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29 agosto 2013

A candidatura do PSDB volta à estaca zero

Em torno da construção da candidatura de Aécio, FHC reassumiu o comando estratégico do PSDB, inclusive sobre o programa para 2014. Mas Serra ainda é o espectro que ronda o partido a cada campanha e permanece como um de seus grandes problemas. Enquanto patinam na tentativa de sair da estaca zero, Dilma tem uma dianteira de quase o triplo das intenções de voto em relação aos tucanos.

Antonio Lassance
Artigo publicado também na Carta Maior e no Jornal GGN
Tarde demais para voltar atrás
O muro, que tantas vezes serviu de metáfora para os tucanos, funciona como nunca enquanto representação de um partido emparedado.
Seu candidato preferencial, Aécio Neves, não deslancha nas pesquisas. Ao contrário, recuou. Sua primeira estratégia naufragou e ele corre contra o tempo para aprumar-se. Com a mística mineira de que come quieto, pelas beiradas, e de que devagar se vai mais longe, Aécio tratou de sua candidatura como se tivesse todo o tempo do mundo. Foi engolido pelos acontecimentos.
Em 2012, articulou dentro do PSDB para que recebesse apoios firmes e tivesse seu nome aventado como a bola da vez. Em seguida, em fevereiro de 2013, fez um discurso de candidato ao qual a velha mídia só não deu mais destaque porque o conteúdo era fraco, e sua oratória, sofrível. Em maio, foi eleito presidente do Partido, forma de insuflar sua evidência nacional e estreitar os laços com os diretórios regionais. Finalmente, em agosto, recebeu o apoio dos presidentes dos 27 diretórios estaduais. Cada evento dessa natureza foi organizado para consolidar Aécio como a opção incontestável do PSDB para 2014. No entanto, quanto mais reafirmam o senador como "o" candidato, menos seguros os tucanos estão de que fizeram a escolha acertada. A única certeza é a de que é tarde para voltar atrás.
Quando parecia que tinha tudo para se aproximar dos 20% de preferência dos eleitores, vieram as manifestações de junho. Entre julho e agosto, suas intenções de voto caíram perigosamente para próximo da linha dos 10%.
O partido que tanto esperou por outras candidaturas para favorecer as chances de um segundo turno corre o risco de, se houver, não ser convidado para a festa. A torcida para que Marina e Eduardo Campos entrassem no páreo agora vem misturada com o frio na barriga de que a Rede e o PSB lhe roubem a maior parte dos votos que não irão para o PT.
Para piorar, José Serra, seu arquirrival, apareceu melhor pontuado nas últimas pesquisas. Eterno candidato, Serra mostrou que tem bom "recall" (é bem lembrado), embora também seja dono da maior de todas as rejeições (é extremamente mal lembrado).


Serra apresenta suas armas


Misto de zumbi e kamikaze, a candidatura Serra é um espectro que ronda o PSDB a cada quatro anos e permanece como um de seus grandes problemas.
A guerra travada nos bastidores contra Aécio Neves é bem maior que a troca de farpas que circula pela imprensa. Enquanto muitos dos analistas se debruçam mais sobre os golpes abaixo da linha de cintura, as verdadeiras batalhas tiveram como cenário não só as hostes tucanas. As disputas mais encarniçadas e ferozes se deram pelo apoio de outros partidos, como o PSD, o PPS, o PMN e o DEM.
Serra estava recolhido, desde o início do ano, diante não apenas da costura partidária pavimentada por Aécio. Havia uma restrição importante à sua candidatura por parte dos grandes financiadores de campanha, mais exatamente, dos bancos. Sondados desde o final de 2012, eles responderam que o mais importante critério para o apoio concentrado de oposição a Dilma era o de arranjar um nome realmente competitivo. A rejeição no eleitorado e o histórico de derrotas pesaram contra o velho postulante de sempre. Hoje, a ascensão de Marina e o fato de ela ter se cercado de interlocutores da cozinha do sistema financeiro privado criaram um compasso de espera entre os grandes financiadores. Enquanto Serra foi imediatamente preterido, o ímpeto pela campanha de Aécio também sofreu um refluxo.
A prioridade de Aécio vinha sendo a de desbastar arestas internas e dar coesão ao PSDB nos estados. Serra, por sua vez, saiu a campo com a estratégia de mostrar-se mais competitivo por sua capacidade de atrair apoio de outros partidos. Aécio partia apenas da fidelidade canina do DEM em quase todas as campanhas presidenciais do PSDB (à exceção da de 2002) e da sinalização de apoio de Paulinho da Força, com seu partido em gestação, o Solidariedade, que, pelo andar da carruagem, deve nascer nanico, bem abaixo do peso declarado por seu progenitor.
Serra foi para cima do PSD, do PPS e do PMN. Rapidamente conseguiu uma simulação de neutralidade do PSD em relação ao governo Dilma. Depois, ganhou de presente de Gilberto Kassab uma declaração de compromisso, segundo a qual, fosse Serra candidato, Kassab se sentiria na obrigação de apoiá-lo. O presidente do PSD pôde retribuir e agradar aquele que foi responsável por tê-lo guindado à prefeitura de São Paulo sem ter que apoiá-lo ao final. Julgava remota, como de fato é, a chance de ver Serra candidato.
Em seguida, Serra acionou Roberto Freire (PPS-SP) para dar andamento à ideia de fusão do PPS com o PMN, que levaria à criação do MD (Mobilização Democrática). Freire em momento algum escondeu que o movimento estava sendo patrocinado por Serra.


FHC assume o comando
A certa altura, Serra não apenas rivalizava com as intenções espontâneas de Aécio como se mostrava mais apto a conquistar, com outros partidos, mais tempo de TV e rádio para os tucanos. Teria assim uma candidatura mais robusta que a de Aécio. O laço final do embrulho foi a ameaça de abandonar o partido e fazer carreira solo, o que o trouxe definitivamente de volta ao jogo. A ofensiva assustou Aécio e forçou sua reação. Conseguiu, do DEM e do PPS, a garantia de que, se unisse o PSDB e demovesse Serra da tentativa de ser candidato, contaria com o apoio desses dois partidos.
Mais importante, convenceu FHC a agir de modo mais ostensivo a seu favor. Usou, para isso, dois argumentos que soavam como música aos ouvidos do ex-presidente. Primeiro, o de que FHC era a única pessoa capaz de unir o PSDB em torno de um só candidato. Aécio se apresentava com a proposta de ser, antes de uma candidatura do PSDB, uma candidatura de FHC. Estava ali o ex-presidente diante de alguém que lhe rogava ser transformado em sua criatura. Em troca, Aécio se comprometia a resgatar a imagem desgastada da presidência FHC, defendendo-a sem constrangimentos. Era tudo o que FHC gostaria de ouvir e de ver acontecer em uma nova campanha do PSDB, sepultando de vez as experiências de 2002, 2006 e 2010, quando seus 8 anos de governo foram renegados por Serra e Alckmin.
Ao invés de uma candidatura com vergonha de defendê-lo, finalmente aparecia um candidato sem vergonha de ser privatista, contracionista, pró-globalização, desregulamentador, gerencialista, enfim, alguém para fazer uma campanha com a cara e o legado de FHC. O discurso ainda viria a calhar na estratégia de recuperar o entusiasmo dos bancos no patrocínio à candidatura.


A operação desmonte da candidatura Serra
Sobre Alckmin, a pressão veio no sentido de disseminar incertezas sobre sua reeleição em 2014. Afinal, o que garantiria que as articulações de Serra, embora a princípio mirassem a campanha presidencial, não fossem ao fim direcionadas para uma candidatura a governador contra o próprio Alckmin? A cizânia surtiu efeito rapidamente. Em março, Alckmin sacramentou seu apoio à eleição de Aécio como presidente do Partido. A única condição imposta foi: una o partido - ou seja, resolva o problema chamado José Serra.
A jogada seguinte de Aécio foi desmontar a operação de fusão do PPS com o PMN. O alvo central foi o PMN. Contra a negociação nacional para a fusão que criaria o Mobilização Democrática (MD), capitaneada por Freire, agiram dois pesos pesados. O próprio Aécio entrou em cena diretamente sobre o PMN mineiro, enquanto Alckmin atuou sobre o PMN paulista. Em ambos os casos, o PMN é inquilino do condomínio peéssedebista dos governos de cada um desses estados. Entre trocar o certo pelo duvidoso, o PMN preferiu agir pragmaticamente. Calculou que valia mais a pena ser leal aos governos do que a uma pré-candidatura instável (Serra). Desfez seus acertos com o PPS alegando questões programáticas sobre reforma política e prioridade às bases municipais. Traduzindo: os governos aliados a Aécio cobriram a oferta de Serra e Freire e a ideia da MD se dissipou feito fumaça.
A sucessão de estocadas irritou Serra, mas também o enfraqueceu. A ameaça de sair do partido acabou posta sobre a prateleira, trocada pela insistência em realizar prévias. Alckmin foi o primeiro a manifestar-se favoravelmente à ideia. Não apenas para contemporizar com Serra, cuja presença no PSDB paulista é considerada intimidatória sobre o grupo alckmista. Depois que Serra dissera que certamente seria candidato “a alguma coisa” em 2014, Alckmin passou a ver as prévias como uma maneira de amarrá-lo ao PSDB, enterrando por completo qualquer ameaça à sua candidatura à reeleição do Governo do Estado. Aécio chegou a cogitar que as prévias ocorressem depois de 5 de outubro, tirando a chance de Serra, se derrotado, mudar de partido. A proposta carimbaria a desconfiança contra Serra dentro do próprio PSDB.
No capítulo mais recente da novela, FHC deixou de fazer o papel de bombeiro e preferiu incinerar de vez as pretensões serristas. Em entrevista ao jornal Valor Econômico (26/8/2013), foi duro com Serra e fez uma defesa enfática da candidatura de Aécio. Disse que era muito difícil que ocorressem prévias e afirmou que "a imensa maioria do PSDB quer Aécio". Foi além ao dizer que Serra era um "ser racional", que deveria ser realista e que seu palpite era de que ele fica no PSDB. Para bom entendedor, FHC acusou Serra de estar blefando.
O recado, dado em alto e bom som, era o de que aquela pré-candidatura estava isolada e esvaziada dentro e fora do PSDB. Se saísse do partido, sairia sozinho, abandonado inclusive por seus aliados mais próximos, como o senador Aloysio Nunes Ferreira.
Em torno da construção da candidatura de Aécio, FHC reassumiu o comando estratégico do PSDB, inclusive sobre o programa para 2014. Foi ele um dos primeiros a arquitetar a candidatura de Aécio e, agora, era o responsável por jogar a pá de cal sobre Serra.
Xeque! Cabe a Serra a próxima jogada.
Enquanto isso, a pouco mais de um ano das eleições, Dilma tem uma dianteira de quase o triplo das intenções de voto em relação aos tucanos, que patinam na tentativa de sair da estaca zero.


 
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28 agosto 2013

Foi ela quem insistiu com Martin Luther King

"Fale para eles sobre o sonho, Martin".
Mahalia Jackson, "He's Got The Whole World In His Hands"



BBC:

Dia 28 de agosto
Em toda a manhã do dia 28 de agosto, enquanto manifestos ganhavam forma do lado de fora de sua janela, o Presidente Kennedy permanecia seguro dentro da Casa Branca liderando uma reunião com estrategistas em política internacional para discutir a guerra do Vietnã. Antecipadamente à marcha, ele tinha resistido às exigências de Martin Luther King e demais líderes das chamadas "Big Six" (grandes seis) organizações de direito civil de recebê-los em audiência naquela manhã, já que ele não gostaria de ser identificado como um líder muito próximo das manifestações que poderiam se tornar violentas.
Seus conselheiros também estavam preocupados com a possibilidade de que os líderes negros chegassem à Casa Branca com uma lista de requisições nada razoáveis, impossíveis para o presidente realizar. Se eles deixassem o salão oval da casa presidencial sem um acordo, toda a demonstração nas ruas poderia mudar drasticamente. Para desapontamento dos organizadores da marcha, Kennedy decidiu ser contra a iniciativa de enviar aos manifestantes uma mensagem presidencial, temendo que isso poderia provocar manifestações contra ele no "Mall" - área pública que circunda a Casa Branca. Em vez disso, ele concordou em receber uma delegação de líderes negros na Casa Branca somente depois que a marcha terminasse, com a esperança de que isso abrandasse a retórica contra ele.
Como precaução extra contra pronunciamentos inflamados - e também para prevenir os subversivos de tomar o controle do sistema de anúncio presidencial - um oficial da administração foi posicionado do lado direito do Lincoln Memorial com um interruptor para desligar o equipamento de som e também com uma vitrola de tocar discos. Se os manifestantes conseguissem tomar o palanque do microfone, o som seria cortado e a música "Ele tem o mundo todo em suas mãos", cantada por Mahalia Jackson, seria tocada no lugar.

O discurso históricoÀs 13h40, a asa oeste da Casa Branca acomodava uma pequena televisão no salão oval por meio da qual Kennedy começou a assistir King pouco antes de ele começar a falar. De pé e posicionado bem no meio da escadaria do mais magnificente púlpito que a América poderia oferecer, o orador pairou o olhar sobre o imenso "mar" de 200 mil manifestantes que se aglomeravam nos dois lados do espalho d'água até além dos limites do Mall, chegando ao Monumento Washington.
Milhares também formavam uma multidão nas áreas laterais do gramado, enquanto outros se mantinham na água da piscina com água até os joelhos para amenizar o calor. Outros ainda cantarolavam amontoados nas árvores expostas à brisa de fim de tarde. Eles não estavam apenas cantando, mas rezando, se abraçando, dando risadas e aplaudindo.
Com a imponente estátua de Abraham Lincoln pairando sobre ele, King então começou a falar para os manifestantes que sua presença à sombra simbólica do "grande emancipador" oferecia uma prova maravilhosa de que uma nova ordem estava se espalhando pelo país. Por muito tempo, ele reclamou do fato de os americanos negros serem exilados na sua própria terra, "paralisados pelas amarras da segregação e das correntes da discriminação".
Seria fatal para a nação "não vislumbrar a urgência do momento e subestimar a determinação do negro".
Sofrendo com o calor sufocante, a primeira reação dos manifestantes foi o silêncio. O discurso não estava indo bem.
"Fale para eles sobre o sonho, Martin"
Mahalia Jackson, cantora que incitou King a iniciar histórico discurso
"Fale para eles sobre o sonho, Martin", gritou Mahalia Jackson, se referindo ao já conhecido artifício de discurso utilizado por King muitas vezes. A mensagem não havia entrado no discurso planejado por ele, porque seus assessores insistiram em material novo. Mas King decidiu deixar de lado suas anotações e adentrou espontaneamente no refrão pelo qual ele será lembrado para sempre na história.
"Eu tenho um sonho de que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado de sua crença", gritou King com seu braço direito levantado para o céu. Rapidamente, ele já estava ganhando seu ritmo vigoroso pela coro emocionado da multidão. "Sonhe!", gritavam eles. "Sonhe!"
Com sua voz alcançando toda a extensão do Mall, King imaginou um futuro em que crianças poderiam "viver numa nação onde eles não seriam julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu carácter". Foi assim que ele alcançou seu caloroso final.
King ainda pediu à multidão para sinalizar se estavam ouvindo bem.
Assistindo na Casa Branca, o presidente Kennedy estava imóvel. Como muitos americanos, esta foi a primeira vez que ele ouvira o discurso de um orador de 34 anos em sua totalidade - pela primeira vez ele avaliou seu método e ouviu sua cadência. "Ele é bom", disse Kennedy para um de seus assessores. "Ele é muito bom". Entretanto, o presidente parecia ter se impressionado mais pela qualidade da performance de King do que no poder de sua mensagem.
Mas a mensagem era vital. King fez um poderoso discurso pela mudança racial de forma não-violenta. E fez isso com tanta eloquência e poder que a mensagem reverberou não apenas no Mall de Washington, mas também na sala de estar dos americanos. Dias terríveis e violentos se seguiram. Ainda assim, mesmo com toda a preocupação com a segurança antes do manifesto, 28 de agosto de 1963 foi um dia incrivelmente belo.
Sem confrontos, a marcha provou-se um alívio para a polícia. Até o cair da tarde, houve apenas três prisões, todas envolvendo brancos. No evento, a única ameaça para a polícia não veio de um manifestante desordeiro, mas do frango distribuído mais cedo naquela manhã, que não havia sido refrigerado adequadamente. Pouco depois das 16h, o chefe da polícia emitiu sua mais importante ordem do dia: nenhum dos oficiais deveria, sob qualquer hipótese, tocar no frango que fora preparado para o jantar.
Aos pés do Lincoln Memorial, Martin Luther King e seus colegas foram colocados em uma caravana de limousines oficiais que bem devagar cruzaram por entre a multidão no trajeto até a a Casa Branca.
Kennedy então recebeu os líderes negros com cumprimentos e repetiu o sonoro refrão que elevou o movimento de direitos civis a um novo plano espiritual: "Eu tenho um sonho".
E assim, ele encaminhou todos ao salão oval.

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27 agosto 2013

'Black blocs' agem com inspiração fascista


É a opinião da filósofa Marilena Chauí 



Em palestra a cadetes e oficiais, professora da USP defende que protestos de setembro clamem por reformas


Para Marilena Chauí, grupo de manifestantes ataca indivíduos e não tem caráter revolucionário


Os "black blocs", grupos que têm promovido atos violentos durante manifestações, têm mais inclinações fascistas do que anarquistas, afirmou ontem a filósofa Marilena Chaui, em palestra na Academia da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Para ela, os grupos têm como foco o ataque a indivíduos e não apresentam um plano de organização social futuro, em substituição à estrutura social vigente.

"Temos três formas de se colocar. Coloco os blacks' na fascista. Não é anarquismo, embora se apresentem assim. Porque, no caso do anarquista, o outro [indivíduo] nunca é seu alvo. Com os blacks', as outras pessoas são o alvo, tanto quanto as coisas", disse ela.

Chaui afirmou ainda que as manifestações de junho em nada se assemelham aos protestos de maio de 1968, na França. Para ela, as reivindicações atuais dialogam com o poder constituído, o Estado.

"O grande lema [em 1968] era: é proibido proibir porque nós somos contra todas as formas de poder. Não se reivindicou nada. [...] As manifestações de junho não disseram não' a coisa nenhuma. Eles se dirigiram ao poder, ao Estado e pediram diminuição da tarifa, mais verba para educação, saúde, CPIs e auditorias contra a corrupção e contra a Copa. Fizeram demandas institucionais ao poder."

Professora da USP e doutora honoris causa pela Universidade de Paris, Chaui participou do ciclo de conferências sobre violência, ministrado para cadetes em formação e oficiais da PM.

Chaui falou sobre "o mito da não violência brasileira", descrevendo a estrutura social como "opressiva" em relação aos mais pobres.

A criação da identidade nacional como "passiva" seria uma forma de evitar mudanças sociais radicais, que prejudiquem os detentores do poder político e econômico.

Mas, na análise da filósofa, os "black blocs" não usam o que ela chama de violência revolucionária.


"Ela só se realiza se há um agente revolucionário que tem uma visão do que é inaceitável no presente e qual a institucionalidade futura que se pretende construir", afirmou.

Ela ironizou algumas reivindicações desses grupos, como estatização dos bancos e a saída de Dilma Rousseff da Presidência.

Para Chaui, o modelo "black bloc" é uma mescla de "partidos de extrema esquerda a procura de uma linguagem intempestiva de reconhecimento social e nacional" e "essa coisa anárquica".

A filósofa defendeu que as manifestações previstas para setembro empunhem outras bandeiras.

"É preciso que as manifestações pegassem como tema a reforma política e tributária", disse.
 


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26 agosto 2013

Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age

Manuel Castells presents his book: Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age.



The book analyses new and old forms of communication and power relations ("the DNA of society").

Leia mais sobre novas tendências da comunicação e o futuro do jornalismo.
 
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O Brasil precisa de uma opinião pública melhor informada, atenta e democrática.
As manifestações presentes neste blog são de caráter estritamente pessoal. 
 
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22 agosto 2013

A geração bit se assenhora da comunicação, mas a revolta está no ar

Publicado na Carta Maior e no Jornal GGN.

A Geração Bit

A velha mídia está derretendo sob o sol a pino de novas formas de consumo da informação. Os abalos sofridos por ícones tradicionais do jornalismo se sucedem. O que sobrará dos velhos modelos?
Uma guerra de titãs se processa no campo da comunicação e da tecnologia da informação, envolvendo pelo menos três atores essenciais: os grandes grupos financeiros (bancos e seus financistas), as grandes corporações do mundo da informação e da comunicação e os governos.
Quem agora puxa o ritmo das transformações na comunicação são o que chamo de barões digitais, ou Geração Bit (de Bill Gates, da Microsoft; do finado Steve Jobs, da Apple; Mark Zuckerberg, do Facebook; Sergey Brin e Larry Page, do Google, Jeff Bezos, da Amazon, e tantos outros que não param de surgir), todos de trajetória meteórica.
Por enquanto, eles agem em conluio com os velhos gigantes das telecomunicações. O problema é que o principal negócio das telecons está se transformando. Dentro em breve, será quase exclusivamente o de entregar os produtos empacotados pelos barões digitais, pura e simplesmente. A sorte das telecons está, literalmente, por um fio. Se houver inovações que tornem a interligação física dispensável ou menos rentável do que o necessário para cobrir os custos de sua infraestrutura, as telefônicas passarão a ser a bola da vez do canibalismo dos barões digitais.
Mais cedo ou mais tarde, os velhos capitães das telecons terão que encarar diretamente os criadores da atual fase da era digital. Ambos os lados irão reinstalar o teatro que, há um século, se dava em torno de ferrovias, petróleo, energia elétrica e siderurgia. Na segunda metade do século XIX, esses barões ladrões se abraçavam e se apunhalavam o tempo todo. Algo similar deve ocorrer na era digital entre o baronato sem fio e o com fio, em duelos em que as armas serão telefones (fixos e móveis), computadores portáteis e televisores. Nenhum deles deve desaparecer. A grande incógnita não é quem irá vencer, mas sim como e quando os barões digitais da Geração Bit irão enterrar os telecons, e se alguém dentre as telefônicas irá mudar de lado a tempo para evitar ficar pequeno, como aconteceu com a IBM, a Xerox e a Kodak.
O entrechoque vai ditar os novos rumos da comunicação global. Aqueles que prevalecerem desse confronto irão transformar definitivamente o mundo das comunicações.

Os Cavalos de Troia
Os governos aparecem como peças chave dessa equação. Eles são propulsores das estratégias comerciais e industriais dos grupos econômicos que estão à frente das inovações que reinventam o mundo em que vivemos. Patrocinam as estratégias desses grupos, compram seus produtos e os alimentam de informação vendida como notícia.
O complexo militar é normalmente responsável por investir recursos maciços em tecnologias inovadoras que, posteriormente, ganham versões de mercado. Hoje se sabe o quanto tais tecnologias continuam sendo capturadas por objetivos militares e de influência geopolítica.
Celulares, tablets, notebooks e televisores, vendidos em lojas de varejo e dados aos montes em época de Natal, aniversário e Dia dos Namorados, são presentes de grego que trazem em suas barrigas soldados digitais (como era Edward Snowden), recrutados para abrir os portões das atividades, das preferências e dos pensamentos de cidadãos, empresas e governos, onde quer que estejam.
A comunidade de informação dos EUA continua se banqueteando de todos nós, a cada clique, como vermes escondidos. Graças a Snowden, descobrimos que o grande problema da internet não são os piratas, são os corsários, ladrões de informações preciosas a serviço dos governos. Ao invés de empunharem a bandeira de ossos cruzados, vestem uniformes e hasteiam as bandeiras de seus países.
Em meio a tudo, o outrora grande negócio do jornalismo tornou-se apenas um detalhe. Neste instante, completa-se uma longa trajetória que começou, no século XIX, com o jornalismo, enquanto profissão - “profissão liberal”, como se dizia no passado daqueles que trabalhavam por conta própria e recebiam o quanto lhes era pago diretamente por seus clientes. No século XX, o jornalismo abriu um grande mercado – o da comunicação de massa. Suas corporações carregavam o portentoso título de “a grande mídia”. Eram titãs nos velhos tempos. Alguns ainda são. Em pouco tempo dirão, como a personagem do filme “Crepúsculo dos deuses”: “eu sou grande! O mundo é que ficou pequeno”.
A trajetória hoje se completa com o jornalismo e a informação sendo transformados simplesmente em um produto. Um produto cada vez menor, rasteiro e descartável. Em uma visão dialética, se percebe que esse já era o destino para o qual os grandes veículos estavam transformando o caráter da notícia. Hoje, provam sua amarga colheita e se sentem envenenados.
Entre tantos sinais do derretimento colossal, o mais recente e apoteótico foi a compra do Washington Post pelo fundador e chefão da Amazon.com, Jeff Bezos. O Post custou o preço de um quadro de Paul Cézanne.
Pior destino tiveram muitos outros jornais. Eles se dividem entre os que desapareceram, os que permanecem em estado vegetativo e os que entraram em autofagia. A maioria resiste fazendo dos jornalistas suas principais vítimas, com demissões em massa e enxugamento das redações e editorias.
O titã tornou-se, ao fim, um Titanic. Foi essa a metáfora mais emblemática da venda do Washington Post a Bezos. O jornal encontrou seu iceberg, e é sobre ele que o negócio do jornalismo, prostrado, lança suas esperanças de abrigar-se. É sobre sua plataforma gigantesca e reluzente que se busca refúgio e alívio contra um destino pior: afundar.
O mesmo Bezos já havia vaticinado:
"A internet está transformando quase todos os elementos do negócio das notícias: reduziu os ciclos noticiosos, erodiu as fontes confiáveis de receita e abriu espaço a novas formas de competição, entre as quais as que têm pouco ou nenhum custo para a produção de notícias". (“Jeff Bezos, el multimillonario que compró el alicaído Washington Post”, BBC, 6/8/2013).

A notícia como mercadoria
O grande negócio do jornalismo, ao transformar a notícia em mercadoria, hipotecou sua independência. O “jornalismo independente” significava, no princípio, que o jornalismo era um negócio próprio, autônomo. Sua principal fonte de receita era a venda em bancas e as assinaturas. É esse modelo que está em crise.
Cada vez mais, os velhos jornalões estão sendo comprados ou por grandes financistas (como John W. Henry e Warren Buffett) ou por grupos de telecomunicações e novas mídias digitais (como Carlos Slim e, agora, Bezos). Bezos é o primeiro da Geração Bit a entrar pela porta da frente do mundo jornalístico. Antes dele, e pela porta dos fundos, o Google ameaçou fazer um estrago no jornalismo tradicional similar ao provocado pelo Youtube na indústria do entretenimento. Rodando resumos de notícias extraídas diretamente dos jornais, em tempo real, em seu motor de busca, ele provocou uma diminuição na propensão dos leitores de gastarem um clique a mais para visitar as páginas dos jornais, definhando a estatística que alimenta sua publicidade.
O jornalismo de grande escala é cada vez menos um negócio em si e cada vez mais uma parte de outros negócios. É um item a mais na grande lista de produtos das grandes corporações digitais de entretenimento.
Porém, a dialética da nova comunicação digital, se em escala global levou à sua transformação completa em mercadoria, em escala local produziu uma nova versão do jornalismo enquanto atividade militante, dedicada ao desmascaramento das relações ocultas entre o público e o privado. Também tem se revelado fundamental à proclamação da identidade de novos atores, com novas agendas na relação entre Estado e sociedade.
De fato, esse jornalismo militante estava presente na origem do jornalismo contemporâneo. Desde os tempos longínquos de Marat (1743-1793) e seu jornal “O Amigo do Povo”, fagulha essencial para a Revolução Francesa. Também no jornalismo operário do século XIX e na imprensa revolucionária dos partidos proscritos pelos governos aristocráticos da velha Europa. Estava igualmente visível na primeira imprensa dos Estados Unidos, que Alexis de Tocqueville (1805-1859) registrou como uma das bases essenciais “Da Democracia na América” (título de seu livro de 1835). Naquela república que, segundo ele, trazia um padrão de governança que se espalharia por todo o mundo, havia um cidadão com uma característica peculiar: o gosto por ler jornais.
Não à toa, ali se conformaria uma ética e uma estética do jornalismo que se tornariam um padrão internacional, pelas mãos do célebre Joseph Pulitzer (1847–1911). Pulitzer fez parte de um processo importante de formação da consciência nacional que contribuiu para para a luta contra acartelização econômica, o que forçou os partidos Republicano e Democrata a um realinhamento de suas plataformas e de suas relações com a sociedade.
 É importante lembrar o contexto de Pulitzer, de combate intenso do jornalismo contra os barões ladrões e crítica à política corrupta, capturada pelo interesse dos cartéis. Pulitzer fez parte de um processo importante de formação da consciência nacional que redundou na formação do chamado movimento progressita e de um Partido progressista”, forte o bastante para eleger um presidente (Theodore Roosevelt) que enfrentou a cartelização econômica e forçou os partidos Republicano e Democrata a um realinhamento de suas plataformas e de suas relações com a sociedade.
Nos tempos de Pulitzer, o leitor era a fonte essencial da sustentação dos veículos. Para vender, os jornais, em alguma medida precisavam expressar o ímpeto por mudanças. Paulatinamente, esse modelo foi superado. O jornalismo baseado no interesse do leitor foi transformado em jornalismo comercial, no qual a publicidade passou a ocupar um espaço fundamental. Ele já não podia, francamente, se reivindicar independente. Ele já não podia revelar suas relações íntimas com os grandes grupos econômicos e seus governos liberais. Como alternativa, sua pregação iconoclasta, sua simulação de independência e sua indignação se voltariam contra movimentos sociais, permanentemente estigmatizados, e contra governos progressistas, quase sempre nivelados por baixo e carimbados de corruptos.
A situação chegou ao paroxismo no Brasil, onde, como lembra o professor Mário Schapiro, a corrupção e as práticas ilícitas “parecem corresponder a um mercado de ficção: o mercado em que só há a demanda, mas não há a oferta" (SCHAPIRO, Cartel no Metrô e as Respostas do Direito. Blog do Estadão, 2/8/2013). Há corruptos por todo o Estado, mas o mercado de corruptores é apenas negócio.
O novo mundo da comunicação se encaminha para o que Manuel Castells (Communication, Power and Counter-power in the Network Society. International Journal of Communication, vol. 1, 2007, págs. 238-266) denominou “autocomunicação de massa”. Uma comunicação que não é mais absolutamente unívoca e depois massificada, e sim proveniente de uma profusão de atores e autores. Por meio da troca multimodal, algumas mensagens geradas por muitos e endereçadas a muitos ganham uma notoriedade viral.
Essa comunicação, dificílima de ser engarrafada pelos meios de comunicação tradicionais, é revolucionária por criar e recriar, o tempo todo, novos padrões comunicativos e narrativas inovadoras. Ao mesmo tempo, é uma comunicação descartável, que se desmancha no ar. Tende a gerar um Walter Cronkite por dia, descartando-o no dia seguinte (Cronkite, 1916-2009, foi o respeitado âncora da CBS entre os anos 1960 e 1980, e é o exemplo paradigmático do “formador de opinião”). É essa lógica do efêmero, movida pelo “on-line” e pela inovação de formatos e narrativas, que torna constante o descarte de profissionais, a repaginação dos lay-outs e a migração para novas plataformas eletrônicas. Estamos diante de um processo acelerado de destruição da atividade jornalística tradicional. O jornalismo não está morrendo. Está se reinventando. O que está morrendo é uma forma específica e datada de jornalismo.

A revolta da comunicação das ruas

Frente a um novo contexto e muitas dificuldades, a velha mídia do Brasil pisou distraída nas jornadas de junho - como foram apelidadas as manifestações ocorridas neste ano. Diante de novos padrões comunicativos e narrativas inovadoras, produzidas por atores multifacetados, os veículos de maior audiência resolveram brincar com fogo.        
Os maiores veículos não estavam seriamente interessados em saber o que estava acontecendo, e sim em direcionar o alvo do desgaste. Os especialistas de plantão eram os de sempre, inaptos a dar opiniões que realmente fizessem algum sentido em relação às pautas das manifestações.
Em pouco tempo, uma imprensa desacostumada a uma pluralidade de atores, sobre os quais praticou a delicada censura do silêncio, tornou-se ela própria um alvo evidente dos protestos. As grandes multidões eram compostas de inúmeras e diversas “multidinhas”. Em comum elas tinham, no mínimo, uma desconfiança em relação à velha mídia, mas alguns grupos demonstraram uma franca aversão e até ódio aos veículos mais tradicionais.
A tentativa da velha mídia de dublar as opiniões das multidões, com uma tradução enviesada por seus próprios interesses, gerou revolta e foi rechaçada de forma agressiva pelos manifestantes, que hostilizaram e expulsaram todos os jornalistas que se apresentaram na multidão com o símbolo dos grandes grupos de comunicação. Mesmo alguns de nossos melhores jornalistas, críticos e acostumados a mostrar o outro lado, foram nivelados por baixo. Algo que não se justifica, mas se explica.
De positivo, houve a eclosão de uma infinidade de comunicadores populares, com uma ideia na cabeça e um smartphone ou uma pequena câmera na mão. No Brasil, um desses grupos ganhou identidade em torno da Mídia Ninja. Mas há uma centena de pessoas e de grupos populares de comunicação espalhados pelo Brasil, surgidos em torno da vontade de mostrar o que ninguém vê. Se somarmos a isso a comunicação popular comunitária, a conta passa dos milhares. A única diferença para os Ninjas é que eles não surgiram das manifestações de ontem, e sim há um bom tempo, e ainda não escreveram seu manifesto.
Ao por em ação um novo padrão comunicativo, colocam em xeque o padrão tradicional de comunicação jornalística, publicitária, de eventos (como a Copa), e mesmo da comunicação digital. O jornalismo impresso era responsável por apresentar, diariamente, “uma condensação totalizante de determinada visão de mundo”, como lembra Maringoni (Jornal, o fim de uma concepção). 
A comunicação alternativa e popular ganha sentido com uma visão horizontal, crítica da sobredeterminação do mercado sobre as políticas públicas do Estado. Longe do mito da isenção e da imparcialidade, sua objetividade é garantida justamente pela possibilidade de estar próximo à ação popular ou de ser parte dessa própria ação.
Também essa visão engajada estava presente na origem do jornalismo. No entanto, o novo padrão comunicativo não é mais o velho engajamento dos publicistas, como o de Émile Zola (1840 - 1902) em seu “J’accuse”, ou o jornalismo de Samuel Weiner (1912-1980), que tomava partido pró-Getúlio Vargas (1930-1945). O velho publicismo e o jornalismo partidário faziam um apelo à consciência nacional. A comunicação popular e alternativa, de forma diversa, é parte do próprio alinhamento de setores da sociedade que ganham expressão comunicativa. Em meio a uma feroz disputa política, os velhos publicistas eram heróis da consciência nacional adormecida. Hoje, os que fazem a comunicação de movimentos sociais e de atos de revolta buscam sobretudo registrar e potencializar, e não orientar tais iniciativas.
O engajamento hoje se dá na relação com movimentos populares, dos quais sua comunicação brota e depende. Se (ou quando) tais movimentos se recolhem, essa comunicação tende ou a murchar ou a ganhar maturidade e permanência, como foi no caso da experiência da TV dos Trabalhadores. Quando não, hibernam junto com um outono das mobilizações, até que ressurjam com força, ou ganham nova forma e novo sentido.

O jornalismo mambembe diante dos governos que se comportam como empresas

Infelizmente, as formas de comunicação plurais, de pequena escala, que interessam ao cidadão que vê o mundo de sua janela, estão fora do radar da comunicação governamental. Os governos, que deveriam ser os principais interessados em comunicar para a cidadania, agem no mercado publicitário sem qualquer diferença em relação ao que fazem as fábricas de cerveja, as lojas de varejo e as montadoras de automóvel.
Há preocupações extremadas com a possibilidade, por exemplo, de financiar mídias que cobrem protestos - possivelmente, mais pelo fato de que as manifestações criticam todos os governos, como é próprio da luta pela cidadania. A luta por direitos sempre foi antecipada por revoltas, algumas violentas. Do ludismo dos ingleses e das sabotagens dos franceses, que jogavam seus “sabots” (tamancos) dentro das máquinas, contra a Revolução Industrial; dos protestos violentos de 1º. de maio de 1886 pela redução da jornada de trabalho; das passeatas pelo voto das mulheres (as sufragistas); das greves operárias de 1978 e 1980 que confrontaram a ditadura no Brasil; dos Occupy, nos EUA; dos indignados, na Espanha, aos revoltosos da Primavera Árabe.
Os movimentos que historicamente se tornaram vitoriosos foram aqueles que transformaram a revolta e a destruição em politização das pautas e em partidarização de bandeiras que foram sendo progressivamente institucionalizadas, ou seja, se tornaram regras. Uma dessas bandeiras ainda à espera de quem as empunhe com mais firmeza é a da democratização da comunicação.
Dizem que não se pode financiar mídias que, entre outras coisas, podem verbalizar protestos, mas não se tem pudor algum em anunciar em programas cujos apresentadores defendem que bandido bom é bandido morto, ou programas humorísticos em que as principais piadas são contra negros, mulheres, nordestinos e homossexuais. Se os índices de audiência justificam o gasto, não importa o gosto; não importa, nem mesmo, a mensagemanticidadã que pronunciem. Financiar o conservadorismo é normal. Financiar a mudança é um perigo.
Os governos chamam de “mídia técnica” aquela que é medida pelo Ibope e pelo Índice de Veiculação de Circulação de jornais e revistas (o IVC). Mas esquecem de dizer que o Ibope e IVCs dessas mídias é diariamente alimentado por um mercado de informações privilegiadas e das entrevistas exclusivas concedidas apenas para “os grandes”.
A informação produzida pelo Estado é um bem imaterial, mas que custa dinheiro público para ser produzida. Pois ela é rotineiramente dada privadamente de bom grado, conforme relações de amizade e interesses de evidência, ou jogada pela janela da cizânia de autoridades maiores e menores dos próprios governos. Sem licitação, sem transparência, sem critérios republicanos. Muitas vezes em segredo, o que é algo proibido pela lei que rege o serviço público (salvo raras exceções), mas é afrontosamente tolerado sob o charmoso apelido de “off”.
A “mídia técnica” gasta absurdamente mais recursos em TV do que em rádio, embora o consumo de informação dos brasileiros pelo rádio esteja praticamente no mesmo patamar do da TV. Gasta-se injustificadamente mais do que se deveria em jornais e revistas do que em internet. Gasta-se muito com poucas empresas de comunicação, e pouco com os profissionais que fazem a comunicação. Afinal, a esmagadora maioria dos profissionais da comunicação está fora do pequeno circuito da velha mídia.
Esse é um debate essencial e que precisa mudar de patamar. É preciso olhar ao redor o que acontece no mundo da nova comunicação digital e no que ocorreu bem debaixo de nosso nariz, após os protestos. A comunicação alternativa e popular não pode ser tratada como um jornalismo mambembe, que sobrevive de centavos jogados pelos transeuntes sobre um chapéu virado.
Sua principal virtude é tratada como um defeito pela visão oficial, dado o viés meramente comercial. A comunicação popular e a alternativa não são estritamente jornalismo, são comunicação em sentido amplo. Sua principal atividade não é apenas relatar e opinar (isso também), e sim dar voz, documentar ações e personagens muitas vezes invisíveis, contar histórias de quem é silenciado pelos meios tradicionais. Sua vocação não é a da massificação, mas a de públicos segmentados – melhor seria dizer, públicos especiais. Ela caminha pelo que Castells  chama de “pequenos meandros”, as redes de relacionamento social que precederam as ferramentas eletrônicas criadas para facilitar a produção e entrega de suas mensagens.
Essa comunicação não se dedica ao mercado, e sim à cidadania. Talvez por isso a maioria das áreas de publicidade dos governos, colonizada pela visão marqueteira e focada nos índices de popularidade, não sabe exatamente o que fazer com ela.
Deveria ser acolhida de forma pública e transparente nas estratégias de financiamento das políticas públicas que interessam ao fortalecimento da pluralidade, da democracia, da radicalização dos direitos de cidadania. É claro que essa possibilidade inovadora só poderia existir em governos que também não encarassem a notícia como mercadoria. É difícil encontrá-los.
Assim que Jeff Bezzos comprou o Washington Post, surgiram várias especulações sobre o que ele afinal pretende. Se Bezos estiver pensando grande, pode criar um novo modelo de negócio para o jornalismo, fazendo desaparecer muitos jornais, assim como, com o Kindle, seu leitor de livros digitais, ajudou  a fechar várias livrarias por todo o país. Outra hipótese é a de que, se estiver pensando pequeno, Bezos usará o Post apenas como instrumento para aumentar sua influência em Washington - convenhamos, Bezos não precisa do Post para isso, basta seu dinheiro. Alguns ainda disseram que ele quer, além da marca do Post, se aproveitar de uma parcela preciosa da inteligência nacional, aquela formada pelo excelente time de profissionais da notícia que vive sob o manto e o mito do jornal que derrubou Nixon. Provavelmente, Bezos está pensando não em uma, mas em todas as opções anteriores.
A que me parece mais instigante é justamente a da inteligência nacional. No Brasil, ela está sendo demitida dos jornais e partindo para voos solo, em blogs ou em novas organizações coletivas, micro, pequenas e médias; comunitárias ou cooperativas. Isso deveria interessar aos governos que pretendam uma política ousada e republicana de comunicação, capaz de relacioná-la mais aos direitos de cidadania do que ao Ibope. Uma política que se aproveitasse mais da extraordinária capacidade e inteligência dos jornalistas do que das marcas dos veículos que as transmitem. Afinal, tais marcas são efêmeras e decadentes. É melhor investir em quadros de Paul Cézzane. No futuro, eles valerão bem mais.
 
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16 agosto 2013

Filmografia de Getúlio Vargas

Comentada por Amir Labaki 
Tony Ramos vive Getúlio Vargas no filme "Os Últimos Dias de Getúlio" Bruno Veiga/Divulgação

"É incontornável notar a dívida do cinema brasileiro para com o político gaúcho que por mais longo período ocupou, democrática e sobretudo ditatorialmente, a presidência na história da república brasileira"

Caberá Getúlio em um filme?

O ator Tony Ramos interpreta Getúlio no filme de João Jardim.

Por Amir Labaki.
Artigo publicado no Valor Econômico, 16/08/2013




Segundo volume de biografia de Getúlio Vargas serve de bússola para documentaristas


Em meio à leitura do segundo volume da biografia de Getúlio Vargas escrita por Lira Neto (Companhia das Letras, 594 págs, R$ 52,50), é incontornável notar a dívida do cinema brasileiro para com o político gaúcho que por mais longo período ocupou, democrática e sobretudo ditatorialmente, a presidência na história da república brasileira. Débito frente à personalidade histórica, bem entendido, não com a autoridade executiva fomentadora da atividade cinematográfica, abordagem que mereceria sozinha outra coluna.

Penso, ainda mais especificamente, no documentário, não na ficção, embora também essa tenha sido no mínimo tímida na aproximação ao personagem. Ok, João Jardim (de "Janela da Alma") está em meio à produção de "Os Últimos Dias de Getúlio", com Tony Ramos no papel do presidente em pleno furacão político que o levou ao suicídio em 1954.

Período similar foi também coberto, em 1993 na TV, pela competente adaptação em minissérie do romance "Agosto", de Rubem Fonseca. Mas, quando lembramos que a imagem ficcional mais marcante de Getúlio nas telas é a breve paródia protagonizada por Oscarito em "Nem Sansão Nem Dalila" (1954), de Carlos Manga, percebe-se que a omissão é séria.

Três documentários em longa-metragem representam as tentativas pioneiras de examinar em filme Getúlio Vargas e seu legado. Ainda na esteira de sua trágica saída de cena, a produtora paulista Maristela, em coprodução com a Columbia Pictures, confiou a Alfredo Palácios (1922 - 1997) a direção de "Getúlio Vargas, Glória e Drama de um Povo" (1956).

Realizado em menos de dois meses, "emendando cinejornais", como reconstituiu Afrânio Mendes Catani, o resultado é "um filme monótono, sem comentários, com um narrador descrevendo as imagens". Uma campanha contra a produção pelo eterno antigetulista "O Estado de S. Paulo" levou o filme a ser arremessado num circuito de salas secundárias. O fracasso comercial foi acompanhado pelo crítico, como anuncia o título da resenha de Marcos Marguliès: "Getúlio, drama inglório de um produtor".

Não menos conturbada foi a trajetória de "O Mundo em que Getúlio Viveu", de Jorge Ileli (1925-2003). Realizado entre 1961 e 1963, o documentário teve seu lançamento, previsto para o aniversário de nascimento de Getúlio, em 19 de abril de 1964, precavidamente adiado devido ao golpe militar. Doze anos se passaram até que o filme chegasse aos cinemas, com os primeiros ventos do processo da abertura "lenta, segura e gradual" do governo Geisel.

Trabalhando a partir de materiais de arquivo brasileiro e também internacional, alguns até então quase desconhecidos, em especial em torno da Revolução de 1932, Ileli buscou dar "uma ideia do mundo em que Getúlio viveu". "Era uma reportagem", reconheceu sem "falsa modéstia".

"O meu trabalho é uma contribuição", disse Ileli em entrevista a Samuel Wainer e Narciso Kalili quando do lançamento em 1976. "Hoje há mais condições de se questionar Getúlio do que no meu tempo. Mais informações. O distanciamento permite que muitas pessoas possam dar seus testemunhos. Por isso não fiz interpretações." Foi o bastante para, em sua crítica, Sérgio Augusto reconhecesse que Ileli, "com a maior honestidade, procurou pintar um retrato sem preconceitos, nem pró, nem contra. Como nos livros neutros do historiador Hélio Silva".

O caminho para o documentário de Ileli havia sido facilitado pela estreia dois anos antes de "Getúlio Vargas", o primeiro longa de Ana Carolina (de "Mar de Rosas"). Narrado por Paulo César Pereio, a cineasta editou o filme no prazo recorde de 40 dias a partir essencialmente de materiais da Cinemateca Brasileira e "algumas coisas da família Vargas".

"Esse documentário me toca tão profundamente até hoje", diz ela no seu depoimento para a série de livros biográficos "Aplauso" (Imprensa Oficial), "porque é um filme sobre as paixões, as esperanças, sobre a entrega apaixonada às questões do Brasil". Já para o historiador Cláudio Aguiar Almeida, num ensaio publicado em 2007, "produzido em 1974, em plena ditadura militar, o filme de Ana Carolina recupera Getúlio Vargas como um exemplo de resistência às "forças reacionárias" que ameaçavam o país, sem questionar o autoritarismo que caracterizou esse personagem e os regimes que ele liderou".

A mais audaciosa e complexa operação de análise audiovisual da figura de Getúlio Vargas está em desenvolvimento há mais de duas décadas por Eduardo Escorel. Lançados em DVD numa caixa pela Log On, "1930 - Tempo de Revolução" (1990), "1932 - A Guerra Civil" (1993) e "1935 - Assalto ao Poder" (2002) analisam, em estilo cada vez mais ensaístico (menos entrevistas, mais análise das imagens de arquivo), o primeiro período de Getúlio no poder, como ditador ainda envergonhado. Escorel finaliza no momento uma série em cinco episódios sobre o Estado Novo (1937-1945).

Caberia Getúlio num único documentário? A resposta talvez não tarde. Num debate durante o É Tudo Verdade em abril passado, insistentemente provocado por um participante da plateia, Sílvio Tendler abaixou a guarda e reconheceu que, depois de JK, Jango e Tancredo, talvez devesse mesmo encarar o desafio de um retrato específico de Getúlio. Tomara. A bússola, Lira Neto já está providenciando.

Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.
 
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“Sem reforma política, tudo continuará como sempre foi"

"A distinção será apenas entre os que foram pegos e os que não foram”.
Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

‘Sem reforma política, tudo continuará como sempre foi’, diz Barroso

Na retomada do julgamento do “mensalão”, agora em fase de recursos, o mais novo ministro do STF criticou o sistema brasileiro que, segundo ele, transforma a política em negócio: “o julgamento da ação penal 470, mais do que a condenação de pessoas, significou a condenação de um sistema político”. Por Najla Passos, de Brasília

Najla Passos, Carta Maior, 15/08/2013

Brasília – O mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, defendeu a urgência da reforma política no Brasil, durante a sua estreia no julgamento do mensalão, nesta quarta (14), em Brasília (DF). “Sem reforma política, tudo continuará como sempre foi. A distinção será apenas entre os que foram pegos e os que não foram”, afirmou, ao tecer suas considerações iniciais sobre o julgamento que entra, agora, na fase de recursos, os chamados embargos.

Segundo ele, a sociedade brasileira está exausta da forma como se faz política no país. O ministro lembrou que uma campanha barata para deputado federal custa, em média R$ 400 milhões, enquanto o salário de um político não chega a R$ 1 milhão durante todo o mandato. “Com esses números, não há como a política viver sob o signo do interesse público, ela se torna um negócio. (...) O modelo político brasileiro produz uma ampla e quase inexorável criminalização da política”, enfatizou.

Dentre as principais características negativas do sistema brasileiro, ressaltou o papel central do dinheiro, a irrelevância programática dos partidos que funcionam como rótulos para candidaturas e o sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maioria estáveis. “O julgamento da ação penal 470, mais do que a condenação de pessoas, significou a condenação de um sistema político”, insistiu.

Barroso deixou claro também que não importa que a reforma política seja feita pelo Congresso ou diretamente pelo povo, por meio de plebiscito, conforme proposto pela presidenta Dilma Rousseff. Para ele, o importante é que ela ajude a coibir a corrupção, um mal maior que independe de coloração partidária. “Não existe corrupção do PT, do PSDB ou do PMDB. Não há corrupção melhor ou pior, dos nossos ou dos deles. Não há corrupção do bem. A corrupção é um mal em si e não deve ser politizada”, opinou.

Barroso também refutou que o chamado mensalão constituiu um evento isolado na vida política nacional. Como em uma linha do tempo imaginária, lembrou de escândalos como o dos “anões do orçamento” (1993), dos precatórios (1997), da construção do TRT-SF (1999) e Banestado (2003). Para ele, é no mínimo questionável que o mensalão seja o maior escândalo político da história do país, como insiste a mídia convencional. "Talvez se possa afirmar é que foi o mais investigado de todos, seja pelo Ministério Público, pela Política Federal ou pela imprensa”, acrescentou.

Embargos declaratórios
No primeiro dia de julgamento dos recursos da Ação Penal 470, os ministros do STF apreciaram cinco tópicos comuns em vários dos embargos declaratórios apresentados pelos 25 condenados. Presidente da corte e relator da ação, Joaquim Barbosa apresentou e rejeitou todos eles, que reivindicavam nova distribuição da ação penal, criticavam o cancelamento das notas taquigráficas referentes aos apartes concedidos em plenário, rediscutiam a competência da corte para julgar ação penal, contestavam a metodologia adotada no julgamento e pediam a nulidade do voto do ex-ministro Ayres Brito, que se aposentou durante o processo.

Primeiro a votar, Barroso seguiu o presidente na íntegra, mas não sem criticar a corte pela metodologia adotada no julgamento da ação, em que os ministros vencidos não participavam da dosimetria das penas. “Essa metodologia produziu desequilíbrios e penas mais altas do que o habitual”, pontuou, embora, no mérito, tenha seguido o relator ao rejeitar o embargo, por julgá-lo matéria já vencida. Os demais também seguiram o voto do relator, à exceção de Marco Aurélio Mello, que foi vencido nos dois tópicos em que apresentou visão diferenciada.

De acordo com Barbosa, definidas essas questões comuns a vários condenados, o julgamento dos embargos declaratórios será feito de forma individualizada. Só quando este processo terminar, a corte irá analisar os embargos infringentes que, conforme o Regimento do STF, dão direito a novo julgamento quando os réus condenados com pelo menos quatro votos divergentes.

O ministro Teori Zavaski, que também é novo na corte e não participou do julgamento do mensalão, entre agosto e dezembro de 2012, não compareceu à seção devido à morte recente de sua esposa. O ministro Gilmar Mendes chegou atrasado e não votou nesta primeira etapa.


 
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15 agosto 2013

Projeto de eleições limpas já recebeu mais da metade das assinaturas

Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que encabeça iniciativa, quer apresentar projeto de lei de iniciativa popular e mostra pesquisa que contradiz ideia de que o povo não sabe o que quer sobre o assunto.
Quem na verdade não sabe o que quer sobre o assunto é o Congresso.


O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, fala sobre o tema em entrevista à revista Carta Capital.

Eleições Limpas
Carta Capital, segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Em entrevista O presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coelho, detalha o projeto de reforma política defendido pela entidade

Pesquisa recente do Ibope, encomendada pela Ordem dos Advogados do Brasil, reafirma o apoio maciço dos brasileiros a uma reforma política e eleitoral. Segundo o levantamento, 85% da população deseja mudanças. O problema tem sido dar forma ao anseio das ruas. Depois de o Congresso praticamente enterrar a proposta de plebiscito da presidenta Dilma Rousseff e diante das enormes divergências entre os partidos, sobram poucas esperanças de um debate produtivo e rápido no Legislativo. Talvez por isso Dilma ande inclinada para apoiar a proposta do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, formado por 50 entidades, entre elas a própria OAB. O movimento já reuniu 62% das assinaturas necessárias para ingressar com um projeto de lei de iniciativa popular. Há dois eixos principais: eleições para deputados, senadores e vereadores em dois turnos e a proibição de doações de empresas aos candidatos. A seguir, Marcus Vinícius Furtado Coelho, presidente nacional da OAB, explica por que a entidade defende essas medidas.

CartaCapital: A OAB acaba de divulgar uma pesquisa segundo a qual 85% dos entrevistados são favoráveis a uma reforma política. Como o senhor avalia o resultado?

Marcus Vinícius Furtado: A pesquisa demonstra não ser verdadeira a afirmação de que o povo nada sabe sobre o assunto. A ampla maioria responde aos temas da reforma política e é favorável a um projeto que vigore a partir de 2014. A população não está se opondo à política, ela apenas quer vê-la praticada em bases mais legítimas.

CC: Um dos pontos principais do projeto defendido pela OAB são as eleições proporcionais em dois turnos. A ideia baseia-se no modelo político de outro país?

MVF: Eleições proporcionais em dois turnos existem em alguns países da Europa, como na França. Estamos nos inspirando em outros exemplos, mas adaptando a ideia à nossa realidade. Há, porém, um aspecto muito importante: não queremos mudar a Constituição Federal. Primeiro por um motivo filosófico, ao entendermos que ela deve ser preservada ao máximo. Segundo, por motivo pragmático, porque sem mudanças constitucionais você não precisa de três quintos do Congresso para aprovar a reforma, apenas de maioria simples. Nosso projeto mantém o sistema proporcional em primeiro turno, quando se votará em uma lista de candidatos. Assim, a população verá uma discussão de propostas e os partidos terão de se diferenciar. No segundo turno, o eleitor vai escolher diretamente os candidatos, como já é tradição do povo brasileiro. Queremos acabar com o "efeito Tiririca", quando o voto em um candidato ajuda a eleger políticos desconhecidos do eleitor. No nosso projeto, a lista será transparente e todos saberão em quem votam.

CC: O senhor acha que propostas como lista fechada sem segundo turno ou sistema distrital não se adaptariam à realidade política brasileira?

MVF: Lista fechada pura, como apresentada, tem um grave problema: estimula o "caciquismo" partidário. E possível que, em alguns partidos, a lista apresentada não seja representativa da vontade popular. Na nossa proposta, o segundo turno é justamente para evitar esse "caciquismo". O problema do sistema distrital é que você transformaria o deputado federal em um "vereador nacional". Aqueles parlamentares que defendem causas nacionais, como educação e saúde, perderiam espaço, pois o discurso para ganhar seria o de trazer mais obras e mais benefícios para seu distrito. O Parlamento brasileiro se transformaria em uma casa paroquial.

CC: Quanto ao financiamento de campanha, o projeto quer proibir doações de empresas. A proibição à contribuição de pessoa jurídica não poderia reforçar ainda mais a prática do caixa 2?

MVF: E por esse temor que o projeto da OAB prevê três duras punições ao caixa 2 de campanha. Primeiro, a criminalização, com reclusão de até oito anos. Atualmente, a pena máxima é de cinco anos. Segundo, a cassação do mandato, e, por último, a empresa doadora ficaria proibida de firmar contrato com o poder público por cinco anos. Sem contar que as estruturas de campanha serão coletivas, fazendo com que a responsabilidade pelo crime eleitoral seja de um grupo de candidatos, e não de apenas um político.

CC: Além do financiamento público de campanha, o Eleições Limpas também prevê teto para doações de pessoa física no valor de 700 reais. Como esse teto foi definido?

MVF: E o valor aproximado do salário mínimo, para evitar que o desnível econômico dos eleitores leve a um desnível da campanha eleitoral. O nosso projeto prevê também um limite máximo de gastos da campanha, a ser fixado pelo TSE em valores módicos. Queremos também a criação de uma comissão formada por integrantes da sociedade civil para acompanhar os gastos de campanha.

CC: Qual é o objetivo de modificar a regra do Fundo Partidário, destinando 10% do total igualmente entre os partidos que tenham ao menos um representante na Câmara, e diminuindo a porcentagem relativa à presença proporcional dos partidos na casa, de 95% para 85%?

MVF: É uma forma de estimular o pluripartidarismo no Brasil. Não queremos que nosso projeto seja acusado de beneficiar partidos já instalados. É um projeto que abre espaço para a renovação política. E possível que movimentos sociais, por exemplo, queiram formar novas agremiações, e por isso esse estímulo.

CC: O raciocínio é o mesmo para a Propaganda Eleitoral Gratuita, em que metade do tempo seria divido igualitariamente, em vez de um terço?

MVF: Sim. Mas é importante salientar que não queremos partidos de aluguel, cuja existência se resume a negociar tempo de televisão. Por isso o projeto prevê que a coligação partidária não significará aumento de tempo de propaganda eleitoral nem de recursos de campanha.

 
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