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21 abril 2015

O presente de grego do governador no aniversário de Brasília





Governador desconhece questões institucionais elementares sobre Brasília e o DF

Pode parecer uma bobagem e é mesmo. O governador do DF, Rodrigo Rollemberg, determinou a adoção de uma nova marca de governo: Governo de Brasília

O que salta aos olhos na nova marca e no discurso do governador é que ele não sabe a diferença entre Distrito Federal, Brasília e plano piloto. Ou, se sabe, não dá a isso a mínima importância.

Disse Rollemberg (em cerimônia no dia 17 deste mês):

“Ao adotar todo o Distrito Federal como Brasília e Brasília como todo o Distrito Federal, estamos resgatando um conceito original e dando um recado muito claro: que queremos, nos próximos anos, fazer com que a população de Ceilândia, de Planaltina, de Brazlândia, de Taguatinga, cada vez mais, tenha acesso às mesmas oportunidades e aos mesmos equipamentos públicos que têm no Plano Piloto”. (fonte: EBC).

Embora dita impessoal, a marca expressa uma ideia pessoal, um conceito do governador. Uma ideia do que "queremos, nos próximos anos, fazer". 

A pretensão logo contradiz o próprio discurso em que Rollemberg diz estar "resgatando um conceito original". Que conceito original? Ceilândia, Planaltina, Brazlândia, Taguatinga e tantas outras que o governador não citou não estavam no plano original da Capital. 

Planaltina (antiga Vila Mestre D'Armas), que era parte da localização inicialmente estabelecida (o 'Quadrilátero Cruls') já pela primeira comissão de demarcação da futura capital, foi deliberadamente deixada bem distante da cidade inaugurada em 1960. 

Alguma razão prática, lógica e de bom senso deve existir para o fato de que coisas diferentes sejam chamadas de Distrito Federal, Brasília e plano piloto. E há mesmo, não importa que até o governador do DF a desconheça ou desmereça.

O plano piloto era, segundo o próprio Lúcio Costa, uma ideia. Uma "simples ideia na minha cabeça" (dizia Lúcio Costa em 1974). O 'plano-piloto' (era assim mesmo, com minúsculas e hífen, que Lúcio Costa escreveu, em 1957, porque plano piloto nunca foi topônimo, i.é., nome de lugar) era e ainda é o projeto de Lúcio Costa vencedor do concurso público aberto para escolher a melhor proposta urbanística para a Capital. Depois, o projeto foi executado e virou  Brasília.

Um plano piloto é aquilo que hoje em dia normalmente se chama pelo apelido de 'plano diretor'. Quando alguém fala que 'mora no plano piloto', embora seja improvável alguém morar em um plano diretor, se entende que a pessoa na verdade abrevia a informação de que mora na região definida pelo Plano Piloto de Brasília, feito pelo arquiteto Lúcio Costa. Entende-se e perdoa-se com justificada razão o dito popular.

Mas quando o governador diz que quer, nas demais cidades, o mesmo que há "no Plano Piloto", mais uma vez, mostra que não está resgatando uma ideia original. Seria melhor Rollemberg inventar outra história - ele que é formado em História pela mesma UnB que eu; fomos veterano e calouro, respectivamente.

Quem olha o croqui de Lúcio Costa, feito às pressas para o concurso de 1957, ou pelo menos a legenda do croqui, vai entender que o plano piloto é a região que vai da Asa Norte e cercanias ao aeroporto; do Setor de Clubes e Eixo Monumental à Rodoferroviária, englobando também a região militar ('dos quartéis', dizia o urbanista), ou seja, o Cruzeiro, e a área que passa pelo  Setor de Indústria e Abastecimento.

A legenda do projeto é elucidativa do que se pode chamar de 'região do plano piloto':



De forma mais ampla, o decreto do GDF (Decreto 10.829, de 1987), que regulamentou a proteção à área tombada, repete o que deveria ser, mas não é, o mantra do governador e seus secretários: o plano piloto é 'a concepção urbana da cidade, conforme definida na planta em escala 1/20.000 e no Memorial Descritivo e respectivas ilustrações que constituem o projeto de autoria do Arquiteto Lúcio Costa, escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso para a construção da nova Capital do Brasil.' (Art. 1°).

O espaço definido pelo plano piloto corresponde 'à área delimitada a Leste pela orla do Lago Paranoá, a Oeste pela Estrada Parque Industrial e Abastecimento - EPIA; ao Sul pelo Córrego Vicente Pires e ao Norte pelo Córrego Bananal, considerada entorno direito dos dois eixos que estruturam o Plano Piloto.' (Art. 1°, § 2°).  


Brasília, marca de fantasia

O que são Brasília e o Distrito Federal? Brasília é a Capital da República. O Distrito Federal é o ente federativo autônomo que abriga a Capital Federal - que se chama Brasília, é bom enfatizar, tal o grau de confusão que o governador 'do Distrito Federal' resolveu fazer de agora em diante, assim que se autoproclamou 'governador de Brasília'.

Quem diz o que é Brasília e o que é o Distrito Federal? O governador do DF acha que é ele, mas eu ainda tenho a impressão de que é, em primeiro lugar, a Constituição da República. Em segundo lugar, é a Lei Orgânica do DF. Mas isso é para quem quer ser mesmo impessoal.

Rollemberg resolveu transformar Brasília em uma marca de fantasia. Da mesma maneira como tem gente que diz, sem qualquer problema, 'vamos ali tomar um guaraná'. No fundo, a gente entende que a pessoa te chama para tomar um refrigerante. Brasília, para Rollemberg e sua equipe, é o 'vamos ali tomar um guaraná'. Virou uma marca de fantasia no meio da Babel.


Tanto faz como tanto fez?

A partir de agora, segundo o governador, tudo é Brasília. Que bacana! Voltamos ao ano de 1967, quando a Constituição da ditadura dizia que 'O Distrito Federal é a Capital da União' (art. 2º). Brasília ali virou mesmo o Distrito Federal.

Rollemberg promete dotar todas as localidades do DF de 'acesso às mesmas oportunidades e aos mesmos equipamentos públicos que têm no Plano Piloto'. Desse jeito, Rollemberg vai superar JK fazendo 55 anos em 4. Se a promessa merece mesmo ser levada a sério, haja dinheiro para se gastar o que se gastou em Brasília durante 55 anos. 

O atual governo do DF e sua equipe talvez não saibam que as pessoas não têm vergonha de dizer que moram no Guará, em Samambaia, Águas Claras, Brazlândia, e que normalmente preferem dizer, de forma ainda mais específica, que moram no Vale do Amanhecer ou no Arapoanga (regiões de Planaltina), no Grande Colorado (em Sobradinho), no Setor O (Ceilândia), no Jardim Mangueiral (S. Sebastião).
   
Lembro-me de dois suíços que vieram em 2014 para a Copa do Mundo e se hospedaram em um hotel no Núcleo Bandeirante. Quando perguntaram por e-mail, lá da Suíça, antes de fazerem a reserva: 'aí é Brasília?' - a resposta foi 'sim, aqui é Brasília'.  Depois, claro, ficaram muito irritados. Eles queriam ter ficado era em Brasília mesmo. 

Certo dia, uma repórter dizia, do alto de um helicóptero, passando informações sobre o trânsito, que estava indo "da Asa Norte em direção ao Plano Piloto". Aí já é demais. Onde vamos parar? No plano piloto é que não é, com certeza.

Se cada um resolver ter uma ideia própria do que é Brasília, o DF e o plano piloto, a confusão tende a ser grande. Com a ajuda do governador, a quizumba tem tudo para ser um pouco maior.


Antonio Lassance,
Doutor em Ciência Política, bacharel e licenciado em História pela Universidade de Brasília, mora no Distrito Federal desde 1969. Morou em Planaltina, Guará, no Setor O da Ceilândia e até em Brasília. Hoje é morador da região do Jardim Botânico. 
















 
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