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13 outubro 2010

Números da distribuição de renda

Para medir a distribuição e a desigualdade de renda, normalmente são utilizados dois indicadores: o índice de Gini e a participação das rendas do trabalho no PIB
As duas medidas mostram que o movimento socioeconômico brasileiro caminha em direção ao desenvolvimento. Contudo, a caminhada começou faz pouco tempo e ainda está longe do ponto ideal de chegada.
O artigo é de João Sicsú*

Distribuir renda e reduzir desigualdades injustas deveriam estar sempre entre as prioridades de qualquer governo.

Para medir a distribuição e a desigualdade de renda, normalmente são utilizados dois indicadores: o índice de Gini, para medir a chamada distribuição pessoal da renda, e a participação das rendas do trabalho no PIB, para medir a distribuição funcional da renda.

No caso brasileiro, o índice de Gini é calculado com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. Mais de 96% das rendas declaradas na pesquisa correspondem a rendas do trabalho e a transferências públicas.

Sendo assim, a desigualdade medida pelo Gini/Pnad não é adequada para revelar a distribuição da renda entre trabalhadores, de um lado, e empresários, banqueiros, latifundiários, proprietários de bens/imóveis alugados e proprietários de títulos públicos e privados, de outro.

Contudo, deve ser enfatizado que, embora o Gini/Pnad revele apenas a realidade de uma parcela social brasileira, é sempre melhor ter um Gini menor e em queda do que um maior e estacionado (como nos anos 1995-1998). Quanto menor o Gini (que varia de zero a cem), menos desigual estão os indivíduos do ponto de vista das remunerações que recebem. No Brasil, em 1995, o Gini era 59,9; em 2009, foi 54.

A distribuição funcional da renda, ou seja, a distribuição entre trabalho e capital, é calculada pelo IBGE com base nas Contas Nacionais anuais. Em 1995, a soma dos salários e das remunerações de autônomos representava 64% do PIB.

Houve uma trajetória de queda contínua até 2004, quando alcançou 58%. A partir de 2005, houve um ponto de inflexão na trajetória, que se tornou ascendente, em todos os anos, de forma consecutiva.

Segundo dados do IBGE, em 2005, atingiu 58,4%; em 2006, 58,9%; e, em 2007, 59,4%.

O IBGE ainda não divulgou dados de 2008 e 2009. Contudo, é possível calcular os números para esses anos com base na Pesquisa Mensal de Emprego e nas Contas Nacionais Trimestrais, ambas do IBGE. O técnico do Ipea Estêvão Kopschitz estimou que, em 2008, o valor alcançado foi de 60,1%; em 2009, foi de 62,3%.

Na diretoria de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea desenvolve-se pesquisa para encontrar e quantificar as causas que explicam as variações da participação das rendas do trabalho como proporção do PIB. Com o objetivo de ampliar o debate sobre o tema, o Ipea fez extensa matéria na sua revista "Desafios do Desenvolvimento" de abril/maio de 2010 (disponível no site da instituição).

Embora ainda não seja possível afirmar de forma categórica as causas do movimento positivo da distribuição funcional da renda favorável aos trabalhadores nos últimos anos, algumas pistas estão muito claras. Houve dez anos de queda consecutiva (1995-2004) e cinco anos de recuperação (2005-2009) no período analisado.

O salário mínimo real médio, a preços de hoje, na fase de queda, era de R$ 292,53. Na fase de recuperação, foi de R$ 426,85. A taxa média real básica de juros nos anos 1995-2004 foi de 14,8%, enquanto nos anos 2005-2009 foi de 8,9%.

Como afirmei na revista acima citada, "quanto mais juros, menos salários, já que o PIB é um só".

Cabe ainda destacar que, na fase de queda, a geração de empregos com carteira assinada, em média por ano, era de 344 mil postos. Na fase de recuperação, foi de 1,31 milhão de postos.
O índice de Gini/Pnad e a participação percentual das remunerações dos trabalhadores no PIB não são medidas opostas, mas, sim, complementares. Ambas representam dimensões da desigualdade e do desenvolvimento social do país.

As duas medidas mostram que o movimento socioeconômico brasileiro caminha em direção ao desenvolvimento. Contudo, indicam também que a caminhada começou faz pouco tempo e ainda está longe do ponto ideal de chegada.

*JOÃO SICSÚ é professor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Este artigo foi publicado no jornal Folha de São Paulo, em 13 outubro 2010.

A foto acima é de Marcel Gautherot. Saiba mais

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