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11 outubro 2010

A parábola orwelliana

O artigo de Paul Krugman diz taxativamente que milionários estão por trás de movimentos norteamericanos de ultradireita. A relação entre mídia e política lembra uma refilmagem de Cidadão Kane, a parábola de Orson Wells que mostra como imprensa, dinheiro e poder relacionam-se intimamente na avidez por tomar conta da política, a todo o custo e da pior maneira possível.


Traduzido para o Uol por Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

Milionários estão por trás de movimentos norteamericanos de ultradireitaPaul Krugman*

Uma nota para os ativistas do Tea Party: esse não é o filme que vocês estão pensando. Provavelmente vocês imaginam que estão estrelando "O Nascimento de uma Nação", mas na verdade são apenas figurantes em um "remake" de "Cidadão Kane".

É verdade, houve algumas mudanças na trama. Na original, Kane tentava comprar um alto cargo político para si mesmo. Na nova versão ele apenas coloca os políticos em sua folha de pagamentos.

Eu digo isso literalmente. Como o site "Politico" indicou recentemente, todo candidato importante para a nomeação presidencial republicana em 2012 que não está atualmente em um cargo e não se chama Mitt Romney é hoje um colaborador pago da Fox News. Hoje, magnatas da mídia com frequência promovem as carreiras e as campanhas de políticos que eles acreditam que servirão a seus interesses. Mas enviar cheques diretamente para favoritos políticos leva a coisa a um nível totalmente novo de descaramento.

ssivelmente isto não deva causar surpresa. O conservadorismo americano moderno é, em grande medida, um movimento moldado por bilionários e suas contas bancárias, e pagamentos garantidos para os ideologicamente leais são uma parte importante do sistema. Cientistas dispostos a negar a existência da mudança climática causada pelo homem, economistas dispostos a declarar que os cortes fiscais para os ricos são essenciais para o crescimento, estrategistas dispostos a oferecer explicações para guerras eletivas, advogados dispostos a fornecer defesas da tortura - todos contam com o apoio de uma rede de organizações que podem parecer independentes na superfície, mas são amplamente financiadas por um punhado de famílias ricas.

E essas organizações há muito fornecem abrigo para figuras políticas conservadoras que não exercem cargos atualmente. Assim, quando o senador Rick Santorum foi derrotado em 2006, conseguiu um novo emprego como diretor de um programa de Inimigos da América no Centro de Políticas Públicas e Ética, um grupo de pensadores que recebe financiamento das fontes habituais: os irmãos Koch, a família Coors e assim por diante.

Hoje Santorum é um desses colaboradores pagos pela Fox que contemplam uma campanha presidencial. Qual é a diferença?

Bem, por um lado a Fox News parece ter decidido que não precisa mais manter a pretensão de ser apartidária.

Ninguém que prestava atenção jamais duvidou de que a Fox é, na verdade, uma parte da máquina política republicana; mas a rede - com seu slogan orwelliano, "justa e equilibrada" - sempre negou o óbvio. Oficialmente, ainda nega. Mas ao contratar esses candidatos republicanos, enquanto ao mesmo tempo faz contribuições milionárias para a Associação de Governadores Republicanos e a Câmara do Comércio dos EUA, violentamente anti-Obama, a News Corp. de Rupert Murdoch, que é dona da Fox, dá sinais de que não sente mais necessidade de fazer qualquer esforço para manter as aparências.

Outra coisa também mudou: cada vez mais a Fox News passou de meramente apoiar candidatos republicanos a ungi-los. Christine O'Donnell, a irritada vencedora da primária republicana para o Senado em Delaware, é muitas vezes descrita como candidata do Tea Party, mas diante da publicidade que a rede lhe deu ela poderia igualmente ser descrita como candidata da Fox News. De qualquer modo, não há muita diferença: o movimento Tea Party deve grande parte de sua ascensão à entusiástica cobertura da Fox.

Como disse o analista político republicano David Frum: "Os republicanos originalmente pensavam que a Fox trabalhasse para nós, mas agora estamos descobrindo que nós trabalhamos para a Fox" - literalmente, no caso de todos aqueles esperançosos presidenciáveis não-Mitt Romney. Aliás, dias depois Frum foi demitido pelo Instituto de Empresas Americanas. Os conservadores criticam a Fox sob seu próprio risco.

Assim, o ministério da Propaganda na verdade assumiu o controle do Politburo. Quais são as implicações?

Talvez a mais importante é perceber que quando bilionários colocam seu poder por trás da ação "de base" da direita não se trata apenas de ideologia: também tem a ver com negócios. O que os irmãos Koch compraram com suas enormes doações políticas é, principalmente, liberdade para poluir. O que Murdoch está adquirindo com seu papel político expandido é o tipo de influência que permite que seu império da mídia faça suas próprias regras.

Assim, no Reino Unido, um repórter do "News of the World", um dos jornais de Murdoch, foi apanhado invadindo o correio de voz de cidadãos importantes, incluindo membros da família real. Mas a Scotland Yard mostrou pouco interesse por ir ao fundo da história. Hoje o editor que dirigia o jornal quando ocorreu a invasão é chefe de comunicações do governo conservador - e esse governo está falando em cortar o orçamento da BBC, que é concorrente da News Corp.

Por isso, pense naqueles cheques para Sarah Palin e outros como investimentos inteligentes. Afinal, se você é um tubarão da mídia, é sempre bom ter amigos em altos cargos. E os amigos mais confiáveis são aqueles que sabem que devem tudo a você.

* Paul Krugman é professor de Economia na Universidade de Princeton. Escreve para o New York Times, que recentemente foi "socorrido" financeiramente por outro Cidadão Kane em potencial, o mexicano Carlos Slim, dono de um império das comunicações que envolve companhias telefônicas no mundo inteiro, jornais, revistas, rádios, jornais e, como diria os romanos, cansados de dizer os vastos territórios de seu império, "et coetera", ou simplesmente etc.


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