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10 dezembro 2018

Apesar da fragmentação e pluralidade, é surpreendente a unidade na ação dos “coletes amarelos”,




O professor Ruy Braga interpreta esse paradoxo.

Diz ele, em Em artigo intitulado "O colete amarelo de E. P. Thompson" (Blog da Boitempo:

Parece-me que a natureza autenticamente popular e nacional do movimento e que tem assegurado sua ampliação para outros setores da sociedade francesa apoia-se naquilo que, em termos gerais, podemos chamar de defesa da “economia moral dos pobres”.

Trata-se de uma noção bastante conhecida nas ciências sociais e que foi desenvolvida por E. P. Thompson a fim de caracterizar a morfologia das mobilizações populares na Inglaterra do século XVIII. Para o historiador marxista:

“A ideia tradicional das normas e obrigações sociais, das funções econômicas próprias dos distintos setores no interior da comunidade que, tomadas em seu conjunto, podemos dizer que constituem a economia moral dos pobres. Um ataque contra estes supostos morais, assim como a privação em si, constituía a ocasião habitual para a ação direta”.1

Originalmente, essa noção buscou revelar o comportamento político insurgente da plebe inglesa no século XVIII partindo, em termos gerais, da centralidade dos valores tradicionais ou normas culturais não econômicas presentes em sua ação. Animada pela defesa dos costumes, a plebe semiurbana enfrentava a lei do mercado.

Assim, a liberalização do comércio de grãos pelo governo inglês e a mudança na forma tradicional de formação do preço do pão foi acompanhada por grandes insurgências populares que interpelavam os poderosos, atacavam moinhos, escarneciam autoridades e buscavam controlar os preços dos meios de subsistência a fim de resguardar sua economia tradicional contra as ameaças da alienação mercantil. Para tanto, a plebe insurgente recorria à gramática do direito consuetudinário inglês que, à época, subordinava o direito à propriedade ao direito à vida.

É neste sentido que percebemos certo paralelismo entre a práxis política da multidão inglesa do século XVIII buscando defender sua subsistência e o atual ciclo de protesto dos “coletes amarelos”. Assim como no século XVIII, o Estado nacional aparece tanto como instrumento da mercantilização quanto destinatário final das exigências ligadas à reprodução da economia moral. Além disso, vale observar que, como no século XVIII, os protestos atuais na França também acontecem relativamente distantes de uma diferenciação historicamente mais precisa das classes sociais fundamentais da sociedade capitalista.

Observamos atualmente um momento no qual uma plebe formada por diferentes estratos populares herdeiros de relações sociais passadistas resiste às ameaças trazidas pela mercantilização dos preços dos bens de subsistência impulsionada pela globalização econômica.

... 

Trata-se de um leque de reivindicações claramente balizado por um juízo de como a economia deveria funcionar em um sentido “moral”, isto é, em favor da subsistência da maioria e não da reprodução de uma camada cada dia menor de privilegiados representada pelo presidente Emmanuel Macron... 

Não é de se espantar que, diante do declínio do poder estrutural dos sindicatos o bloqueio da circulação apareça como uma alternativa viável de mobilização política. Ao impedirem os acessos às cidades, aos postos de gasolina e às estradas, os “coletes amarelos” superam sua invisibilidade e enfrentam a onda de mercantilização das terras urbanas e do trabalho em seus próprios termos, isto é, auto-organizados e sem representantes políticos.



1 Edward P. Thompson, Tradición, revuelta y consciência de classe (Barcelona, Editorial Critica, 1979), p. 66. Evidentemente, conhecemos a recusa do próprio E. P. Thompson em ampliar historicamente a noção de “economia moral”. No entanto, não advogamos uma ortodoxia interpretativa, mas, uma fonte de inspiração capaz de orientar a análise do atual ciclo de protestos que toma conta da França.










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