O estudo "Vozes do Bolsa Família", da socióloga Walquiria Leão Rego e do filósofo italiano Alessandro Pinzani (leia aqui), mostrou que a política tradicional clientelista perdeu força e que a arraigada cultura da resignação estava sendo abalada.
Por sua vez, o estudo de Renan Gomes de Pieri relacionou o impacto da melhora no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) sobre as chances de reeleição dos prefeitos nas eleições de 2004 e 2008.
Onde os indicadores do Ideb cresceram, as chances de reeleição aumentaram. Onde o IDHM cresceu, os prefeitos tiveram maior dificuldade de se reeleger em 2012 do que em outras regiões do país.
A conclusão dos pesquisadores é a de que onde as condições de vida melhoraram, mas trouxeram demandas mais amplas.
Reeleição caiu onde IDHM mais evoluiu
Cristian Klein, Jornal Valor Economico, 12-08-13, p. A6.
É o que mostra o levantamento feito pelo Valor Data, a partir do cruzamento de dados do PNUD, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Os resultados surpreendem e, de acordo com especialistas consultados pelo Valor, sugerem um fenômeno semelhante ao ocorrido nacionalmente em junho: as manifestações de rua, que ocorreram a despeito da sensação de bem-estar, do baixo nível de desemprego e do consumo ainda elevado.
Os prefeitos dos cem municípios com maior crescimento no IDH - entre 201% e 369% - tiveram uma taxa de reeleição de 48,7%. É uma proporção menor que a dos prefeitos das cem cidades que registraram as menores evoluções de IDH (entre 21% e 33%, ou seja, um patamar dez vezes inferior) no período - municípios em boa parte que já têm os maiores IDH em termos absolutos. Neste grupo, o índice de reeleição foi de 55,8%, praticamente o mesmo da média nacional, que ficou em 55%.
A comparação das taxas entre os cem que mais evoluíram, os cem menos e o total de 5.568 municípios mostra que a expectativa de renovar o mandato foi ficando cada vez mais difícil, apesar do progresso no IDH.
Desde que passou a vigorar o instituto da reeleição, em 2000, nas últimas quatro corridas municipais a taxa média nacional de recondução foi de 59,7% (pela taxa líquida, que inclui também os prefeitos que poderiam se reeleger mas não tentaram, esse percentual é de 41,3%).
O índice de reeleição nos cem municípios que mais evoluíram no IDH subiu de 68,8% para o pico de 82,4%, em 2004, quando passou a declinar fortemente, para 68,8%, em 2008, e para os 48,7% do ano passado.
Para o economista Renan Gomes de Pieri o resultado não é contraditório, pois ao sair de um patamar muito baixo de desenvolvimento a tendência da população local seria a de naturalizar os ganhos e exigir mais. Com mais educação, viriam uma noção maior de cidadania e um maior rigor com os governantes. Seria uma versão do processo ocorrido nos protestos de junho e que deixaram a classe política e estudiosos perplexos, uma vez que o cenário não indicava tamanha turbulência ou insatisfação.
De Pieri é um dos autores de um artigo, baseado em sua dissertação de mestrado de 2011, que relacionou o impacto da melhora no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) sobre as chances de reeleição dos prefeitos nas eleições de 2004 e 2008. Os dados da primeira disputa, quando o Ideb ainda não era divulgado, foram utilizados para controlar a relação causal, se ela não seria contrária, ou seja, se a reeleição é que estaria impactando a melhora no indicador - o que não foi confirmado. A pedido do Valor, Renan de Pieri estimou a probabilidade de reeleição dos prefeitos e também encontrou a correlação negativa nos municípios com maior avanço de IDH.
"Há o aumento do IDH, que, em princípio, nos leva à ideia de que estes prefeitos seriam recompensados. Mas pode ter ocorrido qualquer evento político local ou mesmo que os eleitores destes municípios tenham ficado mais exigentes. A reeleição neste caso pode ficar até mais difícil. É algo semelhante ao que aconteceu em junho. A despeito de termos uma taxa de 3% de desemprego, tivemos uma das maiores mobilizações populares que o país já viu", diz De Pieri. "Se fizermos um cruzamento entre reeleição de governadores e crescimento econômico a correlação talvez também seja negativa, pois a população está de olho em outros fatores como a qualidade dos serviços públicos e a corrupção", acrescenta.
Na dissertação, o pesquisador encontrou uma correlação positiva: o aumento em um ponto na escala do Ideb cresceria a probabilidade de reeleição em cinco pontos percentuais. O professor André Portela, da FGV-SP, que foi o orientador no estudo, diz que o trabalho quebra um mito de que educação não dá voto, mas ressalva que a diferença entre o Ideb, o IDH (que ainda inclui renda e saúde) e o perfil dos municípios pode levar a resultados distintos.
Não adianta um prefeito investir em educação, exemplifica, se no perfil demográfico do município há uma predominância de idosos, que demandam mais por investimentos em saúde. Ou o contrário: se numa população majoritariamente de jovens, a gestão privilegiar políticas públicas voltadas para saúde em detrimento daquelas da educação. "Por isso, nós, economistas em geral, somos críticos a essas rubricas, com percentuais obrigatórios para saúde ou educação. Quando elas são baixas, são irrelevantes. Mas se forem altas, restringem a alocação de recursos de forma mais apropriada", diz.
De Pieri destaca que, embora seu estudo tenha apontado um efeito da educação nas chances de reeleição, o impacto seria menor que outras realizações mais visíveis. "Educação dá voto, mas a relação custo-benefício é alta. Para o prefeito, é mais barato fazer uma ponte. O retorno eleitoral é mais garantido. Na educação, é difícil o eleitor enxergar o produto", afirma.
Essa dificuldade pode ajudar a explicar a baixa taxa de reeleição. Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) - parceiro do PNUD na elaboração do IDHM - afirma que 65% da evolução do indicador na última década se devem à educação - enquanto 35% foram puxados pela renda e pela saúde.
Ele lembra que o efeito sobre as chances de renovação de mandato dos prefeitos, no entanto, são "realmente difíceis de achar". "O IDH resume muitas políticas distintas e compartilhadas, que envolvem vários partidos e níveis de governos diferentes", diz. Neri ressalta que a educação - embora tenha sido o componente que mais contribuiu para a evolução no IDH - é a antítese do ciclo político, pois o estudante, seu maior beneficiado é, majoritariamente, "aquele que não vota, que não é protagonista" na eleição. Uma prova disso, cita o presidente do Ipea, seria o trabalho de um ex-aluno seu - o economista Gabriel Buchmann, morto aos 28 anos, em 2009, quando fazia uma escalada na África - que mostrou diminuição de gastos educacionais em anos eleitorais.
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