamadeira de piroca.

Bem aventurados sejam. A histeria os absolverá.

É uma pena que tenha sido preciso uma pandemia para expor o pandemônio.

Saúde e paz a todos em 2021.

* Antonio Lassance é cientista político. 
No Twitter: @antoniolassance
Artigo publicado originalmente na Carta Maior.
















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